segunda-feira, abril 16, 2007

Sem direitos sobre cópias.

O António colocou uma questão que surge em muitas discussões sobre copyright:

«Quem cria, se não retém os direitos, e/ou não os pode vender, não tem proveito possível, e a actividade está condenada à extinção.»

É fácil ver que isto é falso no caso geral. Se fosse verdade não haveria Linux, nem matemática, nem investigação científica. Não haveria receitas ou notícias. Nem sequer tinha havido música antes de 1887, quando não havia nada parecido com o direito de monopólio que há hoje. Mas consideremos o caso particular do tipo de música que haveria agora se não houvesse qualquer direito sobre cópias.

Um músico seria como um cozinheiro ou um cientista, criando algo que a lei permite que se copie livremente, e recompensado pelo trabalho que faz quando o faz, em vez de quando outros tiram proveito da sua criatividade. Isto iria alterar significativamente a indústria discográfica, mas é importante salientar que a alteração não seria nem injusta nem discriminatória. Pelo contrário; faria da profissão de músico uma profissão como qualquer outra.

Na verdade, para o músico a situação financeira seria semelhante. Tal como acontece hoje em dia, a rádio e os CDs seriam mais um meio de divulgação que de rendimento. A distribuição também não seria muito afectada, a julgar pelo que acontece com o software livre: há vários distribuidores de sistemas operacionais e aplicativos open source que fazem negócio a vender conteúdos de cópia livre. A maior diferença seria no modelo de promoção, fabrico de artistas e manipulação de mercado de que dependem as empresas discográficas. Esse deixaria de ser rentável sem o direito exclusivo de controlar as cópias. Mas esse negócio é um impedimento à criatividade artística, e a música passa bem sem ele.

Isto se se abolisse todo o monopólio sobre a cópia. Mas entre esta opção e a situação que temos hoje há muitas alternativas. Por exemplo, garantir ao artista uma percentagem sempre que alguém compra um CD ou uma música, o que não exigiria interceptar comunicações ou controlar o que as pessoas fazem em suas casas. Este benefício podia ser concedido apenas por poucos anos para incentivar a distribuição rápida e não permitir abusos. A distribuição gratuita para o consumidor seria livre, pois seja rádio, internet, P2P, bares ou cabeleireiros é uma forma de promoção que beneficia o artista e não carece de incentivos especiais.

Em suma, o efeito de abolir os direitos de cópia é simplesmente impedir este monopólio, o negócio de comprar direitos de autor e viver dos rendimentos. Mas isto não prejudica a música. Pelo contrário. É um incentivo para a inovação artística que o artista ganhe o seu dinheiro exercendo a profissão, como fizeram Bach e Beethoven, e como faz hoje em dia qualquer cientista, estilista, ou cozinheiro.

Confesso que a minha perspectiva é tendenciosa. Como professor e investigador estou habituado a não esperar grandes rendimentos, a trabalhar principalmente porque gosto do que faço, e a oferecer o que produzo sem cobrar, sejam os posts no blog, os slides das aulas, os artigos, teses, ou mesmo o software que passei anos a escrever. Mas parece-me que é esta atitude que devemos fomentar se queremos incentivar a criatividade.

13 comentários:

  1. E o copyright, no caso da música, pode perfeitamente castrar a criatividade, se se tiver direitos de autor sobre um cânone, por exemplo.

    É que quase todas as músicas comerciais encaixam num cânone. São todas elas variações de um mesmo tema.

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  2. O povo, unido, jamais será vencido!

    Vermelhito...?! Ou Não?

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  3. Não penso que se teriam direitos de autor sobre um cânone na música, da mesma forma que os artistas plásticos não têm direitos de autor sobre os cânones movimentos em que se inserem.

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  4. Sobre cânones, é mais complicado estabelecer propriedade, já que não há uma quantificação exacta do que os define. Apenas principios gerais. O que existe é a necessidade de garantir que a execução individual, criativa, de um trabalho artistico não acaba a gerar rendimento no sitio errado. Concordo com o Ludwig na questão da qualidade músical e na criatividade, que actualmente anda por baixo nos meios comerciais, mas, não creio que seja pelo copyright que o problema existe. É mesmo pelo fenomeno da publicidade. Os mediocres que as editoras promovem, tipo D'ZRT são objectos publicitários. Não têm talento nenhúm, a não ser para se exibirem, e copiarem músicas de outros. Sem o copyright, aqueles a quem eles imitam as cançonetas não receberiam nada. O mal é que o copyright é vendido a empresas, que não contribuem para a criatividade, apenas vivem da dita alheia, e quando alguém compra um CD, na realidade o autor não recebe mais que uns centimos por isso, os restantes 14,xx euros vão para o estado (pelo menos 21%), para editoras e distribuidores.

    Sobre o Linux, que o Ludwig referiu, até haver alguém a desenvolver a soldo, o Linux era só uma brincadeira académica. Na vida real, só as "Enterprise Editions", que custam na casa dos milhares de euros e com contratos de manutenção é que servem a população em geral, nos servidores das empresas de serviços, pois ninguém compra algo que envolva responsabilidades financeiras (bases de dados, webserver, etc.) sem ter uma "cara" a quem apontar o dedo e sacar responsabilidades. O open source puro, e de distribuição livre é mesmo só para quem tem tempo demais para gastar a brincar à informática em casa. Eu ainda assim prefiro o Solaris... É pago, mas, é muito mais robusto e seguro... Mas, não me ralava que fosse à borla.

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  5. O problema da música ser quase só publicidade é consequência directa do sistema de direitos de autor. É esse direito de monopólio que torna rentável criar artistas de plástico.

    E o exemplo de não usar software gratuito por exigir que alguém se responsabilize demonstra que o copyright é superfluo. É precisamente nos contratos de manutenção e nesta responsabilidade pelo desempenho que ganham as empresas de software livre.

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  6. "É precisamente nos contratos de manutenção e nesta responsabilidade pelo desempenho que ganham as empresas de software livre."

    E qual seria a contraparte no caso da música?

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  7. Talvez esteja enganado quanto à aplicabilidade da lei de copyright em relação aos cânones mas quanto a estes, há quantificações exactas que os definem. São uma sequência ordenada de cadências, acordes e variações. Se se pode patentear uma peça de Lego, também se pode patentear um cânone.

    Mas acho que não se podem patentear as peças de Lego, o que presumo pelo facto de quase todas elas terem o logotipo gravado nos encaixes, o que assim tornaria as peças em algo "copyrightable", passo o Newspeak.

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  8. No caso da música existe uma semi-contraparte... Os músicos ganham dinheiro por actuar ao vivo, dinheiro que as discográficas não cheiram, mas, as produtoras por seu lado papam quase tudo.
    Ou seja... Nos discos são as discográficas, nos espectáculos são as produtoras... Os artistas são sempre "entalados".
    Restalhes vender os copyrights dos trabalhos seguintes a quem pagar mais, e voltamos ao mesmo ponto em que começámos.

    Ludwig, esta é mais dificil de solucionar do eu pensava. Não estamos a falar de criacionistas, nem de charlatões espiritas, nem de teorias cientificas, e ainda não se conseguiu chegar a uma plataforma que elimine os "parasitas" da equação e que maximize o output artistico. Estou aberto a discutir mais sugestões.

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  9. Caro "Francisco Burnay",
    Quando digo que os cânones não são quantificáveis, expliquei-me mal. Em termos músicais existem demasiadas semelhanças entre os estilos, que é impossível estipular a diferença entre eles por essa via. Em termos melódicos as possíbilidades são mais que muitas, mas em termos harmónicos as semelhanças são excessivas uma progressão V-I é igual independente dos acordes que escolhamos, e é a base harmónica de quase todos os estilos de música clássica, até aparecer Wagner.
    Hoje em dia a monotonia reina num derivado do Jazz e Blues que é o IV-V-I, mas, é assim em muitos estilos diferentes. Este género de coisas não é patenteável. Era este o meu ponto de vista que ficou mal explicado.

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  10. Um anónimo perguntou:
    «E qual seria a contraparte no caso da música?»

    Espetáculos, aulas de música, composições e discos por encomenda. Exactamente como fazem cientistas e professores: dão aulas, fazem investigação, dão palestras.

    Em suma, receber pelo trabalho que se faz em vez do trabalho que outrora se fez.

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  11. Ludwig,
    explique-me lá uma coisa, você enquanto cientista de investigação não é pago para investigar?
    Se o resultado da sua investigação for um zebedoing (gosto muito mais do que mafaguinho) e esse não tiver interesse para nada, devolve o dinheiro já recebido?
    Quero dizer com isto que quando você compara um cientista com um artista, a diferença é que o cientista recebe independentemente do trabalho ser ou não um zebedoing, e o artista não. Retiremos daqui os casos dos subsidiódependentes.

    Note que eu não sou artista, que fique aqui bem claro que as únicas obras de arte que realizei foram os meus filhos (segundo a mãe).:)

    PS: A luta continua.

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  12. Caro Kota,

    «Se o resultado da sua investigação for um zebedoing (gosto muito mais do que mafaguinho) e esse não tiver interesse para nada, devolve o dinheiro já recebido?»

    Não. Como qualquer profissional, se o meu trabalho for uma bosta não tenho que devolver o ordenado. Mas, como qualquer profissional, arrisco-me a não receber mais nenhum.

    O trabalho dos músicos sempre foi assim até ao século XX.

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  13. Respondi sobre o meu exemplo no teu último artigo sobre este assunto.

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