segunda-feira, abril 16, 2007

Dimensões da Razão.

O Papa Bento XVI juntou-se ao crescente grupo dos que criticam a teoria da evolução sem perceber o que é a evolução, a teoria, ou mesmo a ciência (1). Os erros são os do costume. Antropomorfismo («quem é esta ‘natureza’ ou ‘evolução’ como sujeitos?»), confundir selecção natural com acaso, evolução como visando um propósito racional, e até a tal argolada de não poder ser provado porque não se pode fazer em laboratório.

Esta merece um comentário. Não testamos uma ponte de três quilómetros num laboratório com rio, vento e tempestades durante trinta anos. A ciência permite extrapolar do estudo detalhado dos materiais a pequena escala o que vai acontecer à ponte mesmo antes de a construir. Todos os dias críticos da ciência como o Papa confiam a vida a edifícios e máquinas que foram testados desta forma, por extrapolação. E têm uma fé tão inquestionável na ciência que nem se apercebem dela. Conduzem na auto estrada a 120km/h com mais confiança que teriam se o carro tivesse sido construído por inspiração divina.

Mas o que me traz aqui são as «diferentes dimensões da razão», uma ideia que este Papa gosta muito. Diz que há certas perguntas que estão fora do domínio da ciência, só podem ser respondidas pela filosofia, e não podem deixar de fora a fé. Ora isto não faz sentido. Todas as questões filosóficas que foram respondidas foram respondidas pela ciência. É esta a relação histórica entre filosofia e ciência. A filosofia perguntou de que era feita a matéria, o que é o espaço e o tempo, se as coisas mudam ou se a mudança é ilusória, se tudo tem causa, e assim por diante, e a ciência foi respondendo conforme foi revelando o suficiente acerca do universo para colocar estas perguntas de uma forma concreta, detalhada, e testável.

A filosofia ainda tem muitas perguntas sem resposta, acerca da ética, da consciência, do conhecimento e até acerca da ciência e da filosofia em si. Mas em geral a filosofia coloca perguntas, não dá respostas. Não sabemos as coisas por especulação filosófica, mas sim por investigação científica. E a fé, por muito que a tentem enfiar no processo, nunca deu qualquer contributo. Martela sempre na mesma tecla, que está cada vez mais gasta.

Bento XVI aceita com relutância a teoria da evolução, que diz que todas as espécies modernas surgiram por um processo natural, cego, sem propósito. Ao mesmo tempo diz que há outra dimensão da razão em que foi exactamente o contrário. É tão absurdo como aceitar a astronomia moderna e defender que, noutra dimensão da razão, a Terra está no centro do universo, é plana, e assenta em quatro elefantes e uma tartaruga.

Não há várias dimensões da razão. Há apenas a necessidade de alguns de arranjar um cantinho onde esconder as suas superstições das evidências que as refutam. E isso não é razão; é precisamente o contrário.

1- Reuters, 11-4-07, Pope says science too narrow to explain creation

22 comentários:

  1. Caro Ludwig

    Concluo do seu post que a filosofia é completamente inútil. Obrigado por me ter feito ver a verdade. Vou cancelar imediatamente a minha assinatura do Crítica na Rede.

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  2. Caro António,

    Não considero que colocar questões seja completamente inutil. Por outro lado, também não partilho o seu afecto por crenças imutáveis. Talvez haja aí uma relação.

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  3. Caro Ludwig

    Ambos temos crenças e fé. Eu reconheço que as tenho. O Ludwig não.

    Quanto à inutilidade da filosofia penso que o demonstrou cabalmente. O Ludwig, como cientista, pode fazer as perguntas e encontrar as respostas, de acordo com o que escreveu no seu artigo. Não precisa da filosofia para nada.

    Se o Ludwig deparar com um sapo num charco não precisa que um filósofo venha perguntar "Que animal é aquele?" ou "O que é um sapo?" para começar o estudo da espécime. O Ludwig pega no animal, retalha-o, disseca-o, cobre-o de químicos, atira-o ao ar para ver se a lei da gravidade actua e no fim conclui, sem ajuda de ninguém: "é um sapo e é fruto do acaso; formou-se a partir de pó das estrelas, de restos de um cometa e os olhos esbugalhados são consequência do aquecimento global há 183 milhões de anos; o seu genoma é parecido ao da galinha". É o melhor modelo teórico que encontra e que se ajusta à realidade e chamá-lo-à (os acentos estarão certos?)pomposamente modelo evolutivo do galinhosapo. E vigorará até que um concorrente seu diga: "um sapo é descendente do coelho". Tem um novo modelo teórico a que chamará coerentemente modelo do coelhosapo. E fica com dois modelos: a um chamará modelo primário a outro modelo derivado ou evolutivo.

    Um filósofo nunca conseguirá chegar tão longe. Se for um filósofo da linguagem perguntará porque se chama àquilo "sapo" em vez de coelho e a partir daí filosofará. Um cientista Não fará isso: do alto da sua catedra dirá que o sapo é um sapo. Ponto final.

    Eu, com as minhas crenças imutáveis direi: foi Deus que deu origem ao sapo, como criador do Céu e da Terra. Replicará o Ludwig: "Tretas, caro António". E estamos nesta conversa pachorrenta e chegará o resto da família e estabelecerá um consenso que o Ludwig é que tem razão e que eu sou um miserável blinosapo.

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  4. Só queria deixar claro que o Ludwig é que tem razão e o António é um miserável blinosapo. E passo a explicar porquê: Porque sim!

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  5. Eu o outro António, não sou Parente, e sou bem ateu, e ainda não percebi quem é que o criacionismo quer entalar desta vez.
    Da outra vez, era o Galileu... Mas, hoje, parece que afinal não somos centro de coisa nenhuma além da orbita da Lua, nem planos como alguns espanhois provaram no sec XVI.

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  6. A ciência que explique porque é que é bom o amor de uma mãe por um filho. E não basta dizer, que é vantajoso em termos evolutivos, porque isso não constitui nenhuma prova cientifica.

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  7. http://ktreta.blogspot.com/2006/11/provado-cientificamente.html

    Novamente a mesma confusão entre prova científica e prova matemática...


    (E já agora, mesmo que a ciência ainda não explicasse isso, o que é que quereria dizer? A religião também não explica)

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  8. Exactamente, João Vasco. É isso mesmo.

    Caro António Anónimo

    Não sou criacionista. Apenas defendo a filosofia tal como defendo a religião. Vencida a religião, o alvo seguinte é a filosofia. Morta a filosofia, viveremos no mundo perfeito de Richard Dawkins e Daniel Dennet (ou será Bennet?). Mas será um mundo mais pobre, totalitário e intolerante. Uma nova Inquisição do Pensamento com métodos mais científicos: em vez da fogueira, a vacinazinha para todos pensarmos da mesma maneira.

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  9. Krippmester

    Parabéns pelo seu sentido de humor.

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  10. Inquisição? Alguém que me esclareça, por favor: não se trata daquela instituição maravilhosa inventada pelos católicos para fins menos que caridosos?
    E já agora,alguém já mencionou que o Ludwig tem razão e o António é um miserável blinosapo?
    Cristy

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  11. «não se trata daquela instituição maravilhosa inventada pelos católicos para fins menos que caridosos?»

    Não.

    Trata-se daquela instituição maravilhosa inventada pelos católicos para os fins mais caridosos - a salvação da alma.

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  12. Já sim, Cristy. O seu irmão Krippe. Agora só falta o irmão arquitecto que me deixa aterrorizado com aqueles óculos escuros... ;-)

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  13. O menino vasco aponta para esse post como se fosse um texto dogmático. "Quer a resposta para a sua pergunta? Vá aqui, e não é preciso dizer mais nada."

    Consegue explicar em laboratório o amor de uma mãe por um filho? E porque é que é bom, e o contrário é mau? Gostava que me apresentasse as mesmas provas deste caso, que exige a quem lhe diz que Deus existe.

    E o catolicismo explica muito bem esse amor. Faz parte do coração do Homem, e da forma como foi feito por Deus. Já que gosta de apontar para textos, faço-o também: http://www.igreja-presbiteriana.org/Documentos/IgrejaCatolica/DeusCaritasEst.htm

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  14. o que falta no link é:

    IgrejaCatolica/DeusCaritasEst.htm

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  15. ele chá cada disparate ...

    " Conduzem na auto estrada a 120km/h com mais confiança que teriam se o carro tivesse sido construído por inspiração divina. "

    Quem lhe disse isto ?
    O espirito do diabo ???

    Mas então tb tem q perguntar a satanás pq é q os ateus usam teconlogias e apicam descobertas científicas de criacionistas ???

    LOL

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  16. Excelente reflexão. Linkei-a no meu blogue.

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  17. Pergunta:

    Porque é que a família Krippahl é tolerante com o David Cameira e comigo estão sempre a mandar pauladas virtuais quando apareço por aqui?

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  18. Caro António,

    Não posso falar por todos os Krippahl, mas eu vejo em muitos comentários seus coisas das quais posso discordar. São hipóteses concretas que me parecem erradas, e prezo os seus comentários por isso.

    O David, infelizmente, nada contribui. Tolero-o, mas o que ele escreve geralmente nem sequer dá para criticar. Satanás e tecnologias criacionistas? Pura ficção...

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  19. Caro Ludwig

    É um combate desigual o meu contra a família Krippahl. Sinto uma imensa solidão quando comento no seu blogue. Nem um amigo, nem um irmão, nem um primo, nem um desconhecido. Ninguém me defende, todos me atacam. Será a culpa minha, por escolher só blogues hostis?

    Tentei que o Alberto, comentador residente do Diário Ateísta, cristão sério e conhecedor da Bíblia, fosse meu irmão virtual mas as coisas correram mal. Como se pode ser irmão de alguém que nos diz ser a luz e que nós somos as trevas?

    Sobre Satanás, o David tem razão. Explicarei isso noutro momento.

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  20. Caro António Parente,
    na minha opinião o David Camareira não precisa de uma resposta, precisa de um médico. O que está além das minhas possibilidades.
    Melhores cumprimentos
    Cristy

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  21. ...a teoria da evolução, que diz que todas as espécies modernas surgiram por um processo natural, cego, sem propósito.

    Hummm... isso não será já filosofar um pouco para além da teoria em si?! Ou seja, em que se pode basear a ciência... biologia, antropologia e por aí... para afirmar tão peremptoriamente que esse processo natural é cego, sem propósito? Não estaremos aqui a fazer um pouco o papel do proverbial sapateiro que começou a subir do sapato prò joelho... ‘inda se ficasse só p’lo lindo artelho... ;)

    Note-se que, falando especificamente da Igreja Católica, ela não subscreve oficialmente as teses do criacionismo ou do “intelligent design”. Diz somente algo muito mais simples, e que me parece ser também aquilo que as religiões do Oriente sustentam, afirmando apenas que através do processo da evolução biológica sempre houve uma consciência ou um fio condutor. Ora bem, tal está provavelmente fora do âmbito actual da investigação científica, já que só essa noção de “consciência” tem mesmo muito que se lhe diga! Aliás, é contraditório com a própria teoria em si afirmar o não propósito da evolução, já que ela não se dá inteiramente ao acaso – ainda que as mutações possam ser eventualmente random – mas há um objectivo de sobrevivência na adaptação das espécies ao meio, por exemplo. Além do mais, só esse problema filosófico – que não científico, aleatoriedade é outra coisa! – do “acaso” tem mesmo muito que se lhe diga, ó se tem!!!

    Anyway, continuo a sustentar que neste particular não existe nenhum choque evidente entre Ciência e Religião, desde que não se extremem posições, obviamente! Eu diria até que o único obstáculo, ou ponto ainda obscuro, é a tal finalidade ou propósito, ou a existência de um fio condutor, uma consciência inteligente por trás ou em paralelo a todo o mecanismo biológico. E não vejo de que modo isto possa ser refutado pela Ciência em si, já que é tão simplesmente uma questão de âmbito filosófico ou teológico, que até poderá vir a ter a tal resposta racional... e quiçá muito mais brevemente do que se suporia... venha o dia!!! :)

    Conduzem na auto estrada a 120km/h com mais confiança que teriam se o carro tivesse sido construído por inspiração divina.

    E provavelmente foi... through Man!!! Criado “à imagem e semelhança”, isn’t it?! Logo, esse ponto também está coberto... certo?! Aliás, o termo “inspiração” é particularmente feliz, nesse exemplo. E nem acrescento mais, basta apenas ver o significado etimológico da palavra... :) inspiratione – inspirar, o estímulo criador... the supreme miracle of breath, sim senhor!!!

    Anda a propósito da razão e entrando um pouco mais no campo já da psicologia e dos mecanismos da mente, talvez a palavra “inspiração” ou “intuição” se apliquem bem melhor a essa outra dimensão do conhecimento humano de que o Papa fala no seu livro sobre a evolução. Hummm... isto é terreno deliciosamente fértil para mil especulações mirabolantes... onde nada fica como dantes! ;)

    Com o mero racionalismo não vamos lá e, curiosamente, a própria lógica facilmente o reconhece. Se há um Ser transcendente, esse Nada primordial – no matter no energy whatsoever! – consciência sem forma, omnipresente, ilimitado... no space!... e eterno... no time!... que razão humana ou raciocínio científico o pode abarcar?! Nenhum, obviamente!

    Mas significa isso que o Nada/Tao é incognoscível?! May be not... is reason all we’ve got?! Ou ainda, será que não sabemos nadinha antes de chegarmos à idade da razão?! Como aprende uma criança, um bebé, afinal?! Que outras estruturas neuronais existem, para além do córtex cerebral, que possibilitam a aquisição de conhecimentos, como a linguagem, ultrapassando – a total bypass! – quaisquer mecanismos racionais que simplesmente nem funcionam ainda ou são absolutamente rudimentares?!

    So, to know IT all we simply have to return to that Nothingness from where we came from. No Ego, no reactive Mind, no parasite thoughts, no disturbing emotions... but a simple state of being... BEING!... where we once were when we came into this wonderful, magical world...

    ...where Beauty lies untold... evergreen and never old!!! :)

    For a thankful Heart knows it all from the start...

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  22. Não é mais especulativo dizer que a evolução é um processo inconsciente e sem propósito que dizer o mesmo do sal se dissolver na água. Em ambos os casos conhecemos o mecanismo e não há lá nenhum fio condutor consciente.

    No caso da evolução temos mesmo fortes indicios em contrário. Por exemplo, a preponderância de mutações neutras indica que a mutação é aleatória e não um processo guiado. A retina dos vertebrados ou a bioquímica da fotossíntese (e muitos outros) mostram que a evolução não antevê os problemas futuros.

    Mas a questão principal é sempre uma de seleccionar entre alternativas. E essa alternativa de tudo evoluir mas haver um "fio condutor" é demasiado vaga e sem sentido. É como trocar a física pela teoria que "ah, se calhar é qualquer coisa, e tal..."

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