«Fuga para a frente»
Não sei o que é fuga para a frente, mas pareceu-me bem. Melhor que andar às voltas. Isto veio num comentário do Jónatas Machado:
«O Ludwig, numa estratégia desesperada de "fuga para a frente", insiste em repetir, sem argumentar, que o criacionismo foi refutado há cerca de 150 anos.»
Argumentei, e fiz melhor. Apresentei evidências. Tem aqui vários exemplos.
Mesmo antes de Darwin o criacionismo que o Jónatas defende já tinha passado à história. Hutton e Lyell tinham refutado o mito da Terra com poucos milhares de anos. A paleontologia demonstrara que as espécies antigas eram diferentes das modernas. Os descobrimentos mostraram que a distribuição geográfica das espécies era incompatível com o relato bíblico. Até a teologia já se tinha afastado de uma interpretação estritamente literal da Bíblia. Era ponto assente que a vida na Terra tinha mudado durante um longo período. Darwin e Wallace esclareceram o mecanismo desta mudança, e apesar da teoria de Darwin só ser completamente aceite décadas mais tarde, o consenso na comunidade científica era que a vida tinha evoluído. Mesmo quando a maioria ainda acreditava que a vida tinha surgido de um acto criador sobrenatural.
O Jónatas também escreveu que:
«Não consigo perceber o que é que a extinção de espécies tem que ver com a evolução. Extinção significa morte. Não cria informação genética nova que codifique novas e mais complexas estruturas e funções. Pelo contrário, é possível que muitas extinções se tenham ficado a dever à acumulação de mutações.»
Eu sou mais optimista, e como penso que o Jónatas conseguirá perceber vou tentar explicar. A morte não cria informação genética; o que cria informação são as mutações. Algumas criam informação no organismo por aumentar o seu genoma, mas a melhor maneira de compreender a evolução é pensar na população e não no organismo. É a população que evolui. O organismo nasce, cresce, e morre o mesmo.
A informação na população é a sua diversidade. Se antes todos tinham pintas pretas e agora alguns têm pintas castanhas a informação aumentou. Mas este aumento de informação é cego e aleatório. Não importa se é melhor ter pintas pretas ou castanhas.
É por isso que a morte tem um papel importante. Não a morte do indivíduo, se bem que essa também tenha o seu efeito, mas a morte da linhagem. A morte é importante porque é tendenciosa. Morre mais depressa a linhagem menos competitiva, menos adaptada, menos capaz de se reproduzir.
Talvez uma analogia ajude. A mutação é como a água a brotar da fonte. Sai ao acaso, borbulhando para todo o lado, com formas sempre diferentes. A morte – a selecção natural – é como a gravidade, que empurra a água ladeira abaixo num riacho que em cada ponto segue o declive do terreno.
Peço desculpa se esta explicação ainda foi insuficiente. Mas, se foi, se ainda não conseguiu compreender, continue a tentar antes de criticar. È má ideia criticar antes de compreender.
O exemplo das couves e das ervas daninhas é esclarecedor.
ResponderEliminarAs mutações vão fazer com que surjam couves mais saboras e menos saborosas que a média.
Se optarmos por plantar apenas as que vieram das couves mais saborosas, ao fim de muitas gerações o sabor terá melhorado.
Mas se deixarmos a quinta ao abandono, caso sobrevivam couves ao fim de muitas gerações, elas deverão saber pior.
As mutações foram as mesmas em ambos os casos, mas a alteração das condições fez com que a certas características correspondessem mais descendentes.
Não adimira que ao fim de algum tempo vejemos tais características com mais facilidade.
Em boa verdade pode dizer-se que o gado que temos, e muitas das plantas que plantamos (milho, trigo, etc..) são fruto não da selecção natural, mas sim da selecção artificial.
Sim, fomos nós que fizemos surgir o trigo, as couves, as vacas, a partir de animais e plantas1 que eram bastante diferentes (a esse respeito podemos observar a diferença entre um porco e um javali, por exemplo).
Realmente já num texto anterior fiquei na dúvida se o Jónatas não pensava que a teoria da evolução dizia que as mutações faziam os animais evoluír ao longo da vida.
ResponderEliminarDepois descartei tal hipótese por pensar que o equívoco não poderia ser tão grande.
Mas pondo em perspectiva o gigantesco equívoco que é dar menos de 10000 anos à terra, talvez tenha sido esse mesmo equívoco que causou tanto mal entendido.
A teoria da evolução de Darwin (e Wallace) é acerca das populações. Isso foi o grande passo que permitiu explicar muitas observações.
ResponderEliminarMas não é necessário que uma teoria da evolução seja assim. Na de Lamarck, por exemplo, era o organismo que evoluia. A girafa esticava o pescoço e ficava com o pescoço maior, e passava esta característica aos filhos.
Na verdade, Darwin não excluiu esta possibilidade (não havia dados para decidir que o Lamarckismo era falso). Apenas considerou que esse mecanismo era secundário face à selecção natural -- essa sim que só faz sentido quando se fala de linhagens e populações, e não em organismos individuais.
Não sabia que Darwin não tinha excluído o Lamarckismo - sempre pensei que a selecção natural fosse um contraponto que ao criacionismo, quer à evolução Lamarckista; daí achar engraçado que os criacionistas mostrem os seus equívocos e ignorância falando em "teoria da evolução" (não existe uma mas várias) em vez de "teoria da selecção natural".
ResponderEliminarDe resto, a grande questão é que se as mutações são a causa da mudança, tal mudança teria maior hipótese de acontecer logo no início, quando o ADN de todas as células ainda vai ser copiado a partir desse ADN, e não ao longo da vida - quando provavelmente tal mutação não chegaria às restantes células e ainda menos aos descendentes, que é o que importa.
Já percebi que algumas mutações são aleatórias: aparecerem manchas castanhas em vez de pretas, ainda que a morte possa seleccionar umas em vez de outras: as manchas castanhas podem permitir uma melhor camuflagem.
ResponderEliminarMas fala-se também muitas vezes de mutações "utilitaristas". Por exemplo, que determinados orgãos estão em regressão porque não são necessários, que os caninos tendem a ficar mais pequenos ou a desaparecer, porque a nossa alimentação mudou...
Porém, parece-me que desdea perspectiva da selecção natural, a menos que aqueles orgãos significassem alguma desvantagem competitiva não seria necessariamente assim. Há alguma evidência desta evolução utilitária? Ou, pelo contrário, a ideia é um mero mito urbano?
Qualquer orgão implica o gasto de energia e nutrientes. Ou seja, ou o ser em questão tem de se alimentar mais do que teria de outra forma, ou terá menos energia disponível para a reprodução.
ResponderEliminarEm qualquer dos casos, só valerá a pena se a utilidade do orgão for maior dos que as desvantagens associadas ao gasto de energia e nutrientes que implica.
Se uma mutação reduzir o tamanho de um orgão desnecessário, esse animal estará em vantagem face aos outros da mesma espécie porque, ou tem mais energia disponível para a mesma alimentação que os outros (que poderá usar na reprodução), ou então necessita de comer menos para sobreviver (e tem por isso ligeiramente mais hipóteses de sobrevivência).
Em relação à nota sobre a idade da Terra, descobri recentemente um livro de Patrick Wyse Jackson (que é curador do museu de Geologia no Trinity College de Dublin e a cujas interessantíssimas palestras sobre a história da Geologia assisti quando lá estive) que aborda o problema da determinação da idade da Terra ao longo da história.
ResponderEliminarO livro chama-se "The Chronologer's Quest" e isto é o que o Chris Rowan do Highly Alloctonous tem a dizer sobre ele:
http://scienceblogs.com/highlyallochthonous/2007/04/the_chronologers_quest.php
Jackson starts with a brief discussion of early creation myths, but the story really kicks off in 17th century Europe, where it turns out that Archbishop Ussher of 4004 BC fame (to whom Jackson is distantly related) was only one of many attempting to work out a consistent Biblical chronology, and hence establish how many years had passed since Creation Week. From the perspective of modern science, it seems surprising that this line of inquiry should have attracted so much scholarly attention, but at the time our probing of the natural world had yet to provide any real competitor to the Bible's account of Earth history. Reflecting the somewhat contradictory nature of the source material, the proposed dates ranged between about 5,000 and 3,000 BC; the 4004 BC estimate survived its contemporaries due to its association with the King James Bible rather than any obvious superiority, and despite his modern infamy it is far from certain that Ussher was the source. He was certainly not responsible for the laughably precise estimate of "9 o'clock on October 23rd". Such are the whims of history.
But even as Ussher and his contemporaries were perfecting their estimates, and long before James Hutton saw "no vestige of a beginning - and no prospect of an end", a few inquiring minds were noting evidence that our planet was a little older than a few thousand years, and laying the foundations for the concept of "deep time". Some of the names - Halley, Hooke - will probably be familiar even if their specific ideas are not, whilst others - Edward Lhywd, Benoit de Maillet (who proposed way back in 1718 that the Earth was 2 billion years old, in a book which was not published for a further 30 years) - won't. For me it was interesting to discover that Hutton's ideas were not a complete bolt from the blue, as is often implied.
From the end of the 18th century, the work of Hutton and Lyell meant that the idea of an ancient Earth became well established amongst the geological fraternity, but working out exactly how ancient was a bit of a problem - none of the proposed methods (sediment accumulation rates, ocean salinity) would give consistent answers. Plus, physicists such as Lord Kelvin were loudly claiming that both the Sun and the Earth were too warm to be as old as the rocks seemed to say. The discovery of radioactivity solved both problems, although it turns out the physicists had another go at cutting down geological time following the discovery that the Universe was expanding, and lost again. Some people never learn, it seems.
Nowadays, the actual age of the Earth - 4.55 billion years - is well established. It's sobering to think about how recently we didn't know that - it's a result younger than relativity, and more recent than quantum physics. The tale of how we came to know is more fascinating, and more complicated, than I imagined.
Se o livro for tão bom e tiver tanta piada como as palestras do Patrick vale cada cêntimo dos portes cobrados pela Amazon.
Eu ainda compreendo a selecção natural qd se está a falar de espécies com um numero populacional bastante reduzido (alguns milhares de espécimes) ou que estejam geográficamente separadas dos restantes membros da sua espécie.
ResponderEliminarMas no caso do ser humano que neste momento tem uma contagem de 6 mil milhões de espécimes (mais coisa, menos coisa) e para o qual não existem nenhuma barreira geográfica, acho muito improvável que em condições normais, venha a existir qq tipo de mutação que se propague a toda a espécie.
Estas mutações que podem ocorrer, muito provavelmente serão dissipadas em 2 ou 3 gerações.
A única forma que eu consigo imaginar de ocorrerem mutações no ser humano que se propagassem a toda a espécie seria a ocorrência de uma catastrofe a nivel global, que enviasse o ser humano de novo para a "idade da pedra".
Ou então a exploração espacial que poderia criar as barreiras geográficas necessárias à criação de novas caracteriscas / novas espécies.
Resumindo, muito provavelmente qd se diz que os caninos estão a ficar mais pequenos ou que a tendência é para que as pessoas deixem de ter dentes do siso, não passa de um mito urbano. Os nosso caninos (em média) n devem estar mais pequenos do que estavam à 40 mil anos atrás.
Podem estar a ocorrer mutações a nível de resistência ao tabagismo.
ResponderEliminarComo se sabe, os fumadores têm problemas reprodutivos. Se os hábitos dos fumadores não mudassem, seria possível que a longo prazo surgissem pessoas com uma mutação que aumentasse a fertilidade dos fumadores relativamente a um fumador padrão.
Seria no entanto necessário que as pessoas começassem a fumar antes da idade reprodutiva para poder haver selecção nesse sentido.
Conheço imensas pessoas que dizem que «as unhas e o cabelo vão desaparecer, porque não servem para nada».
Caro Fulano de Tal,
ResponderEliminarIntuitivamente, pode parecer que é assim. E se a população de humanos continuasse a crescer exponencialmente podia ser. Mas isso é impossível, por isso a espécie vai mudar de certeza.
Vamos assumir que a população se mantém constante e que todas as gerações há X mutações neutras. Ou seja, surgem X variantes novas de genes mas que não são nem melhores nem piores que as que já existiam.
Mesmo sem pressões selectivas, eventualmente terão que desaparecer X variantes de genes por cada geração, pois uma população finita não pode ter um número infinito de genes diferentes, e terá que haver um equilíbrio entre os que surgem e os que desaparecem.
Isto (muito resumido) é a teoria da evolução molecular neutra de Kimura. E desta não nos safamos.
Daqui podemos inferir que vamos perder os dentes do ciso. Mesmo sem contabilizar o custo metabólico desses dentes, o facto é que há muito mais variantes dos genes responsáveis em que esses genes não funcionam do que aquelas em que os dentes do ciso aparecem. Por isso, não havendo pressão selectiva a eliminar as mutações que inactivam esses genes, vamos acabar por perdê-los.
Além disso há pressões selectivas, quer constantes, como a competição por parceiros sexuais, como variáves, tais como doenças que também evoluem, ou factores que mudam no nosso ambiente.
A ameaça constante de fome nos nossos antepassados seleccionou genes para ser guloso e preguiçoso, de forma a ingerir e poupar ao máximo as calorias que conseguissem encontrar.
Hoje em dia temos a comida toda que conseguirmos comer e nem para mudar os canais temos que tirar o rabo do sofá. Os genes que salvaram os nossos antepassados estão a matar-nos de obesidade e ataque cardíaco. Alguma coisa vai ter que mudar...
Enfim, este comentário já parece um lençol do Jónatas Machado, e tenho que ir arrumar umas coisas e dormir que tenho o combóio amanhã às 8:00.
Até para a semana.
Isto já vai um bocadito requentado...
ResponderEliminarSó em relação ao final.
Não coloques as chaves de casa na cozinha quando chegas a casa, por exemplo, diz à tua mulher para as esconder; a procura das ditas queimará uma pipa de calorias @:-).
É o que farei daqui em diante!
João Vasco,
ResponderEliminardesculpe, mas não me parece que determinados dentes (sejam eles os dentes do siso ou os caninos) representem um gasto metabólico tão significativo que possa representar uma vantagem em termos de sobrevivência e reprodução.
Já a "teoria da evolução molecular neutra de Kimura", que eu desconhecia, faz sentido. Porém, para que dela derive a redução ou eliminação de determinados orgãos é necessário que se prove que "há muito mais variantes dos genes responsáveis em que esses genes não funcionam do que aquelas em que" funcionam.
O Ludwig parece estar certo disto. Há estudos que o indiquem?
Uma boa páscoa, Ludwig. :)
A questão é mais "temporal", que é uma coisa que escapa frequentemente neste tipo de discussões...
ResponderEliminarEstou a ler o Darwin numa primeira edição... francesa :) O que mais me fascina no livro dele é a quantidade acumulada de conhecimentos que o homem tinha. Faz referências a largas dezenas de investigadores contemporâneos. É mais que evidente que a teoria da selecção natural era uma das diversas teorias de evolução possíveis, mas muito aceites no meio académico, enquanto que, como o Ludi afirma, as teorias criacionistas estavam praticamente desacreditadas, mesmo aquelas que apresentavam os mesmos argumentos que ainda hoje apresentam... 150 anos depois.
Mas o que acho mais interessante ainda é o facto do Darwin ter plena consciência da quantidade de tempo necessária à mutação lenta e progressiva das espécies. Ele tem consciência de que são necessários "milhares de gerações", e de que a vida levou "milhões de anos" a evoluir.
Assim sendo, se calhar até podemos especular que iremos perder cabelo, unhas, e dentes, e provavelmente iremos adquirir mais capacidades de resistência à poluição atmosférica... mas ao final de milhares, senão mesmo dezenas de milhares de gerações :)
Pessoalmente, não me preocupo... eu vou perder o cabelo muito antes disso!
Hutton e Lyell não provaram a antiguidade da Terra. É pura ignorância fazer uma tal afirmação.
ResponderEliminarEles apenas se limitaram a medir as taxas de erosão e sedimentação observadas no presente e a fazer extrapolações para o passado.
Sucede que as rochas sedimentares tanto podem ser o resultado de pouca água ao longo de milhões de anos, como de muita água em pouco tempo.
Os evolucionistas defendem a primeira tese, embora não a possam confirmar autonomamente, porque ninguém estava lá para ver.
Os criacionistas sustentam que, à luz do ensino Bíblico sobre o dilúvio global, a coluna geológica é o resultado de muita água em pouco tempo.
A seu favor, mobilizam argumentos como:
1) já foi observada a formação rápida de camadas de sedimentos em muito pouco tempo, na sequência de catástrofes locais.
2) A fossilização em larga escala é evidência de circulação massiva de água e sedimentos
3) o registo fóssil não evidencia uma evolução gradual das espécies
4) o registo fóssil está cheio de marcas de catastrofismo e deposição rápida
5) o registo fóssil está carregado de fósseis vivos, polistráticos e localizados em poição "anómala"
6) a evidência de erosão entre os vários sedimentos é quase inexistente
7) os perfis de carbono 14 desmentem a extrema antiguidade da Terra
8) na geologia evolucionista, os fósseis são datados com base nas rochas e estas com base nos fósseis e uns e outras com base em premissas evolucionistas e uniformitaristas, num claro raciocínio circular.
Ou seja, Hutton e Lyell limitaram-se a "provar" a idade da Terra com base em premissas naturalistas e uniformitaristas insusceptíveis de confirmação autónoma. Além disso, a sua "prova" não tem sequer apoio empírico.
Quem diz que eles provaram a extrema antiguidade da Terra confunde observações com extrapolações e não sabe realmente do que é que está a falar.
Mesmo a hipotética idade de 4,5 biliões de anos para a Terra (insusceptível de confirmação porque ninguém estava lá para ver!)baseia-se em modelos hipotéticos de formação do sistema solar a partir de uma nebulosa, sendo que não há maneira autónoma de confirmar esse cenário, nem se percebe ainda como é que ele poderia ter funcionado.