sábado, abril 21, 2007

Quando, e quanto, pagar?

Defendo que os «direitos de autor» não são direitos mas privilégios que a sociedade deve conferir com relutância e só para o benefício de todos. E sou contra o direito exclusivo de copiar musicas, filmes ou livros. Mas vou tentar explicar que critérios sigo para decidir quando e como conceder estes privilégios, com um exemplo extremo: a indústria farmacêutica.

Para um novo medicamento não basta uma boa ideia, ou uma viola e um maço de tabaco. É preciso anos de investigação dispendiosa, e grande parte deste investimento é exigido por uma sociedade que não quer medicamentos de eficácia e segurança duvidosa. É justo que a sociedade esteja disposta a compensar este investimento concedendo um privilégio económico a quem o fez primeiro. E este privilégio regula apenas a concorrência no mercado, e não a actividade privada de indivíduos.

Compor um livro ou escrever uma música está no extremo oposto. Não requer um investimento significativo e é viável que o artista financie o seu trabalho com encomendas antecipadas. Ninguém vai comprar o antibiótico dez ou quinze anos antes de estar disponível, tempo que normalmente demora a aprovação de um novo medicamento. Também é viável que o estado subsidie directamente os artistas, concedendo bolsas como faz para estudantes ou jovens investigadores. Subsidiar desta forma a industria farmacêutica é deitar água ao poço.

O sistema de patentes não é perfeito. Há muitos casos em que as patentes prejudicam mais do que beneficiam. Também aqui seria de analisar custos e benefícios para eliminar o que está a mais. Mas uma patente de 20 anos sobre algo que demora 10 a desenvolver é mais razoável que um direito exclusivo de cópia até 120 anos após a morte do autor. Especialmente considerando que a patente restringe apenas actividades comerciais enquanto o copyright pode até condenar um miúdo por sacar músicas da ‘net.

A criação artística não justifica o custo de conceder direitos exclusivos sobre cópias. O financiamento necessário é modesto e pode ser obtido de outras formas, estes privilégios violam a privacidade e liberdade de expressão de todos e, sobretudo, prejudicam a própria criação artística. O direito de cópia é também um direito de exclusividade sobre obras derivadas, mas em arte todas as obras são derivadas. Tradicionalmente, grande parte da criatividade artística consistiu em fazer o que outros tinham feito, mas melhor ou de forma diferente. Hoje é apenas uma interpretação incoerente do copyright que o permite. Considera-se obra original cada uma das centenas de clones do «E nós pimba!», mas é violação de copyright usar 3 segundos de uma música noutra totalmente diferente.

No final do século XIX decidiu-se conceder ao autor exclusividade comercial por sete anos para financiar a impressão e distribuição de livros. Cada página era impressa compondo o texto com letras individualmente esculpidas em cubos de chumbo. Transportados por carroça e barco a vapor, os livros demoravam uma boa parte dos sete anos a chegar a todos os compradores. A situação hoje é diferente. O custo e tempo de produção e distribuição não justificam sequer esses sete anos de monopólio comercial. Mas concede-se mais de um século de direito exclusivo sobre tudo e mais um par de botas. É um abuso inaceitável.

É por isto que eu acho que o direito de autor sobre músicas ou livros devia ser como o direito de autor sobre aulas, descobertas científicas, fórmulas matemáticas ou receitas. O direito moral de ter a sua autoria reconhecida, mas nunca o direito legal de proibir outros de usar ou disseminar informação que é pública. Se for necessário um incentivo para além daquele que um mercado livre já concede, então que seja apenas comercial, por um período limitado e beneficiando exclusivamente o autor.

7 comentários:

  1. Ludwig,

    A questão da música pimba ser toda igual é uma falsa questão. Nesse aspecto a música clássica, que está no extremo oposto da "intelectualidade", bem como o Jazz, são afectados do mesmo modo. Existem poucas combinações harmónicas que o nosso ouvido consiga "aceitar", e por isso a receita é fixa. Se a estrutura harmónica é sempre a mesma, e os instrumentos usados também, pouco ou nada resta de inovação. A menos que treinemos o ouvido para os detalhes de cada género, tudo o que constitui a base músical soa igual.
    Para quem não aprecia o género, o Jazz soa todo ao mesmo, quando tocado pelo mesmo conjunto de instrumentos, e quem aprendeu a ouvir Jazz, acha que outros géneros sofrem do mesmo problema. Por isso a "qualidade" e diversidade músical são coisas que não servem de critério para registo de trabalho.
    Já o Sampling, que a maior parte das bandas da treta que as editoras forjam deve ser proibido (como é) sem pagar royalties, pois estamos a falar de nem sequer ter capacidade músical para fazer o trabalho e simplesmente usar o dos outros para se emitir ruido, e tentar colar-se à imagem que outros criaram. O caso mais vulgar é o James Brown, que era o autor mais samplado na decada de 90, por todos os mediocres que queriam colar-se à imagem racial, ao caracter e à força músical dele. Se nem tivessem de pagar, nem quero imaginar só haver James Brown no top durante décadas.

    Este ultimo modelo que é sugerido, parece-me ser o que já existe. Só que foi subvertido pela industria.

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  2. Usei a musica pimba como exemplo por ser a que mais me parece sobressair como clonagem musical. Mas concordo que o mesmo princípio se aplica à musica e à arte em geral. Toda a arte é derivativa.

    E dei como esemplo o sampling não por eu gostar especialmente desse estilo de música mas porque me parece contraditório copyright sobre uma sequência de três notas mas considerar como criações independentes e originais músicas que soam todas ao mesmo.

    O que isto tudo demonstra é que o copyright não se rege nem por principios coerentes de justiça ou direitos, nem por ideais de utilidade pública ou de incentivo à criatividade, mas simplesmente por aquilo que dá lucro às editoras.

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  3. Não podia estar mais de acordo!
    Por essas e por outras é que as regras deviam ser mais rigidas, e ninguém senão o autor devia poder distribuir o próprio trabalho.
    Se há uns anos isso era impossível, neste momento, com os avanços tecnológicos e os novos formatos, isso já poderia ser uma realidade.

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  4. Aí é que discordamos.

    O que é do autor (e do cientista, do professor, do matemático, do estilista e do cozinheiro) é mesmo o trabalho: o esforço e o tempo.

    As ideias, a informação, as músicas e palavras e fórmulas matemáticas e receitas não são propriedade. Pode-se ser dono do suporte material de uma ideia mas não da informação em abstracto.

    É de facto só o autor que pode distribuir o seu trabalho. As leis de privacidade garantem que ninguém pode vir cá a casa legalmente e, sem a minha autorização, publicar algo que seja privado.

    Mas uma vez que torno algo público a informação passa a ser de todos. É uma aberração legal que uma pequena minoria dos que criam ideias novas possam mandar no que os outros fazem com elas.

    Especialmente com as novas tecnologias. Se eu fizer um poema sobre o número 23, é razoável que só se possa usar o número 23, ou qualquer número do qual se possa calcular o 23, se me pagarem royalties? Não me parece...

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  5. Mau exemplo... :-)
    Ninguém poe patentear o uso de um número, em situação alguma. A Peugeot teve uma grande trabalheira para conseguir patentear como nome os números com zeros no meio, e o que conseguiu foi apenas o nome dos modelos.
    Também não podemos patentear nada que não seja de nossa autoria, e o número 23 não é da autoria de ninguém, e o seu uso como titulo não confere direitos exclusivos como titulo a ninguém. Se eu quiser posso fazer outro trabalho de qualquer natureza com o número 23 a titulo, desde que não seja uma cópia parcial ou integral de outro com ou sem o 23 no titulo.
    O copyright, patente ou qualquer outro registo não protege o uso individual de componentes de um trabalho. Existem 12 notas músicais na nossa notação músical, e ninguém pode registar o uso de nenhuma em exclusivo, nem a execução por determinado instrumento, nem a base harmónica da música, nem as escalas usadas. Uma canção é registada como letra e música em conjuntos separados,e garante-se a impossibilidade de copiar de forma directa qualquer secção do trabalho para uso independente. Se não houvesse copyright, qualquer pessoa podia copiar e adulterar qualquer trabalho músical de outro, usar de forma indiscriminada o trabalho de outros podendo inclusivé usar o mesmo em situações que gerem prejuizo ao autor.
    O copyright é um mal que vem por bem. Vamos a um exemplo absurdo:
    -Se eu viver da minha actuação músical, e alguém puder indiscriminadamente tocar a minha música a toda a hora num meio de difusão generalizado, por exemplo, no intervalo de toda a programação televisiva, ao fim de poucos dias, o enjoo generalizado da minha audiência afasta-os dos meus espectáculos, e eu perco o meu rendimento. Estamos a falar do mesmo efeito que a "Balada da Neve", que de tanto achincalhada, já ninguém a consegue levar a sério. Nem que seja só pelo periodo de vida do autor, o copyright é fundamental para impedir o uso indevido do trabalho de alguém.
    As ideias também são patenteáveis, apesar de não vendáveis, desde que cumpram com determinados critérios. A falsa sensação de que as ideias são 100% livres vem de muitas que o são por necessidade do seu autor. Os telemóveis são invenção de origem militar, não me parece que algum invento militar vá ser patenteado, senão, toda a discrição tecnológica tem de ser publicada, e o "inimigo" passa a aceder a ela e lá se vai a vantagem. Tal como os telemóveis existem milhares de outras ideias na mesma situação.
    Até os projectos de open source na informática têm restrições. Se pensar em fazer alterações e não as divulgar, a distribuição também é proibida, bem como a venda do software modificado, a menos que pague ao autor original.
    No caso de actividades lúdicas, em que não há um prejuizo directo para a sociedade pela não distribuição de qualquer trabalho, a questão passa a ser uma falsa questão. É verdade que estamos perante um modelo desvirtuado, mas, a cópia livre ainda é pior que as alternativas.

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  6. Mas note que qualquer ficheiro de computador é um número. Um numero grande, mas um número -- é uma sequência de dígitos em base 2.

    Se ninguém tiver direitos sobre números, e concordo que é assim que deve ser, então simplesmente não há qualquer propriedade intelectual em conteúdo digital (que também concordo).

    «Se não houvesse copyright, qualquer pessoa podia copiar e adulterar qualquer trabalho músical de outro»

    O António diz isto como se fosse mau, mas é uma coisa boa. É por não haver copyright nos resultados científicos e na matemática que há tanto progresso, precisamente porque se pode continuar o trabalho de outros. Não há copyright na culinária nem na moda, nem sobre termos como byte ou CPU, nem sobre os algorítmos de encriptação que usa quando consulta a sua conta bancária na net, e milhentas outras obras da criatividade de alguém.

    E isso é bom. É bom porque as ideias são tanto mais uteis quanto mais forem aproveitadas, e de nada servem se se restringir o seu uso e o seu desenvolvimento.

    A música serve para ouvir, mas também serve para fazer mais música, e é isso acima de tudo que temos que incentivar.

    Mas tudo isto é irrelevante se concordar comigo que ninguém deve ter direitos sobre números. Nesse caso o conteúdo digital terá que ser totalmente livre e acaba-se o problema :)

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  7. http://www.jornaldenegocios.pt/default.asp?Session=&CpContentId=294824

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