terça-feira, janeiro 30, 2007

Pessoa.

A minha proposta:

É pessoa aquele que julga que é pessoa.

Deve ser tratado como pessoa todo aquele que possa vir a julgar que é pessoa.

Só é legítimo assumir que não é pessoa aquele que nunca irá julgar que é pessoa.

Na primeira categoria estão seres humanos adultos e saudáveis, crianças com mais de um ou dois anos, e provavelmente alguns animais como golfinhos e chimpanzés, mas todos estes só quando estão conscientes.

Na segunda categoria estão os seres destas espécies quando adormecidos, anestesiados, ou em coma temporário, com menos de um ou dois anos, e os fetos e embriões saudáveis implantados em segurança no útero da mãe.

Na terceira categoria estão, entre muitos outros, humanos adultos em coma irreversível, os embriões em placas de petri, as baratas, e os participantes do Big Brother Famosos.

[Editado às 22:47]
Nota: não é só para dizerem mal. É para, além de dizer mal, apresentarem as vossas propostas. Para não andarmos a discutir se é ou não é pessoa sem sequer saber o que queremos dizer com isso.

Interrupção Voluntária da Sensatez.

Ontem comecei a ver o debate na RTP-1. Não aguentei. Era treta demais até para um aficcionado da treta. O Vital Moreira começa por dizer que se deve despenalizar porque a sociedade não condena quem aborta até às 10 semanas, e pergunta se alguém ali denunciaria uma mulher da família, amiga, ou conhecida que soubessem ter abortado. Parecia o Wilberforce antes da resposta de Huxley, e eu disse logo ao José Pedro Aguiar o que devia dizer.

Se uma mulher abortasse um filho meu, eu denunciava. Se quisesse abortar um filho meu, eu dizia-lhe que a denunciava. E antes de ter relações sexuais com uma mulher deixava bem claro que sou totalmente contra que matem os meus filhos, seja em que idade for. Mais, o artigo 203º do Código Penal Português diz:

«Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»

Ora eu nunca denunciaria um familiar, amigo, nem mesmo um desconhecido, que roubasse um chocolate no supermercado. A sociedade em geral não exige punição para esses crimes, e deve ser muito raro ir parar à cadeia por roubar um chocolate. Mas nem mesmo assim eu votava sim à despenalização do furto até 10 euros por opção de quem rouba. Por muito pouco valor que a sociedade dê a um chocolate, e por muita relutância que haja em punir certos crimes, é bom que a lei deixe bem claro que há coisas que não se faz só porque se quer.

Fingiu que não me ouviu. Eu estava ali ao pé da televisão, disse isto bem claro, mas o José Pedro Aguiar preferiu dizer umas tretas sobre não ser demagógico e assim.

Desisti, e fui jogar Doom 3. Numa situação destas é estranhamente terapêutico desfazer zombies a tiro de caçadeira.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Calculem...

Pelos comentários que recebi (aqui e em privado) parece que não ficou claro porque é que a dificuldade de calcular a estrutura de uma proteína é irrelevante para o argumento criacionista. A proposta criacionista é que se uma célula produz proteínas com formas que nem um supercomputador consegue calcular, então os seres vivos só podem ter sido criados por um ser inteligente e omnipotente.

Este tema interessa-me porque trabalho em modelação, e sei bem o que custa calcular estas coisas. Sei também que a dificuldade de cálculo não tem nada a ver com ser vivo ou não, e que a proposta criacionista é treta.

Imaginem que estão na Lua e atiram uma pedra. A trajectória da pedra é fácil de calcular porque o sistema é simples: uma pedra, aceleração constante (a gravidade da lua), e uma velocidade e posição inicial. É uma parábola, e pronto. Mas se fazem o mesmo na Terra num dia de vendaval estão tramados. A resistência do ar, o vento variável, a pedra com forma irregular a rodar em relação ao vento, e lá se foi a parábola ou qualquer hipótese de resolver o sistema de forma simples.

A alternativa chama-se integração numérica, mas é mais simples de compreender que de pronunciar. Se conseguirmos parar o tempo e medir naquele instante a velocidade e posição da pedra e a velocidade do vento, conseguimos calcular a força que o vento exerce sobre a pedra, e quanto é que essa força vai alterar a velocidade (e direcção) da pedra. Se andarmos um instante de cada vez podemos fazer isto a cada passo e calcular a trajectória da pedra até cair no chão.

A vantagem é que quanto mais pequeno for o passo maior é a precisão. A desvantagem é que quanto mais pequeno for o passo mais passos temos que calcular. Mas com uma pedra e um computador bom se calhar o cálculo acaba antes da pedra cair.

Se em vez da pedra atirarem um balde de areia, o caso muda de figura. O cálculo é o mesmo, mas enquanto que a areia do balde vai toda ao mesmo tempo, o desgraçado do computador tem que calcular um grãozinho de cada vez, passo a passo, e já vocês acabaram de varrer a areia verdadeira ainda a virtual não saiu do balde.

A estrutura das proteínas é difícil de calcular porque são milhares de átomos a interagir de formas complexas. Mas isto não é uma característica única dos seres vivos, nem indicativo de origem milagrosa. Também é preciso muito poder de computação para cálculos de aerodinâmica, para simular reacções nucleares, para prever o estado do tempo e alterações climáticas, e muitas outras coisas.

E se é preciso um deus para explicar uma proteína, o que será preciso para explicar um deus?

Ética à minha maneira.

Tem havido aqui uma animada discussão sobre ética, e agradeço a todos as criticas que me têm tecido. Sem criticas não se consegue fazer nada. Mas parece-me que estamos a ficar atolados em mal-entendidos, e também está a fazer falta alternativas para comparar. Este post tenta desfazer os mal-entendidos e mostrar a quem discordar que tipo de coisas seria útil apresentarem como alternativas.

(A quem já está farto desta conversa peço que volte mais tarde, que prometo mudar de assunto).

Primeiro, valores são critérios que usamos para avaliar algo. O valor nutritivo é um critério para avaliar refeições, por exemplo. A amizade, a beleza, o preço, o conforto, e muitos outros valores para classificar diversas coisas. Todos estes valores são subjectivos, e sujeitos diferentes podem ter valores diferentes, pois estes valores são produto da nossa evolução biológica, desenvolvimento, e experiências marcantes.

Os valores éticos são diferentes porque a ética não é apenas uma expressão de gostos pessoais (para isso já temos os outros valores). Deve ser generalizável, aplicável a todos os sujeitos, e deve avaliar escolhas pelos valores de todos os afectados. Por isso um valor fundamental da ética é considerar todos os valores pelos valores e não pelos sujeitos que os têm. Uma dor forte tem o mesmo valor ético sinta-a um rico, pobre, mulher, homem, ou gorila. Ficar ofendido com os preservativos ou o trabalho ao Sábado vale o mesmo quer o ofendido seja o Zé da esquina, o bispo, ou Deus. Cada um tem as suas manias, mas a ética está acima das manias para mostrar a melhor forma de vivermos com as manias uns dos outros.

Isto leva-me a uma ética extremamente ateísta, pois mesmo que Deus exista, respeito tanto a sua opinião como qualquer outra. Por outro lado obriga-me a respeitar muitos outros seres. Não posso justificar comprar bifes só porque é uma vaca quem sofre. Sofrimento é sofrimento, seja quem for que o sofra.

Outro valor fundamental é a escolha consciente, pois só tem valor ético o que resulta de um acto intencional. Mas é um mal entendido comum pensar que só há duas possibilidades: ou algo é consequência de um acto intencional, ou não é. Na verdade, qualquer coisa é sempre resultado de muitos factores em conjunto, e a importância da escolha para a resultado depende das circunstâncias, e isto é eticamente relevante.

Roubando a sugestão do João Vasco, imaginem dois cenários. Num eu escolho se dou ou não dou uma facada ao João. No outro encontro o João a sangrar de uma facada e escolho se não faço nada ou se chamo o 112. Em ambos os casos o João morre na a primeira opção e vive se eu escolher a segunda. As consequências são idênticas e ambas resultam de uma escolha, mas eticamente os cenários são diferentes.

No primeiro cenário, se eliminássemos a minha escolha (por exemplo, eu ficava inconsciente), o João vivia. O João só morre se eu escolher dar-lhe a facada. Por isso a minha escolha tem um papel fundamental nessa consequência, e é por isso eticamente muito má. Por outro lado se eu decidir não dar a facada o João vive, o que aconteceria mesmo que eu não fosse capaz de escolher, por isso não mereço louvor só porque decidi não o esfaquear.

O segundo cenário é o inverso. Se eu não tivesse a capacidade de avaliar a situação e decidir, o João morria. Se decidir não ajudar, a minha escolha tem um papel secundário, e, eticamente, deixar o João morrer é menos mau que o matar à facada. Por outro lado ajudá-lo seria de louvar, pois seria pela minha acção voluntária que ele vivia.

Mesmo assim é uma grande maldade deixar o João esvair-se em sangue, quando a alternativa de o salvar é tão acessível. Dai outro valor ético: os futuros possíveis. A ética avalia as escolhas, e as escolhas são sempre entre futuros possíveis. Deixar o João esvair-se em sangue quando não há nada a fazer por ele é eticamente diferente de o deixar morrer se podemos salva-lo com um telefonema. O que podíamos ter escolhido é eticamente tão relevante como o que escolhemos.

Desviando um pouco a conversa, é por isto que eu acho a ética religiosa tão horrível. Por fazer parte de um plano consciente e intencional, qualquer desastre natural passa de tragédia a maldade, e é abominável a impassividade de um ser omnipotente que poderia ajudar todos sem qualquer esforço e limita-se a olhar.

Resumindo, para cada opção avaliamos as consequências pelos valores de todos os afectados e por quão responsáveis somos pelo que vai acontecer. Comparamos as alternativas, considerando as ramificações de cada uma no futuro previsível. O valor ético de uma opção é a diferença entre essa e a melhor alternativa. Se a melhor alternativa é superior, estamos a escolher mal, caso contrário estamos a escolher bem.

Finalmente, o valor de poder escolher. A liberdade de escolha é um valor ético – o primeiro – e é sempre um custo ético restringir esta liberdade. Justifica-se coagir quando a diferença ética entre o que proibimos e o que obrigamos compensa o custo ético de reduzir esta liberdade. Se não, mais vale deixar escolher mal que obrigar a escolher bem.

Em muitos casos, se uma mulher quer abortar mais vale deixá-la decidir. Talvez a nossa lei deva ser mais permissiva em algumas situações. A miséria, a vergonha, o medo, tudo isso reduz as alternativas disponíveis e a responsabilidade ética. Até a ignorância; se bem que difícil de avaliar num contexto legal, é inegável que quem não compreende o mal que faz é eticamente menos responsável que quem pratica o mal de plena consciência. Mas isto não é verdade para todos os casos de aborto por opção, e justifica-se coagir alguém que queira matar um feto só porque sim.

domingo, janeiro 28, 2007

O que as proteínas nos dizem.

Agradeço mais uma vez ao Jónatas Machado, desta feita pela referência ao artigo criacionista «Did God create life? Ask a protein» (1). Interessa-me porque trabalho em modelação de interacção e estrutura de proteínas, e não pelo artigo em si, que sofre de defeitos comuns da literatura “cientifica” criacionista. Rebate hipóteses há muito descartadas pela comunidade científica e usa uma analogia enganosa: a IBM montou um supercomputador para prever como uma proteína se forma, e o cálculo pode demorar um ano, mas a célula faz uma proteína em menos de um segundo.

E daí? Eu dou um salto no ar em menos de um segundo, mas se me pedirem para calcular os parâmetros de um modelo matemático que descreve a trajectória de todos os meus ossos, a força em todos os músculos, a aceleração, a pressão nas articulações e assim, nem um ano me chega. E eu sou mais esperto que uma célula – essa nem se safa com o 2+2. Mas em vez de dissecar o artigo vou vos contar o que as proteínas respondem à pergunta dos criacionistas. Vou começar do início.

Uma proteína é uma molécula com milhares de átomos, produzida ligando moléculas mais pequenas (aminoácidos) numa sequência determinada pelo gene. Conforme a «lombriga» vai crescendo, vai se enrolando numa forma complexa que depende da interacção dos diferentes aminoácidos na sequência. Vou ilustrar com a mioglobina, uma proteína com 153 aminoácidos que armazena Oxigénio nos músculos dos animais. A figura 1 mostra a estrutura da mioglobina de humano, foca, e tartaruga.


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Figura 1 (clique para ver maior)

A laranja marquei os aminoácidos que são diferentes da mioglobina humana. A foca tem 25 e a tartaruga tem 48 aminoácidos diferentes da nossa mioglobina. No entanto têm todas a mesma estrutura. Isto é surpreendente porque sabemos, por experiência, que a estrutura é muito sensível aos aminoácidos na sequência. Se mudamos um aminoácido muitas vezes a estrutura é preservada. Mas se mudarmos mesmo que uma meia dúzia o mais certo é estragar tudo. 48 aminoácidos é um terço da mioglobina – é surpreendente que um designer inteligente mude um aminoácido em cada três quando quer que a proteína fique exactamente na mesma.

Do design inteligente de sistemas complexos, como máquinas ou seres vivos, esperamos uniformização de partes. Se comprarem móveis no IKEA vêem que há alguns tipos de ferragens e cavilhas que servem para todo o mobiliário. A primeira coisa que as proteínas nos dizem é que, se a vida foi criada com alguma inteligência, foi por vários criadores, provavelmente em comité.

Mas nem isso. Mesmo num design por comité, o criacionismo prevê que a foca fique algures entre nós e a tartaruga. Pelas diferenças, 25 para a foca e 48 para a tartaruga, a foca devia ficar sensivelmente a meio. Mas a figura 2 mostra que não conseguimos encaixar a foca assim. É que entre a mioglobina da foca e da tartaruga há também 48 diferenças.


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Figura 2

Para um criador omnipotente tudo é possível. Podia ter feito as coisas exactamente assim. Mas podia ter feito de outra maneira, e por isso como explicação não serve. Não há nada no design inteligente que nos leve a concluir que é assim que as proteínas deviam ser. Antes pelo contrário; esperávamos que fosse de outra maneira.

Felizmente, temos uma teoria muito melhor. Há muitas gerações havia uma população de organismos com uma mioglobina. Quase todos nasciam com a mioglobina igual à dos pais, mas de vez em quando, por um erro acidental, um nascia com um aminoácido diferente. Se essa mutação afectava a estrutura da mioglobina provavelmente o desgraçado morria logo, porque a mioglobina já funcionava bem e não havia muito que se pudesse mudar. Mas se a mutação não afectasse nada o organismo vivia, reproduzia-se, e passava a sequência diferente aos seus descendentes.

Partes desta população foram se isolando, mudando independentemente, e dando origem a novas espécies. Ao longo do tempo foram-se acumulando as tais mutações neutras, que não mudavam a estrutura da mioglobina. E como eram aleatórias eram diferentes em linhagens diferentes. Hoje em dia temos uma árvore de família como a da figura 3.


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Figura 3


Nós e a foca partilhamos um antepassado mais recente, por isso somos mais parecidos, mas a tartaruga está equidistante de ambos, partilhando connosco e com a foca um antepassado mais antigo. Os humanos e as focas são primos mais próximos, e a tartaruga um primo afastado dos dois.

Isto é válido para a milhares de proteínas e milhares de espécies. Estas árvores de família aparecem todas as vezes que olhamos para as proteínas de espécies diferentes, e são coerentes entre si. Quando perguntamos às proteínas se foi um deus que criou a vida, a resposta é clara: «Não, que disparate.»

1- Thomas Heinze, Did God create life? Ask a protein

Detalhes técnicos:
As estruturas estão disponíveis no Protein Data Bank. Usei a 2MM1 para a mioglobina humana, 1MBS para a de foca, e 1LHS para a de tartaruga. A estrutura da mioglobina humana é um mutante, com a Cisteína 110 substituida por Alanina, mas contei com isso para as diferenças (se não dava 24 em vez de 25 comparando com a foca, o que também não era muito importante). Para os bonecos e as contagens usei o meu software favorito de modelação molecular: Chemera, acrescentando umas linhas de código para facilitar mudar as cores dos aminoácidos diferentes sem ter que os seleccionar um a um. As fotos foram tiradas da net, e não encontrei uma decente de tartaruga marinha, por isso foi mesmo esta da sua prima direita.

sábado, janeiro 27, 2007

Factos, valores, e outras tretas.

Para muitos, ser ateu é julgar que Deus não existe. E é verdade que um universo como este convida ao ateísmo. Era mais difícil se tivesse deuses. Mas, como disse Sartre (dá estilo começar uma frase assim), o ateísmo não é se Deus existe ou não. O fundamental do ateísmo é que, mesmo que exista, Deus não faz diferença. Este é um bom exemplo da distinção entre factos e valores.

Pelos meus valores é errado matar um dos meus filhos num ritual de sacrifício. Se o deus de Abraão me bater à porta e pedir que o faça, o meu modelo ético manda-me fazer-lhe um manguito. Mesmo que eu aceite como verdadeira a sua natureza divina e tudo o que vem na Bíblia, isto são apenas factos. Não mudam nada os critérios que sigo para determinar o bom e o mau. Um facto não é um valor, nem mesmo se o facto é Deus.

É certo que a minha descrição do universo depende dos factos, e os meus actos também. Os tais modelos descritivos e prescritivos (1). Se este universo fosse como na família Addams eu dava veneno aos meus filhos e dormiam numa sala de tortura. Mas porque nesse caso isso era bom para eles. Os meus valores e a forma como avalio os factos seriam os mesmos.

Um grande problema na moral religiosa é tentar ser descritiva e normativa ao mesmo tempo. Falha nas duas coisas. É uma má norma porque os critérios de bem e mal dependem de elementos no modelo descritivo, como a vontade dos deuses. E é uma má descrição porque necessita que seja tomado como verdade – incluído no modelo descritivo – aquilo que a norma dita como bom. Uma trapalhada.

Os valores temos que os ir buscar ao subjectivo, e não a elementos de um modelo descritivo incerto. Descartes considerou isto. Como todo o conhecimento pode estar errado, concluiu que a única coisa que não podemos negar é a existência de um eu. E quase que acertou. Falhou só por pensar que o eu é uma coisa, uma substância. Na verdade o que temos de subjectivo é uma acção de consciência. Acontece. Pelo que sabemos é o cérebro que a faz, mas ao longo da vida o cérebro muda, recicla-se, e no final já sobra pouco da matéria original. Não pode ser o mesmo machado se já mudei três vezes a lâmina e cinco vezes o cabo.

Onde quero chegar com isto é que os factos, por si, não implicam valores. Não podemos dizer que algo tem valor por ter actividade cerebral nem que algo é bom porque Deus diz. O fundamento tem que ser subjectivo, e não com base num modelo descritivo do que pensamos ser verdade. E o sujeito ético não é uma coisa, é uma sequência de decisões conscientes, cada uma afectando o futuro seleccionando possibilidades. E na ética o possível e o hipotético pesam muito. O que já está, já está. O que interessa é aquilo que propositadamente fazemos com que venha a ser.

Por exemplo, a energia nuclear levanta um problema ético: beneficiamos agora mas legamos os resíduos radioactivos a gerações vindouras durante milhares de anos. É absurdo dizer que são eticamente irrelevantes porque estão no futuro, são seres potenciais, ou por ainda não terem actividade cerebral.

1- Eu, Modelos

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Imbróglio.

Há aqui uma discussão algo confusa mas, como já não tem só a ver com o aborto, vou aproveitar para ver se vou desviando a conversa. Parece que este blog está encravado no aborto...

O João Vasco e o Ricardo Carvalho insistem que o que nós temos de importante é a actividade cerebral. É por isso que o critério para determinar a morte, segundo eles, é o fim irreversível desta actividade. Isto é um erro factual. É muito raro que a morte seja determinada por uma análise neurológica e, quando se faz um diagnóstico de morte cerebral, há ainda actividade no cérebro. O diagnóstico tem que ser cuidadoso precisamente para determinar com o máximo de confiança que aquele paciente que ainda está vivo não tem hipóteses de ganhar consciência.

Mas isso é o menos importante. O que penso que está mais errado com essa abordagem é confundir o que queremos para obter algo com o que nos interessa por si. Ou, como os filósofos gostam de dizer, o que tem valor instrumental e o que tem valor intrínseco.

Eu dou grande valor ao meu cérebro, às minhas pernas, ao fígado. Muito importantes porque me permitem pensar, mexer, e viver. Mas é só isso. Um cérebro que não permita pensar, ter consciência, e sentir não tem interesse. Alguém que consiga fazer isto sem cérebro não precisa de cérebro para nada. Ficção, dirá o Ricardo. Mas demonstra que o que importa não é o cérebro. É pensar, sentir, ter consciência, e ser capaz de agir e decidir. Isso é que vale por si, e não apenas para obter algo. O cérebro é meramente um instrumento para este fim.

E mais ainda que ao nosso presente ou passado damos valor à possibilidade de consciência futura. Preferimos ficar inconscientes agora durante algum tempo para garantir que ficaremos conscientes no futuro, e poucos hesitariam em trocar memórias para salvar a vida. Imaginem a diferença entre ficar inconsciente meia hora e acordar de seguida, ou ter só mais meia hora de consciência de depois perdê-la para sempre. O futuro de um ser como nós não é apenas um potencial hipotético. É algo de grande valor intrínseco, e muito mais valioso que o cérebro ou qualquer detalhe de implementação biológica que só valha pelo que contribui para o que interessa.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Actividade cerebral.

Isto hoje é à dúzia. Assim se estiverem fartos desta treta do aborto é só esquecer o dia 25. Desta vez é sobre um argumento usado por alguns defensores do sim: como o critério para determinar a morte é o fim da actividade cerebral, o critério para determinar quando começa a vida é o inicio da actividade cerebral.

A inferência não me parece justificável, pois não é claro o que é que a morte clínica tem a ver com o inicio da vida. Mas nem é preciso ir por aí porque a premissa está errada. Wijdicks descreve sumariamente o processo de declarar a morte cerebral (1):

«The declaration of brain death requires not only a series of careful neurologic tests but also the establishment of the cause of coma, the ascertainment of irreversibility, the resolution of any misleading clinical neurologic signs, the recognition of possible confounding factors, the interpretation of the findings on neuroimaging, and the performance of any confirmatory laboratory tests that are deemed necessary.»

O objectivo deste cuidado, que vai muito além de ver se há “actividade”, e determinar se a situação é irreversível. Além disso o critério da morte cerebral é apenas usado se o paciente permanece vivo, normalmente com ventilação assistida, soro, e assim. Este procedimento não se aplica a um sinistrado a quem o coração parou e os paramédicos não conseguem reanimar. Ninguém lhe vai fazer uma serie de testes neurológicos cuidadosos e isso tudo, porque é óbvio que atingiu um estado irreversível.

A definição de morte clínica tem mudado com o desenvolvimento tecnológico porque muito do que era outrora irreversível agora já não é, e a morte é definida como um estado irreversível. Se querem aplicar o mesmo critério têm que considerar o feto como um ser humano em coma com um prognóstico excelente. Ninguém vai desligar a máquina a um paciente desses.

1- Eelco F.M. Wijdicks, 2001, “The Diagnosis of Brain Death”, New England Journal of Medicine, 16, Vol. 344, pp 1215-1221

Contracepção e aborto.

O João Vasco chamou-me a atenção para este problema de dar valor ao futuro de um ser: se assim for, temos que condenar tanto a contracepção e o celibato como condenamos o aborto. Mas este (falso) problema resulta de confundir o valor genérico de algo, como o valor da vida, com o valor ético de um acto. Um furacão matar cem pessoas é trágico, mas eticamente neutro. Um assassino tentar matar uma pessoa e falhar é uma sorte, mas eticamente condenável.

Consideremos então o espermatozóide. Uma diferença é que quando eu mato um espermatozóide meu estou a matar uma célula que me pertence. Ao matar o feto que é meu filho estou a matar um organismo que não sou eu. Todos aceitamos que o que separa os pais dos filhos é a concepção, um processo que demora cerca de cinco uns dias desde a fusão dos gâmetas até que o blastocisto se liberte da zona pelúcida. A natureza gradual deste processo é um forte argumento a favor da pílula do dia seguinte, mas após a implantação no útero, e certamente às 10 semanas, é consensual que se trata de outro organismo que não qualquer um dos pais. Afirmar o contrário vai contra o que sabemos acerca da biologia humana.

Mas o que sabemos pode estar errado, e esta distinção é contingente. Depende das coisas serem assim. Se não for assim talvez o modelo normativo dê razão ao João Vasco, e não posso alterar a ética só porque as coisas não são como quero. Por isso vou considerar a situação hipotética que mais favorece a objecção do João Vasco e assumir que um espermatozóide é igual a uma pessoa.

Suponhamos que numa ejaculação morrem 100 milhões de espermatozóides, e que há 10% de probabilidade de salvar um deles, ao acaso, tendo relações sexuais sem contraceptivos. Cem milhões de mortos é uma tragédia, mas eticamente neutra porque é consequência dum processo natural que não podemos evitar (mesmo que se evite ejacular acabam por morrer, e é menos divertido). Vamos por isso imaginar que 100 milhões de pessoas estão a morrer num desastre natural, mas se eu puxar uma alavanca há 10% de probabilidade de uma delas, ao acaso, se salvar. O caso análogo ao aborto será o de 100 milhões perecerem da mesma forma, uma pessoa se salvar, e eu poder puxar a alavanca para a matar, com intenção e plena consciência do que faço.

É de louvar que eu puxe a alavanca no primeiro caso e faça o possível para salvar alguém, mesmo que a probabilidade seja pequena. Mas não é aceitável coagir-me para que o faça, principalmente se associada a esse salvamento vier a responsabilidade de cuidar do sobrevivente, nem se justifica punir-me se não o fizer pois não há nenhum efeito em concreto que me possam acusar de ter causado. Se me acusam de matar ou tentar matar alguém, quem desses cem milhões é que eu matei? Se os espermatozóides fossem pessoas, seria de louvar quem tentasse ter grandes famílias de filhos felizes, mas nem assim seria eticamente aceitável a decisão de os coagir a ter filhos.

O outro caso é muito diferente. Se eu puxar a alavanca e matar o sobrevivente sou responsável por uma morte intencional. O problema ético pode ser menor se sou forçado pelas circunstâncias, se não sei o que faço, ou outras considerações. Mas fazê-lo por opção e de livre vontade é eticamente muito grave, mesmo que a sobrevivência dessa pessoa me cause alguns inconvenientes. Dependendo da situação, pode-se justificar coagir quem vai matar para que não o faça.

Em conclusão, parece-me mais correcto considerar o espermatozóide parte de um ser humano e o feto como um ser humano em si. Mas mesmo que o espermatozóide seja uma pessoa, não tentar salvar uma pessoa qualquer entre milhões é muito diferente de matar uma pessoa específica intencionalmente.

O valor da escolha.

Há uns dias testei a vossa paciência com as diferenças entre vários tipos de modelos (1). Um modelo que descreva a sociedade Portuguesa do século XIV ou prescreva como se comportar no Paquistão tem que se cingir ao contexto em que se insere. Mas um modelo normativo não é assim. Os princípios e regras com que comparamos alternativas e escolhemos o que é melhor não devem mudar com o sítio ou a época. É tão mau maltratar as mulheres no Paquistão como em Portugal. A escravatura era tão imoral no século XIV como é agora. O fundamento de uma avaliação ética não deve depender de detalhes circunstanciais, como espécie, neurónios, e afins, e como serve para avaliar possibilidades tem que funcione em casos hipotéticos. De nada serve um modelo ético que apenas diga “o bom é o que acontece, e pronto”. Precisamos de um capaz de dizer “se fosse daquela outra maneira era muito melhor”. Afinal é essa a sua função.

Os modelos normativos diferem naquilo que avaliam. Avalio uma refeição pelo sabor, valor nutritivo, custo, efeitos secundários, e assim. Estes critérios aplicam-se da mesma forma a qualquer refeição real ou imaginária, mas não avaliam profissões. Considerar o valor nutritivo de uma carreira no ensino ou o valor profissional da feijoada de chocos é absurdo. Este é o erro que comete o Ricardo Alves quando me pergunta: «Quando é que vais assumir que o teu modelo normativo não valoriza da mesma forma um embrião e uma criança?».

Crianças, adultos, embriões, tudo isso tem valor em muitos modelos normativos. A minha vida tem um grande valor subjectivo para mim, tem outro tipo de valor para quem beneficia do meu trabalho ou gosta da minha companhia. Mas a vida em si não tem valor ético. Por exemplo, apanhar com um raio e morrer electrocutado não é sequer uma questão ética.

A ética avalia escolhas conscientes e voluntárias. Acontecimentos e seres não têm valor ético por si. Apenas são relevantes como parte da escolha: consequências previstas, a responsabilidade de quem escolhe, e as alternativas que foram rejeitadas. Nenhum destes factores isoladamente é determinante, e é errado reduzir a ética a uma álgebra de consequências. Para responder ao Ricardo, o que normalmente terá valor ético diferente é a decisão de abortar e a decisão de matar uma criança, não por diferenças no valor ético do feto ou da criança, mas por diferenças na escolha em si – as alternativas, a consciência do acto, a responsabilidade imputável a quem decide, e assim por diante.

Resta ver como avaliar as alternativas. Muitos modelos normativos são instrumentais, servem para algo. O dinheiro vale porque dá para comprar coisas, as coisas valem porque servem para comer, ter saúde, ou prazer, e assim por diante. A ética é diferente da maioria por ser um fim em si mesmo. Esta liberdade de escolher e agir de forma consciente e respeitando os meus valores e os dos outros é algo que vale pelo que é, e não para obter algo mais. Nem a felicidade. Eu não trocava esta existência ética (de ser consciente e capaz de agir) por uma droga que me fizesse totalmente feliz e inerte.

O que tem valor ético na nossa vida é o conjunto de escolhas éticas que fazemos. Imaginem cada escolha como uma ramificação de várias alternativas, e cada ramo levando a outra escolha, e assim por diante numa enorme árvore de possibilidades. A nossa vida é um trajecto nessa árvore de escolhas, e é nossa não só porque cada um vive a sua mas porque cada um determina conscientemente – eticamente – o seu trajecto. Ao matar o feto a mãe usurpa o trajecto que é do filho. Esse é o valor ético negativo da morte propositada, mas também da tortura, da coacção, de negar educação, de impor crenças, e qualquer outra forma de negar a um ser a possibilidade de determinar eticamente a sua vida de acordo com os seus valores.

O João Vasco levantou o problema do espermatozóide: se é o futuro que interessa, o desse também devia contar. Mas não é só o futuro que interessa. É a decisão que interessa: a selecção consciente de uma alternativa entre várias, tendo em conta os valores de quem decide e de todos os afectados. Mas mais detalhes no próximo episódio.

1- Eu, 22-1-07, Modelos

As razões de Vital Moreira.

No Público de dia 23, Vital Moreira (VM) deu doze razões para votar sim num referendo. Três não são bem razões, são os pontos de disputa: que o feto não merece ser considerado, e que não se deve punir a opção de abortar até às 10 semanas, e que onde na Constituição está «a vida humana é inviolável» deve-se ler «excepto até às 10 semanas, que essas não contam».

Das outras, algumas parecem boas, mas para outro referendo. VM diz que o que está em causa é se a mulher que aborta «deve ou não ser perseguida e julgada e punida com pena de prisão». A proposta a referendo é nunca punir, o que é diferente. Para VM parece que o referendo obriga ou a punir todas ou a não punir ninguém, mas o que eu vou votar é entre não punir ninguém ou avaliar caso a caso, pois a lei vigente não tem pena mínima e não obriga a punição. Ao contrário do que defende VM, faz sentido que a lei puna alguns casos sem desejar que puna todos. Um principio que é válido em geral, não só para o aborto.

Outra razão é que a lei só aceita como lícito o aborto em «casos assaz excepcionais». Uma boa razão para votar a inclusão de casos menos excepcionais, mas não necessariamente para permitir o aborto por opção. Depois diz que a razão principal é que desta forma se acaba com o aborto clandestino. Outra coisa que não vejo no referendo em que vou votar. Este só menciona a despenalização, e não a cobertura de vinte mil abortos por ano pelo Serviço Nacional de Saúde. Essa era uma forma de acabar com o aborto clandestino, mas não aparece no meu referendo. VM acrescenta que só a despenalização permite «aconselhamento médico e psicológico». Talvez, mas isso seria uma boa razão para votar sim num referendo que despenalizasse o aborto só com o devido aconselhamento médico e psicológico, e não por opção. Curiosamente, depois destas considerações VM diz que não se pode alegar o custo para os serviços de saúde como razão para votar não porque estas medidas não vêm no referendo. Parece que o que não vem no referendo só conta se for pelo sim...

Depois vem uma razão muito estranha: não se pode impor uma noção de moral que não seja partilhada por todos. Então onde é que baseamos as leis? É que a única diferença entre algo como, por exemplo, o furto e os impostos é uma diferença moral, e não é partilhada por todos. Todas as leis são imposições de noções morais, pois não há outra forma de obter um «deve ser» que não por um juízo de valor.

Finalmente, escreve que «a despenalização do aborto, nos termos moderados em que é proposta, será um sinal de modernização jurídica». Ora bem, se é moderno deve ser bom. Pena que o moderno seja inserir o aborto num esquema de aconselhamento médico, social, e psicológico, devidamente regulamentado e apoiado pelo estado. O aborto por opção é bastante antigo, e as modernices não vêm no referendo em que vou votar.

No dia 11 vou ver se encontro o VM para votar no referendo dele. É que o meu é uma porcaria.

Coincidências.

Num comentário ao post anterior (1), o leitor «kota» escreveu que «houve de facto ajudas por parte de pessoas ditas videntes ou lá o que quiserem chamar. É pouco provável que sejam meras coincidências.»

Pouco quanto? A probabilidade é uma medida que é muitas vezes difícil de estimar de uma forma intuitiva. Imaginem que num grupo de pessoas há duas que fazem anos no mesmo dia. Tentem estimar o tamanho do grupo para o qual a probabilidade de isso acontecer é igual à de não acontecer (50%).

Muitas pessoas apontam para um número à volta de 360, os dias do ano, ou 180, a metade. Mas na realidade com um grupo de 23 pessoas a probabilidade de haver pelo menos duas com aniversários coincidentes é superior a 50%. Com 60 pessoas a probabilidade é de 99%. O cálculo está explicado na Wikipédia (2), e é fácil perceber porque é assim se consideramos que num grupo de 23 pessoas há 506 pares diferentes. Mas a estimativa intuitiva é completamente errada. O nosso cérebro não evoluiu para fazer facilmente este tipo de cálculo.

Outra dificuldade é a nossa tendência de dar mais importância ao que é mais saliente. Um bom exemplo são as “estranhas” semelhanças entre Kennedy e Linclon (3). Eleitos para o congresso em 1946 e 1846, presidentes em 1960 e 1860, ambos assassinados à sexta feira, e assim por diante. Parece demais para ser coincidência, mas é difícil de estimarmos o número imenso de coisas que ficaram de fora por serem diferentes (o nome da sogra, a padaria que frequentavam, a marca da bicicleta que tinham em criança, etc.), e o número de possíveis combinações de presidentes onde procurar semelhanças. Basta num grande número de acontecimentos há certamente alguns que são extremamente raros, mas por pura coincidência. Afinal, por muito difícil que seja para qualquer pessoa ganhar o Euromilhões, não é difícil que alguém ganhe.

Finalmente, a falácia comum da falsa dicotomia: se não é laranja, então tem que ser maçã. Isto leva a conclusões injustificadas só porque «não pode ser coincidência». Por exemplo, quando o Sol está na casa de Capricórnio há muito mais acidentes rodoviários. Isto não é coincidência, no sentido de ser por acaso, pois a diferença é estatisticamente significativa. Mas não tem nada a ver com a astrologia. O signo do Capricórnio inclui o Natal e o Ano Novo, e é o maior número de condutores embriagados que faz aumentar os acidentes.

Em suma, se alguém vos diz que não pode ser coincidência por isso qualquer coisa, o mais certo é estar errado em ambas. Provavelmente é coincidência e, mesmo que não fosse, não queria dizer nada.

1-Eu, 23-1-07, Vida para além da treta.
2-Wikipedia, Birthday Paradox
4-Andy Hughes, Strange coincidences between Abraham Lincoln and John F Kennedy

terça-feira, janeiro 23, 2007

Vida para além da treta.

Em 2003, os conhecidos videntes americanos Sylvia Browne e James Van Praagh contactaram o espírito de Shawn Hornbeck, um rapaz de 11 anos que tinha desaparecido no ano anterior (1). Sylvia Browne disse aos pais que ele já não estava entre nós, que o corpo estava enterrado numa floresta, que foi raptado por um homem alto de pele escura, com um carro azul. Os pais da criança também foram ao programa de televisão de Van Praagh, que disse que o corpo poderia estar escondido num vagão, e que o rapaz tinha sido morto por alguém que trabalhava com comboios.

No passado dia 12 a polícia encontrou Shawn e prendeu Michael Devlin (2). Devlin foi acusado de rapto. É branco, gordo, e na altura conduzia uma carrinha branca. Exactamente como Sylvia Browne descreveu, só que não. Também não consta que tenha algo a ver com comboios. E o miúdo, felizmente, está muito bem de saúde para quem esteve enterrado numa floresta com o corpo escondido num vagão.

A nossa sociedade aceita que se faça dinheiro a enganar pessoas desesperadas, e por muito que esta gente falhe encontra sempre alguém que, por dor ou desespero, não está capaz de se defender da burla. Como se respeita mais crenças que pessoas, basta o burlão alegar que acredita para poder burlar à vontade.

1- James Randi Foundation Newsletter, Another Fabulous Failure
2- Time, 15-1-07, The Kidnapping Suspect: "A Big Friendly Marshmallow"

segunda-feira, janeiro 22, 2007

A vaca, pelo sim.

Hoje não estou muito inspirado. Levantei-me às 5:00, tive reuniões e trabalho o dia todo, e ainda me falta fazer umas coisas antes de poder ir dormir. Mas o último post e o comentário do Ricardo Carvalho fez me lembrar esta. E isto não pode ser sempre filosofias profundas; é o meu blog, posso avacalhar de vez em quando

- Então compadre, essas vacas são boas?
- A branca é...
- Então e a preta?
- A preta também.
- Ah... e dão muito leite?
- A branca dá.
- Então e a preta?
- A preta também.
- E, diga-me lá. São boas de tratar?
- A branca é.
- Então e a preta?
- A preta também.
- Mas porque é que diz sempre que a branca é que é boa, e dá muito leite e assim, se a preta também?
- É que a branca é minha.
- Então e a preta?
- A preta também.

Ao menos...

A lei é ineficaz. O acto é privado, e a investigação uma intromissão humilhante na vida íntima de quem se vê envolvido no processo. Quase nunca há denúncias e, das poucas vezes que as há, quase nunca há condenações. Muitos dizem até que não é crime. Que é mau todos concordam mas para muitos é assim que as coisas são. Há que aceitar. E não é algo que se faça de cabeça fria, a pensar nos detalhes da lei ou na possibilidade de ir para a prisão. Faz-se sem pensar, por impulso, e muitas vezes arrependendo-se depois, quando é tarde demais. Não é um parágrafo no código penal que vai impedir alguém de o fazer.

Há apenas uma coisa boa no meio disto tudo. Ao menos ainda não se lembraram os políticos de tentar marcar pontos com a despenalização da violência doméstica.

Modelos.

Lamento, mas não é acerca dessas modelos. É acerca da confusão entre modelos descritivos, normativos, e prescritivos. Como neste comentário do Ricardo Carvalho, acerca do valor de uma vida:

«[P]arece-me que se queremos fazer uma análise científica da questão, imaginar histórias irreais de ficção científica não é a melhor maneira de pensar: decerto todos conseguimos imaginar cenários surreais q.b. para tentar destruir o ponto de vista oposto.

[A] questão puramente científica diz respeito ao que nos difere dos outros animais (pois o comércio de bifes de vaca não é criminalizado, por exemplo). neste ponto, parece-me que o joão tem razão quando o classifica como actividade cerebral superior (inclusivé o critério para "desligar a máquina" em muitos casos).»

Correcto para um modelo descritivo, importante para um modelo prescritivo, e irrelevante para um modelo normativo. Mas vou começar por explicar a diferença. Quando vou às compras sei que tenho o Lidl aqui ao pé, e a poucos minutos de carro o Carrefour, o Feira Nova, e o Continente. Tenho também uma ideia dos preços, marcas, e tipo de produtos que posso encontrar em cada um. Isto é um modelo descritivo deste aspecto da realidade.

Mas não me basta descrever a realidade para saber o que fazer. Preciso também de avaliar as diferentes compras possíveis. Preciso de uma norma. Pesando a qualidade do produto, a distancia que me tenho que deslocar e o preço, atribuo um valor a cada possibilidade, e concluo que é melhor comprar bolacha Maria no Lidl aqui ao pé, mas se já estou no Carrefour é melhor comprar lá que a diferença de preço não justifica ir de propósito ao Lidl só por um pacote de bolachas. Este é um modelo normativo.

Na prática seria demasiado moroso recolher todo os preços, contar quilómetros, avaliar todas as marcas, visitar todas as lojas da redondeza, e assim por diante, para aplicar devidamente o meu modelo normativo de ponderar distancia, preço e qualidade. Por isso tenho também um modelo prescritivo que me aproxima o ideal do meu modelo normativo sem grande chatice: primeiro, vou ao Lidl e compro lá tudo o que houver daquilo que preciso. Depois vou a um dos outros para coisas como peixe ou aquele queijo que os miúdos gostam.

O primeiro modelo descreve a realidade e o terceiro prescreve um plano de acção que aproxima o óptimo dada esta realidade. Por isso ambos são válidos apenas para a realidade como ela é; se construírem um supermercado mais próximo de mim tenho que actualizar o meu modelo descritivo, e se os preços forem melhores que os dos outros tenho que modificar o meu modelo prescritivo e passar a ir a esse primeiro.

Mas o modelo normativo é diferente. A regra que é preferível o mais barato de dois produtos com a mesma qualidade e à mesma distância é válida qualquer que seja o supermercado ou o produto. Ao contrário dos outros, um bom modelo normativo funciona em qualquer situação. Se marcianos pousarem um disco voador à porta da minha casa e venderem tudo mais barato é exactamente este modelo normativo que tenho que me dirá que é melhor comprar aos marcianos.

Voltando ao exemplo do Ricardo, o modelo descritivo (científico) dos humanos e outros animais tem que os descrever como são realmente. O modelo prescritivo que recomenda como devemos agir para com os animais também é válido somente para a realidade como ela é. Se os humanos e outros animais fossem diferentes estes modelos teriam que ser diferentes.

Mas o modelo normativo que tentamos optimizar com essa forma de agir não deve ter apenas regras ad hoc como a vaca vale menos que o humano. Deve ser um modelo que cubra tudo o que é relevante e apenas o que é relevante. E, se o fizer, serve para a vaca, o humano, o ET, o comandante Data, o Sr. Spock e o que mais vier.

A questão do valor da existência de um ser não é descritiva nem prescritiva. É normativa. Por isso deve ser resolvida de uma forma que seja adequada a qualquer situação. Mas isso fica para a próxima.

sábado, janeiro 20, 2007

Se a lei não é cumprida...

... deita-se fora. Foi a sugestão do João Miranda (1), que defende a despenalização do aborto porque:

«A lei dificulta a logística, mas não é suficientemente eficaz para impedir o aborto.»

Quando li isto encolhi os ombros e pensei, bom, não tenho tempo para todas as tretas. Deixo passar. Mas hoje vejo um artigo do João Vasco no Diário Ateísta (2) a subscrever esta ideia. Parece que afinal vale a pena.

Vamos imaginar que no nosso país a lei obriga nove anos de escolaridade para todas as crianças. Imaginemos também que alguns pais tiram os filhos (ou, normalmente, as filhas) da escola antes do tempo e não vão presos. Não me parece que numa situação dessas quer o João quer o João votem a favor de despenalizar esta violação à lei.

Concordo que as leis do aborto e da escolaridade obrigatória são insuficientes para resolver estes problemas. Mas não é por isso que devemos desistir delas. O João Vasco continua (2):

«Na sociedade em que vivemos, parece-me melhor não nascer - nunca chegar a ser um ser consciente, que sente dor e sofrimento - do que nascer filho de uma mãe que não nos deseja.»

Eu por acaso tenho a opinião contrária. Preferia ser adoptado que morto. Mas respeito a opinião do João. Discordo é que se despenalize a morte de um ser humano porque o João acha que a vida desse ser é uma tristeza. A escolha entre adopção e morte devia ser feita por cada um, e não pela mãe ou pelo João. Além disso parece-me que o João subestima os instintos que a evolução nos deu. A maioria das mulheres que quer matar o feto às 10 semanas muda completamente de opinião se, uns meses mais tarde, tiver esse mesmo filho ao colo. Não é seguro que uma mulher que queira abortar vá odiar o filho para o resto da vida se não o fizer.

Mas o João põe o dedo quase na ferida:

«Será que a lei funciona? Será que há menos abortos por ser ilegal abortar?»

Provavelmente. Mas vamos assumir que a lei, sozinha, não funciona. Se a deitarmos fora, o que faremos contra o aborto? É que neste referendo não nos oferecem nada em troca. Muita gente diz ah, e tal, e o camandro, mas no papelinho onde vou pôr a cruz não há mais nada que a lei. Talvez a bóia não me sirva de muito se naufrago durante uma tempestade, mas só a largo se tiver algo melhor à mão...

1- João Miranda, 12-1-07, Para que serve a actual lei do aborto?

2- João Vasco, 20-1-07, Porque tenciono votar SIM

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Fixe

mas só para os geeks mais geek que sabem o que a Moya e a Lexx têm de especial. Só saber o que são os Borg não dá para apreciar verdadeiramente esta maravilha.

(Via Bad Astronomy)

Adicionado: este ainda melhor.

Canadá: terra sem lei.

Advertência: este texto pode conter vestígios de sarcasmo.

O Canadá está na lista negra dos EUA, e é merecido. Esse tal Canadá faz-se passar por um país civilizado, mas é uma terra sem ordem nem respeito pelo direito fundamental de cobrar dinheiro pelo entretenimento. No Canadá pode-se gravar um filme no cinema e nem se vai preso. Doug Frith, presidente da Canadian Motion Picture Distributors Association, exprime bem o desespero da situação (1):

«Front-line employees catch a guy sitting in the front row camcording Mission: Impossible III, they call police and they're told it's a matter for the RCMP because [the] Copyright [Act] is federal. [...] We don't want to have to prove the economic loss from distribution. We want it to be a Criminal Code activity to be caught camcording. Period.»

Nos EUA, desde 2005 que é crime usar uma câmara de vídeo no cinema (2), punível com até três anos de prisão, ou seis se o criminoso reincidir. No Canadá os pobres distribuidores sofrem enquanto criminosos perigosos gravam filmes impunemente. A lei Canadiana parece até troçar das vítimas, ao exigir que provem que sofreram prejuízos se quiserem meter alguém na cadeia.

Mas os EUA ameaçam retaliar com medidas drásticas, atrasando uma ou duas semanas as estreias dos filmes no Canadá. E tudo isto por culpa de legisladores que julgam que a arte é um fenómeno de criatividade cultural, e que pode sobreviver sem dinheiro para advogados, acordos de licenciamento, gestores de direitos, e legislação especial.

1- Gayle MacDonald, Pirates of the Canadians

2- Wikipedia, Family Entertainment and Copyright Act

E já está.

Quando escrevi o post sobre o Vista (1) não sabia, mas há 3 dias que começaram a aparecer no Pirate Bay os endereços para descarregar pelo Bit Torrent alguns filmes em HD-DVD. São cerca de 20Gb cada filme, o que não é prático com o tipo de acesso à Internet que temos por agora cá em Portugal, mas a largura de banda está sempre a aumentar.

Isto torna obsoleta a protecção que o Vista confere ao conteúdo áudio e vídeo, mesmo antes de o sistema operativo entrar no mercado. Faz-me lembrar este outro sistema de protecção.

1- Eu, Golpe de Vista

Comprimidos e penhascos.

Parece-me que há duas confusões que contribuem muito para a longa barafunda do aborto. Uma é confundir o direito à vida com o dever de não matar. A outra é confundir o moralmente condenável com o que, além de imoral, deve ser punido. Por causa destas confusões muitos argumentos saltam de um lado para outro com inferências absurdas.

Vou começar por um exemplo para ilustrar estas diferenças. Saliento que é um exemplo, e não uma analogia; não me acusem depois que no aborto a pressão atmosférica é maior ou o que raio seja. Estou á beira de um penhasco com outra pessoa. Não há mais ninguém num raio de quilómetros. Eu estou firmemente seguro, e nunca em risco de cair. A outra pessoa escorrega e cai. Consideremos três cenários.

No primeiro, ela agarra o meu pé e eu borrifo-lhe na cara um veneno que mata instantaneamente e sem dor. No segundo cenário eu desvio o pé quando ela se tenta agarrar, e ela cai. No terceiro eu vejo que a mulher não está muito boa da cabeça e ainda vai cair, por isso afasto-me à cautela. Algum tempo depois ela cai, mas eu estou longe demais para que se possa agarrar.

No primeiro cenário posso alegar que eu é que mando no meu corpo. Ninguém mais a pode ajudar, por isso a sua vida depende exclusivamente do uso do meu corpo. A minha autonomia é uma questão de consciência, e assim por diante. Já conhecem os argumentos todos, provavelmente. O problema é que acima disto tudo está o meu dever de não matar. Ou, se preferirem um direito (o dever de um é sempre o direito de outro, e vice versa), o direito dela de não ser morta. Este acto deliberado de a matar é imoral e deve ser punível, mesmo se ela usa o meu corpo para sobreviver e mesmo não podendo eu passar essa responsabilidade a outrem.

No segundo cenário eu nego-lhe assistência quando ela precisa, sabendo que assim vai morrer. Mas isto não é o mesmo que matar. O seu direito ao auxílio é muito mais fraco que o direito de não ser morta. A minha atitude neste caso também é imoral, mas é difícil dizer se devia ser punível. Podemos obrigar o auxilio em certas circunstâncias (pais para filhos, médicos para pacientes, etc), mas temos sempre que considerar vários factores, entre os quais o aspecto prático de aplicar a lei. Isto porque obrigar a auxiliar pode ser mais imoral que não auxiliar.

No terceiro cenário eu simplesmente decido distanciar-me da situação. A mulher é maluca, não tenho nada a ver com isso. Mesmo a moralidade ou imoralidade deste caso é discutível.

O aborto, a pílula do dia seguinte, e a abstinência ou contracepção cobrem também esta gama de possibilidades. O aborto mata com intenção, violando o mais fundamental destes direitos e deveres que temos uns para com os outros: não matar e não ser morto. A pílula do dia seguinte altera o útero impedindo a implantação do embrião. Ele morre, e é imoral que a mãe «desvie o pé» desta maneira, mas o dever/direito que é violado é o de assistir o necessitado, mais fraco que o dever de não matar. Há por isso outras considerações importantes que levem a que, mesmo que imoral, não deva ser punível. A contracepção previne a situação que possa levar a uma escolha imoral ou punível. Não mata nem nega assistência porque nessa altura não vai morrer ninguém nem há alguém que precise de assistência.

A maior parte dos argumentos pelo «sim» é treta por causa disto (a maior parte dos argumentos do «não» também é treta, mas por outras razões). Uns argumentam que se o aborto for crime, então tudo desde o preservativo tem que ser punido como homicídio. Outros que a impossibilidade de retirar o feto da mãe com segurança lhe dá o direito de matar o filho. Isto por confundir o dever de não matar com o dever de auxiliar, e de assumir que se deve punir tudo o que é imoral.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Golpe de Vista.

No tempo das disquetes preferíamos os originais, porque programas copiados podiam trazer vírus e dar chatices. Nessa altura os distribuidores não desconfiavam dos clientes. Mas as coisas mudaram. Hoje, quem tem um disco de 200Gb e compra um DVD de 4Gb tem a expectativa de instalar os 4Gb algures nos 200Gb e arrumar o DVD. Nada disso. O distribuidor quer se certificar que o cliente não é aldrabão, por isso cada vez que joga ou usa o programa tem de enfiar a bolacha na gaveta e estragar mais um pouco o DVD e o leitor. Nem pode fazer uma cópia de segurança. Esta protecção de lucro alastrou aos CDs, filmes, músicas, e tudo o que se compra que pode ser usado num computador. O bom cliente sujeita-se a encher o PC de tralha que não quer, como os clientes da Sony BMG (1).

Muitos passaram a «ir à ‘net» buscar um programa para retirar a protecção e evitar a chatice. Ou a ir à 'net em vez de ir à loja. As versões «pirata» não trazem perna de pau, nem pala no olho, nem chatices. Alguns distribuidores começaram a desconfiar que incomodar o cliente não ajuda nas vendas. Urgia mudar a estratégia. Assim nasceu o Windows Vista.

Este sistema operativo foi buscar aos estúdios de cinema e discográficas o espírito progressista e visão clara do potencial das novas tecnologias, e à Microsoft a capacidade de criar aplicações leves, eficientes, e economicamente acessíveis. Será fantástico quando, por pouco menos de €300 (e um PC novo, provavelmente), um utilizador do Windows XP pode fazer o upgrade para o Vista e ganhar um efeito de transparência nas janelas. É certo que janelas opacas não era o maior problema das edições anteriores do Windows. Mas sem dúvida que todos preferimos janelas transparentes.

Mas o mais revolucionário foi o objectivo audacioso do VIsta: permitir ao utilizador descodificar conteúdos sem permitir que o utilizador descodifique esses conteúdos. Mentes mais humildes diriam «Impossível!», mas os verdadeiros visionários não desmotivam tão facilmente. E por isso o Vista é o sistema operativo mais seguro que a Microsoft já criou. O que não diz muito. Mas há aspectos impressionantes, bem documentados por Peter Gutmann (2) (um obrigado ao meu irmão Miguel pela referência, e pelas gargalhadas que a leitura proporcionou).

No Vista toda a comunicação pode ser encriptada, desde o leitor de DVDs às colunas ou monitor. O hardware tem que cumprir especificações rígidas para não permitir intercepção de conteúdo descodificado, e o sistema operativo desactiva os periféricos que não cumpram os requisitos sempre que o conteúdo vier marcado como exigindo segurança. Não para banalidades como passwords, documentos confidenciais ou extractos bancários. Quem quiser proteger esses pague mais €200 e compre a edição Ultimate do Vista. Refiro-me aqui ao importante: filmes do Rato Mickey, músicas da Shakira, e assim.

Infelizmente, não encontraram forma de obrigar a comprar filmes que não se consegue ver, e por isso têm que dar as chaves para quebrar a encriptação. No próprio DVD ou CD vêm as chaves que são combinadas com a chave do leitor para descodificar o conteúdo. Por outras palavras, escrevem o PIN no cartão multibanco, pois de outra forma ninguém conseguia acesso ao conteúdo. Assim, o cliente vai gastar imenso dinheiro em equipamento e software para ter um sistema em que metade do poder de computação é dedicado a esconder dele o filme que está a ver. Por metade do preço pode ter o mesmo desempenho se usar conteúdo desprotegido, disponível gratuitamente na internet após a meia hora que um miúdo de 16 anos em Hong Kong leva a retirar a protecção do DVD.

Se eles quisessem fazer dinheiro a vender conteúdo isto seria um disparate. Mas consideremos o ponto forte que têm em comum os estúdios de cinema, as discográficas, e a Microsoft. Exacto. Os advogados. Competir no mercado exige oferecer ao cliente um produto superior ou mais barato que a concorrência. Sacar uns milhares de euros a um desgraçado requer apenas ameaçá-lo com um processo e umas dúzias de advogados. Como bónus, todas as despesas de investigação para descobrir as vítimas saem do erário público.

O modelo de negócio é genial. Penaliza-se pesadamente os poucos tansos que caírem na asneira de comprar um original. Não são rentáveis. Recheia-se os bolsos dos legisladores para tornar ilegal sequer espreitar para dentro do leitor com o DVD lá dentro. Espera-se que um miúdo descodifique um sistema absurdamente inseguro e espalhe cópias pela internet, e pronto. Os primeiros acordos legais pagam o investimento em advogados e os restantes são lucro.

1- Wikipedia, 2005 Sony BMG CD copy protection scandal

2- Peter Gutmann, A Cost Analysis of Windows Vista Content Protection

terça-feira, janeiro 16, 2007

Socorro!

Tudo começa esta manhã quando me enviam um artigo de opinião (1) acerca da rubrica de astrologia no Praça da Alegria, um programa da RTP-1. É triste que os nossos impostos e a taxa de radiodifusão sirvam para pagar a uma astróloga para fazer publicidade ao seu negócio. Mas isso é história para outro dia.

Ponho-me a mudar de canal à procura do tal programa, a ver se apanho a astróloga (Cristina Candeias). Mas ao passar pela TVI ouço «comunicam telepaticamente», e fico a ver o que é. O Goucha está a entrevistar uma senhora da Fundação Casa Índigo, que tem ar de entendida (não entendida em nada de específico, mas entendida no geral), e que explica que as crianças índigo aprendem a falar mais tarde que as outras porque comunicam telepaticamente com os pais. Uma vez na escola, e de um momento para o outro, passam a falar normalmente. Não esclarece o que fazem à telepatia. Entretanto uma rapariga desenha a aura do Goucha e, analisando as cores, adivinha detalhes tão específicos e únicos da sua personalidade como: é determinado e dá valor às relações afectivas, ou coisa assim.

Há pouco fui ver o site da tal fundação (aqui), um projecto «destinado ao estudo esclarecimento e desenvolvimento de actividades com crianças índigo, crianças cristal, jovens índigo, jovens cristal e outros». Gostei especialmente do «e outros». Afinal, não vamos fechar possibilidades. Se já há os índigo e os cristal, quem sabe o que virá no futuro. Se surgirem jovens lima-limão ou frutóchocolate também serão bem vindos.

Segue-se uma data de tretas. As «actividades extracurriculares criativas, artísticas e harmoniosas» parecem inofensivas, mas eu é que não me arriscava a «Sintonizar a atenção, fomentar o auto conhecimento e controlo, através do equilíbrio dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo». Isso deve doer...

Mas a nata da nata, a cereja do bolo, a pérola na ostra, é isto que está no fundo da página, na lista de actividades:

«Auto-consciência Índigo (Grupos de Auto Ajuda)»

Mas o que raio será um grupo de auto-ajuda? Um grupo onde cada um se ajuda a si mesmo? A página não esclarece, mas seguindo a ligação vejo que com um «investimento» de uns meros €70 por mês os miúdos têm o direito de partilhar «afirmações positivas», alinham-lhes os chacras, e ainda têm uma iniciação de Reiki MultiDimensional («Cura Galáctica, Universal e MultiDimensional»). Só que o Reiki é outro investimento de €70, este com 20% pago em adiantado.

Moral da história: se virem um disparate na TV, deixem estar. Se se põem a ver onde acaba às quatro da madrugada ainda estão a recuperar do trauma, e vão se deitar com aquela sensação de quem desconfia que já não está no Kansas...

1- Carlos Corrêa, 12-1-07, Anti-Ciência

PS: Agora é que reparei que este é o meu 100º post. Até calhou bem. Mais treta que isto era difícil...

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A ontologia do brócolo e a incerteza quântica.

Molhos de brócolos, todos conhecem. Mas o que é um bróculo? O nome vem do latim para braço, mas não parece que cada raminho seja um bróculo, mesmo os mais pequenos. Algures entre o talo mais grosso e a bolinha na ponta o nosso cérebro exige que um pedaço mais ou menos do tamanho de uma dentada seja um brócolo. Mas não conseguimos dizer exactamente onde nem porquê.

Para os brócolos tanto faz. A ramificação dos caules é consequência da necessidade de alimentar todas as partes da planta, e não da nossa necessidade psicológica de classificar tudo em categorias distintas. Alguns até são fractais, como a variedade Romanesco (imagem tirada da wikipedia):





Esta necessidade dificulta a compreensão da mecânica quântica. Um exemplo é o princípio de incerteza, que muitas vezes é explicado desta forma: Se queremos saber onde está um electrão, temos que o iluminar com um fotão. Quanto menor o comprimento de onda do fotão maior a precisão com que sabemos a posição do electrão, mas maior a energia do fotão e, por isso, maior o piparote que damos ao electrão. Logo quanto maior a precisão com que sabemos a posição menor a precisão com que sabemos a velocidade por causa do piparote que lhe damos (estritamente, é o momento e não a velocidade, mas isto já está confuso que chegue). Isto dá a ideia que o problema é do processo de medição, e que a velocidade e a posição são coisas independentes. Separa um brócolo do outro, e por isso é uma explicação atraente. Mas é falsa.

O electrão não tem um valor para a posição e outro para a velocidade. A melhor descrição do electrão é uma função de distribuição em que as duas variáveis fazem parte do mesmo molho de brócolos. Se alteramos a distribuição de forma a concentrar uma delas numa gama mais estreita, necessariamente alargamos a distribuição de valores da outra.

Isto é relevante para quem crê num criador para o universo. Já não é popular a ideia de um deus que está constantemente a mexer em tudo, de um universo movido a milagres. Já compreendemos muito e não precisamos de deuses para explicar nada. Mas mesmo assim muitos acreditam num deus relojoeiro. Criou o universo, deu corda, e a partir daí seguiu-se tudo de acordo com o plano. A incerteza quântica como um problema de medição não lhes dá problemas. Dirão que o se deus não precisa do fotão para encontrar o electrão; sabe exactamente onde ele está e para onde vai.

Mas a incerteza quântica é um aspecto fundamental da realidade. Nem um deus pode saber exactamente a velocidade e posição das partículas deste universo, tal como não pode saber exactamente onde começa cada brócolo. A própria pergunta não faz sentido. Por isso é impossível manipular a origem do universo para determinar exactamente o que vai acontecer. Se o criador tem um plano, o mais certo é estar a correr mal. Neste momento deve estar prestes a limpar o universo e começar de novo, a ver se consegue que os dinossáurios vinguem ou que os trilobitas se tornem inteligentes.

sábado, janeiro 13, 2007

Aqui há gato...

Numa troca de opiniões com o António Parente veio à baila a mecânica quântica, o que me inspirou para tentar esclarecer uma confusão muito frequente. O António transcreveu um texto de um amigo que não gosta de comentar em blogs (estranhamente apropriado, visto que o António não gosta que comentem no seu), e que passo a citar:

«Se nós acreditamos que existimos ou inexistimos é porque um observador exterior ao sistema, fora do tempo fora do espaço, realiza uma observação no nosso estado»

O contexto aqui é o problema da sobreposição de estados quânticos. Por exemplo, consideremos que os fotões podem ser destros ou canhotos. Isto é a polarização, ou orientação do momento de spin, e podia dizer para imaginarem que o fotão rodopia ou coisa do género. Mas como qualquer coisa que imaginemos estará completamente errada, o melhor é não imaginar nada. O fotão pode ser de dois tipos, e pronto.

Quando um fotão é criado pode estar numa mistura destes tipos, uma sobreposição dos dois estados. Isto não é apenas a nossa ignorância a atribuir uma probabilidade igual de estar num ou noutro, como podemos atribuir a uma moeda que caiu e que ainda não fomos ver como está. Estas partículas comportam-se mesmo como se, ao mesmo tempo, tivessem caído cara e coroa.

Se o fotão passar num detector e medirmos a sua polarização ele passa a ser ou uma coisa ou outra. Isto é o que se chama observação, e é onde começa a confusão. Como o amigo anónimo do António mostrou, muitos assumem que observação tem que ser um acto de consciência. Daí a tal experiência (até agora meramente hipotética) do gato de Schrödinger.

Imaginem que criávamos o tal fotão dentro de uma caixa, onde está um detector, um martelo, um frasco de cianeto, e um gato. O fotão parte numa sobreposição de dois estados. O detector fica também nessa sobreposição, o martelo ao qual o detector está ligado fica solto e preso, o frasco com cianeto fica partido e inteiro, e o gato fica morto e vivo, tudo em sobreposição. Até que alguém abra a caixa e observe, o gato vai estar numa sobreposição de estados quânticos. Foi daqui que o amigo do António concluiu que para nós existirmos o deus deles teve que observar o universo.

Mas «observação» não é uma pessoa olhar. É interagir com um detector macroscópico. O fotão isolado pode manter o estado de sobreposição, mas assim que interage com o detector o espaço de possibilidades aumenta imenso, pois o sistema agora é o fotão e todas as partículas do detector. Isto efectivamente quebra a sobreposição por afastar todos os elementos da função de onda por um espaço de fase muito maior.

Eu sei, isto assim não se percebe nada... mas estas coisas com bonecos não se vai lá; ou se segue a matemática, ou o melhor é deixar estar (que é o que eu faço). Resumindo, a interacção de um grande número de partículas faz com que um sistema macroscópico quase sempre se comporte como ou vivo, ou morto, partido ou inteiro, solto ou preso, e não como uma sobreposição de estados. Há excepções, como os lasers ou os supercondutores e outros materiais exóticos. Mas nem o gato nem o universo como um todo pertencem a esta classe. E isso não tem nada a ver com a consciência do observador, que, em mecânica quântica, até pode ser o detector de fotões.

«Sabendo que já bate um coração»

Este slogan é a treta mais emblemática da treta de campanha para a treta do referendo. Já foi criticado pelos partidários do sim por ser falacioso e apelar à emoção. Mas o outro de acabar com a humilhação também apela à emoção. E nenhum deles é falacioso. A treta vai mais fundo.

Mais uma vez: uma falácia é um erro de raciocínio, uma inferência inválida. É falácia de apelo à emoção dizer que o aborto é imoral porque tenho pena do feto, ou dizer que a lei é injusta porque me revolta ver mulheres condenadas por abortar. São falácias por inferir a verdade de uma proposição a partir de um estado emocional. Mas estes slogans não são inferências, e sem inferência não há falácia.

O da humilhação é factualmente questionável, pois provavelmente continuará a haver humilhação a partir das 11 semanas, mas não é completamente disparatado. Como apelo à emoção cumpre o seu papel: foca a atenção na mulher, e desvia-a do acto do aborto, que é exactamente o que se quer para motivar o voto pelo sim.

O do coração é uma parvoíce. Se fosse «Abortar por opção quando bate um coração?» ainda se safava. Mas começam logo por estragar a métrica com o «Sabendo que». Fica uma frase horrível que se cola à língua e não quer sair. E quem é que sabe que? A mãe. A desgraçada que está desesperada, que pode nem saber que bate um coração, que mesmo que saiba é natural que numa situação dessas não esteja a pensar nisso. Em vez de focarem o feto, desviam a atenção para a mãe e até exigem dela que saiba que.

É este o estado da democracia em Portugal. Perante um problema ético e social que afecta dezenas de milhares de vidas por ano vendem ideologias como se fossem sabonetes. E estes nem arranjam alguém com a competência de um lava mais branco para fazer os slogans.

Para não me acusarem de só dizer mal e não propor soluções, que tal esta. Em vez de legalizar o aborto até às 10 semanas, legalizemo-lo a partir dos 18 anos. Nessa idade já se vê melhor quem é que deve ser abortado.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Ciência e Religião.

O professor Dom Mário Neto volta a contribuir para este blog, após o texto que aqui publicou anonimamente Introdução à Blinologia. No texto que se segue, Dom Mário Neto aprofunda alguns aspectos da Blinologia e disserta sobre o aparente conflito entre a ciência e o revelatum Blínico.

A filosofia natural e o estudo do Sagrado foram inseparáveis durante quase toda a história da humanidade. O conhecimento prático da natureza auxiliava o ritual religioso, desde o cálculo do calendário e dos dias de celebração à construção dos templos. E apesar da filosofia especulativa apresentar algumas hipóteses contrárias ao cânon religioso, até recentemente não eram suportadas por evidências concretas, pelo que os doutos blinólogos tinham liberdade de escolher as doutrinas filosóficas de acordo com as Escrituras. O mérito de filósofos como Platão, Epicuro, Aristóteles ou São Jacinto da Carrasqueira era medido pela concordância com a Palavra dos Blin, ou mesmo com a Frase e o Parágrafo.

No período áureo da escolástica blínica, esta visão de uma relação intima entre Natureza e Escritura levou mesmo à formulação duma noção basilar da blinologia: «A verdade não contradiz a verdade». Alguns críticos acusam-na de ser trivial e inútil, mas esta ideia rapidamente se espalhou pela cultura Europeia, sendo até adoptada por outra religião em voga nessa altura. E, no estudo do Sagrado, muitas vezes o que parece óbvio é profundamente misterioso, como atestam as famosas palavras do imperador Jin Tai aos missionários: «Se essa bolacha é Deus eu sou o rei da China».

Mas nos últimos séculos a experiência prática gradualmente se fundiu com a filosofia especulativa, gerando o que conhecemos hoje como ciência, o que levantou problemas à ideia de uma Revelação única de todos os aspectos da Criação. O relato da origem do mundo na Blínia Sagrada, «No início os Blin criaram a papa de aveia e a Terra», era interpretado literalmente, e a cosmologia blínica descrevia a Terra como flutuando num imenso mar de papa de aveia. Mas, no século XII, Barnabé da Eritreia relatou experiências, com vários tipos de rocha e receitas de papa, que demonstravam a impossibilidade física de tal interpretação. Foi executado em 1198 por heresia, e o Barnabismo foi perseguido com alguma violência, mas a Igreja Blínica sempre foi célere em admitir os seus erros. Mal passados oito séculos e Barnabé foi perdoado e, em parte por estar extinto mas em parte pelo progresso doutrinal da Igreja, o Barnabismo já não é um culto perseguido.

O trabalho de grandes cientistas, de Barnabé a Heisenberg e Einstein, mostrou à Igreja Blínica que temos que considerar verdades a níveis diferentes, se bem que a verdade nunca contradiga a verdade, mesmo que se contradigam. Parte do revelatum blínico está contido no universo em si. Treze mil e quinhentos milhões de anos, incontáveis estrelas e planetas, uma imensidão inimaginável de processos todos organizados de acordo com princípios regulares. Sem ambiguidades, sem margem para interpretações subjectivas, e onde tudo é desvendado objectivamente, sem considerar credo, raça, ou cultura. A compreensão deste universo duplicou a esperança média de vida, permite-nos comunicar instantaneamente com qualquer pessoa e mesmo explorar outros planetas.

No entanto, este universo comporta-se como se não existissem Blins, como se não tivesse sido criado por uma inteligência superior. Pior ainda, toda a ciência moderna indica que o universo não pode ter sido criado, que surgiu por um acontecimento quântico que não pode ter causa. Como sabemos que a verdade não contradiz a verdade, e como sabemos que os Blins criaram o universo, é evidente que o estudo do universo em si não pode revelar toda a verdade. Temos por isso que separar dois tipos diferentes de verdade. Isto é revelado a todos os que estudam o Sagrado, mesmo os que desconhecem o verdadeiro caminho dos Blins e seguem outras religiões. Dou aqui como exemplo as palavras de Joseph Ratzinger(1), líder religioso de um culto semi-monoteísta (os três deuses principais vivem como um só numa espécie de simbiose metafísica):

«One answer was already worked out some time ago, as the scientific view of the world was gradually crystallizing[...]. It says that the Bible is not a natural science textbook, nor does it intend to be such. It is a religious book, and consequently one cannot obtain information about the natural sciences from it.»

Evidentemente, isto não pode ser tudo. Como reconhece o próprio Ratzinger, e todas as religiões em geral, não basta separar o conhecimento da natureza do conhecimento espiritual. Há que juntá-los de novo numa síntese que abarque quer a nossa natureza física quer o aspecto blínico da nossa existência. Temos assim que considerar uma hierarquia de verdades. No nível inferior temos todo o universo, milhares de milhões de anos de imensidão, e toda a ciência e tecnologia que permite a nossa vida e sociedade moderna. No nível superior, a Blínia Sagrada, compilação da tradição oral de uma tribo do deserto e que, ao contrário de outras compilações de tradições orais de outras tribos do deserto, nos mostra a Verdade e todo o mistério do Sagrado.

1 - Joseph Ratzinger, "In the Beginning...." A Catholic Understanding of the Story of Creation and the Fall

terça-feira, janeiro 09, 2007

É isso mesmo.

Fiquei chateado quando li o que o Helder Sanches escreveu (1):

«Lamentavelmente, muito do que é escrito em sites e blogues cujo tema central é o ateísmo utiliza exactamente as mesmas técnicas da imprensa cor-de-rosa: escandaleira, fofoca e má-língua!»

Chateou-me não me ter eu lembrado primeiro. Bolas. É que é mesmo isso. Um exemplo há uns tempos foi o caso de Ted Haggard, um influente pastor evangélico, grande opositor da homossexualidade, e que afinal mantinha relações homossexuais.

Condenar a homossexualidade é uma ideia disparatada venha de onde vier; dum heterossexual ou de um homossexual assumido ou disfarçado. É disparate condenar um acto privado e consensual praticado por adultos, mesmo que um dos adultos seja pastor evangélico. Mas ateus por todo o lado regozijaram com a desgraça de um homossexual evangélico que, nisto pelo menos, não fez nada de errado. Haggard tem todo o direito às suas preferências sexuais e opiniões (quaisquer que sejam), e todo o direito de manter privada a sua vida sexual.

Depois acusam-no de hipocrisia, quando provavelmente o homem acredita mesmo que cometeu um pecado terrível. É uma tristeza, mas não é hipocrisia. Hipócritas são os ataques pessoais vindos de quem supostamente defende o livre pensamento. A melhor coisa que os ateus têm é a facilidade de pôr o respeito pelas pessoas antes de qualquer ideologia. Isto é difícil para quem crê seguir a vontade de um deus, mas devia ser prática regular para quem reconhece que todas as ideias e crenças – incluindo as suas – são invenção de humanos falíveis.

Eu não respeito crenças. Sou a favor de dissecar, criticar, e achincalhar qualquer ideia da treta (incluindo as minhas). E gostava que os crentes convictos (de toda a espécie) percebessem que e a melhor maneira de resolver divergências é atacando hipóteses em vez de atacar pessoas.

1- Helder Sanches, 9-1-07, Os Malefícios do Ateísmo Cor-de-Rosa

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Carros, astrologia, e muita treta.

No Diário de Notícias de ontem veio noticiado que:

«As companhias de seguros estão a estudar a possibilidade de os signos dos condutores determinarem a forma como conduzem.»

E citam Lee Romanov, que fez um estudo em 100,000 condutores:

«"Fiquei absolutamente chocado. Agora, para mim, é muito menos significativo um condutor mudar de código postal do que pertencer a alguns signos do Zodíaco", diz Romanov.»

Em primeiro lugar podemos ver a excelência jornalística desta reportagem na tradução de «shocked» para «chocado». Se forem à pagina onde a autora publicita o livro até podem ver uma foto que deixa poucas dúvidas quanto ao seu sexo (aqui). Será que o jornalista nem foi ver o site? Também pode ser culpa do editor, mas certamente não é culpa do editor afirmar que as companhias de seguros estão por trás disto. A autora é dona de um site (InsuranceHotline.com) que dá informações acerca de preços de seguros, e não de uma seguradora, e este “estudo” faz parte do livro que está a vender, intitulado «Car Carma».

Também podemos julgar a magnitude do efeito pela afirmação reveladora: «menos significativo um condutor mudar de código postal do que pertencer a alguns signos do Zodíaco». Para quem pensava que mudar de código postal era uma das principais causas de acidente rodoviário isto deve ser preocupante. Os restantes não terão razão para alarme.

Como escreve o Luis Grave Rodrigues (no Random Precision), é muito improvável que os 100,000 condutores se distribuam de forma exactamente igual pelos 12 signos. Seria importante aqui saber qual a significância estatística destes resultados. Isto, é claro, se fosse coisa para levar a sério. Segundo consta (nos comentários a esta notícia), isto é tudo uma brincadeira da autora para vender o livro:

«The references to astrology are meant to tickle the fancy and Lee had a great time writing this book, purely for your enjoyment.»

Resumindo, a dona de um site sobre preços de seguros escreve um livro que, a gozar, liga a astrologia aos acidentes, e um jornal de grande tiragem em Portugal relata que as companhias de seguros andam a estudar astrologia.

Exactamente:

Que treta!

Dez giga de disco e não dá para 3 minutos!?

Tenho discutido aqui alguns aspectos da criatividade artística e da partilha de informação e cultura. O meu irmão mais novo, Bruno, dá aqui um bom exemplo de arte partilhada gratuitamente. Se bem que possa ofender os mais sensíveis, penso que tanto a letra como a música estão acima da média da música popular nacional.

Entropia e Criacionismo.

A segunda lei da termodinâmica é uma das favoritas do criacionismo. A desordem aumenta, tudo se degrada. É a degeneração, a depravação, a desgraça completa. Desde o Dilúvio que não havia nada tão bom. E se a desordem aumenta constantemente, então no inicio teve que ser tudo criado de forma ordenada, ou seja por um deus.

Logo há partida este modelo tem problemas. Precipitam-se a concluir que é o deus deles, que se tornou homem, morreu na cruz, ressuscitou, ditou os dez mandamentos, e assim por diante, o que é muita coisa para apoiar na segunda lei da termodinâmica. Pior, não resolve nada. Se é impossível diminuir a entropia num sistema isolado, tanto faz se o sistema isolado é Universo ou se é Universo+Deus. Esta “solução” é a versão intelectual de varrer o lixo para debaixo do tapete.

E não passa de um mal entendido. Mas vou começar por explicar o que é a entropia. Se não houver fraude, todos os números da lotaria saem com mesma probabilidade. É tão fácil (ou difícil) ganhar com o 13624 que com o 22222. Mas se considerarmos conjuntos de números já pode haver diferenças. Por exemplo, a probabilidade de ser seleccionado um número com todos os dígitos iguais (dez possibilidades) é três mil vezes menor que a de um número com todos os dígitos diferentes (10*9*8*7*6 possibilidades). É aqui que surge a entropia. Se agitamos um punhado de moedas numa caixa de sapatos, todas as configurações exactas (aquela moeda exactamente assim, aquela outra neste sítio, etc) têm a mesma probabilidade. Mas há muito mais configurações no conjunto das “desordenadas” que no conjunto das “arrumadas no meio da caixa”, por isso o mais certo é que as moedas fiquem numa das configurações desordenadas.

Agitamos a caixa até estar tudo o mais desordenado possível. Chegámos ao máximo de entropia deste sistema. Agora a caixa aumenta de tamanho mas as moedas continuam onde estão, desarrumadas no meio da caixa. A desordem é a mesma (as moedas não mexeram), mas o máximo de entropia aumentou porque agora podemos desarrumar ainda mais o sistema espalhando as moedas pela caixa maior. É isto que se passa no nosso universo. A singularidade inicial estava no máximo de entropia para o seu tamanho, mas como o espaço-tempo se expandiu imenso o limite máximo de entropia aumentou, permitindo que a desordem continuasse a aumentar até hoje, e por muito tempo no futuro.

A ciência moderna diz-nos que o universo começou no máximo de desordem. Isto não só torna o criador inteligente desnecessário como torna impossível que ele tenha feito o que quer que seja para influenciar o processo. Depois de varrer o lixo para debaixo do tapete aproveitam para dar um tiro no pé.

domingo, janeiro 07, 2007

Energia e Criacionismo

Neste post vou-me aventurar num tema no qual não estou muito à vontade, e peço já desculpa por qualquer calinada. Mas o Jónatas Machado apontou a conservação da energia como evidência contra a teoria da evolução e a favor da sua fé criacionista, e é precisamente o contrário.

Na mecânica Newtoniana, e num espaço-tempo plano, podemos considerar o sistema como invariante a translações no tempo; ou seja, não interessa quando contamos o instante 0. A consequência disso é a conservação de energia, com energia sendo um valor com uma dimensão (um escalar). Daqui tiramos a tal regra simples que a variação da quantidade de energia num sistema é igual à energia que entra menos a que sai, porque nenhuma é criada nem destruída.

Temos duas formas de calcular isto. Podemos somar a energia que passa por toda a superfície do sistema, ou somar a variação de energia de cada volume infinitésimo dentro do nosso sistema. Se considerarmos os nosso sistema partido em volumes minúsculos, a energia que sai de um entra nos vizinhos, excepto para os que estão na fronteira do sistema e trocam energia com o exterior. A integração de variações em volumes infinitésimos dá assim o mesmo valor que o total de energia que atravessa a superfície. Num sistema isolado não entra nem sai energia, e a variação total é zero.

Com a relatividade isto complica-se. Num espaço-tempo curvo não podemos separar a coordenada do tempo da mesma maneira, e o que é conservado é um vector com quatro dimensões (momento e energia). Os detalhes da matemática ultrapassam-me, mas o resultado, trocado por miúdos, é que agora as duas formas de calcular a variação total de energia do sistema dão valores diferente: somar a energia que passa por toda a superfície não dá o mesmo que somar as variações em volumes infinitésimos porque não estamos a somar valores escalares mas sim vectores definidos em pontos diferentes do espaço-tempo.

Normalmente podemos ignorar a relatividade, e usar a formulação simplificada da conservação de energia. Na evolução e em toda a biologia a variação de energia de um sistema é sempre a diferença entre a que entra e a que sai, quer seja a Terra toda quer seja uma bactéria. Mas na cosmologia é preciso complicar a matemática para modelar o universo em expansão, e a conservação não se reduz a uma frase simples como a de Jónatas Machado:

«Os evolucionistas deveriam compreender que o seu sistema é um “non starter”, na medida em que a lei da conservação da energia afirma que em todos os processos os componentes que entram são equivalentes aos que saem»

Aqui na Terra todos os seres vivos persistem e evoluem à custa do Sol, que fornece energia de sobra para alimentar estes processos. No universo como um todo não se aplica a versão simplificada da lei da conservação de energia. Quando aplicamos correctamente as leis que conhecemos vemos que a expansão do nosso universo pode gerar todas as partículas de que tudo é feito. Não há contradição entre a cosmologia, a evolução, e a conservação de energia, desde que aplicada correctamente. Como alternativa à cosmologia e evolução, Jónatas Machado propõe:

«Criar algo a partir do nada é impossível. E no entanto, nós aqui estamos.[...] Isso é inteiramente consistente com a ideia de que Deus criou o Universo, numa semana de Criação muito especial e absolutamente singular»

Os criacionistas rejeitam a evolução por considerar que é impossível. Rejeitar o impossível é boa ideia, e neste caso é apenas um erro (não é impossível). Mas o passo seguinte é absurdo, pois defendem a criação ex nihilo precisamente por ser impossível. E não é só o criacionismo fundamentalista que sofre desta incoerência. Um dos principais argumentos para a existência de um deus criador sempre foi a necessidade aparente de uma primeira causa, e os teólogos apoiavam-se na filosofia natural por indicar que todo o efeito teria causa. Hoje em dia sabemos que não é assim. Ao nível sub-atómico muitos efeitos nem podem ter causa. O mesmo raciocínio que justificava inferir um deus criador até ao século XX obriga agora a rejeitar essa hipótese. Não só é desnecessário como é aparentemente impossível que um deus tenha criado o universo.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

O verdadeiro Escocês.

- Nenhum escocês põe açúcar nas papas de aveia.
- Mas o meu tio Angus gosta de papas de aveia com açúcar.
- Ah, mas o verdadeiro escocês não põe açúcar nas papas de aveia.

Foi assim que em 1975 Antony Flew ilustrou a falácia que ficou conhecida como no true scotsman (1). Este erro de raciocínio é usar um termo que refere um grupo de entidades (os escoceses) como se fosse um conceito de definição rigorosa (por exemplo, triângulo equilátero), e suportar uma afirmação alterando arbitrariamente a definição.

O António Parente comete o mesmo erro na sua resposta (2) ao post (3) onde apontei diferenças entre o que o António dizia dos católicos e o que eu observara:

«O Ludwig começa por criticar a minha afirmação do que é "ser católico". Com certeza percebeu que é uma definição pessoal e, para além do mais, uma definição idealista. É o tipo de católico que eu gostaria de ser»

O termo “católico” não pode ser definido a gosto, pois já é usado para referir o conjunto de pessoas que adere à fé católica. Se gostam ou não de pôr açúcar nas papas de aveia é irrelevante. O facto é que muitos católicos têm pouco respeito pelos que não crêem em deuses.

(Aviso ao leitor que tenha mais que fazer: O resto deste post ficava melhor como comentário no blog do António, mas o «Crítica da Razão Moderna» não permite críticas...)

O António justifica desta forma o «Não digas disparates» da educadora quando o meu filho de 5 anos disse que deus não existe:

«Aos 5 anos, dizer que Deus não existe não tem significado nenhum, excepto se os seus filhos forem prodígios. Se a professora lhes respondeu dessa forma, afectando a [sensibilidade] das crianças e, como se vê, a do pai, foi porque tomou consciência que as crianças repetiam o que ouviam dizer em casa e que não teriam capacidade para discutir o assunto com uma adulta como a professora.»

Acho interessante a proposta de considerar disparate o que se diz apenas porque se ouviu e acreditou, sem verdadeiro conhecimento. Mas não foi isto que motivou a educadora. Ela nunca disse o mesmo às crianças que falam do Pai Natal, do menino Jesus ou dos anjos só porque ouviram em casa e não têm capacidade de discutir o assunto com adultos.

O António também justifica o sermão do padre quando os miúdos foram deixar brinquedos para os pobres:

«Em seguida, refere-me a visita dos seus filhos à Igreja e a atitude do padre que os atendeu. Não me surpreende nem me indigna o que o padre fez. Fê-lo com certeza de boa fé e não vejo que tenha causado traumatismos irremediáveis aos seus filhos.»

Não é a fé do padre que está em causa, mas a falta de respeito pelos que não a partilham. E o próprio António sugere que é disparate crianças de 5 anos se envolverem nestas coisas. Concordo. Foi um disparate e uma falta de consideração pelos que vão dar os seus brinquedos aos pobres e não querem saber do menino Jesus. O António continua:

«Diz o Ludwig que "os católicos não respeitam os não crentes da mesma forma como respeitam os crentes." E dá um exemplo: "Estou certo que se os meus filhos fossem hindus ou muçulmanos a educadora não tinha dito que Vishnu ou Allah era disparate, nem os tinham posto a beijar o boneco." O seu exemplo não faz sentido. Um muçulmano ou um hindu entregaria os brinquedos dentro da sua comunidade e não num templo católico.»

Primeiro, corrijo um mal-entendido: o exemplo referia-se ao «Não digas disparates», e não à entrega de brinquedos. Mas também faz sentido nesse contexto. A entrega de brinquedos foi organizada pelo infantário, e os miúdos foram com os colegas e as professoras. Reforçando a ideia que estou a transmitir: foi organizado de acordo com a fé católica das professoras, sem consideração pela eventual diversidade de posições das crianças e ainda menos pelo disparate (concordo aqui com o António) que é assumir que miúdos de cinco anos são católicos.

Não é de má fé, nem é para traumatizar. É certamente sem má intenção, e mesmo sem pensar. E é por isso que é uma falta de consideração: fazem-no sem sequer notar o que estão a fazer. Simplesmente assumem que o mais apropriado é ir tudo à Igreja Católica Apostólica Romana, a Única e Verdadeira Religião ®.

«Finalmente termina o seu post com as tretas habituais. Percebo perfeitamente que não tenha capacidade, neste momento, para entender Deus, a Igreja Católica e a sua doutrina.»

Permita-me invocar aqui a sua proposta: é disparate falarmos de algo apenas porque ouvimos dizer, sem verdadeiro conhecimento. Ora tudo o que o António julga saber acerca do seu deus lhe chegou por boca. Nada desse seu alegado entendimento vem de interagir directamente com a divindade. Não falou com a sarça ardente, nem lhe veio um anjo traduzir o livro de Mormon. Ouviu dizer, acreditou, e agora repete.

Para concluir:

«Eu respeito as suas crenças mas o Ludwig não respeita as minhas.»

Claro que não, nem quero que respeite as minhas. Crenças, ideias, pensamentos, isso tudo são coisas abstractas, sem sentimentos. São para usar e deitar fora e não merecem qualquer respeito. O que eu respeito são as pessoas, independentemente das crenças que têm ou não têm, e é isso que espero dos outros. Porque quanto mais respeitamos crenças menos respeitamos pessoas.

Antony Flew, 1975, Thinking About Thinking. Ver também Wikipedia

2-António Parente, 4-1-07, Caro Ludwig

3- Eu, há uns dias, Monstruosa Obsessão

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Matar ou não matar, eis a questão.

Muitos propõem que só é condenável matar um ser humano se esse já manifestar certas características. O André Cardoso chamou-me a atenção para este texto de Teresa Sá e Melo (1), republicado recentemente no Diário Ateísta, e que é exemplo desta abordagem:

«Para mim é incompreensível pretender provar que a vida, ou o direito à vida, é anterior e superior à expressão da nossa autonomia. Porque não consigo discernir a existência de um ser, definido como humano, destituído de vontade.»

O problema principal de assumir que um direito é consequência da manifestação duma característica revela-se quando consideramos a possibilidade de impedir essa manifestação. Imaginem que fazemos como em certos países e ensinamos as raparigas a considerarem-se pessoas de segunda categoria. Treinamo-las desde o nascimento a obedecer aos homens, impedindo que se tornem seres humanos capazes de conduzir a sua vida com independência.

Mesmo eliminando todas as outras formas de repressão, violência e discriminação, este tipo de educação seria (e é) por si só uma violação dos direitos fundamentais dessas raparigas. Mas se assumirmos que só tem o direito depois de manifestar essa autonomia e vontade própria, seria perfeitamente legítimo educar uma criança desta maneira. O erro está em ver o direito como recompensa por se atingir um certo estado de desenvolvimento e ignorar o direito de se desenvolver de acordo com as suas capacidades, que é o direito mais fundamental.

Proteger a vida não se justifica como um prémio, nem por ser vida. Justifica-se pelo direito a desenvolver características de valor para aquele que delas vai usufruir. A criança tem o direito de se tornar adulto. O recém nascido, mesmo sem saber pensar, tem já o direito de aprender, de desenvolver a tal vontade e autonomia. O mesmo se aplica ao feto, e pela mesma razão.

Sem essa capacidade de se desenvolver – sem futuro, no fundo – não faz sentido proteger uma vida. Uma barata, um homem de 30 anos em coma irreversível, ou um embrião humano numa placa de Petri. Mas os que têm essa possibilidade têm o direito, e é ilegítimo privá-los de se desenvolver de acordo com as suas capacidades. Seja uma rapariga recém-nascida no Irão, seja um feto em Portugal.

Aqui foquei a vontade e autonomia, apenas por exemplo, mas o problema aplica-se em geral. Se considerarem que só se justifica proteger uma vida após surgir certa característica, pensem nas implicações éticas de eliminar essa capacidade (por treino, drogas, cirurgia, o que for), e verão que a capacidade em si merece protecção, e é isso que legitima proteger a vida.

1- Teresa Sá e Melo, 20-4-06, O Irracional e o Aborto

E de volta à informação.

No outro post (aqui) escrevi que a informação numa sequência de elementos, por exemplo uma molécula de ADN, é determinada pelo número de tipos diferentes de elementos e pelo número de elementos na sequência. Isto é verdade para especificar sequências em geral.

Mas se queremos transmitir uma sequência em particular podemos reduzir a quantidade de informação. Por exemplo, o número e, base dos logaritmos naturais, é uma dízima infinita não periódica: 2.718281828459... Mas pode ser especificado como (imagem tirada da wikipedia)



No outro extremo podemos imaginar uma sequência infinita aleatória. Esta só pode ser codificada com uma quantidade infinita de informação, porque não se pode codificar aquela sequência aleatória de forma mais concisa.

Isto revela o antagonismo entre especificidade e informação. Algo que possa ser especificado de forma concisa pode ser codificado com pouca informação, e algo que tem mais informação não pode ser especificado de forma tão concisa. Daí o contra-senso na exigência criacionista. Citando Jónatas Machado:

«O melhor que os evolucionistas conseguem é dizer que a complexidade especificada contida no DNA surge por mutações aleatórias e selecção natural.[...]
As mutações benéficas são raras, não são seleccionáveis e não acrescentam informação complexa e especificada ao genoma.»

Quanto mais especificado menos informação. Por isso é claro que as mutações não podem ao mesmo tempo aumentar a especificidade e a informação. As mutações acrescentam informação precisamente por serem aleatórias e não específicas. O que aumenta a especificidade é a selecção natural, que o faz à custa de reduzir informação eliminando preferencialmente as variantes com menor desempenho na luta pela reprodução.

O problema não está na teoria da evolução, mas na contradição que é o conceito criacionista de informação especificada.

Para saber mais sobre a constante e