Modelos.
Lamento, mas não é acerca dessas modelos. É acerca da confusão entre modelos descritivos, normativos, e prescritivos. Como neste comentário do Ricardo Carvalho, acerca do valor de uma vida:
«[P]arece-me que se queremos fazer uma análise científica da questão, imaginar histórias irreais de ficção científica não é a melhor maneira de pensar: decerto todos conseguimos imaginar cenários surreais q.b. para tentar destruir o ponto de vista oposto.
[A] questão puramente científica diz respeito ao que nos difere dos outros animais (pois o comércio de bifes de vaca não é criminalizado, por exemplo). neste ponto, parece-me que o joão tem razão quando o classifica como actividade cerebral superior (inclusivé o critério para "desligar a máquina" em muitos casos).»
Correcto para um modelo descritivo, importante para um modelo prescritivo, e irrelevante para um modelo normativo. Mas vou começar por explicar a diferença. Quando vou às compras sei que tenho o Lidl aqui ao pé, e a poucos minutos de carro o Carrefour, o Feira Nova, e o Continente. Tenho também uma ideia dos preços, marcas, e tipo de produtos que posso encontrar em cada um. Isto é um modelo descritivo deste aspecto da realidade.
Mas não me basta descrever a realidade para saber o que fazer. Preciso também de avaliar as diferentes compras possíveis. Preciso de uma norma. Pesando a qualidade do produto, a distancia que me tenho que deslocar e o preço, atribuo um valor a cada possibilidade, e concluo que é melhor comprar bolacha Maria no Lidl aqui ao pé, mas se já estou no Carrefour é melhor comprar lá que a diferença de preço não justifica ir de propósito ao Lidl só por um pacote de bolachas. Este é um modelo normativo.
Na prática seria demasiado moroso recolher todo os preços, contar quilómetros, avaliar todas as marcas, visitar todas as lojas da redondeza, e assim por diante, para aplicar devidamente o meu modelo normativo de ponderar distancia, preço e qualidade. Por isso tenho também um modelo prescritivo que me aproxima o ideal do meu modelo normativo sem grande chatice: primeiro, vou ao Lidl e compro lá tudo o que houver daquilo que preciso. Depois vou a um dos outros para coisas como peixe ou aquele queijo que os miúdos gostam.
O primeiro modelo descreve a realidade e o terceiro prescreve um plano de acção que aproxima o óptimo dada esta realidade. Por isso ambos são válidos apenas para a realidade como ela é; se construírem um supermercado mais próximo de mim tenho que actualizar o meu modelo descritivo, e se os preços forem melhores que os dos outros tenho que modificar o meu modelo prescritivo e passar a ir a esse primeiro.
Mas o modelo normativo é diferente. A regra que é preferível o mais barato de dois produtos com a mesma qualidade e à mesma distância é válida qualquer que seja o supermercado ou o produto. Ao contrário dos outros, um bom modelo normativo funciona em qualquer situação. Se marcianos pousarem um disco voador à porta da minha casa e venderem tudo mais barato é exactamente este modelo normativo que tenho que me dirá que é melhor comprar aos marcianos.
Voltando ao exemplo do Ricardo, o modelo descritivo (científico) dos humanos e outros animais tem que os descrever como são realmente. O modelo prescritivo que recomenda como devemos agir para com os animais também é válido somente para a realidade como ela é. Se os humanos e outros animais fossem diferentes estes modelos teriam que ser diferentes.
Mas o modelo normativo que tentamos optimizar com essa forma de agir não deve ter apenas regras ad hoc como a vaca vale menos que o humano. Deve ser um modelo que cubra tudo o que é relevante e apenas o que é relevante. E, se o fizer, serve para a vaca, o humano, o ET, o comandante Data, o Sr. Spock e o que mais vier.
A questão do valor da existência de um ser não é descritiva nem prescritiva. É normativa. Por isso deve ser resolvida de uma forma que seja adequada a qualquer situação. Mas isso fica para a próxima.
Quando é que vais assumir que o teu modelo normativo não valoriza da mesma forma um embrião e uma criança?
ResponderEliminarNo post que estou a escrever, onde vou tentar explicar que a ética não valoriza coisas, ou seres, ou acontecimentos, mas sim escolhas.
ResponderEliminarE aí, a escolha de ir para freira corresponde a matar cerca de dois (ou ainda mais dependendo do critério) desconhecidos.
ResponderEliminarPorque é a escolha de uma realidade em que essas pessoas (os possíveis filhos) irão viver cerca de 70 anos, e uma em que elas não chegam a existir.
É que o ponto é mesmo este: não se mata uma pessoa que não existe. Mesmo que possa vir a existir, se for tomada uma determinada escolha.
Então temos de definir quando é que uma «pessoa» começa a existir DE FACTO. E não quando é que existe a potencialidade de surgir uma pessoa.
Eu não acredito que surja uma PESSOA quando aparece uma célula com um determinado ADN. Cada célula do nosso sangue o tem, o ADN nem sequer é único para cada indivíduo.
O que nos torna pessoas está relacionado com o funcionamento do cérebro. Sem ter começado a actividade cerebral, nenhuma pessoa chegou a surgir.
O ponto grave da tua forma de pensar, Ludwig, é que para seres coerente podes não considerar as freirras umas assassinas, mas tens de considerar MUITO GRAVE em termos éticos a sua decisão.
ResponderEliminarTens de considerar muito grave que os pais decidam quantos filhos podem ter em função das condições que sentem ter para os criar, em vez de tentarem ter o máximo número que conseguirem.
Os teus argumentos não são maus, mas levam a esta conclusão, que, apesar de aparentemente tão absurda, estava a ver poucas alternativas a considerá-la. A distinção feita entre matar por acção e omissão pode ser importante, mas matar por omissão é sempre gravíssimo: e se matar é a escolha que leva a que alguém não chegue a viver cerca de 70 anos, o planeamento familiar é um verdadeiro genocídio por omissão, tal como a castidade (feminina, principalmente).
A menos que se tenha outra abordagem. A menos que consideremos que para matar tem de existir JÁ uma pessoa. Não considerar a potencialidade, mas sim a situação actual.
E aí temos de perguntar: o que é que nos distingue dos animais? O que faz de nós humanos?
Porque é que matar uma barata é menos grave que matar um macaco? Porque é que matar um gato é mais grave que matar 10 formigas?
Tem a ver com a consciência, sim. Tem a ver com o funcionamento do cérebro, sim.
Sem que um ser tenha tido qualquer actividade cerebral, sem que um ser tenha consciência, sofra, etc... sem que um ser tenha memórias, recordações, etc...
Não é o código genético que me define enquanto pessoa: gémeos partilham o código genético. É o cérebro.
Se o meu cérebro for afectado, a minha pessoa muda. Se o meu cérebro for destruído, a minha pessoa morre. Sem cérebro não há pessoa. O cérebro é condição insuficiente, mas necessária, para podermos falar numa pessoa. O código genético não.
Oi João,
ResponderEliminarSó falta acabar o próximo mais sério, e logo a seguir prometo que trato disso.
Se não fosse a chatice de ter que avaliar os alunos não perdia tempo a fazer exames e podia dedicar-me mais a estas coisas importantes :)
oh professor andam aqui alunos seus a ler o blog! ehehe
ResponderEliminarMiguel disse...
ResponderEliminaroh professor andam aqui alunos seus a ler o blog! ehehe
isto do 0:00 ....
187.34.215.# Unknown 10:01:30 pm 1 0:00
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84.91.11.# Caldas Da Rainha, Leiria 9:58:55 pm 1 0:00
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189.73.189.# Brazil 9:42:44 pm 1 0:00
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