segunda-feira, janeiro 22, 2007

Ao menos...

A lei é ineficaz. O acto é privado, e a investigação uma intromissão humilhante na vida íntima de quem se vê envolvido no processo. Quase nunca há denúncias e, das poucas vezes que as há, quase nunca há condenações. Muitos dizem até que não é crime. Que é mau todos concordam mas para muitos é assim que as coisas são. Há que aceitar. E não é algo que se faça de cabeça fria, a pensar nos detalhes da lei ou na possibilidade de ir para a prisão. Faz-se sem pensar, por impulso, e muitas vezes arrependendo-se depois, quando é tarde demais. Não é um parágrafo no código penal que vai impedir alguém de o fazer.

Há apenas uma coisa boa no meio disto tudo. Ao menos ainda não se lembraram os políticos de tentar marcar pontos com a despenalização da violência doméstica.

7 comentários:

  1. bom, posta a ressalva que aprecio muitas das coisas que por aqui são escritas, e esperando que não me leves a mal, tenho que denunciar este post como sendo "uma treta" :-) e é uma treta por duas razões:

    primeira, porque vem de alguém que tanto se esforça para escrever posts analíticos e racionais, mas que no presente post pura e simplesmente tenta defender um dado ponto de vista com uma tentativa única de apelo ao sentimento e à emoção.

    segunda, porque compara laranjas com bananas. não se pode comparar a IVG até às dez semanas nem com crimes de violência doméstica, nem com crimes de violação, nem com crimes de homicídio, etc, etc. e a comparação é errada (e algo desonesta) por simples razões, das quais enumero apenas algumas (acho que uma vez que se inicie a linha de pensamento, é fácil listar muitas mais):

    1) usando como base estatística os resultados do último referendo, 25% da população portuguesa é fortemente a favor da criminalização da IVG, 25% é fortemente contra, e 50% acha que é irrelevante que a IVG seja descriminalizada. esta distribuição estatística não ocorre para nenhum dos outros casos;

    2) a julgar pelas posições públicas da maior parte dos representantes dos actuais movimentos pelo sim ou pelo não, conclui-se que a maior parte das pessoas (e independente da sua posição de voto) não apoia frenéticamente a prisão de mulheres que cometem IVG. esta opinião será radicalmente distinta em qualquer dos outros casos. em particular, nunca ouvi ninguém defender a descriminalização do homicídio ou defender que a violação não deve ser criminalizada se for para proteger a vida (sexual) do violador;

    3) a discriminalização da IVG até às 10 semanas não causa qualquer ruptura profunda no normal funcionamento de uma sociedade nem problema colectivo de valores da mesma, como sabemos dos muitos estados onde a IVG não é um crime. já a discriminalização do homicídio, por exemplo, iria provocar problemas profundos e insolúveis para o normal funcionamento da sociedade;

    etc.

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  2. Ricardo,

    Não levo nada a mal as tuas críticas, ou as de quem for. São todas bem vindas.

    Não estou a fazer apelo à emoção de ninguém, acho que nada do que eu disse neste post é incorrecto, e no teu comentário não apontaste nada de factualmente errado.

    Estás enganado ao sugerir que comparo o aborto à violência doméstica. Em primeiro lugar quem compara é o leitor; eu só falei num e não no outro neste post. Mas, principalmente, a comparação é dos argumentos, não dos actos. Penso que o que te incomoda aqui é que os argumentos são tal e qual os que muitos defensores do sim apresentam, mas que se aplicam igualmente bem a uma coisa que eles nunca quereriam defender.

    Há duas possibilidades. Ou a morte do feto é irrelevante, e nesse caso a mãe pode matá-lo por opção sejam quais forem as estatísticas das denuncias, a eficácia da lei, ou essas coisas todas que alegam e que não mudam nada. Ou a morte do feto é um crime contra uma pessoa (como vem no código penal), e nesse caso não é pela estatística das denúncias, eficácia da lei, ou essas tretas que se torna legítimo matar o feto por opção.

    Esta é a única questão relevante. Mas muita gente prefere disfarçar com conversas da treta (e espero que também não leves a mal esta crítica).

    Esses 3 pontos que tu apresentas são, mais uma vez, irrelevantes. Nunca te levariam a concordar com a morte por opção de algo que consideres pessoa. E nunca irias aceitar a condenação de algo que aches justo só porque a maioria quer, porque apoiam a prisão, ou essas coisas.

    Se esses 3 pontos fossem mesmo um critério para levar a sério, tu terias que aceitar como correcto que em certas sociedades se condene à morte os ateus e se despenalize o homicidio de mulheres por questões de honra. Nesses países a maioria assim o quer, figuras públicas o defendem, e a sociedade funciona como funciona dessa forma.

    Sim, já sei. Vais dizer que isso é completamente diferente. Pois é isso que eu estou a dizer: é essa alegada diferença que interessa. O resto é treta.

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  3. A questão da legitimidade da prática do aborto reside apenas numa dúvida, de importância capital: o estatuto ontológico do embrião/feto.

    Se o embrião reunir todas as características que definem um ser humano, então o aborto é um crime contra um indivíduo, e deve ser punido de acordo com o previsto na lei.

    Se o embrião não reunir todas as características que definem um ser humano (como acredito que seja o caso), então a escolha da mulher deve prevalecer, visto que tratamos de "material biológico" com forte potencialidade de vida humana'.

    Posto isto, deve-se proceder ao estabelecimento de critérios rigorosos para estabelecer o que é vida humana. Penso que a potencialidade forte do embrião não justifica a atribuição de estatutos próprios de 'ser humano'.

    Não irei discorrer sobre as questões sociopsicológicas inerentes à problemática: está em jogo o estatuto ontológico do embrião (que julgo ser "não-humano", recorrendo a argumentos neuroembriológicos), e os restantes argumentos são, por agora, treta.

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  4. ok, já vi que gostas de retirar as coisas do contexto! de facto não comparas o aborto à violência doméstica explicitamente, mas fazes a sugestão. e, no seguimento de discussões anteriores, parece-me que ninguém tem muitas dúvidas sobre o contexto da presente conversa! quanto ao que dizes sobre os argumentos serem os mesmos, bom, muitos desses argumentos não são os meus pelo "sim" (que discutimos num post anterior) e outros acho incorrectos (e.g., quando dizes que muitos não consideram a violência doméstica crime; parece-me que na realidade deverias dizer "poucos").

    quanto aos meus 3 pontos (e mais na mesma linha que poderia dizer) apenas serviam para invalidar a comparação (feita por leitor, escritor, ou narrador omnisciente). não para discutir a criminalização ou não. nesse aspecto, e no que diz respeito à IVG até às 10 semanas, acho que o argumento da não existência de actividade cerebral superior serve (o mesmo que serve para declarar a morte).

    finalmente, como já comentei algures também, claro que é fácil re-direccionares as minhas afirmações se as retirares do contexto: quando eu me refiro à "sociedade", naturalmente me refiro a uma sociedade moderna, livre e democrática, e faço comparações dentro de estados europeus, por exemplo... não tenho por costume referir-me a alguma estranha tribo caçadora-recolectora da papua-nova-guiné quando uso a palavra "sociedade". mas não tenho nada contra quem o faça! :-)

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  5. Ricardo,

    Eu não pretendo comparar a ética do aborto com a ética da violência doméstica. A comparação que eu sugeri foi dos aspectos práticos referentes a:

    -Eficácia da lei
    -Opinião da sociedade face ao crime
    -A privacidade do acto
    -As dificuldades processuais de averiguar a ocorrência
    -A natureza emotiva e impulsiva do acto

    E assim por diante. Estes factores foram apontados muitas vezes por muitos defensores do sim, e eu quis com isto mostrar que são irrelevantes.

    Não era o meu propósito comparar o acto do aborto com o acto de bater na mulher. Isso é uma má interpretação.

    Finalmente, não é retirar do contexto. Se eu disser que todas as bananas são verdes, tu me mostrares uma amarela, e eu disser que isso é retirar a minha afirmação do contexto das bananas verdes, justifica-se que tu digas: epá, isso é treta. :)

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  6. ok, seja! ainda bem que o objectivo não era a comparação. até porque, assumindo que aquilo que nos diferencia dos outros animais (para além do polegar oponível, que tanto jeito dá) é a actividade cerebral superior, então no caso da IVG até às 10 semanas não existe qualquer vítima (a não ser a própria mulher quando em condições de uma IVG clandestina sem auxílio de segurança médica e higiénica). já em todos os outros casos listados, é fácil identificar a vítima.

    já agora uma pergunta, para os teus cenários e comparações: se a uma dada pessoa é diagonosticada morte cerebral, mas essa pessoa se encontra ligada à máquina, e eu lhe dou um tiro que lhe faz parar o coração, eu matei-a? ;-)

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  7. Não concordo. A lei é eficaz (devia ser mais).

    Existem vários casos em tribunal, e o medo da denúncia é real.
    O agressor, sendo rico não pode ir para o estranjeiro bater na mulher para poder perpetuar a violência. E sendo de classe média também não.

    As pessoas concordam que se denuncie, existem denúncias e linhas de apoio que encorajam a denúncia.

    A sociedade em geral reprova esse acto (mais que metade certamente) e gostaria de colaborar com a justiça para o evitar. E os potenciais agressores sabem disso, e isso inibe-os.

    A lei contra a violência doméstica não causa morte alguma.
    Não é desigual.
    Protege.

    Ao contrário de outras leis...

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