Golpe de Vista.
No tempo das disquetes preferíamos os originais, porque programas copiados podiam trazer vírus e dar chatices. Nessa altura os distribuidores não desconfiavam dos clientes. Mas as coisas mudaram. Hoje, quem tem um disco de 200Gb e compra um DVD de 4Gb tem a expectativa de instalar os 4Gb algures nos 200Gb e arrumar o DVD. Nada disso. O distribuidor quer se certificar que o cliente não é aldrabão, por isso cada vez que joga ou usa o programa tem de enfiar a bolacha na gaveta e estragar mais um pouco o DVD e o leitor. Nem pode fazer uma cópia de segurança. Esta protecção de lucro alastrou aos CDs, filmes, músicas, e tudo o que se compra que pode ser usado num computador. O bom cliente sujeita-se a encher o PC de tralha que não quer, como os clientes da Sony BMG (1).
Muitos passaram a «ir à ‘net» buscar um programa para retirar a protecção e evitar a chatice. Ou a ir à 'net em vez de ir à loja. As versões «pirata» não trazem perna de pau, nem pala no olho, nem chatices. Alguns distribuidores começaram a desconfiar que incomodar o cliente não ajuda nas vendas. Urgia mudar a estratégia. Assim nasceu o Windows Vista.
Este sistema operativo foi buscar aos estúdios de cinema e discográficas o espírito progressista e visão clara do potencial das novas tecnologias, e à Microsoft a capacidade de criar aplicações leves, eficientes, e economicamente acessíveis. Será fantástico quando, por pouco menos de €300 (e um PC novo, provavelmente), um utilizador do Windows XP pode fazer o upgrade para o Vista e ganhar um efeito de transparência nas janelas. É certo que janelas opacas não era o maior problema das edições anteriores do Windows. Mas sem dúvida que todos preferimos janelas transparentes.
Mas o mais revolucionário foi o objectivo audacioso do VIsta: permitir ao utilizador descodificar conteúdos sem permitir que o utilizador descodifique esses conteúdos. Mentes mais humildes diriam «Impossível!», mas os verdadeiros visionários não desmotivam tão facilmente. E por isso o Vista é o sistema operativo mais seguro que a Microsoft já criou. O que não diz muito. Mas há aspectos impressionantes, bem documentados por Peter Gutmann (2) (um obrigado ao meu irmão Miguel pela referência, e pelas gargalhadas que a leitura proporcionou).
No Vista toda a comunicação pode ser encriptada, desde o leitor de DVDs às colunas ou monitor. O hardware tem que cumprir especificações rígidas para não permitir intercepção de conteúdo descodificado, e o sistema operativo desactiva os periféricos que não cumpram os requisitos sempre que o conteúdo vier marcado como exigindo segurança. Não para banalidades como passwords, documentos confidenciais ou extractos bancários. Quem quiser proteger esses pague mais €200 e compre a edição Ultimate do Vista. Refiro-me aqui ao importante: filmes do Rato Mickey, músicas da Shakira, e assim.
Infelizmente, não encontraram forma de obrigar a comprar filmes que não se consegue ver, e por isso têm que dar as chaves para quebrar a encriptação. No próprio DVD ou CD vêm as chaves que são combinadas com a chave do leitor para descodificar o conteúdo. Por outras palavras, escrevem o PIN no cartão multibanco, pois de outra forma ninguém conseguia acesso ao conteúdo. Assim, o cliente vai gastar imenso dinheiro em equipamento e software para ter um sistema em que metade do poder de computação é dedicado a esconder dele o filme que está a ver. Por metade do preço pode ter o mesmo desempenho se usar conteúdo desprotegido, disponível gratuitamente na internet após a meia hora que um miúdo de 16 anos em Hong Kong leva a retirar a protecção do DVD.
Se eles quisessem fazer dinheiro a vender conteúdo isto seria um disparate. Mas consideremos o ponto forte que têm em comum os estúdios de cinema, as discográficas, e a Microsoft. Exacto. Os advogados. Competir no mercado exige oferecer ao cliente um produto superior ou mais barato que a concorrência. Sacar uns milhares de euros a um desgraçado requer apenas ameaçá-lo com um processo e umas dúzias de advogados. Como bónus, todas as despesas de investigação para descobrir as vítimas saem do erário público.
O modelo de negócio é genial. Penaliza-se pesadamente os poucos tansos que caírem na asneira de comprar um original. Não são rentáveis. Recheia-se os bolsos dos legisladores para tornar ilegal sequer espreitar para dentro do leitor com o DVD lá dentro. Espera-se que um miúdo descodifique um sistema absurdamente inseguro e espalhe cópias pela internet, e pronto. Os primeiros acordos legais pagam o investimento em advogados e os restantes são lucro.
1- Wikipedia, 2005 Sony BMG CD copy protection scandal
2- Peter Gutmann, A Cost Analysis of Windows Vista Content Protection
E um artigo sobre a proibição do uso de suásticas? É treta ou não é treta? Até tem um certo aroma a copyright.
ResponderEliminarDe facto, esse Vista parece ser uma treta.
ResponderEliminarDizia o Gaitas outro dia numa apresentação para jornalista ver:
«It's our best Windows operating system ever!»
De facto, não é difícil superar as porcarias anteriores... As janelas transparentes representam um marco tecnológico significativo, hã?
Vou tentar esperar o máximo possível de anos antes de ser obrigado a mudar para essa treta de sistema operativo...
Cada vez mais apetece gritar: "Linux rules"!
Sempre foi recomendável não mudar logo de “sistema operativo” (da Microsoft, claro, dai o uso de aspas), pois no início muitos problemas aparecem, e os “apressados” levam sempre com eles em cima…
ResponderEliminarUm dia o pessoal do blog faz uma LIP (Linux Installation Party)
Nada disto é novo, todos os lançamentos da Microsoft são rotulados como o melhor de sempre, e normalmente só atinge o seu melhor quando aparece uma nova versão.
ResponderEliminarEspero que o service pack 3 para o XP previsto para este ano, não venha com armadilhas de forma a obrigar o pessoal a mudar.
Penso seriamente mudar para Linux, e manter o XP apenas para brincar
Pena que o Linux (qualquer um) ainda não esteja preparado para uma utilização constante
ResponderEliminarCaro Luis, já experimentou a versão Enterprise 10 da Suse? Foi oferecida por uma revista de informática e está muito completa e funcional. Apostem nas mudanças, isto está tudo a precisar de um grande abanão.
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