quinta-feira, agosto 30, 2007

Descoberto o culpado

pelo estado actual da música popular.



Via Sivacracy

E com esta me despeço até domingo. Vou buscar os miudos à terrinha. Bom fim de semana.

Miscelânea Criacionista: procura-se fóssil em processo evolutivo.

Admiro este leitor anónimo. Eu nunca teria coragem de fazer uma pergunta destas a pessoas que nem percebem a sua ignorância. Especialmente se tivesse o teclado avariado. O que pensariam de mim ao ler isto?

«COMO PODEM EXPLICAR A FALTA DE FÓSSEIS QUE DEMOSNTREM A EVOLUÇÃO? POIS OS CIENTISTAS TÊM RECONHECIDO QUE OS FÓSSEIS ENCONTRADOS REVELAM APENAS UMA ÚNICA FASE DESTES SERES, QUE É EXATAMENTE COMO ESLES ESTÃO, E NÃO EM PROCESSO EVOLUTIVO.
SENHORES,
PERCEBAM VOSSA IGNORÂNCIA!»
(1)

Cada fóssil mostra um ser que, de facto, está exactamente como está. E é verdade que nunca o vai encontrar em «processo evolutivo». Em parte porque está morto. Chame-lhe uma fase, se quiser, mas uma vez fossilizado dificilmente evolui. Mas a razão principal para não haver qualquer fóssil em «processo evolutivo» é que nenhum organismo evolui. Nem morto, nem vivo.

Um organismo nasce, cresce, se tiver sorte reproduz-se, envelhece, morre, e (muito raramente) fossiliza, mas isto não é evolução. A evolução é a variação na distribuição de características da população ao longo das gerações. O que evolui é a população, não é o organismo.

É uma confusão frequente que já mencionei várias vezes. É evidente que nunca vamos ver num fóssil aquelas animações em que o peixe se transforma em lagarto e depois em mamífero. Julgo que muito poucos iriam esperar uma coisa dessas. Mas há casos em que a confusão inconsciente da evolução com a vida do organismo engana muito facilmente. Vou ilustrar com um exemplo simplificado.

Numa floresta há uma espécie de percevejo que acumula substâncias tóxicas. Têm um sabor terrível, e o rato que prove percevejo só experimenta uma vez. Mas quando o rato descobre já é tarde para o percevejo, a quem de nada valeu ter um sabor horrível. Como pode isto ter evoluído? Não faz sentido um indivíduo ficar cada vez mais amargo até já não ser apetitoso. À primeira trincadela acabava-se a «evolução». Mas isto não é evolução.

Vamos recuar aos bons velhos tempos em que os percevejos são apetitosos. Apetitosos em média, porque o sabor de cada percevejo depende de muitos factores. Alguns destes factores são hereditários, como pequenas diferenças no processo digestivo ou na preferência por certas plantas. Mas continuamos com o mesmo problema: só depois de provar um percevejo é que o rato descobre se é apetitoso ou não.

O erro é pensar no indivíduo. É a população que interessa. Na parte da floresta onde vive a família Apetitosa os ratos comem todos os percevejos que encontram. Na parte onde vive a família Menos Apetitosa os ratos trincaram alguns e já pensam duas vezes antes de comer percevejo. Passados uns tempos a família Apetitosa é apenas uma memória saudosa dos ratos mais velhos, que se queixam que os percevejos já não tem o gosto de antigamente. A floresta é dominada pela numerosa família Menos Apetitosa. E alguns dos mais novos são mesmo Nada Apetitosos. Calhou. Mas onde esses vivem os ratos aprendem a só comer percevejos se estiverem esfomeados. E assim por diante.

Um fóssil isolado não pode mostrar este processo porque só mostra um indivíduo. E não há fósseis de um organismo no processo de se transformar nos seus descendentes. Isso seria como encontrar uma foto do meu pai a transformar-se nos meus filhos. O que podemos fazer é juntar muitos fósseis para ver como as famílias mudaram ao longo das gerações. A sua evolução.

1- Miscelânea Criacionista: Blá, blá, blá...

O verdadeiro problema

não é a tecnologia. É a lei:

Monsanto looks to patent pigs

Já agora, patentes e copyright sobre yoga:

Can you patent wisdom?

quarta-feira, agosto 29, 2007

Ao lado, parte 2: porque crêem os crentes.

Noutra rajada ao lado, o Bernardo Motta afirma que

«esta é a catequese iluminista, defendida por Ludwig [...]:
[...] Os crentes de hoje ainda procuram consolo na religião porque têm medo da morte, mas também porque precisam ainda de uma explicação fácil para as injustiças»


Mais uma vez, a pontaria é exímia. Se há coisa que eu acho que não se procura na religião é mesmo este consolo. Claro que consola pensar que a morte de um ente querido não é o fim, que algo dele sobrevive nos outros, nas nossas memórias. Que ainda nos vê e nos ouve. Mas isso não é religião.

A religião interpõe-se entre o crente e o consolo. Sim, a sua alma sobrevive e vai encontrar a paz. Mas é preciso esta missa, um enterro com estes rituais, o senhor padre dizer estas coisas como se conhecesse o falecido de algum lado, e assim por diante. E fica bem pagar por estes serviços. A religião não dá consolo. Põe-se à entrada e cobra bilhetes.

E o que faz o crente pensar que é preciso esta treta toda é o hábito. Desde criança que lhe dizem que é assim, que assiste a missas e casamentos e funerais, e acaba convencido que é assim que tem que ser. Que só com aqueles rituais e voltinhas todas é que a alma vai para o sítio certo e que o amor de duas pessoas só é a sério depois do tipo de batina dizer palavras já gastas de tão repetidas.

O hábito não faz só o monge. Faz o crente. Faz o muçulmano, o católico, o protestante. Cada caso é um caso, somos todos diferentes, e o que motiva cada um de nós é sempre um conjunto complexo de impulsos, ideias, predisposições e sorte. Porque calhou, porque faz mais sentido, porque os amigos ou familiares acreditam, porque simplifica as coisas, há certamente tantas razões como crentes. Mas o factor principal é que o crente religioso se habituou desde criança a acreditar nessas coisas.

Há crenças que ajudam a lidar com a perda ou sofrimento, que dão esperança, que dão a sensação que as coisas correm pelo melhor. Enfim, que consolam. Mas não a religião. Ritualizar estes sentimentos e enfeitá-los com teologias da treta não serve para dar consolo. Serve para se aproveitarem do desconsolo dos outros.

Ao lado, parte 1
1- Bernardo Motta, 26-8-07, Materialismo em estado puro

Treta da Semana: Franchisar o Cérebro.

O Instituto da Inteligência (1) está a expandir-se em força. No seu blog de actualidades (o site é uma página que liga a uma carrada de blogs...) podemos ver este convite:

«Dirija um centro regional do Instituto da Inteligência
Se é empreendedor e quer dirigir uma actividade própria aderindo a uma marca jovem e dinâmica, com obra feita ao longo dos últimos 9 anos em Portugal, instale, na sua região, um centro do Instituto da Inteligência.»
(2)

Temos assim a garantia que todos os centros do Instituto da Inteligência são dirigidos por pessoas empreendedoras. Uma noticia de 2006 elabora:

«Temos um grande projecto em marcha através do sistema de franchising e do sistema de rede afiliada. Ao seu dispor temos projectos para "centros multisserviços", "centros de psicologia de aprendizagem" (atendimento de alunos, formação de professores e outros serviços de apoio ao sucesso escolar), "centros de neuropsicologia" (especializados em diagnóstico e reabilitação cognitiva), "centros de mental training" (para assessoria e formação de instrutores para trabalharem com equipas desportivas, equipas comerciais, gestores e outros grupos profissionais). Poderá também especializar-se em monitoria de neurofitness, neuróbica e mental training trabalhando como profissional independente em zonas do país onde não tenhamos centros em funcionamento.» (3)

Têm também uma parceria com a Bircham International University, que «certifica academicamente vários cursos do Instituto da Inteligencia e pode atribuir diplomas do grau de "Specialist" aos de carácter técnico-profissional intensivo (ex: técnico de Mental Training, monitor de Neurofitness, etc)»(4).

Mas há um senão. Vários. A Bircham International University é uma «universidade» de ensino à distância que opera em Espanha, nas Bahamas e no Reino Unido sem qualquer acreditação académica (5). Oferece um doutoramento em 12 meses, em troca de cinco mil euros e uma tese de 75 páginas, que pode ser substituída por material publicado previamente (6). O bacharelado demora um ano, o mestrado nove meses. Em menos de 3 anos pode ir do 12º ano ao doutoramento sem sair de casa. Basta pagar 13,500€ (ou dólares, dependendo da página consultada) e arranjar alguém que lhe faça os trabalhos.

O director do Instituto da Inteligência é o «Doutor Nelson Lima, neuropsicólogo». Em 2004, quando estive a ver estas coisas por causa das crianças índigo (treta para outra semana), o Nelson Lima era «doutorado em Psychological Research, especialista em Neuropsicologia e Hipnologia Médica (IEBI-Espanha)». De poucos detalhes sobre o currículo do director, passaram a nenhuns. Mais uma prova de inteligência. O segredo é a alma do negócio.

Pelo que consegui encontrar na altura (as páginas já foram retiradas), Nelson Lima tem um doutoramento em «Philosophy / Psychological Research» e um doutoramento «Honoris Causa / Academic Merits & Excellent Career» pela mesma universidade. Pode parecer estranho uma universidade dar um doutoramento honoris causa a um doutorado seu, mas não é. É que a «universidade» é a Bircham International University, e quem imprime um diploma imprime dois.

Quanto ao IEBI-Espanha, não sei o que raio seja. Nisso estou em boa companhia, que não sou o primeiro a tentar descobrir as credenciais desta gente do Instituto da Inteligência, ou perceber o que andam a fazer (7, 8).

Resumindo. Um tipo compra um diploma de doutor, monta o negócio, ensina aos outros o que não aprendeu com cursos certificados por quem não tem acreditação, e agora abre um franchising. O segredo do sucesso? Simples. Quando o Rodriguinho reprova várias vezes, parte pratos na cabeça da irmã e nunca faz o que lhe dizem é mais fácil convencer os pais que o Rodriguinho é um génio incompreendido que fazê-los compreender que é um puto mal criado.


1- Site principal, Blog.
2- Instituto da Inteligência, 8-07, Dirija um centro regional do Instituto da Inteligência
3- Instituto da Inteligência, 11-06, Abra um centro do nosso instituto na sua cidade!
4- Instituto da Inteligência, 11-06, Acordo com a Bircham International University
5- Wikipedia, Bircham International University
6- Bircham International University, Títulos académicos
7- O Provedor Dos Leitores, 6-9-06, "FALEMOS SERIAMENTE" - COMENTÁRIO DO LEITOR ROBERTO GORJÃO
8- Máquina Zero, Instituto da Inteligência questiona modelo actual de ensino - o sr. Esperto e o sr. Inteligente

terça-feira, agosto 28, 2007

Ao lado, parte 1: a crítica.

Um artigo do Bernardo Motta no blog Espectadores mostra bem o que eu penso da religião (1). Como num tiroteio de desenhos animados, a parede crivada de balas perdidas desenha a silhueta do personagem ileso. O artigo do Bernardo é rico em afirmações discutíveis mas não gosto de escrever posts grandes, por isso vou dividir isto em algumas partes. Quantas, logo se vê.

Conta a bíblia que os filisteus roubaram a arca aos israelitas, Jeová matou imensos filisteus com maleitas diversas, e estes finalmente devolveram a arca juntamente com ratos e hemorróidas (ou tumores) feitos de ouro. Eu considerei isto um exemplo do muito que é «ridículo e perturbante» na religião (2). Mas do meu comentário o Bernardo escreveu:

«fica-se com a ideia de que o capítulo em questão constitui, para ele, uma prova de algo de muito grave em termos da atitude religiosa de um crente»

Muito grave não. Ridículo e perturbante. Muito grave seria matar mesmo milhares de pessoas só porque alguém fanou uma arca. Mas como história é apenas ridícula. Perturba-me que a levem a sério, mas não é grave. É como andar de joelhos ou a arrastar a barriga pelo santuário de Fátima. É ridículo e perturba, mas não é nada de grave. Este exagero é o primeiro problema quando se critica a crença. Rir do crente é intolerância. Não ir na conversa é má fé. Dizer «que disparate» é perseguição. Pedir evidências é fanatismo.

Há actos muito graves que não tolero. Admito uma intransigência fanática na minha condenação de quem explodir autocarros, atirar aviões contra edifícios ou amputar o clitóris a crianças, por exemplo. Mas nesses não me importa se é por religião ou por outra coisa qualquer. É o acto em si que é muito grave. Por outro lado, não tenho nada a dizer daquela fé que é a sensação de tudo ter um propósito inteligente. Não opino acerca das sensações dos outros. Nestes extremos parece-me que estamos todos de acordo e há pouco a discutir.

O que costumo criticar aqui é o aparato da fé. O ritual, a teologia, a crença cega como método para chegar à verdade. É essa religiosidade que classifiquei de ridícula e perturbadora.

Ridícula por ser insignificante. Não vale nada. A fé como sensação terá o valor que cada um lhe der, mas a fé disfarçada de erudição profunda é só treta. Acreditar por acreditar não leva ninguém à Verdade Transcendente. O sim porque sim é uma fraca justificação até na metafísica. Uma afirmação auto-contraditória não indica um mistério importante. É apenas um disparate.

Ridícula por dar vontade de rir. Tentar tirar sentido das hemorróidas de ouro. O padre erguer a bolacha, dizer um hocus pocus, e transformá-la no corpo do deus. Que os fieis depois comem! Quem tem fantasias com a vizinha nua confessa-as ao padre e ele prescreve umas dúzias de ave-marias. O mais engraçado é a tentativa de justificar estas coisas com argumentos teológico-metafísicos. O nariz encarnado e grande representa a união do perene com o Transcendente eterno. Os sapatos compridos simbolizam as dificuldades da existência material. A buzina, o riso pintado na cara e a cabeleira verde são uma Trindade Una que manifesta a identidade do distinto na união do que é separado.

E é perturbador que tanta gente que leve isto tão a sério. Mas desde que seja só isso não é grave.

1- Bernardo Motta, 26-8-07, Materialismo em estado puro
2- De ouro?!

segunda-feira, agosto 27, 2007

Energia nuclear? Talvez obrigado...

A Joaninha pediu, e aqui vai. Bem, na verdade ela pediu um post elucidativo. Mas só tenho tempo para um especulativo. Espero que sirva.

Entre 5 e 9 de Dezembro de 1952 morreram quatro mil pessoas em Londres por causa do smog do carvão queimado para aquecimento doméstico. Mais oito mil nas semanas que se seguiram (1). As cheias de 2000 em Moçambique deixaram 800 mortos, 25,000 desalojados e cobriram mil e quatrocentos quilómetros quadrados de área agrícola (2). Barragens como a de Cahora Bassa ajudam a regular as cheias mais moderadas, mas agravam cheias extremas como esta e as de 1997, 1989 e 1978 (3). A redução na frequência das cheias leva mais pessoas a viver nas zonas perigosas, o menor caudal acumula sedimentos no leito do rio e reduz a sua capacidade, e as descargas de emergência das barragens elevam subitamente o nível da água.

Os acidentes com petroleiros, a poluição nas cidades, o impacto ambiental das barragens e as cheias são alguns dos muitos riscos de produzir energia. Se me perguntam se a energia nuclear é perigosa, tenho que perguntar em relação a quê. O acidente em Chernobyl causou cerca de quatro mil mortes pelos efeitos da radiação e forçou a evacuação de 135 mil pessoas (4). Mas este foi uma excepção. Concordo que não se deve operar centrais nucleares com equipamento feito de ferrugem e tinta.

Em contraste, o pior acidente nuclear nos EUA causou (estima-se) uma morte adicional por cancro devido à radiação que afectou 25,000 mil pessoas (5). Em condições adequadas, as centrais nucleares são mais seguras que qualquer outra fonte de energia que seja relevante hoje em dia.

As alternativas não são boas. Os bio-combustíveis são uma ilusão. Gasta-se uma tonelada de petróleo para produzir uma tonelada de bio-diesel. Os políticos podem dizer que desta forma metade do combustível vem de fontes renováveis, mas é obviamente treta. Não adianta de nada. Não digo que não se possa melhorar o rendimento do processo, mas o problema é que a agricultura moderna consome imensa de energia. Enquanto assim for não será uma boa fonte de energia.

As células ou motores a hidrogénio têm a desvantagem de não haver hidrogénio disponível por ai. Temos que o produzir a partir do petróleo, que consome energia e recursos não renováveis, ou a partir da água, o que consome muita energia. Talvez a engenharia genética (e os transgénicos) permita aproveitar a produção de hidrogénio por microorganismos.

Se conseguirmos criar um bicharoco que coma celulose e excrete hidrogénio talvez se faça alguma coisa. Se os da Verde Eufémia não derem cabo de tudo entretanto. Mas mesmo assim duvido que dê para o gasto. A realidade é que cada pessoa num país rico gasta o equivalente a 15 litros de petróleo por dia. Em Portugal, de clima ameno e posses modestas, vamos ainda nos 7. Mas a aumentar (6). Não é com painéis solares ou bio-diesel que se alimenta este vício. É preciso muitos girassóis para dar a cada homem, mulher e criança de Portugal sete litros de óleo por dia.

A energia nuclear tem grandes custos. Moas os custos políticos devem passar depressa quando o activismo sair do bolso na conta da electricidade. O risco de acidentes não é maior, e é provavelmente menor, do que as alternativas que temos agora. O pior é desactivar as centrais. O problema de um reactor de fissão nuclear é o que fazer daquilo passados os seus dez ou quinze anos de vida útil. Mas isso é só questão do preço do petróleo subir o suficiente. É uma questão de «quando», não de «se».

1- Wikipedia, Great Smog of 1952
2- Wikipedia, 2000 Mozambique flood.
3- Richard Beilfuss & David dos Santos: Patterns of Hydrological Change in the Zambezi Delta, Mozambique. (pdf, 2.9Mb), via Wikipedia
4- Wikipedia, Chernobyl_disaster
5- Wikipedia, Three Mile Island accident
6- Earth Trends

Hans Rosling.

A propósito do ambiente, economia, estado do mundo e mais sei lá o quê, recomendo esta palestra. Se tiverem vinte minutos, vale pelo que ele diz e pela forma como apresenta os dados.

Hans Rosling: Debunking third-world myths with the best stats you've ever seen

domingo, agosto 26, 2007

A Espiritualidade da Oferta.

Artigo da autoria de Dom Mário Neto, Blinólogo e Sacerdote Blinico

Apesar de discordarmos em muito, o afecto que sinto pelo jovem Krippahl obriga-me, mesmo que futilmente, a tentar mostrar-lhe algo do significado profundo da vivência religiosa. Num texto recente, mais uma vez o meu jovem amigo revelou como lhe é difícil compreender este estado de espírito e esta forma de existir, no sentido pleno do termo.

Evidentemente, não é o ouro em forma de ratos, hemorróidas ou tumores*, enquanto bem material, que é relevante na oferta ao Divino. Isso sim seria adoptar uma relação mercantil com o Transcendente, típica das superstições primitivas nas quais o crente tenta enviar as oferendas aos deuses queimando ou deitando ao mar algo que lhe é precioso. Comida, ouro, incenso. Isso é ridículo, e, sinceramente, mete pena.

Numa religião evoluída, madura, e esclarecida como é o Blinismo, ou mesmo o Cristianismo e afins, não é nada disto que acontece. O crente não tenta comprar o seu deus com bens materiais. O crente esclarecido entrega a oferta ao sacerdote, de preferência em numerário, e é este que canaliza devidamente ao Divino toda a riqueza espiritual deste gesto de profundo simbolismo e Mistério religioso.

Quem não compreende o processo pode pensar que o crente se sacrifica e o sacerdote lucra. Nada disso. A oferta tem uma dimensão material, necessária para simbolizar o gesto ofertório, mas tem também uma dimensão espiritual. É esta que o sacerdote separa e Eleva. Ao subir, e por meio de um misterioso mecanismo de rodas e roldanas transcendentes, esta elevação espiritual faz apagar do crente os seus pecados, má consciência, sentimento de dever de caridade e até a tão perigosa capacidade de pensamento crítico e independente, tornando o uma pessoa melhor aos olhos Divinos.

Desprovida da sua dimensão espiritual, a vil matéria da oferta fica extremamente empobrecida. Recai assim sobre o sacerdote a árdua tarefa de respiritualizar estes bens materiais, e é por isso que este tem que passar tanto do seu tempo a distribuir esta riqueza material de uma forma espiritualmente enriquecedora. Quando paga a mulher a dias, a mercearia e o restaurante, a casa nova e o carro, ou mesmo o advogado por causa daquele mal entendido com os miúdos do coro, o sacerdote injecta na economia um capital que está de novo restituído desta imprescindível dimensão espiritual, e que pode novamente servir no ofertório. E em quase todas as religiões vemos a força espiritual dos grandes sacerdotes, capazes de suportar sozinhos o terrível fardo das roupas riquíssimas, jóias, obras de arte, palacetes e aviões privados. É deveras impressionante.

Sem o trabalho incansável destes homens (as mulheres têm outro papel) já não haveria dinheiro que cumprisse os exigentes requisitos espirituais do ofertório, e seria impossível aos crentes redimirem as suas faltas com uma ou duas notas (ou três). Lá teriam que enfrentar a necessidade de corrigir as consequências dos seus erros em vez de expiarem os seus pecados desta forma expedita.

Espero que tenha conseguido esclarecer o jovem Krippahl e os seus leitores. A oferta não é uma forma de comprar o favor divino com bens materiais. A matéria é imperfeita, vil, incapaz de agradar aos Seres Perfeitos senão como símbolo do Espirito Eterno. É esse espírito de sacrifício, do crente e do seu sacerdote, que ascende e expia as falhas daquele que oferece. Do crente por se apartar de algo que julgava de valor, e do sacerdote pelo seu empenho espiritual nesta difícil tarefa.

E deixo também a minha oferta de suportar o fardo dos vossos bens materiais sempre que sentireis a necessidade de vos libertar do peso que os vossos pecados exercem sobre o vosso espírito. Se quiserdes passar cheque, por favor passai-o em nome de Mário Neto para não incomodar os paroquianos com a papelada.

* Dom Mário Neto refere-se a este post.

Revelada

a caixa de email mais importante do Universo.

Redimensionar imagens.

Um algoritmo porreiro para alterar o tamanho de uma imagem minimizando a distorção aparente. Procura as «costuras», caminhos com menor informação cuja duplicação ou remoção é pouco perceptível Também pode ser usado para apagar elementos da imagem. Cada vez menos ver é razão para crer...



Via How To Spot A Psychopath.

Deixar queimar o almoço.

Cada dia morrem à fome cerca de vinte e cinco mil pessoas. Mas graças à Swheat Scoop, milhares de gatinhos podem fazer um chichizinho confortável em grânulos de puro trigo.

Fica também a achega aos defensores dos bio-combustíveis. Vão encher o depósito com as refeições dos outros.

Os bio-combustíveis podem criar uma solução local para cada comunidade e melhorar a utilização da biomassa. Fermentar cereais produz etanol deixando um resíduo rico em proteína que pode ser usado para alimentar animais, por exemplo. Pode haver boas aplicações desta tecnologia. Mas canalizar a produção agrícola para os combustíveis é má ideia. A agricultura moderna consome imenso combustível nas máquinas e na síntese de adubos e pesticidas, por isso o ganho é quase nulo. E a agricultura é uma actividade comercial, por isso o bio-combustivel aumenta o preço da comida.

O preço do trigo, milho, carne e outros alimentos subiu 30% nos últimos dois anos, em parte pelas alterações do clima, em parte pela produção de bio-combustíveis. Até já inventaram um termo para esta subida de preço: agflation (1). Não é grave em países ricos onde apenas 10% do rendimento familiar é gasto em alimentação, mas é desastroso em países como a Índia e a China onde a família média gasta metade do rendimento em comida, e onde centenas de milhões de pessoas têm ainda menos dinheiro.

Vai ser difícil encontrar uma forma de vivermos todos de forma sustentável. Vamos ter que criar e usar novas tecnologias, mesmo com alguns riscos. Quando o avião está a cair temos que aceitar os riscos do pára-quedismo. Vamos ter que mudar de atitude. Andar menos de automóvel, comer mais vegetais e menos carne, consumir menos em geral.

Mas o primeiro passo, o mais importante, é fazer menos disparates.

1- Economist, 6-5-07, Nuns mug orphan!

sábado, agosto 25, 2007

Muda-se as moscas...

Em 1994, Steve e Joanne Tucker foram condenados a 10 anos de prisão, e Gary Tucker a 16, por conspiração para produzir marijuana. Segundo a Drug Enforcement Agency (DEA), teriam sido responsáveis por mais de um milhar de plantas. Fazendo as contas a um quilo de marijuana cada planta o total ultrapassava a tonelada que torna a pena obrigatória de dez anos de prisão.

Os Tucker vendiam equipamento para cultivo hidropónico. Luzes, adubo, irrigação, e assim por diante. Não houve evidência de cultivarem Cannabis. Não foi encontrada marijuana em sua posse. Não houve indícios de compra ou venda de substâncias ilegais. Mas a maioria dos clientes usava este equipamento para fins ilícitos. O cultivo hidropónico é apenas rentável para o crescimento de algumas flores mais caras, ou para cultivar Cannabis numa cave, longe da vigilância policial. Foi por isso que os prenderam.

Este caso tem três aspectos semelhantes ao que se passa agora com o copyright. Primeiro, é questionável se o esforço para reprimir vale a pena. Talvez seja preferível deixar fumar um charro ou deixar ouvir música à borla. Não será o fim do mundo.

Outra semelhança é exagerar o impacto de cada indivíduo. A DEA contava cada planta de Cannabis como um quilo de marijuana. Valente arbusto. Nas contas da MPAA e da RIAA, cada vez que se ouve um álbum ou se vê um filme de graça está-se a roubar uns vinte euros. No tribunal a RIAA pede $750 de indemnização por cada música de noventa cêntimos.

Mas o mais grave é o crescimento canceroso do proibido. Para que não se droguem proíbe-se o consumo. Depois o cultivo da planta, o cultivo de todo o género Cannabis, incluindo espécies como o cânhamo que não contém psicotrópicos, e até a venda de material que possa ser usado neste cultivo. A guerra à pirataria segue o mesmo padrão. Para impedir que se oiça música de graça proíbem a cópia, a transmissão de dados, combatem toda a tecnologia P2P e tentam fechar qualquer fórum onde se possa trocar informação acerca de conteúdos. Até usar uma câmara de filmar no cinema dá cadeia.

Parece-me que são exemplos de um problema mais geral com a legislação. Quando é para proibir algo tem que haver uma ideia exacta do que se vai proibir, porquê, e até onde vale a pena ir. E se não vale a pena não se proíbe.

Scott Henry relata o caso dos Tucker no artigo Forgotten Man (via The Lippard Blog).

De ouro?!...

Um conhecido que deixarei anónimo para não lhe arranjar problemas no emprego referiu-me um post no «Esbloga-mos sff» que cita uma passagem interessante do capítulo 5 do primeiro livro de Samuel (1). Tendo os filisteus roubado a arca do Senhor, o Senhor não está para menos e desata a assolá-los com morte, destruição e... hemorróidas. É verdade. Já hoje é um castigo penoso, quanto mais nesse tempo em que não havia papel higiénico, bidés, nem Scheriproct.

Mas mais interessante é o capítulo 6. Persuadidos pelo tacto e diplomacia de Jeová, os filisteus decidiram devolver a arca. Mas tinham que indemnizar os israelitas. Foi assim que aconteceu, segundo Samuel 1, capítulo 6:

«3 Os [sacerdotes] disseram: Se enviardes a arca do Deus de Israel, não a envieis vazia, porém sem falta enviareis uma oferta para a expiação da culpa; então sereis curados, e se vos fará saber porque a sua mão não se retira de vós.
4 Então disseram: Qual é a expiação da culpa que lhe havemos de enviar? E disseram: Segundo o número dos príncipes dos filisteus, cinco hemorróidas de ouro e cinco ratos de ouro; porquanto a praga é uma mesma sobre todos vós e sobre todos os vossos príncipes.»
(2)

Hemorróidas de ouro. Parece-me condensar bem o mistério religioso. É um disparate incompreensível, superficialmente maravilhoso mas, no fundo, repugnante. Já sei o que dizer da próxima vez que me contarem o milagre que salvou a criança no acidente que lhe matou a família inteira, ou que curou uma paralisia ao fim de 50 anos para o desgraçado andar a custo um par de meses antes de morrer. Isso, meus caros, são hemorróidas de ouro.

1- «PR», 16-8-07, as hemorróidas como castigo de Deus, ou a desagradável "mão do SENHOR"
2- Bíblia sagrada, Sam 1 1-10

sexta-feira, agosto 24, 2007

Infalível. Pois... deve ser.

Hoje o noticiário da RTP-1 deu uma reportagem sobre o novo passaporte electrónico. Relataram a grande vantagem de automatizar a verificação da identidade. Põe-se o passaporte no leitor, a maquineta tira uma fotografia, e se os dados condizem pode passar. Tem uma fiabilidade de 100%. Fantástico. É pena é ser treta.

O novo passaporte tem imensas características que dificultam a falsificação. Desenhos complexos, fibras só visíveis sob ultravioletas, o tipo de papel e assim por diante. É como o antigo. O que tem a mais é um chip RFID capaz de transmitir os dados do portador à maquineta. É assim que a maquineta compara a foto do passaporte com a foto que tira durante a verificação, por exemplo. Infelizmente, o reconhecimento facial tem uma taxa de erro muito grande. É difícil notar que a foto não é a certa se a cara for parecida, tanto para uma máquina como para uma pessoa.

Mas o problema é o chip RFID. Este envia os dados a qualquer maquineta que se coloque próximo do passaporte. A transmissão é fortemente encriptada, mas a chave de encriptação é composta por dados fáceis de obter, como data de nascimento, nome e numero do passaporte. Aquela informação que escrevemos em qualquer formulário num hotel.

Não há razão para crer que este sistema melhore a segurança. Pelo contrário. Se depender mais de sistemas automáticos de validação, como se viu na reportagem, acaba por ser menos seguro por se copiar facilmente a informação do passaporte sem o portador notar, como já demonstraram no Reino Unido (1) e na Holanda (2). Especialmente grave é pensarem que o sistema é 100% seguro só por ser validado electronicamente.

É mais uma treta que nasceu do pânico do 11 de Setembro. Aos países a quem dispensam vistos de entrada os EUA exigiram a implementação deste sistema electrónico. A ideia era dificultar a falsificação de passaportes. Assim a recomendação foi que os passaportes passassem a transmitir a informação que têm a qualquer um que saiba o nome e morada do portador. À distância. Sim senhor, assim é muito mais difícil copiar a informação.

Eu sou optimista. Acho que isto foi só incompetência e politiquice. A treta do costume. Mas pode não ser. A alternativa seria um passaporte electrónico que só pudesse ser lido em contacto directo com o leitor, em vez de permitir leitura à distância. Mas se calhar aos governos também dá jeito identificar electronicamente as pessoas sem elas saberem (3).

1- Guardian, 17-11-06,Cracked it!
2- The Register, 30-1-06, Face and fingerprints swiped in Dutch biometric passport crack.
3- Bruce Schneier, 4-10-06, Does Big Brother want to watch?

quinta-feira, agosto 23, 2007

Simular o desemprego.

A discussão com o João Vasco sobre o ordenado mínimo (1) e a inércia das férias levaram-me a simular o problema com um modelo estocástico. Vamos a ver se o meu desemprego simulado não se torna real por andar a perder tempo com isto em vez de trabalhar...

A simulação considera 1000 candidatos que competem por 900 empregos. Cada candidato tem uma formação escolhida ao acaso entre 0 e 120, e cada emprego exige um mínimo de formação entre 0 e 100. Estes valores são fixos e iguais em todas as simulações abaixo.

A cada «dia» é escolhido ao acaso um desempregado para cada vaga por preencher. Se o candidato tem a qualificação mínima o empregador oferece um ordenado de valor igual à qualificação exigida mais 0.5 por cada dia que passa sem preencher a vaga. Quanto mais difícil for preencher a vaga mais o empregador está disposto a pagar, até um máximo de 150% do valor inicial. Assumi que a certo ponto já não é economicamente viável pagar mais. Por seu lado, o candidato só aceita um ordenado igual ou superior à sua qualificação menos 2 por cada dia que passa desempregado. Isto simula a necessidade de ganhar para comer. Se o que o empregador oferece pelo menos aquilo que o candidato exige a vaga é preenchida e o ordenado é aquilo que o empregador ofereceu.

Cada empregado tem uma probabilidade de 1% por dia de ser despedido, voltando à lista de desempregados e reabrindo a vaga que ocupava. A simulação decorreu durante cinco mil dias para atingir o equilíbrio, e os resultados são a média dos mil dias que se seguiram. Os gráficos apresentam o rendimento médio em função da formação dos trabalhadores.

O primeiro gráfico mostra como o rendimento varia com o aumento do ordenado mínimo, que impede a contratação abaixo do valor indicado pelo traço encarnado. Como o rendimento é a média dos 1000 dias considerados há quem fique com rendimento médio inferior ao ordenado mínimo por estar desempregado parte do tempo. O efeito é eliminar as vagas para as quais não é rentável pagar o ordenado mínimo. A tolerância de 150% da oferta inicial beneficia um pouco quem está próximo do valor do ordenado mínimo, mas os menos qualificados ficam claramente prejudicados pela redução da procura pelo seu trabalho. Nesta animação o ordenado mínimo varia entre 0 e 60 unidades.

O segundo gráfico mostra o efeito de redistribuir o rendimento com um imposto e subsídio. Uma percentagem do salário é cobrada a cada trabalhador e o total é dividida igualmente por todos. Isto simula educação gratuita, serviço público de saúde ou qualquer subsidio a que todos tenham igual direito. Além afectar o rendimento, descontando o imposto e adicionando o subsidio, leva também a que ninguém trabalhe a não ser que o ordenado seja superior ao subsidio. Assumi que todos são tão preguiçosos que só trabalham se o esforço duplicar o seu rendimento. O traço encarnado indica o subsidio recebido, e ninguém tem um rendimento inferior a esse valor.

Ordenado Minimo Imposto

O ordenado mínimo inviabiliza alguns postos de trabalho, aumenta a competição entre os trabalhadores e prejudica os menos qualificados. O subsidio cria preguiçosos que não querem trabalhar, mas o impacto é reduzido porque afecta principalmente os postos menos qualificados. Aumentar o imposto de 0% para 60%, nesta simulação, reduziu o rendimento médio em apenas 5%. E além de garantir um rendimento mínimo a todos favorece mais os que querem trabalhar por reduzir o numero de candidatos mantendo o numero de vagas. Se o objectivo é ajudar os menos favorecidos continuo a achar que o ordenado mínimo é uma treta.

Para quem quiser, incluí o código fonte na segunda imagem. Gravem o gif, mudem a extensão para zip, e extraiam o conteúdo com o Winrar (o zip do Windows não funciona, que surpresa...). Fiz isto assim para usar o serviço de hosting de imagens, para dar um exemplo de como os ficheiros digitais são um conceito arbitrário, e porque sou um nerd.

1- 21-8-07, Com o pé no velocímetro.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Transgénicos.

Salvo estranhas excepções como o Miguel Portas (1), foi geral a condenação do protesto eco-ilógico da «Verde Eufémia». A justificação do movimento parece demasiado fraca:

«O objectivo é restabelecer a ordem ecológica, moral e democrática que tem sido constantemente deteriorada pelas políticas de União Europeia e pelo governo português» (2).

O vandalismo não contribui para a ordem moral ou democrática, e para restabelecer a ordem ecológica neste canto da península ibérica tinham que destruir todo o milho, tomate, eucalipto, batata, e a maior parte das restantes plantas e animais domésticos que invadiram este ecossistema por introdução humana. No meio disto tudo, implicar com este milho por ter um gene a mais é ridículo.

Todas as espécies são geneticamente modificadas, tendo evoluído de espécies ancestrais diferentes. A partilha de material genético entre espécies é normal em microorganismos, frequente nas plantas (o milho cultivado é híbrido) e até nos animais domésticos como a mula. E a domesticação sempre foi uma forma de manipulação genética, por selecção artificial.

Partes do material genético podem mudar de sítio ou multiplicar-se independentemente. Metade do genoma do milho são transposões, elementos que se multiplicam e se reintroduzem em diferentes partes do genoma. A transferência de genes entre organismos e espécies também ocorre na natureza. O genoma humano contém muitos vestígios de genes virais que ficaram incorporados nos nossos cromossomas.

E a manipulação de organismos por recombinação genética é uma técnica com várias décadas. Por todo o lado cultivamos microorganismos transgénicos modificados para sintetizar proteínas. Desde insulina e cápsides de vírus para vacinas até às proteases para o detergente da roupa ou as celulases que dão às jeans novas a textura da ganga usada.

Perigos, claro que há. Os automóveis são perigosos. As piscinas. A electricidade, os sacos de plástico, os talheres e os detergentes. Podem matar pessoas, destruir ecossistemas e estragar o ambiente. Mas há que pesar o custo com o benefício, e o maior problema de todos é haver seis mil milhões de pessoas, dezenas de milhares de milhões de animais domésticos e milhares de milhões de hectares de terra cultivada. O perigo de usar uma tecnologia tem que ser comparado com o perigo de não a usar. Entre 1900 e 2000 o rendimento da cultura de milho nos EUA aumentou quase quatro vezes, de 2,5 para 9,4 toneladas por hectare. Quem se preocupa com o impacto ecológico da tecnologia que o permitiu deve considerar o impacto ecológico de uma área cultivada pelo menos quatro vezes maior, e o que isso implicaria em perda de habitates, degradação do solo e uso de recursos hídricos.

Toda a produção alimentar tem riscos. Uma praga ou seca pode matar imensa gente à fome. Há riscos de alergias e doenças, há poluição com fertilizante, herbicidas e pesticidas, e assim por diante. E o risco da cultura geneticamente modificada nem sempre é o maior. As variante Bt de milho transgénico contém o gene para uma proteína da bactéria Bacillus thuringiensis que é tóxica para as larvas da broca (Sesamia nonagrioides e Ostrinia nubilalis). Se por um lado o pólen deste milho pode prejudicar outros insectos, a aplicação de insecticida para controlar a praga tem normalmente consequências piores. É escolher o mal menor.

Mais do que o vandalismo disparatado, preocupa-me o apelo ao histerismo colectivo. O Miguel Portas escreveu que «Com este gesto, o Movimento Eufémia Verde conseguiu alertar a opinião pública para um facto que lhe era desconhecido: que o Algarve - com o voto favorável da sua Associação de Municípios - já não é “uma região livre de transgénicos”»(1). É treta. Ninguém ficou a saber nada. Ninguém ficou a conhecer melhor os riscos nem a perceber melhor o problema. E a opinião pública não ficou mais capaz de determinar se o impacto ecológico da toxina de Bacillus thuringiensis é maior ou menor que o da aplicação de insecticida ou da introdução de espécies predatórias.

Nenhuma tecnologia é universalmente boa ou universalmente má. Cada forma de a aplicar deve ser avaliada individualmente sem esquecer as consequências das alternativas. Acima de tudo, tem que se decidir de forma esclarecida e não pela manipulação da opinião pública ao serviço de interesses políticos.

1- Miguel Portas, 18-8-07, Eufémia desobediente
2- Portugal Diário, 17-8-07, Protesto contra o milho transgénico

Adenda, a 23-8-07: O Miguel Portas entretanto reconsiderou a sua opinião inicial. Obrigado ao João Vasco pelo aviso.

terça-feira, agosto 21, 2007

O futuro.

É incrível, o progresso tecnológico nesta era digital.



Via Sivacracy

Com o pé no velocímetro.

O João Vasco aproveitou a minha semana de férias para publicar uma série de posts defendendo o ordenado mínimo (1), que há tempos critiquei como uma forma ineficaz e desonesta de ajudar quem precisa (2). E comete o erro que os políticos aproveitam para nos espetar com estas coisas: confunde o velocímetro com o acelerador.

O preço indica o ponto de equilíbrio da negociação. O Manuel pede 20, o Chico oferece 10, acabam por concordar em 15. Negócio fechado. O António só atrapalha se vier dizer não não, tem que ser 18 ou não pode haver negócio. Atrapalha, e estraga a vida ao Manuel, que em vez de vender por 15 não vende nada. Imaginem que o estado decidia ajudar os produtores de batata impondo um preço mínimo de 2€ por quilo. Abaixo disso ninguém podia vender batatas. Ajudava? Claro que não. Uns poucos vendiam batatas especiais de corrida e o resto ia arrumar carros. O salário mínimo tem o mesmo efeito.

É uma ilusão pensar que se ajusta o preço e o resto vem atrás. Não se consegue acelerar o carro mexendo no ponteiro do velocímetro, e não basta ditar um valor para o ordenado mínimo. É sempre preciso alterar a relação entre quem negoceia, neste caso com multas, polícia, tribunais, e assim por diante. É isso que vai deslocar o preço, o valor do ordenado, que continua a ser um indicador da transacção e não algo que se possa ajustar directamente. Mas multas e proibições atravancam o mercado. Aumenta-se a média à custa de eliminar muitas transacções abaixo desse valor, o que reduz a economia e prejudica muita gente.

O problema é que o trabalhador pouco qualificado precisa muito mais do emprego que o empregador precisa do empregado. Com tão pouco poder de negociação o trabalhador fica prejudicado num mercado sem regulação. O ordenado mínimo tenta resolver isto proibindo as transacções mais desfavoráveis ao trabalhador, mas, tal como as batatas a 2€, só piora a situação. Aumenta o desemprego, o trabalho temporário e a tempo parcial, e obriga o trabalhador menos qualificado a competir directamente com trabalhadores mais qualificados que vão ganhar o mesmo. Disfarça, mas não resolve.

O objectivo é equilibrar melhor a negociação sem desencorajar a transacção. Em vez de investir recursos a proibir o melhor é atacar directamente o problema. O subsidio de desemprego, a assistência social, a assistência médica gratuita ou rendimento mínimo são alguns exemplos de medidas que não só aumentam directamente o rendimento real de quem mais precisa mas que também lhe dão mais poder de negociação ao reduzir a necessidade desesperada de aceitar qualquer emprego.

É verdade que é preciso pagar tudo isto, e não sai barato. Mas se o objectivo é que estas pessoas tenham dinheiro para viver há que lhes aumentar o rendimento, e o dinheiro tem que vir de algum lado. O ordenado mínimo atrapalha a economia e desencadeia uma rede confusa de efeitos secundários. Chega-se ao ponto de obrigar as empresas a pagar um ordenado mínimo e depois dar-lhes subsídios para que o possam fazer. Claramente, é muito mais racional e transparente dar logo esse dinheiro a quem precisa.

O erro é ver o preço como um botão ou acelerador que podemos ajustar para manipular a economia. Não é. É sempre preciso mexer noutro lado. Além dos efeitos nefastos e muitas vezes difíceis de prever, impor um preço por proibições legais tem dois grandes custos directos. O custo do aparato de fiscalização e punição de infractores, e o custo do entrave à economia. A única vantagem é política. Estes custos, apesar de maiores que os custos da alternativa, são muito menos óbvios.

1- João Vasco, 15 a 19-8-07, Salário Mínimo, de I, a IX.
2- 2-8-07, Dar sem gastar.

Treta da Semana: Remédios Naturais

O meu post de Maio sobre o Kevin Trudeau (1) motivou alguma discussão sobre o mérito dos remédios naturais. Saliento o comentário do leitor Fernando Lima, que os defendeu assim:

«Parece-me que existe neste blog, algumas pessoas male informadas.. ou com conflitos de interesse... ou incompetentes [...]
O viagra tambem pode matar. o Pau de cabinda tambem pode matar se tu bateres com o Pau na cabeça durante varias horas....
quando o FDA substitui um produto NATURAL por um quimico .. imagina os milhoes e bilhoes de euros em patentes ... em quanto se comeres o Pau de cabinda nao tens de pagar nada...
o que sabemos é: limpa o teu corpo de TOXINAS() E repoem as vitaminas, que teras vida longa sem doenças.
Para finalizar ... as nossas escolas de medicina deviam estudar o metodo de tratar a causa da doença e nao superar o efeito da dor. [...]
Em suma voces devem comentar depois de terem aprendido alguma coisa ... parecem as forças de bloqueio na assambleia...»


Vou tentar satisfazer o critério rigoroso e exigente do Fernando tomando como exemplo a aspirina (2). No século V a.C. já Hipócrates tinha descrito as virtudes terapêuticas da casca e folhas do salgueiro. Infusões desta planta foram um remédio tradicional para dores e febres em várias partes do mundo. Mas o uso terapêutico de uma planta não tem nada de natural. A função natural das substâncias na planta é contribuir para a fisiologia da planta, defendê-la de animais que a querem comer, e assim por diante. Se distinguimos o natural do artificial temos que pôr a infusão e o comprimido do mesmo lado. Como toda a medicina, são ambos fruto do artifício humano. Especialmente hoje em dia, quando se prepara a mezinha com água da torneira num púcaro de aço inoxidável sobre um fogão a gás.

Em 1828 Henry Leroux identificou a substância activa na casca do salgueiro. Chamou-lhe salicina, mas hoje tem o nome oficial de 2 - (hidroximetil) fenil β - D - glucopiranosídeo. Como nem a planta nem a natureza se preocupam com a nossa dor de cabeça, é por puro acaso que a salicina tem alguns efeitos benéficos para nós, mesmo apesar de ser tóxica. Mas da salicina pode-se produzir o ácido salicílico, usado em cosméticos e como anti-séptico. Ou o ácido acetil-salicílico, a aspirina, que tem os efeitos benéficos da salicina sem a sua toxicidade. Segunda lição: se vamos usar os nossos conhecimentos para transformar uma planta em remédio, mais vale usar todos os conhecimentos e transformá-la no melhor remédio que conseguimos. Ficar a meio só para dizer que é mais «natural» é disparate. Vende, e engana muita gente, mas é disparate.

Outro problema é que a composição da planta varia com a sua maturidade, o solo onde cresceu, a parte da planta que é usada e inúmeros outros factores. Isto faz variar muito a quantidade de substância activa nas infusões ou outros remédios caseiros. É como tomar, aleatoriamente, entre um e vinte comprimidos de cada vez. Além disso, a planta contém milhares de compostos diferentes, todos em quantidades variáveis. É por isto que a síntese química de medicamentos é muito importante. O ácido salicílico sintetizado em laboratório é igual ao da planta. A molécula é exactamente a mesma. Mas sintetizando-o de origem sabemos exactamente a quantidade, o grau de pureza, e que outros compostos são produzidos no processo. Assim controla-se rigorosamente a preparação, o que é impossível com o cházinho «natural». Também a aprovação do medicamento requer um processo exigente, e é restrita ao uso para o qual o medicamento deu provas de eficácia e segurança. A recomendação da avó, por mais sincera que seja, fica aquém do ensaio clínico com dupla ocultação, controlo rigoroso e confirmação independente.

A ideia que os produtos naturais não têm efeitos secundários também é uma bela treta. Até um amendoim pode matar quem é alérgico, quanto mais a tisana da ervanária. Se faz efeito pode fazer mal. A diferença é que as empresas farmacêuticas são obrigadas a mencionar todas as complicações observadas, mesmo que só ocorram num caso em cem mil. A ervanária tem tanta obrigação legal como o empregado de mesa a quem perguntam se a comida é boa. Sim, sim, e o peixe é fresquíssimo...

Eu não confio em vendedores. Mas as empresas farmacêuticas submetem-se a um sistema rigoroso de aprovação, controlo de produção, responsabilização legal da empresa e do médico que receita o medicamento e até ao impedimento legal deste lucrar com a venda. Isto inspira mais confiança que a mezinha que alguém diz que é boa, que é feita sabe-se lá como, e que é vendida na loja de quem a receita.

1- 28-5-07, Treta da Semana: Kevin Trudeau
2- Wikpedia, Aspirin

sexta-feira, agosto 10, 2007

Treta da (próxima) Semana: o PPM.

Vou estar fora durante a próxima semana, mas queria partilhar esta treta. No site do Partido Popular Monárquico pode-se ler um texto do seu presidente, o Nuno da Câmara Pereira (1):

«O Rei é de todos e para todos, esta a substancial diferença com a república; onde o seu Chefe de Estado, não vindo da dinastia, é um delegado de força (s) política ou poder económico que o promoveu» (1)

Da primeira vez que li isto não percebi. Nem da segunda. Nem da décima. Isto não faz sentido. Não é por «vir da dinastia» que um tipo é mais de todos ou para todos que qualquer outro. Todos somos filhos de pai e mãe, todos temos família, e não é por ser o não sei quantos de não sei onde e sei lá mais o quê que vai ser um bom Chefe de Estado.

E é irónico. O Nuno da Câmara Pereira foi eleito no XX congresso do PPM. Não por ser da dinastia, mas por representar a(s) força(s) política(s) dos que defendem que:

«não cabe ao PPM discutir o problema da sucessão ao trono de Portugal, devendo ser os portugueses a escolher através das cortes ou do Parlamento quem deverá ocupar o trono» (2)

Incrível. O Chefe de Estado tem que ser da dinastia, e não eleito. Qual dinastia? Bem, depois logo se elege uma. Ou talvez a ideia seja outra. Algo como Sua Majestade Fidelíssima Dom Nuno I, O Fadista...

Era de esperar que houvesse reis nos tempos em que um tipo contratava uns mercenários, dava pancada na mãe e desatava a fundar o juízo a toda a gente. Não havia nada a fazer. Ninguém queria meter-se à frente desses doidos a cavalo, de armadura e espada em riste. O melhor era deixá-los entretidos e esperar que fossem conquistar para outras bandas.

Hoje é diferente. Os reis de agora são como os aquedutos. Quem os tem, e se não estorvam, pois que os deixe estar. Ficam bem nos postais. Mas não vamos construir mais. Não precisamos de arcos enormes de pedra quando se resolve o problema com um tubo de plástico. Não queremos guerreiros, nem conquistadores, nem primos deste e daquele para combinar mais casamentos entre primos. O que queremos num chefe de estado é um tubo de plástico, que deixe passar as coisas sem incomodar ninguém.

É isto que eles não compreendem na democracia. As eleições não são para garantir que se escolhe um Grande Chefe de Estado. Até porque esses são perigosos. A democracia serve para mudar o tubo de quatro em quatro anos para não ficar tudo entupido.

E por agora é tudo. Vou estar sem ‘net até dia 19. Até lá divirtam-se, que eu também.

1- Site do PPM
2- Lusa, 6-5-05, Nuno da Câmara Pereira é o novo presidente do PPM

quinta-feira, agosto 09, 2007

Por falar da China.

A propósito dos problemas ambientais da China, mencionados pelos leitores «B_R» e «JPVale» (1), foi declarado oficialmente extinto o golfinho do rio Yangtze.

Notícia: Dolphin species declared extinct.

Mais sobre este golfinho na Wikipedia: Baiji.

Via Pharyngula.

1- 8-8-07, Contas da treta.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Contas da treta.

Um artigo recente no Times Online avisa que ir às compras a pé é pior para o ambiente que ir de carro (1). Ir a pé consome 160 calorias, que são 100g de bife, e criar vacas liberta 36kg de Carbono por cada quilo de carne produzida. Por isso ir a pé liberta 3,6kg de carbono ao passo que ir de carro, em média, liberta 0,9kg de carbono. Ou seja, que grande treta.

Ninguém vai comer mais meio bife por ter ido a pé às compras. Apenas gasta 160 das muitas calorias em excesso que vai consumir de qualquer forma. E se quer compensar o gasto basta comer uma batata pequena. Tem as mesmas calorias, e cultivar uma batata não liberta três quilos de carbono.

A mensagem central do artigo faz sentido. O que comemos tem um impacto grande no ambiente, e faz diferença comer sopa de legumes ou cabrito assado no forno. Mas o artigo está cheio de contas mal feitas e estatísticas enganadoras. E isto engana mesmo, a julgar pela reacção no Insurgente (2) («Os ambientalistas fazem mal ao ambiente») e no Speaker’s Corner Liberal Social (3) («Ser ambientalista da forma tradicional é completamente inútil»).

A propagação de erro também não ajuda. O artigo diz «Catching a diesel train is now twice as polluting as travelling by car for an average family». O Miguel Duarte no Speaker’s Corner (3) traduz «É preferível a um camponês andar de Land Rover que andar de comboio, no que toca ao ambiente». Uma família e um combóio a diesel passa a um camponês em qualquer comboio, mesmo que seja eléctrico e polua apenas um terço. E o Land Rover vem de «If ten or fewer people travel in a Sprinter [train], it would be less environmentally damaging to give them each a Land Rover Freelander and tell them to drive». Não admira, mas também não faz sentido ter um combóio para cada dez passageiros.

Se temos o combóio a funcionar o aumento de poluição por passageiro é praticamente nulo. E se deixarmos de ter combóio não temos mais dez carros, mas centenas. E estradas de alcatrão, e estacionamentos, e gasolina a queimar durante horas de fila. O combóio é preferível.

Pior ainda é ignorar que se pode poluir menos sem perder qualidade de vida. Segundo o artigo, importar dois pacotes de legumes gasta a energia que se poupa num ano por substituir uma lâmpada incandescente por uma de baixo consumo. Mas substituir a lâmpada poupa energia, poupa dinheiro, e dá luz à mesma. Se um Finlandês quer fruta no inverno vai fazer o quê? Plantar bananeiras na neve?

Há coisas em que é difícil poupar, mas noutras não custa nada. Eu vou de transportes para o trabalho. Demoro uma hora de caminho em vez da meia hora que seria de carro. Mas além de poluir menos (o metro e o autocarro andam quer eu lá vá ou não) é uma hora que posso usar para ler, ouvir alguma coisa ou até para pensar. Acabo por poupar essa meia hora que teria que dedicar à condução.

Voltando às contas mal feitas, o Miguel Duarte escreve:

«Viva a economia de mercado! [...O]s custos energéticos estão reflectidos nos custos de produção e transporte dos produtos. Por exemplo, leite biológico é mais caro que leite não biológico porque as vacas do primeiro produzem menos leite, logo ao serem menos produtivas o gasto de carbono por litro produzido é maior.» (3)

Não. É mais caro porque vacas a pastar produzem menos leite e mais tarde que se alimentadas a rações, hormonas e antibióticos. É o tempo da demora que se tem que pagar em cada litro. Mas grande parte do carbono emitido na produção biológica é recapturado pela erva a crescer. Em contraste, fabricar rações queima recursos não renováveis e liberta muito mais carbono. Só parece mais barato porque o produtor safa-se do custo da poluição, que distribui por todos nós, e do custo de consumir um recurso limitado, que passa às gerações futuras que vão ficar sem petróleo. O mercado livre só funciona bem se estes custos forem pagos pelo produtor. Nesse caso a produção industrial de alimentos vai encarecer bastante.

Para terminar, propunha que se deixasse de passar a roupa a ferro. Gasta-se imensa electricidade e não se ganha nada com isso. E sempre deixava de ouvir «não deixes a roupa assim que fica toda amarrotada!»....

1- Times Online, 4-8-07, Walking to the shops ‘damages planet more than going by car’
2- Carlos G. Pinto, 6-8-07, Os ambientalistas fazem mal ao ambiente.
3- Miguel Duarte, 5-8-07, Argh! Desisto!

O filme que faltava.

Já tivemos o filme dos irmãos Mario. O filme do Resident Evil. O filme do Doom. Já estão a planear um filme baseado no Warcraft (1). Mas faltava o mais clássico, famoso, e talvez mais cinematográfico de todos:



1- Blizzard, Blizzard Entertainment and Legendary Pictures to produce live-action Warcraft movie.

terça-feira, agosto 07, 2007

Treta da Semana: O Efeito da Lua.

Há cerca de um mês, o leitor «vai lá vai» sugeriu que eu falasse sobre a «influência da fase da lua no crescimento do cabelo, no dia de nascimento dos bebés, nos crimes cometidos» (1) e assim por diante, influência esta da qual o leitor se mostrou céptico. E com razão.

É uma alegação comum. Há uns anos assisti na televisão à astróloga Maya argumentar que a Lua causa as marés e como nós somos 70% água é lógico que nos afecte tal como afecta os oceanos. Não é bem assim, como sabe qualquer pessoa que tenha notado a ausência de marés nas banheiras, piscinas, lagos ou até no Mediterrâneo. Na altura escrevi sobre isso, uns anos antes deste blog (2).

Também é um mito popular nos hospitais, nas forças policiais, entre bombeiros. Muitos profissionais de serviços de urgência e segurança atestam que há mais confusão nas noites de lua cheia. Mais crimes, mais acidentes. Mais treta. Quando se faz as contas às ocorrências é uma noite como qualquer outra. Na Áustria, o gabinete de seguros de acidente completou recentemente mais um estudo que demonstra o mesmo (3). Registos de meio milhão de acidentes de trabalho na industria entre 2000 e 2004 não mostram qualquer relação entre a probabilidade de ocorrer um acidente e a fase da Lua. O Skeptic’s Dictionary dá uma série de referências a outros estudos semelhantes (4).

Possivelmente a semelhança entre o ciclo menstrual na nossa espécie e o período sinódico da Lua teve um papel na origem deste mito. Mas parece ser apenas uma coincidência na duração média do ciclo, que varia muito de mulher para mulher e de espécie para espécie. O gambá tem um ciclo médio de 28 dias, a vaca de 21, o chimpanzé de 37, o rato de 5.

A melhor explicação para a popularidade deste mito é, no fundo, a sua popularidade. Como os famosos que são conhecidos pela fama de serem famosos, também o efeito da Lua é popularizado pela sua popularidade, que o torna uma treta frequente na comunicação social e na conversa de café. Também beneficia da nossa memória selectiva. Se ocorre algo invulgar e alguém o atribui à Lua cheia há três possibilidades. Ou não é Lua cheia e ninguém mais se lembra do assunto, ou é Lua cheia e a coincidência fica pregada à memória com um «eu não disse? É sempre assim...». Ou o terceiro caso, mais frequente. Ninguém sabe se é ou não Lua cheia mas fica tudo convencido que sim.

1- Ecumenismo Bíblico
2- CEPO, Em maré de Astrologia
3- Yahoo! News, 31-7-07, Study debunks full-moon injury beliefs
4- Skeptics Dictionary:Full moon and lunar effects.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Muito grave...

N’O Insurgente, o Carlos Pinto insurgiu-se (1) contra a participação de crianças acompanhadas dos pais na Gay Parade de Amsterdão (2). Carlos Pinto comentou:

«A participação de crianças de 11 (!!) anos numa demonstração de cariz sexual seria crime em grande parte dos países ocidentais. Igualmente grave é assumir que uma criança de 11 anos tem já uma identidade sexual definida. Mas claro, isto sou eu que devo ser homofóbico.»

Não se percebe o que é uma «demonstração de cariz sexual». Havia muitos homens vestidos de mulher, mas se se chamasse «Carnaval de Torres Vedras» se calhar o Carlos já não se importava. Também não julgo que assumiram o que quer que seja acerca da «identidade sexual» destas crianças. Se as crianças querem dizer que são homossexuais e ir com os pais à manif, não vejo o problema. Não é por isso que vão passar a ser ou deixar de o ser. Um dos meus filhos, com seis anos, gosta de vestir uma camisola da mãe e fingir que é um vestido. Às vezes põe uma toalha na cabeça para parecer que tem cabelos compridos. Não é homo nem hetero. É criança.

Antigamente (mas nem tanto como isso) forçavam as crianças a escrever com a mão direita para as «curar» de ser canhoto, uma terrível doença. Não adiantava de nada. Nessas coisas nem há nada a fazer nem necessidade de o fazer. E a orientação sexual parece-me que é o mesmo. E esta manifestação, onde também participaram heterossexuais nesta manifestação, era principalmente um protesto contra a intolerância e agressões aos homossexuais. Acompanhar os pais numa manifestação destas contribui para a formação cívica da criança e não faz nada à sua sexualidade.

Mas concordo com a preocupação do Carlos Pinto. É infundada neste caso, porque uma manifestação por ano não vai ter grande efeito na criança. Mas preocupava-me se fosse todos os domingos. Se os pais convencessem os filhos que há um grande Gay no céu a vigiá-los constantemente. Se, do púlpito, um representante do omnipotente Gay ameaçasse com sofrimento eterno meninos e meninas que sequer sentissem atraídos pelo sexo oposto. Se todos os dias rezassem a este Gay, se todos à sua volta falassem Dele como se existisse. Aí concordava com o Carlos que isto era mau para as crianças. Não por fazer fosse o que fosse à sua orientação sexual, mas pelo sofrimento desnecessário que estes disparates lhes iriam causar por toda a vida.

Preocupava-me sobretudo se houvesse pressão para a criança ser desta ou daquela maneira. Penso que não é o caso na comunidade homossexual holandesa. Imaginem que a família chega a casa depois da manifestação gay e o filho diz à mãe que afinal até gosta de raparigas. Imaginem a reacção da mãe. Agora comparem com isto:


Video via Helder Sanches

1- Calos G. Pinto, 6-8-07, Isto é muito grave
2- M&C, 4-8-07, Amsterdam Gay Parade attracts record crowd

domingo, agosto 05, 2007

Animal racional.

Num mestrado de filosofia que ando a arrastar (dá gozo tirar um curso que não preciso, sem preocupações) ouvi várias vezes que «o que distingue o Homem dos animais é...» seguido de algo completamente errado ou sem sentido. Que os animais são natureza e Homem é potencial, que só o Homem consegue planear o futuro, ou fazer ferramentas, ou ensinar e aprender, ou coisas do género. A ideia do Homem como totalmente distinto da natureza é central nas religiões ocidentais e na filosofia de influência cristã.

Na verdade, o que mais distingue a nossa espécie foi a eficácia com que os nossos antepassados eliminaram todas as espécies semelhantes. Todos os ramos da nossa árvore de família mais próximos que cinco milhões de anos estão extintos, e já estamos quase a acabar com os chimpanzés, gorilas e orangotangos. É isso que nos dá a ilusão de uma criação especial.

Aqui vão dois vídeos para ajudar a quebrar a ilusão. Neste, um corvo tenta usar um arame direito para retirar do buraco um pacote com comida. Vejam o que faz ao arame quando não consegue.



E este mostra como fazem ganchos usando os ramos das árvores. É um processo complexo de escolher o material, cortá-lo, ajeitar a parte do gancho e retirar as folhas.



É pena estar tão difundido o disparate do Homem criado à imagem de Deus. Perceber que somos mais um de muitos produtos de um processo natural, de milhares de milhões de anos de evolução, permite-nos compreender melhor este mundo que habitamos. E é muito mais interessante o corvo como ser inteligente moldado pela evolução que como um autómato criado por um deus caprichoso.

Via Neurophilosophy

sábado, agosto 04, 2007

Que nojo...

Há uns dias o Helder Sanches mencionou o projecto SETI (1). Aqui vai uma explicação para o insucesso da busca por inteligência extraterrestre.

História original: They’re made out of meat, por Terry Bisson.

Versão cinematográfica por Stephen O'Regan:



Já agora, este é o meu 300º post, e ainda há quem aqui venha. Obrigado a todos pela pachorra.

1- Helder Sanches, 31-7-07. Ovnilogia e (pa)ciência

sexta-feira, agosto 03, 2007

Um ano por vinte segundos.

No passado dia 17 uma rapariga de dezanove anos foi presa na Virginia, EUA. Tinha gravado vinte segundos do filme Transformers para mostrar ao irmão mais novo. Achou que o ia entusiasmar. Minutos mais tarde dois agentes da polícia retiraram-na da sala de cinema, a ela e ao namorado, e apreenderam a máquina fotográfica digital. A arma do crime. Jhannet Sejas aguarda agora julgamento, marcado para o próximo dia 21. A pena pode ir até um ano de prisão e dois mil e quinhentos dólares de multa (1).

O Ricardo Pinho escreveu há dias que «os direitos de autor são o garante da cultura da nossa civilização» (2). Eu preferia garantir primeiro a civilização. É que isto é uma barbaridade.

Via Sivacracy

1- Washington Post, 2-8-07, Out of the Theater, Into the Courtroom
2- Ricardo Costa Pinho, 25-7-07, PJ e ASAE chegam aos subterrâneos da Internet

David Attenborough Censurado

Sir David Attenborough não defende a violência. Não é racista, não discrimina as mulheres. E quando se mete na vida dos outros é só para nos mostrar como é, não para lhes dizer como deve ser. Apesar destes defeitos o canal evangélico Holandês Evangelische Omroep (EO) transmitiu a série «The Life of Mammals»(1). Mas Attenborough tinha ido longe demais. Nesta série, o conhecido naturalista mostra a natureza como ela é. Não pode. A EO teve que intervir.

O décimo episódio aborda a evolução da nossa espécie, mas não menciona barro, sopro, ou costela. Por isso a série na EO tem nove episódios. Chega bem que o resto está na Bíblia. Mesmo nesses nove episódios havia muita coisa a mais. Por exemplo, no primeiro episódio. Attenborough senta-se, diz-nos que por vezes se encontra fósseis muito bem preservados, e mostra uma mandíbula que descreve em detalhe. É um fóssil com 15 milhões de anos. Um antepassado do ornitorrinco, o Obdurodon, que ainda tinha dentes, ao contrário dos seus descendentes modernos. Depois da descrição, levanta-se e vai-se embora. A versão EO é mais compacta. Attenborough senta-se, diz-nos que por vezes se encontra fósseis muito bem preservados, levanta-se e vai-se embora. Foca o que é importante e não perde tempo com o que não interessa.

A origem dos marsupiais também é simplificada eliminando qualquer referência ao assunto. No original da BBC, depois de mostrar uns cangurus, Attenborough explicava que os marsupiais tinham surgido há 100 milhões de anos, num continente que se dividira dando origem à Antárctica, Austrália e América do Sul, onde hoje em dia ainda se encontram alguns marsupiais na floresta amazónica. A versão EO passa do canguru ao Amazonas, e pronto. A tradução e dobragem da série também é imaginativa. Referências a qualquer número de milhões de anos são traduzidas para o Holandês como «há muito tempo». Fica menos confuso.

E não é só na televisão. Esta cadeia evangélica editou a sua versão melhorada em DVD, e como comprou os direitos exclusivos à BBC é a única cadeia holandesa que pode transmitir ou comercializar esta série. Penso que mencionei que me desagrada o copyright. Aqui está a razão 5,897. Já agora, para esclarecer, não sou contra os direitos de autor. Julgo que proibir que se copie não é direito de ninguém, por isso sou contra a exclusividade de cópia. Mas sou a favor de obrigar estes aldrabões a deixar claro que o que eles apresentam não é o que o David Attenborough fez. Nem devia ser permitido apresentá-lo como documentário. É um Contra Informação, mas sem piada.

Desta vez não vou falar da parvoíce que é o criacionismo. Deixo o leitor imaginar uma floresta tropical e um senhor grisalho de calções, agachado, a dizer num sussurro emocionado:

«[...] when Creationists talk about God creating every individual species as a separate act, they always instance hummingbirds, or orchids, sunflowers and beautiful things. But I tend to think instead of a parasitic worm that is boring through the eye of a boy sitting on the bank of a river in West Africa, [a worm] that's going to make him blind. And [I ask them], 'Are you telling me that the God you believe in, who you also say is an all-merciful God, who cares for each one of us individually, are you saying that God created this worm that can live in no other way than in an innocent child's eyeball? Because that doesn't seem to me to coincide with a God who's full of mercy.» (2).

Cheio de misericórdia não. Mas talvez cheio de treta...

1- BBC, The Life of Mammals
2- Wikipedia, David Attenborough
Fontes:
Swift, 3-8-07, Blatantly Supressing Science
«Songsoverruins», 2-8-07, Burning the temple of god
Este último tem ligações para uns clips no YouTube onde se pode ver as diferenças entre as versões da BBC e da EO.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Dar sem gastar.

Pode-se fazer com a música mas não com o dinheiro. Sendo o total constante, para dar dinheiro a uns há que tirar a outros. O que pode ser boa ideia, porque o dinheiro faz mais falta a quem tem pouco que a quem tem muito. Mas chateia-me a aldrabice de subsidiar com leis em vez de dinheiro. Se é para dar dinheiro a alguém, pois que se lhe dê dinheiro e não leis.

A concessão de monopólios, as leis das rendas, o ordenado mínimo, e agora até obrigar os construtores a vender parte dos andares abaixo do preço de mercado. É tudo treta. A intenção pode ser boa, mas a implementação é desonesta.

Concordo que devemos ajudar quem tem um rendimento insuficiente para se sustentar a si e aos seus dependentes. E para ajudar é preciso dar dinheiro. A forma honesta e correcta de o fazer é cobrar a quem mais tem para dar a quem mais precisa. É para isso que servem os impostos e é uma das responsabilidade dos políticos. Mas ninguém gosta de pagar impostos, por isso os políticos fazem abracadabra e pronto, ordenado mínimo. Assim o trabalhador tem a garantia de um rendimento digno, e ninguém tem que pagar nada. O que é treta, porque o dinheiro tem que vir de algum lado.

Na prática, o ordenado mínimo é um imposto sobre a contratação de trabalhadores menos qualificados. Mas não distingue quem paga nem quem recebe. A mercearia da esquina paga o mesmo que o hotel de luxo. O jovem a viver com os pais recebe o mesmo que o operário com três filhos. E tem efeitos colaterais, como aumentar o desemprego e o trabalho precário, afectando principalmente quem tem mais dificuldade em encontrar emprego. O controlo das rendas não beneficia apenas quem precisa mas também quem já comprou casa e continua com a outra alugada por uma ninharia. Os direitos de autor acabam por beneficiar o distribuidor. E assim por diante.

Nem é uma forma eficiente de resolver problemas. Recolher impostos para distribuir é pouco eficiente, mas subsidiar com legislação ainda é pior. Além de ter efeitos e custos mal definidos, sai caro fiscalizar e fazer cumprir a lei. E isso tem que ser pago pelos impostos à mesma. A melhor forma de ajudar é cobrar impostos e dar parte desse dinheiro a quem julgamos precisar. Assim sabe-se ao certo quanto custou, de onde veio e para quem foi. E isso todos queremos saber.

Quase todos. Aos políticos não interessa que se saiba e, logo por azar, são os políticos que decidem estas coisas. Por isso em vez de subsídios explícitos criam leis que restringem o mercado, dificultam a concorrência, ou concedem privilégios. É menos eficiente, mas assim não se sabe quem paga, quem recebe, nem quanto custa. E na véspera das eleições podem dizer que deram muito a muita gente sem gastar nada. E com tanta treta que dizem na véspera das eleições ninguém nota mais uma.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Perdendo a fé.

No L.A. Times há um artigo interessante onde William Lobdell conta como ser repórter numa coluna acerca de religião o converteu de Cristão renascido em ateu (1). Resumindo, quanto mais descobria acerca de como funciona a fé e a religião na prática mais difícil lhe era acreditar num ser omnipotente e benevolente. Parece que até para os crentes mais fervorosos há alguma esperança.

Achei graça a esta citação de um tele-evangelista. Esta espécie de sanguessuga em forma de pessoa vive da venda e distribuição de fé. Na Trinity Broadcasting Network (TBN), uma das redes de televisão onde apanham crentes, avisou: «Se foi curado ou salvo ou abençoado através da TBN e não contribuiu... está a roubar a Deus e perderá a sua recompensa no paraíso.»

Nem nisto as discográficas inovaram. Apenas copiaram a aldrabice mais antiga da história da humanidade.

1- William Lobdell, 21-7-07 Religion beat became a test of faith

Editado a 3-8-07: tinha-me esquecido de referir o Secular Outpost como fonte.

Chulice.

O João Vasco defendeu que o copyright, tendo muitas desvantagens, ainda assim tem a vantagem de resolver o problema do free riding, o usufruto de um benefício sem contribuir para o seu custo ou em detrimento de outros. O António usou o termo chulice, mais coloquial mas igualmente correcto. E a chulice pode ser um problema.

É chulice uma fábrica poluir sem ser punida por isso. É chulice porque a poluição é uma parte do custo real do fabrico, e é paga pelos que levam com a poluição e financiam aterros, reciclagem, ou o que for preciso para minimizar as consequências. Mas há chulice e chulice. Em 1905 Einstein era empregado no gabinete de patentes de Berna e escreveu três artigos científicos dos quais, directa ou indirectamente, muitos milhões de pessoas hoje beneficiam. O António diria que isto é uma chulice monumental. O João Vasco que somos todos free riders do intelecto de Einstein e dos contribuintes Suíços do início do século XX. E é verdade. Beneficiamos de algo pelo qual não pagámos. Mas mesmo que seja chulice, é bem diferente da outra.

A chulice do dono da fábrica obriga os outros a pagar. Ninguém obrigou Einstein a fazer seja o que for. O dono da fábrica impõe um custo aos outros. As televisões, GPS ou painéis solares não custaram nada a Einstein. Beneficiar de um acto voluntário sem prejudicar ninguém é uma chulice perfeitamente aceitável. Esta chulice não é um problema. O problema é incentivar a criatividade.

Teria Einstein feito avançar a ciência mais cinquenta anos se lhe tivessem pago melhor? Teria Beethoven escrito melhores sinfonias se tivesse sido milionário? Não me parece. Por outro lado, Camões talvez tivesse escrito mais se não vivesse na miséria. Mas o benefício de um incentivo não é proporcional ao número de vendas, o realizador que ganha vinte milhões faz um filme mil vezes melhor que aquele que só ganha vinte mil, e nem a popularidade é um indicador fiável de mérito. Muitas vezes, só séculos mais tarde se descobre um génio por quem ninguém deu nada enquanto era vivo, ou que aquele que todos louvavam não valia a ponta de seja o que for.

Por isso, que se incentive os artistas dando oportunidades e condições para criar arte. Mas não se faça da arte um negócio milionário proibindo mil e uma coisas. Compete à sociedade cobrir o custo da produção artística. O lucro que fique a cargo de cada um. Afinal, os futebolistas também ganham milhões, e sem leis especiais. O problema, como apontou o João Vasco, é que a participação voluntária pode não chegar para cobrir o custo de uma obra de arte. Se um filme custa dezenas de milhões de euros muita gente vai ficar à espera que sejam outros a pagar, e assim nunca haverá filme.

Julgo que o problema é menor do que parece. Estes preços exorbitantes são o inchaço natural de qualquer monopólio. Mas, seja como for, só há uma maneira de resolver a chulice de quem espera que os outros paguem para depois se aproveitar. É obrigar a pagar. Seja por impostos, cobrando uma taxa, com as restrições e ameaças legais do copyright, ou de qualquer outra forma, o efeito terá sempre que ser obrigar a pagar quem de outra forma não o faria.

Com uma taxa ou imposto ainda podemos ter um financiamento transparente e controlado. Sabemos quanto se gasta e para quem vai. O copyright, além de encarecer o produto, consome recursos em fiscalização e processos legais. É desonesto, porque pouco dinheiro vai parar à pessoa certa, e muito vem de quem só descobre que o filme é banhada depois de ter pago o bilhete, ou de quem compra 19 músicas de porcaria só para ter aquela de que gosta. Nem se sabe exactamente quanto custa nem que benefícios nos traz. E é o contrário do que queremos incentivar.

Queremos incentivar o progresso, que é chular os antepassados para que os descendentes chulem mais e melhor. Mas é uma chulice boa. Uma chulicezita. E para haver progresso queremos incentivar a criação de obras que sirvam nas criações seguintes. Queremos inovação que se possa usar agora e não daqui a um século.

Chulice a sério é usarem os nossos impostos para nos ameaçar de prisão se mexermos na obra sem autorização de quem nem a criou, e enquanto não passarem cinquenta anos da morte do criador. Maior chulice que isto só com mini-saias e esquinas para todos os Portugueses.