De ouro?!...
Um conhecido que deixarei anónimo para não lhe arranjar problemas no emprego referiu-me um post no «Esbloga-mos sff» que cita uma passagem interessante do capítulo 5 do primeiro livro de Samuel (1). Tendo os filisteus roubado a arca do Senhor, o Senhor não está para menos e desata a assolá-los com morte, destruição e... hemorróidas. É verdade. Já hoje é um castigo penoso, quanto mais nesse tempo em que não havia papel higiénico, bidés, nem Scheriproct.
Mas mais interessante é o capítulo 6. Persuadidos pelo tacto e diplomacia de Jeová, os filisteus decidiram devolver a arca. Mas tinham que indemnizar os israelitas. Foi assim que aconteceu, segundo Samuel 1, capítulo 6:
«3 Os [sacerdotes] disseram: Se enviardes a arca do Deus de Israel, não a envieis vazia, porém sem falta enviareis uma oferta para a expiação da culpa; então sereis curados, e se vos fará saber porque a sua mão não se retira de vós.
4 Então disseram: Qual é a expiação da culpa que lhe havemos de enviar? E disseram: Segundo o número dos príncipes dos filisteus, cinco hemorróidas de ouro e cinco ratos de ouro; porquanto a praga é uma mesma sobre todos vós e sobre todos os vossos príncipes.» (2)
Hemorróidas de ouro. Parece-me condensar bem o mistério religioso. É um disparate incompreensível, superficialmente maravilhoso mas, no fundo, repugnante. Já sei o que dizer da próxima vez que me contarem o milagre que salvou a criança no acidente que lhe matou a família inteira, ou que curou uma paralisia ao fim de 50 anos para o desgraçado andar a custo um par de meses antes de morrer. Isso, meus caros, são hemorróidas de ouro.
1- «PR», 16-8-07, as hemorróidas como castigo de Deus, ou a desagradável "mão do SENHOR"
2- Bíblia sagrada, Sam 1 1-10
Ludwig,
ResponderEliminarNão é correcto traduzir o termo hebreu "techorim" (lê-se "tekhorim") para "hemorróidas". Na verdade, a consulta de uma bíblia regular (há coisas melhores e piores na Net, cuidado com os sites que escolhe) permite perceber que a tradução correcta é "tumor".
Não julgue que é apenas um preciosismo católico, que é algo apenas existente na Vulgata ("Responderuntque illi : 5 Juxta numerum provinciarum
Philisthinorum quinque anos aureos facietis, et quinque mures aureos").
Isto sucede mesmo na versão King James, onde o termo anglo-saxónico "emerods" é interpretado (nas ESSENCIAIS notas de rodapé, que devem ser lidas, e que acompanham cada boa Bíblia) como "tumors" ou talvez nalguns casos, "swellings" (inchaços), o que também respeita o espírito hebraico original.
Lamento ter que mergulhar esta minha mosca no seu frasco de compota, estragando assim a beleza hemorroidal do seu post, mas para o cristão, corrigir é uma obrigação fraterna.
Um abraço
Ludwig,
ResponderEliminarAcho que deste comichão no recto a alguém... :-) Será que vamos ter o "anónimo" de regresso? :-)
Imaginei desde que li o post que se tratasse de um problema de tradução, mas continuo sem perceber:
ResponderEliminarAfinal o que é, de ouro, que se devia oferendar? Tumores de ouro? Inchaços de ouro? Não é muito melhor... Talvez me esteja a falhar alguma coisa, desembaralhem-me por favor.
António,
ResponderEliminarNão "O" invoques... Depois não digas que não te avisei.
Bernardo,
ResponderEliminarAgradeço qualquer correcção, que além de obrigação fraterna é para mim obrigação ética e profissional.
Mas discordo da correcção. Primeiro, noto que techore é o termo usado em 1 Sa 6:11 e 1 Sa 6:17. Nos restantes, em Deut 28:27 e em 1 Sa caps 5 e 6 o termo é ophel.
Segundo a concordância do Strong ophel pode ser traduzido como tumor ou inchaço, mas techore é especificamente uma ulceração no ànus ou na zona púbica. Parece-me que no contexto de 1 Sa 5 e 6 correcto traduzir ophel para o mesmo que techore. Ou seja, hemorróidas ou outras ulcerações nessa zona.
Já agora, a citação da vulgata que apresentou usa a palavra «anos», de onde nos chega «ânus», por isso parece-me confirmar a hipótese hemorroidal.
Para concluir, reitero a ideia do W': como tema para trabalhar o ouro, de hemorroidas ou tumores no ânus não há grande melhoria.
Ludwig,
ResponderEliminarAs coisas não são bem percebidas quando partimos de um axioma não demonstrado (o de que o texto bíblico em questão é um disparate pegado).
Se o Ludwig parte desse axioma, então procura traduzir a palavra em questão para o termo mais disparatado possível. Se eu também pensasse assim, até concordaria com a sua conclusão: pressupondo que o texto é uma asneira disparatada, então toca de traduzir de forma concordante com esse axioma.
Mas porquê fazê-lo?
Duvido que seja por se sentir atraído pelo erro intelectual. Inclino-me mais para ver esta situação como uma tirada humorística imperdível. Nesse caso, tudo bem, porque o humor é sagrado! ;)
O melhor é eu dar-lhe as fontes que usei, e que devia ter colocado logo no meu comentário, para o reforçar. É evidente que eu não sei hebreu, e socorro-me de determinadas fontes na Internet para esclarecer estes casos mais bicudos. Como a esmagadora maioria dos crentes, recorro à tradicional Bíblia em português, que sendo muito boa, não serve para esclarecer coisas tão específicas como estas.
Note como funciona o meu método (em oposição ao seu): o meu axioma é o de que o texto bíblico não é um disparate pegado. É na convicção (cientificamente indemonstrável, é certo) de que há uma história coerente a ser contada aqui que eu leio o texto em questão.
(aproveito para sugerir ao comentador confuso algo que é relativamente óbvio: que tal abrir uma Bíblia e ler o trecho em questão para perceber que oferendas em ouro são estas?)
Neste útil glossário, encontramos uns milhares de palavras hebraicas traduzidas para inglês:
http://www.waytruthlife.com/actsfellowship/OJB/Glossary.html
Veja-se "techorim"...
Sobre a questão da interpretação do inglês "emerods", usei este site, que traz uma explicação muito interessante e razoável:
http://www.bible-history.com/isbe/E/EMERODS/
Visto que as pragas de ratos costumam vir acompanhadas de certas doenças típicas no ser humano, faz mais sentido interpretar a palavra como sendo o resultado no organismo dos filisteus de uma infestação de ratos. Esse resultado poderia bem ser uma praga de peste bubónica, que provocaria inchaços. Então, "swellings" até seria mais correcto do que "tumors".
Obviamente, para interpretarmos isto desta maneira, temos que aceitar que poderá haver algo não disparatado aqui. Um pressuposto que o Ludwig, aparentemente, quer recusar à força.
Curiosamente, um artigo científico trata deste tema, mas não tenho acesso a ele (deve ser preciso estar inscritou ou pagar alguma coisa):
http://www.jrsm.org/cgi/content/full/99/8/387
Sobre a Vulgata, note-se que a palavra latina "ano", podendo ser interpretada como diz o Ludwig, também pode ser intepretada como referindo-se a algo anelar ou circular. Um inchaço com essa forma. Pelo que a Vulgata não contradiz as traduções que apresentei, e sobretudo faz muito mais sentido se notarmos que as Antigos Testamentos traduzidos por profissionais (quase todos apoiados numa tradução crítica tanto da Vulgata como da septuaginta, como da Torah) são unânimes na tradução do termo para "tumor", não necessariamente cancerígeno, na ideia de quisto ou inchaço.
Um abraço,
Esqueci-me de algo importante: no contexto das oferendas divinas (feitas para expiar os pecados dos Filisteus), o que se quer explicar é que tais oferendas em ouro deveriam simbolizar as pragas que afligiram os ditos.
ResponderEliminarOra não faz qualquer sentido (daí o gozo do Ludwig), fazer representações escultóricas em ouro de hemorróidas, ou mesmo ânus inchados.
O que faz sentido, mas para isso é preciso ter boas intenções ao ler o texto, é que tais oferendas consistiram em ratos em ouro (os causadores da doença) e inchaços em ouro (representantes possivelmente de uma peste bubónica que os costuma causar).
O que assistimos neste post do Ludwig foi à mistura explosiva de traduções difíceis, falta de contexto, e humor corrosivo!
Caro Bernardo,
ResponderEliminarA tradução não é minha. A interpretação deste episódio como descrevendo uma praga de hemorróidas tem uma tradição antiga, quer na vulgata ("anos" não refere tumores em forma de anel... é ânus mesmo) quer na KJV ("emerods").
A maioria das traduções mais recentes interpretam isto como tumores, assumindo que o episódio foi real e que se tratava de um surto de peste bubónica. Tendo em conta a natureza mítica destas histórias isso não parece justificável. Não há confirmação independente de um caso de peste bubónica que tenha surgido quando roubaram a arca e passado por enviar tumores de ouro aos Israelitas.
Como é completamente livre interpretação do que "realmente" aconteceu no caso de uma história inventada, acho compreensível que hoje em dia, em que as pessoas pensam um pouco melhor, não queiram traduzir isto por hemorróidas e prefiram o mais genérico tumor. Por certo que daqui a umas décadas ou séculos alguém virá que interpretará isto de forma metafórica e dirá que se refere a um desconforto espiritual ou má consciência. Todos sabemos que a Verdade nunca muda, mas a Sua Interpretação é sempre ao gosto do freguês ;)
Finalmente, se substituir no meu post as hemorroidas de ouro por tumores de ouro, a ideia central mantém-se. É um disparate incompreensível que se queira redimir um mal oferecendo tumores em ouro. É superficialmente maravilhoso mas profundamente repugnante. E nisto assemelha-se a muitos alegados milagres.
Para reforçar este ponto, concluo citando o seu comentário:
«...não faz qualquer sentido [...] fazer representações escultóricas em ouro de hemorróidas [...]
O que faz sentido [...] é que tais oferendas consistiram em ratos em ouro [...] e inchaços em ouro»
Caro Bernardo, como se costuma dizer, venha o diabo e escolha...
Para terminar, para os menos familiarizados com estas coisas, este epis�dio traz uma li�o muito simples, que arrisca ficar incompreendida por raz�es mais ou menos hemorroidais.
ResponderEliminarA li�o � esta: os Filisteus roubaram a Arca da Alian�a e profanaram-na. H� que ver a import�ncia central da Arca para os hebreus como a "shekinah", a Presen�a de Deus na Terra. � o lugar f�sico da manifesta�o do divino. A Arca, durante muito tempo guardada nas tendas enquanto o povo hebreu vivia em nomadismo, passou depois, com Salom�o, para o centro do Templo, para o Santo dos Santos, lugar em total escurid�o onde s� entrava o Sumo Sacerdote.
Com o Novo Testamento, e com o rasgar do v�u do Templo no preciso instante da morte de Jesus Cristo na Cruz, a "nova Arca" que � Jesus Cristo revela-se no seu esplendor.
Rasga-se o pano separador, e toda a humanidade acede, com a morte de Cristo na cruz, ao interior do Santo dos Santos, aonde lhe � permitido contemplar a presen�a divina, cara a cara, na figura humana de Jesus.
As oferendas em ouro feitas pelos Filisteus t�m menos interesse pedag�gico como castigos caprichosos a cumprir da parte de um Deus tirano (uma ideia t�o cara aos modernos "acad�micos" de Hist�ria das Religi�es), e muito mais interesse como expia�o de pecados atrav�s de holocaustos a Deus.
A oferenda cerimonial para expia�o de pecados, caracter�stica universal (n�o exclusivamente crist� - basta ver o caso do Hindu�smo como um dos mais antigos da Humanidade) da atitude religiosa do ser humano, assenta na ideia de que queimamos (oferecemos) a Deus as nossas faltas, os nossos erros, os nossos defeitos, em suma, os nossos pecados.
Numa outra leitura, mais metaf�sica e religiosamente neutra, queima-se o transit�rio (a caducidade da vida terrena, plena de erros e de ilus�es) para se obter, purificado, aquilo que � perene.
Assim, a oferta simb�lica dos filisteus, ratos em ouro e os respectivos incha�os, valem mais pelo reconhecimento por parte dos filisteus de que eles pecaram contra Deus ao profanarem a Arca, do que meras ofertas ex�ticas a um Deus caprichoso.
A oferenda simb�lica dos ratos e os incha�os em ouro a Deus demonstraria que os filisteus teriam reconhecido o Senhor como sendo Deus, e ter�am visto tamb�m na Arca a presen�a real (shekinah) de Deus, e o horror que constitu�a a sua profana�o.
Escusado ser� dizer que tudo isto � uma prefigura�o da Eucaristia, visto que a h�stia consagrada � para os crist�os, a "shekinah" eterna. A consagra�o, na liturgia cat�lica, � precedida pelo Ofert�rio, no qual se colocam no altar as ofertas a Deus. N�o � por acaso!
Esta hist�ria dos Filisteus e da Arca faz-me lembrar aquela outra do Novo Testamento, na qual a mulher pecadora usa os s�mbolos do seu pecado (os cabelos compridos no contexto da cultura hebraica do tempo) para com eles enxaguar os p�s do Divino Mestre, lavados com as suas l�grimas, s�mbolo do arrependimento e da vontade de oferecer os erros passados em holocausto, renascendo para uma nova vida com "tabula rasa" em termos de faltas.
Recordo-me tamb�m da c�lebre frase proferida pelo bispo S�o Rem�gio, em Reims, na sagra�o do rei franco Cl�vis (algures por volta de 497-498 d.C.):
"Mitis depone colla, Sicamber. Adora quod incendisti, incende quod adorasti"
"Dep�e a tua cabe�a, sicambriano. Adora o que queimaste, queima o que adoraste"
Tudo isto na ideia de que, sagrando-se rei crist�o, o b�rbaro Cl�vis tinha que queimar tudo o que adorou em tempos (os falsos deuses - os erros) para passar a adorar ao Deus verdadeiro.
Em suma, nada como ter algum CONTEXTO para que a leitura dos textos revelados (seja de que religi�o for) possa ser feita de forma mais regular e equilibrada, sem que tudo pare�a t�o absurdo como uma lista telef�nica de Xangai escrita ao contr�rio e transcrita para cir�lico.
Um abra�o,
Já agora, a peste bubónica é normalmente precedida de uma redução na população de roedores. É por os ratos morrerem que as pulgas começam a atacar as pessoas e a transmitir-lhes a doença.
ResponderEliminarÉ claro, estes factos são irrelevantes para a interpretação de um episódio fictício.
Está aqui um link para a palavra techor, que inclui uma imagem do lexicon de Gesenius. Podem por aqui ver que a tradução como hemorróidas não é minha.
De notar também que a raíz desta palavra significa ardor ou queimar, sintoma típico das hemorróidas.
Ludwig,
ResponderEliminarEu adoraria poder corrigir o meu erro, se fosse eu a estar errado. Nada me horroriza mais do que persistir no erro.
Em português, e isto é só um exemplo, a palavra "justo" serve tanto para ser usada no contexto de Justiça como no contexto de algo apertado, sem folga.
De nada serve dizer que o "freguês", vulgo "crente", aparece e interpreta como quer, porque estamos perante apenas a simples e corriqueira necessidade de CONTEXTO. Dentro de um contexto, uma palavra aparece com um sentido, noutro contexto, aparece com outro sentido.
Isto não é subjectividade interpretativa no sentido que o Ludwig está a querer dizer, no sentido do "vale tudo". É subjectivo apenas porque depende do CONTEXTO!
Acho que já fui claro o suficiente, e já fiz mais que a minha obrigação para explicar que o termo não deve ser interpretado como hemorróidas, sendo certo que o poderá ser interpretado nesse sentido NOUTRO contexto.
O Luwdig teima em ignorar o contexto, se bem que usa (o que é lógico) o contexto sempre que interpreta qualquer outro texto.
Mas, para si, a Bíblia não é um texto para ser interpretado como interpreta outros textos. A Bíblia é, perdoe-me o vernáculo, aquele texto bom, mesmo a jeito, para dar porrada.
Até mais logo!
Ah, e se puder, gostaria de consultar um texto escrito por alguém competente que interprete o trecho bíblico em questão como sendo referente a hemorróidas. É que eu não achei nenhum.
De nada vale insistir na ideia de que techorim é hemorróida. Todos já sabemos que, em determinados contextos, é isso. Noutros é um inchaço. Também já expliquei o simbolismo teológico do trecho, mais do que é suficiente para mentes medianamente inteligentes.
Sobre a Vulgata, o Ludwig deverá ter já notado que a palavra "anel" é muito próxima, etimologicamente, próxima demais, da palavra "ânus".
Mais uma vez, e porque nada é melhor do que ser concreto e provar as afirmações, ficariam muito feliz se pudesse corrigir este meu presumido erro através da leitura de um qualquer texto de especialista que o Ludwig encontrasse que traduzisse a palavra em questão na Vulgata para "ânus" ou "hemorróidas".
Um abraço
"É um disparate incompreensível que se queira redimir um mal oferecendo tumores em ouro."
ResponderEliminarSe calhar, quando colocou este comentário, ainda não tinha lido o meu. Leia-o, por favor, e depois diga-me se quer continuar a afirmar que tal coisa é "um disparate incompreensível".
De vez em quando, Ludwig, esforce-se por compreender. Não julgue que sou em que ganha com isso. É você!
Um abraço,
Caro Bernardo,
ResponderEliminarSe me dêr evidências concretas que favoreçam a hipótese de peste bubónica sobre a hipótese de hemorróidas, concordarei com a interpretação nesse outro contexto. No entanto, à falta de qualquer evidência, não há razão para dizer que uma interpretação é mais ou menos correcta que outra.
O importante é que durante muitos séculos as hemorróidas foram a interpretação consensualmente aceite. Tire-se daí as conclusões que se quiser da tradição interpretativa cristã.
Mais importante ainda, pouco importa a diferença entre oferecer inchaços de ouro ou hemorróidas de ouro. Não me parece que os primeiros sejam particularmente mais apetecíveis, e, a julgar pela sua explicação, se os filisteus tivessem sofrido de hemorróidas tinha sido mesmo hemorróidas de ouro que ofereciam. Este relato continua a revelar algo de profundamente ridículo e perturbante com estas crenças religiosas.
«Se calhar, quando colocou este comentário, ainda não tinha lido o meu»
ResponderEliminarSim, penso que andamos a dispará-los depressa demais :)
Mas não faz diferença. Mesmo com a sua explicação, cuja ideia já conhecia, a minha opinião mantém-se. Ninguém oferece os pecados. Hoje em dia oferece-se dinheiro e jóias, e antigamente era comida, dinheiro e jóias. Ou seja, coisas de valor e não as coisas más de que nos queremos livrar.
E isso é quase universal na religião humana porque todos temos uma grande costela de comerciante. Mas talvez isso mereça um post...
Ludwig,
ResponderEliminar«Este relato continua a revelar algo de profundamente ridículo e perturbante com estas crenças religiosas.»
Esta é a frase que melhor sintetiza aquela atitude intelectualmente confrangedora que é o resultado mais poderoso do Iluminismo. Mas prefiro expandir-me no meu blogue, com um texto com pés e cabeça, que será escrito de seguida.
Um abraço
Este confronto Ludwig/Bernardo, está à partida a ser ganho pelo Ludwig por um motivo. A tradução para hemorroidas não foi do Ludwig, e aparece em diversos sites de cariz religioso, e hemorroidas não são alegoria de coisa nenhuma! A alegoria é querer pagar com as ditas em forma de ouro. Este conjunto de expressões causa um considerável mal estar no Bernardo, pois, como já se viu, o Bernardo não quer que a "inteligencia" de todos os religiosos seja medida pela bitola desta conversa ridicula, pueril e acéfala das hemorroidas que os religiosos colocaram na biblia. Este facto: O desconforto de um religioso inteligente (Bernardo) se sentir desconfortável com a conversa da treta da sua própria religião, é uma vitória do Ludwig. E se a inteligencia do Bernardo, o deixa desconfortável com a possibilidade de aquela conversa ser mesmo como o Ludwig a expôs, imagine que alguém com a mesma inteligência do Bernardo, mas, a quem não foi feita a lavagem cerebral para a aceitação dos dogmas passar em claro, e tente vender-lhe o resto da conversa da biblia.
ResponderEliminarEstamos no caminho para o ateismo... Basta não sermos condicionados a aceitar dogmas, para que toda a biblia nos cause a mesma repulsa que este episódio causa ao Bernardo.
As hemorroidas causam-me menos confusão do que o profeta do amor, espantar à paulada quem quer que seja de um espaço público, só por não gostar do que fazem (os vendilhões dos templos). Este raciocinio do dito, extrapolado para os dias de hoje, implicaria eu ter o direito de espantar à paulada todos os fumadores, bimbos e chungosos da minha frente.
Caro António,
ResponderEliminarUma vez que tece algumas considerações à laia de hipótese acerca das minhas ideias, permita-me que faça as minhas achegas:
«Este confronto Ludwig/Bernardo, está à partida a ser ganho pelo Ludwig por um motivo.»
Como imagina, não retiro grande satisfação de "ganhar" ou "perder". Se o Ludwig corrigir os seus erros, ele é o que mais ganha porque os corrigiu, e eu ganho no sentido em que fui útil a alguém. Se for ao contrário, e eu tiver que corrigir algum eventual erro meu, serei eu quem mais ganhará.
Isso de "ganhar" ou "perder" tem muito que se lhe diga. Procuro a verdade com tanto ardor e seriedade como o Ludwig.
«A tradução para hemorroidas não foi do Ludwig, e aparece em diversos sites de cariz religioso, e hemorroidas não são alegoria de coisa nenhuma!»
António, o que aparece "em diversos sites" vale o que vale. Depende dos sites! É como dizer-me: "isso aparece em vários jornais". Se nessa lata categoria, encontrarmos bons jornais misturados com maus, de que vale isso? Eu argumentei neste sentido: nenhuma tradução aceite da Bíblia, de todas a que tenho acesso (refiro-me a traduções com "imprimatur") usa o termo "hemorróida". Se alguém encontrar uma edição com "imprimatur" com essa tradução, eu terei que calar o bico e ver onde é que errei na minha argumentação.
«A alegoria é querer pagar com as ditas em forma de ouro. Este conjunto de expressões causa um considerável mal estar no Bernardo, pois, como já se viu, o Bernardo não quer que a "inteligencia" de todos os religiosos seja medida pela bitola desta conversa ridicula, pueril e acéfala das hemorroidas que os religiosos colocaram na biblia.»
Grave confusão acerca da minha posição, caro António.
Se o relato bíblico fizesse referência a uma grave crise de hemorróidas (dificilmente conciliável com a praga de ratos, enquanto que a tese da peste bubónica é conciliável), eu cá estaria para defender a sua veracidade.
Até lhe digo mais: causa-me mais horror, enquanto castigo divino severo, a aparição de quistos de peste bubónica do que umas inofensivas hemorróidas (por muito incómodas que sejam).
Sobre a facilidade em esculpir hemorróidas de ouro não falarei, uma vez que não sou escultor, mas parece-me difícil.
Mas o António passa ao lado da questão. Eu defendo que a Bíblia faz sentido, e que as histórias que lá aparecem fazem sentido. Apesar de a Bíblia ser um conjunto de textos com valor eminentemente doutrinal (que propõem ensinar doutrina), não nego o valor histórico dos relatos bíblicos, pelo que não tenho razões para suspeitar de que os pobres Filisteus não tenham sofrido desses tumores e não tenham esculpido quistos em ouro para oferecer a Deus como remissão da profanação da Arca.
Não há um só episódio na Bíblia que me faça tremer, ou recear por alguma coisa, excepto o livro do Apocalipse, que me faz pensar na Vida Eterna com algum cuidado, porque tenho pouco interesse em ver a minha existência confinada às profundezas do Inferno.
Dito de outra forma, não me envergonho (pelo contrário, orgulho-me) com nenhum trecho da Bíblia, e se dissesse hemorróidas no hebraico original, pois seria esse o texto.
O que me choca e me dá desconforto é o erro intelectual, seja ele qual for. Tenho horror a errar. E fico arrepiado com os erros dos outros (apesar de me arrepiar mais com os meus). Se a palavra está mal traduzida por um qualquer site na Internet para hemorróidas, e essa tradução está errada, a minha preocupação está em que um texto com erros está a ser lido como fidedigno.
Se fosse ao contrário, se em vez de "tumores" (a tradução que me parece ser a correcta), a tradução correcta fosse "testículos", aqui me veria a defender que os Filisteus teriam oferecido testículos de ouro.
Tenho poucos problemas em falar destas ou de outras questões relativas à fisiologia humana, e não me inibo com nenhuma parte do corpo humano. Porque razão o faria?
O desconhecimento geral faz com que, por vezes, se julgue que os hebreus eram um povo púdico. Não o eram. A mentalidade hebraica é muito mais directa e frontal do que, por exemplo, a tipicamente grega mentalidade gnóstica, que essa sim tinha horror ao corpo e às partes mais privadas do corpo.
«Este facto: O desconforto de um religioso inteligente (Bernardo) se sentir desconfortável com a conversa da treta da sua própria religião, é uma vitória do Ludwig.»
Se o acha...
«E se a inteligencia do Bernardo, o deixa desconfortável com a possibilidade de aquela conversa ser mesmo como o Ludwig a expôs»
Repito: o meu desconforto está apenas na possibilidade de eu estar errado. O que seria desagradável, mas que eu aproveitaria imediatamente para me corrigir e para aprender.
«imagine que alguém com a mesma inteligência do Bernardo, mas, a quem não foi feita a lavagem cerebral para a aceitação dos dogmas passar em claro, e tente vender-lhe o resto da conversa da biblia.»
Bom, mais devagar...
Lavagem cerebral? O que é isso?
Imagino que não trabalhe na área de psicologia. É que não existe tal coisa como "lavagem cerebral". Quer que lhe mande alguns artigos de Psicologia que falam sobre o assunto?
Ninguém "lavou" o meu cérebro. Eu gosto de fazer a auto-faxina cerebral a mim mesmo.
Depois, a sua incompreensão (nada rara nos tempos que correm) acerca do termo "dogma". Você interpreta "dogma" como "afirmação que não se pode questionar". Eu interpreto correctamente "dogma" como sendo o termo grego que significa "decreto".
No contexto da doutrina cristã, o dogma é uma verdade de fé. Não é inquestionável por ser dogma. É dogma porque é inquestionável. É típico de uma mentalidade moderna bastante baralhada o inverter da causalidade destes conceitos.
Segundo o Iluminismo positivista, convencionou-se isto:
Dogma => Afirmação Inquestionável
Na verdade, é assim:
Afirmação Verdadeira (e por isso, inquestionável) => Dogma
Há inúmeros exemplos. Partindo da tradição antiquíssima da Igreja de que Maria foi concebida sem o Pecado Original (um dia, explico-lhe porque é que tem que ser assim), o Papa Pio XII proclamou esse dogma.
Entende que a cadeia de causa-efeito é ao contrário do que julga?
As afirmações dogmáticas são dogmas porque são verdadeiras. Não é ao contrário!
«Estamos no caminho para o ateismo...»
Talvez...
Mas será esse o caminho verdadeiro? Isso é que interessa. O António não tem também horror à hipótese / possibilidade de as suas convicções estarem profundamente erradas? Não se auto-questiona? Não se interroga?
Eu faço-o diariamente...
«Basta não sermos condicionados a aceitar dogmas, para que toda a biblia nos cause a mesma repulsa que este episódio causa ao Bernardo.»
Meu caro, você também tem os seus "dogmas", só que falsos (porque apoiados em falsidades). Por exemplo, você tem o dogma de que Deus não existe (no qual acredita sem prova científica), tem o dogma do Progresso, agora mesmo manifestado (de que a Humanidade está sempre a evoluir em todos os sentidos), entre muitos outros dogmas que também terá, que não passam de superstições que lhe foram induzidas pela cultura reinante, à qual você não escapa, nem qualquer indivíduo em sociedade poderá escapar totalmente.
Por fim, este episódio de Samuel I, se me causa repulsa, é no sentido de que os patetas dos Filisteus se atreveram a profanar a Arca da Aliança, símbolo e canal da presença divina entre os homens. Espantosa asneira, e enorme a misericórdia de Deus, que lhes perdoou tal ofensa.
«As hemorroidas causam-me menos confusão do que o profeta do amor, espantar à paulada quem quer que seja de um espaço público, só por não gostar do que fazem (os vendilhões dos templos).»
Meu caro, Jesus Cristo tinha todo o direito de o fazer, visto que estava "em casa". Tem piada, porque iria jurar que o Ludwig estava indignado, precisamente, porque este episódio de Samuel I era mais uma prova da cupidez das religiões. O meu amigo sai agora em defesa dos vendilhões? É típico: o crente é preso por ter cão e por não ter... O que interessa é implicar.
«Este raciocinio do dito, extrapolado para os dias de hoje, implicaria eu ter o direito de espantar à paulada todos os fumadores, bimbos e chungosos da minha frente.»
Implicaria?
Não estou bem a ver como, mas deverá haver alguma demonstração lógica nesse sentido, na qual se está a apoiar. Pode expandir-se um bocado neste aspecto? Como é que demonstra que a história de Jesus lhe permite a si encher de pancada o próximo?
Cumprimentos,
Bernardo,
ResponderEliminarCreio que está a pregar à pessoa errada. Jogos de palavras a tentar colocar as mentiras da religião como verdades e como base da verdade onde diz assentarem os dogmas, comigo não funcionam. Não me condicionaram a aceitar jogos de palavras como provas de nada. Essa não funciona comigo! :-) Mas, foi uma boa tentativa!
A de Jesus achar que estava em casa, lamento discordar! É preciso provar que ele era quem quem dizia ser, e que os templos são dele ou do suposto pai dele. Ainda tem que me provar essas e muitas outras coisas, antes de poder vender que uma praga de hemoroidas não é uma obra de baixo nível intelectual. :-) E ainda por cima paga em ouro...
Bernardo,
ResponderEliminarO termo não vem traduzido assim em apenas alguns sites. Foi a tradução aceite pelo cristianismo durante muitos séculos. E ainda hoje em dia milhões de cristãos apoiam-se nas versão King James como sendo a mais fiável.
E se vamos corrigir possiveis erros de tradução, porquê não corrigir almah, que é o termo em Isaias 7:14 que originou o mito da Maria ser virgem. Mas esta palavra hebraica é melhor traduzida como mulher jovem, e faz mais sentido que alguém nasça de uma mãe jovem que de uma mãe virgem.
A palavra hebraica para virgem é betula, como aparece por exemplo em Deu 22:19. Se calhar estava na altura de corrigir o erro do grego que traduziu almah para parthenos e induziu em erro os autores do novo testamento. Ou nesse caso é preferível o erro à perda de rendimento do santuário de Fátima? ;)
António,
ResponderEliminarFala comigo como se eu tivesse qualquer obrigação educativa para com a sua pessoa.
Se quiser debater comigo, então cá estarei, para poder ajudar naquilo que posso.
Se calhar, queria a demonstração do Cristianismo em meia dúzia de linhas, aqui na caixa de comentários do Ludwig!!
Como compreenderá, tenho uma ocupação profissional, pelo que o tempo disponível para despender em debates deste tipo tem que ser controlado e restrito.
Se quiser debater alguma questão específica, esteja à vontade.
Para entrar em debates genéricos e inconsequentes, em espirais infindáveis de menosprezo pelo interlocutor, por favor procure outra vítima!
Cumprimentos,
Ludwig,
ResponderEliminar«O termo não vem traduzido assim em apenas alguns sites. Foi a tradução aceite pelo cristianismo durante muitos séculos.»
Esta frase é demasiado genérica para que eu a aceite. Qual dos ramos do cristianismo? Quais séculos? Quantos séculos?
«E ainda hoje em dia milhões de cristãos apoiam-se nas versão King James como sendo a mais fiável.»
Ludwig, eu aceito de bom grado que o termo "emerods" da versão anglo-saxónica do livro I de Samuel seja um termo usado há muito tempo. Possivelmente desde que o bom rei Jaime patrocinou essa versão anglo-saxónica.
Então, aceito de bom grado que muitos anglo-saxónicos terão sentido um mal-estar na ponta final do seu sistema digestivo ao escutar esta passagem.
Só que há muitos séculos que as Bíblias trazem notas de rodapé. Sobretudo quando falamos de Bíblias em vernáculo. A tradução da Torah para grego (a dita Septuaginta) já foi um quebra-cabeças. A tradução para latim (houve várias) foi complicada e deu trabalho para séculos. Com o vernáculo, ficou tudo ainda mais complexo.
Mas ler como leu o Ludwig, sem ligar patavina ao contexto (sem dar sequer a menor possibilidade à teoria da peste bubónica, nem se preocupar com a impossibilidade escultórica de reproduzir em ouro uma hemorróida), e mandando às malvas as notas de rodapé, que em várias versões anglo-saxónicas explicam que "emerods" deve ser lido como "swellings" ou "tumors", acho que a sua má-vontade está clara como água.
Sobre a virgindade de Maria, a Igreja não assenta os seus dogmas em alicerces frágeis. Acha que faz algum sentido definir um dos mais importantes dogmas numa tradução do hebraico?
Não vou entrar noutra viagem consigo pelo mundo maravilhoso do hebraico. Talvez noutra altura.
A virgindade de Maria é importante por duas razões que nada têm a ver com traduções:
a) a divindade de Jesus
b) a imaculada conceição de Maria
Por isso, a virgindade de Maria, assim como outras tantas questões doutrinais antigas como a noite dos tempos, existem suportadas numa míriade de argumentos, desde puramente históricos até aos teológicos, passando pelos testemunhos e pela tradição oral.
Muitos desses argumentos já os expus aqui, noutros comentários, e em textos no meu blogue. Torna-se exasperante repetir sistematicamente as mesmas centenas de palavras necessárias para explicar estes conceitos a pessoas que, provavelmente, nunca sequer abriram um catecismo para tentar compreender o conceito que querem criticar...
Se quiserem, se isso vos faz felizes, hoje vencem.
Mas por exaustão...
Um abraço
Hoje estou cansado.
ResponderEliminarTome lá com o São Jerónimo:
http://www.newadvent.org/fathers/3007.htm
Sobre a Innefabilis Deus, de Pio IX, que proclama o Dogma da Imaculada Conceição (não sobre a virgindade de Maria, mas sobre a sua concepção livre do Pecado Original):
http://www.newadvent.org/library/docs_pi09id.htm
Depois, para saber mais sobre Maria à luz da tradição:
http://www.newadvent.org/cathen/15464b.htm
O mais importante para o final:
http://www.newadvent.org/cathen/15448a.htm
Muitos ateus, no seu precário controlo da doutrina da Igreja, perdem a esmagadora maioria dos detalhes essenciais.
A concepção virginal de Cristo é a que melhor reflecte a estrutura da Santíssima Trindade, bem como a concepção católica da Criação, como refracção da luz-intelecto divino no plano da matéria informe, dando ordem ao caos.
Toda a doutrina é como um edifício inteiro e coerente: tira-se uma pedra importante, e tudo pode ruir.
Isto é pregar aos peixes, mas paciência...
Um abraço
Bernardo,
ResponderEliminarNão me preocupa se eram hemorroidas ou tumores, pela mesma razão que não me preocupo com a espécie do cão que perdeu o osso no rio, na fábula de Esopo. Não é um relato histórico, é uma fábula moralizadora.
O que me preocupa é a mensagem desta fábula, quer sejam tumores quer sejam hemorróidas. E a crença nestas coisas. Entre as quais incluo:
«A concepção virginal de Cristo é a que melhor reflecte a estrutura da Santíssima Trindade, bem como a concepção católica da Criação, como refracção da luz-intelecto divino no plano da matéria informe, dando ordem ao caos.»
Ludwig,
ResponderEliminarContinuo perplexo com a confusão que parece reinar na sua cabeça. Parece que quando eu falo sobre conceitos metafísicos, você não entende nada.
Eu sei que, não sendo especialista, posso ser menos claro aqui e acolá. Mas parece-me mesmo que o Ludwig não está a perceber patavina.
Isso choca-me: porque se acho razoável que você, entendendo a Metafísica, não a aceite, já não acho razoável que recuse algo que ainda não entende.
Vamos dar um exemplo: eu entendo perfeitamente as teorias racistas, que definem que a qualidade de um ser humano depende do seu sangue e da sua raça. Entendo-as, mas não as aceito. E não as aceito porque as considero como falsas, e isto por sua vez porque é fácil provar como são falsas (por exemplo, usando a genética).
A Metafísica é algo de perfeitamente inteligível (pode ser complicado para algumas pessoas, mas isso sucede com todos os ramos do conhecimento). Há teses falsas em metafísica e teses verdadeiras.
Aceitaria de bom grado que o Ludwig colocasse objecções a esta ou àquela tese. O que me faz confusão é que você:
1. Não parece estar a entender nada
2. Não faz um esforço para entender, seja:
a) colocando questões específicas
b) lendo obras de referência
c) reflectindo sobre os assuntos
Devo confessar que isto deixa-o muito mal preparado para este tipo de debates. Porque eu faço a toda a hora o maior dos esforços para tentar compreender essa posição intelectual indefensável que é o ateísmo, e afirmo claramente que a compreendo. Apesar de não a aceitar.
Eu sei que dá um certo estilo gozar com as minhas frases. E que esse estilo até faz fãs seus em certos comentadores que por aqui passam. Mas não deixa de ser uma atitude miseravelmente infeliz.
Sabe o que é que parece? Parece que algumas crianças de sete ou oito anos (que já sabem ler), pegaram num manual de Direito Penal e desataram na galhofa...
Não lhe peço que aceite uma só tese metafísica. Essas coisas não se pedem. Ou uma pessoa reconhece uma verdade como tal ou não consegue reconhecê-la. Peço-lhe apenas que seja objectivo. Para tal, TEM que conhecer as teses que está a querer refutar, e TEM que ser objectivo nessa refutação.
Um abraço
Bernardo,
ResponderEliminarO meu problema não é a metafísica em si. É aplicá-la ao que não é metafísico.
Por exemplo, nenhum argumento metafísico poderia justificar essas teorias racistas porque a questão não é metafísica.
Da mesma forma, nenhum argumento metafísico vai justificar concluir que uma mulher engravidou sem ter relações sexuais. Isso não tem nada a ver com a metafísica nem com a capacidade de reflectir a santissima trindade ou o que seja. Ou teve, ou não teve, e estar grávida é um forte indício que teve.
Ludwig,
ResponderEliminarEspantosamente, contra as minhas expectativas, parece que estamos a chegar a algum lado.
«O meu problema não é a metafísica em si. É aplicá-la ao que não é metafísico.»
Vamos por partes.
Não discutimos, para já, a aplicação de teses metafísicas a realidades metafísicas.
Vamos pegar no físico.
Vou dar um exemplo.
Jesus andou sobre as águas, diz a Bíblia
Ora o corpo humano é mais denso que a água. Logo, não se anda sobre as águas sem a ajuda de qualquer dispositivo flutuante (considerando que falamos de água com a densidade normal, que teria o Mar da Galileia, onde Jesus andou).
O que o Luwdig diz é: não usem a Metafísica para explicar o fenómeno mecânico da relação entre corpos de densidades diferentes. Concordo!!
As leis gerais da Física prevêem, e bem, que qualquer marmanjo que se lance ao Mar da Galileia, vai ao fundo. E irá. Podemos lançar milhões de gente ao Mar da Galileia, que não andam nem 1 centímetro sobre as águas. Afundam-se.
Por isso, a interacção do pé humano com a água é um fenómeno inteiramente físico.
Só que, no relato bíblico, estamos a falar de Jesus Cristo. Peço-lhe que acompanhe, por favor, o meu raciocínio, que farei em passos muito pequenos, para ajudar ao seu comentário:
Axioma: Deus é omnipotente: qualidade que lhe vem de ser o Criador de tudo o que existe. Logo, Deus é capaz de andar sobre a água sem se afundar nem um centímetro.
1. Se Jesus é Deus (isto é aceite pelo crente, por várias razões: confiança, tradição, educação, experiências pessoais, etc.), então é capaz de andar sobre a água (por favor, para já, tome isto como aceite)
2. Então, o fenómeno da interacção de um ser divino (metafísico na sua essência) com o meio aquático não é um fenómeno físico, mas sim "físico-metafísico"
3. O termo "milagre" representa, precisamente, uma violação das leis naturais devido a uma causa metafísica (ou usando um termo correcto, mas com mau nome, uma causa "sobrenatural").
4. Tal interacção do pé do Salvador com a água do Mar da Galileia é então um fenómeno cuja causa NÃO ESTÁ NO MUNDO NATURAL.
Deste modo, é impossível a um cientista reproduzir este feito. Ele não tem como provocar essa causa.
Logo, a tese "Jesus andou sobre o Mar da Galileia", usando a teoria da demarcação entre Ciência e Metafísica sugerida por Popper, é uma tese metafísica!
Regressamos ao início. Quando eu afirmo acreditar que Jesus andou sobre o Mar da Galileia, estou a fazer um enunciado metafísico. Os efeitos são físicos, mas a causa é metafísica. Por essa razão, a lei ordinária da Física é violada nesta situação.
Posso reproduzir tal milagre?
Não!
Porquê?
Porque não consigo reproduzir a causa que leva a esse efeito.
Popper concordaria comigo: a tese em análise é Metafísica.
Se quiser, podemos investigar outros milagres, mas o raciocínio será sempre o mesmo: são teses Metafísicas.
Normalmente, há duas atitudes que eu tendo a evitar, mas que são frequentes em vários crentes:
a) procurar eliminar o milagre (típico da heresia modernista): os que tentam eliminar o milagre diriam que o mar estava transformado, por qualquer fenómeno raríssimo, num lodaçal compacto; nos EUA, é mato isto: procurar desculpas para explicar os relatos milagrosos, de forma a retirar-lhes o que quer que tenham de verdadeiramente miraculoso
b) procurar manter o milagre, e sugerir explicações científicas: caminho espinhoso e arriscado!
Por vezes, dada a minha formação científica e a minha crença católica, sou tentado a seguir o b), mas tento evitar, porque pode ser um caminho repleto de obstáculos e ciladas.
Mas vou arriscar um pouco...
Sendo que Jesus Cristo é Deus em essência e Homem em substância, há uma situação única na sua presença corpórea neste Mundo. Essa situação de equilíbrio entre divino e humano, infinito e finito, é uma situação ímpar e única. Imaginar que o corpo de Jesus pudesse violar esta ou aquela lei da Física não me choca minimamente, uma vez que a realidade do mundo físico é aparente, porque apoiada na realidade do mundo metafísico.
Eis um esquema:
(plano físico) Causa física 1 -> Efeito Físico 1
(plano metafísico) Meta-causa
Ou seja, para cada relação causa-efeito no mundo físico, há-de existir uma meta-causa que faz com que tal causa física gere um determinado efeito físico. Quando um cientista estabelece uma lei física, e submete-a a testes, e tal lei é aceite por se adaptar às observações, o cientista descobriu, sem se dar conta, nessa sua lei física, o efeito no plano físico de uma meta-causa no plano metafísico.
Não sei se me estou a explicar...
O Ludwig pode dizer que tudo isto é totalmente irreal. Pouco me importa: importa-me que aceite, de uma vez por todas, que a Metafísica é um tema que pode apresentar uma notável coerência, não só interna, mas também com a observação.
Já todos sabemos que a coerência é uma condição não suficiente, mas necessária para a veracidade.
Mas eu já ficaria feliz se o meu amigo Ludwig fizesse como o bom Popper e colocasse as minhas ideias na caixinha das teses metafísicas, deixando cair esse seu erro de que o crente aplica a metafísica onde ela não é chamada.
Isso é um erro. Qualquer tese milagrosa é, por definição, metafísica. E é impossível de falsificar, de reproduzir, de testar. Está fora do alcance da ciência moderna, que é empírica por natureza.
Um abraço,
Ludwig (e também João Vasco),
ResponderEliminarHá muito séculos que homens de fé fazem observações empíricas. Antes do ateísmo ser elevado à condição de píncaro da intelectualidade (fenómeno tão exótico quanto recente), a esmagadora maioria dos homens de ciência eram crentes.
Por isso, as minhas ideias não são novas nem exóticas. Já o ateísmo é novo e exótico.
Se repararem, as minhas ideias condensam-se(numa forma ainda incompleta porque mal estudada) no catolicismo num formato tomista (de São Tomás de Aquino).
A única nuance fora deste quadro, inexistente tanto no catolicismo como na obra de São Tomás de Aquino, está no meu fascínio pela obra metafísica de René Guénon, que em pleno século XX, foi o único pensador que conseguiu na sua vasta obra codificar a Metafísica em linguagem acessível e ilustrar a sua espantosa coerência, comparando as doutrinas de várias religiões e culturas.
Voltando a São Tomás...
É bem sabido que o aquinate dedicou toda a sua vida a uma notável fusão entre Revelação e Filosofia, procurando concretizar aquilo que muita gente sempre defendeu:
=>A Revelação não pode contradizer a Observação.
(Na cultura islâmica, destaca-se Algazel, que desempenhou um papel semelhante nesse contexto)
São Tomás de Aquino, como poucos filósofos ocidentais da nossa era, compreendia a Verdade como adequação do intelecto à realidade. São Tomás procurou ver a realidade como um todo, físico e metafísico, uma hierarquia do real, sem contradição interna, na qual cada fenómeno pode ter uma causa imediata no seu plano (o fenómeno físico ter causa física), mas terá sobretudo uma causa metafísica. Os níveis existenciais mais elevados determinam os menos elevados.
Aliás, a raiz etimológica do termo latino "existere" denota a dependência (prefixo "ex") ontológica que todo o ser tem de algo que o transcende na hierarquia do real.
Por isso, não há nada de exótico nem de extraordinário nas minhas palavras, que representam (mal ou bem) ideias que têm sido defendidas por algumas das mais brilhantes mentes que a Humanidade conheceu, de um brilho tão notável que reduz o meu intelecto à insignificância do pó.
Um abraço
Bernardo,
ResponderEliminarA física descreve aspectos da realidade. Uma descrição nunca pode ser violada. Ou corresponde à coisa descrita (é verdadeira) ou não corresponde (é falsa). Podemos quantificar essa correspondência (margens de erro, intervalos de confiança, etc), mas nunca podemos falar de violação nesse sentido que lhe dá tanto jeito.
A questão do caminhar sobre a água, de engravidar virgem e dos milagres em geral é simples. Ou está de acordo com a descrição que a ciência nos dá, e não têm nada de especial, ou não estão de acordo com essa descrição e então a descrição está errada e precisamos de outra.
Não há nada aqui de metafísico.
A metafísica, hoje em dia, é o conjunto de descrições demasiado imprecisas para ver se estão certas ou erradas. O que existia antes do big bang, a consciência, vontade livre, etc.
Mas note que isto não é uma categoria fixa. Na maior parte dos casos é uma designação transitória. Quase tudo o que faz parte da ciência hoje em dia fez antigamente parte da metafísica.
Todas as teorias científicas são propostas como entidades eternas e imutáveis mas intrinsecamente ligadas à matéria, exactamente a definição de metafísica de Aristóteles. A teoria da relatividade, a teoria da evolução, as leis de Maxwell, a termodinâmica, tudo isso seria para Aristotles metafísica: verdades eternas e imutáveis intimamente ligadas à matéria.