quarta-feira, agosto 01, 2007

Chulice.

O João Vasco defendeu que o copyright, tendo muitas desvantagens, ainda assim tem a vantagem de resolver o problema do free riding, o usufruto de um benefício sem contribuir para o seu custo ou em detrimento de outros. O António usou o termo chulice, mais coloquial mas igualmente correcto. E a chulice pode ser um problema.

É chulice uma fábrica poluir sem ser punida por isso. É chulice porque a poluição é uma parte do custo real do fabrico, e é paga pelos que levam com a poluição e financiam aterros, reciclagem, ou o que for preciso para minimizar as consequências. Mas há chulice e chulice. Em 1905 Einstein era empregado no gabinete de patentes de Berna e escreveu três artigos científicos dos quais, directa ou indirectamente, muitos milhões de pessoas hoje beneficiam. O António diria que isto é uma chulice monumental. O João Vasco que somos todos free riders do intelecto de Einstein e dos contribuintes Suíços do início do século XX. E é verdade. Beneficiamos de algo pelo qual não pagámos. Mas mesmo que seja chulice, é bem diferente da outra.

A chulice do dono da fábrica obriga os outros a pagar. Ninguém obrigou Einstein a fazer seja o que for. O dono da fábrica impõe um custo aos outros. As televisões, GPS ou painéis solares não custaram nada a Einstein. Beneficiar de um acto voluntário sem prejudicar ninguém é uma chulice perfeitamente aceitável. Esta chulice não é um problema. O problema é incentivar a criatividade.

Teria Einstein feito avançar a ciência mais cinquenta anos se lhe tivessem pago melhor? Teria Beethoven escrito melhores sinfonias se tivesse sido milionário? Não me parece. Por outro lado, Camões talvez tivesse escrito mais se não vivesse na miséria. Mas o benefício de um incentivo não é proporcional ao número de vendas, o realizador que ganha vinte milhões faz um filme mil vezes melhor que aquele que só ganha vinte mil, e nem a popularidade é um indicador fiável de mérito. Muitas vezes, só séculos mais tarde se descobre um génio por quem ninguém deu nada enquanto era vivo, ou que aquele que todos louvavam não valia a ponta de seja o que for.

Por isso, que se incentive os artistas dando oportunidades e condições para criar arte. Mas não se faça da arte um negócio milionário proibindo mil e uma coisas. Compete à sociedade cobrir o custo da produção artística. O lucro que fique a cargo de cada um. Afinal, os futebolistas também ganham milhões, e sem leis especiais. O problema, como apontou o João Vasco, é que a participação voluntária pode não chegar para cobrir o custo de uma obra de arte. Se um filme custa dezenas de milhões de euros muita gente vai ficar à espera que sejam outros a pagar, e assim nunca haverá filme.

Julgo que o problema é menor do que parece. Estes preços exorbitantes são o inchaço natural de qualquer monopólio. Mas, seja como for, só há uma maneira de resolver a chulice de quem espera que os outros paguem para depois se aproveitar. É obrigar a pagar. Seja por impostos, cobrando uma taxa, com as restrições e ameaças legais do copyright, ou de qualquer outra forma, o efeito terá sempre que ser obrigar a pagar quem de outra forma não o faria.

Com uma taxa ou imposto ainda podemos ter um financiamento transparente e controlado. Sabemos quanto se gasta e para quem vai. O copyright, além de encarecer o produto, consome recursos em fiscalização e processos legais. É desonesto, porque pouco dinheiro vai parar à pessoa certa, e muito vem de quem só descobre que o filme é banhada depois de ter pago o bilhete, ou de quem compra 19 músicas de porcaria só para ter aquela de que gosta. Nem se sabe exactamente quanto custa nem que benefícios nos traz. E é o contrário do que queremos incentivar.

Queremos incentivar o progresso, que é chular os antepassados para que os descendentes chulem mais e melhor. Mas é uma chulice boa. Uma chulicezita. E para haver progresso queremos incentivar a criação de obras que sirvam nas criações seguintes. Queremos inovação que se possa usar agora e não daqui a um século.

Chulice a sério é usarem os nossos impostos para nos ameaçar de prisão se mexermos na obra sem autorização de quem nem a criou, e enquanto não passarem cinquenta anos da morte do criador. Maior chulice que isto só com mini-saias e esquinas para todos os Portugueses.

6 comentários:

  1. Ludwig,

    Aqui bateste noutro ponto errado.
    Os impostos não podem financiar cultura.
    A Maria João Pires tem tanto direito a subsidios como o Toy, e eu recuso-me a pagar a qualquer um deles. Não me interessa quantos portugueses podem benificiar da existência dos dois. Pior que isso, é que eu também tenho direito a considerar a minha musica cultura. E qual é o critério que usariam para dizer que não tenho direito em deterimento de um Toy ou uma Maria João Pires?
    Concursos são treta... Já vi vencedores de concursos serem absolutos zeros em todos os níveis, basta que o juri tenha peneiras intelectualoides para preferir uns em deterimento de outros.
    A cultura deve ser financiada por criar coisas novas? Se for esse o caso, os interpretes ficam de fora pois só tocam o que outros criam.

    O estado não tem que escolher a cultura. A cultura é o que o povo quer. A maneira de saber o que o povo quer é permitir que o demonstre, indicando quanto do seu trabalho estão dispostos a dar em troca de algo. Trabalho é dinheiro, e por isso, o que cada um paga pela cultura é a indicação do que ela vale. Não é cá uma qualquer treta de escolha estadual. Se o estado só escolher financiar cultura que não me interessa qual é a moral que tem para me cobrar dinheiro para financiar essa cultura?
    Até no que o mercado regula, o estado usa sempre os compadrios para escolher o destino dos gastos. Não é uma questão de corrupção. A lei permite e não há forma de o impedir, nem com novas leis, pois há sempre factores subjectivos em tudo. A cultura é tudo menos objectiva, por isso não pode ser financiada por nenhum estado.

    ResponderEliminar
  2. António

    «Os impostos não podem financiar cultura. A Maria João Pires tem tanto direito a subsidios como o Toy, e eu recuso-me a pagar a qualquer um deles.»

    Pagas em cada DVD gravável, em cada fotocópia, em cada gravador de DVDs. Pagas sempre que vais a um bar ou discoteca. Pagas todos os meses na taxa de radiodifusão. Pagas na conta da TV Cabo.

    Mas nesses ainda se pode calcular quanto pagas e para quem vai o dinheiro (não é para o artista, é para a editora do Toy). Pior é a fatia dos teus impostos que vai para os agentes da ASAE e da PJ andarem pelas feiras à cata dos piratas que vendem álbuns do Toy. Quanto mais caro o bilhete do concerto menos o artista precisa deste subsidio policial, por isso aqui não ajudas nada a Maria João Pires. Nem fazes ideia quanto estás a pagar, quem recebe, nem o que estes agentes poderiam estar a fazer de mais produtivo. Estas decisões são tomadas sabe-se lá por quem, por quê, ou para quê.

    «O estado não tem que escolher a cultura. A cultura é o que o povo quer.»

    Errado. A cultura não é o que queremos. É o que temos e podemos usar livremente como parte do conhecimento colectivo que partilhamos. O que esta lei faz é criar um intervalo de uns oitenta anos entre a criação de uma obra e o dia em que se torna cultura. E isso é um disparate.

    O estado não tem que escolher a cultura melhorando a educação nas artes. Mais escolas superiores de música e teatro nas escolas secundárias trariam muito mais benefícios à cultura que fechar sites de partilha ou prender feirantes. O Toy tem tanto direito à educação musical como qualquer um de nós, e mais falta dela que muitos.

    Mas a função principal desta taxa, que substituiria os gastos no sistema jurídico e policial de copyright, era ajudar aqueles projectos artísticos que precisam de grande financiamento. E só se isso for mesmo necessário. Eu falei nisto porque acho que eu e o João Vasco estamos de acordo em quase tudo menos na forma como se poderia financiar um filme caro se a participação é voluntária. Eu penso que o problema é pequeno, porque o preço dos filmes não é um custo real, mas é 95% mama. Mas mesmo que haja algum problema, pode ser resolvido desta forma. Uma taxa de partilha de filmes, por exemplo. Como o Miguel Caetano já mencionou várias vezes no Remixtures. Não é nada que não se faça já, é muito mais transparente que a PJ e a ASAE, muito mais fácil de canalizar para onde interessa, e sem a desvantagem de atrasar a inovação quase um século.

    ResponderEliminar
  3. epah eu concordo contigo nesta questão do copyright, só não sei é se o caminho certo para o resolver passa por acabar com ele. eu penso que uma solução de compromisso, onde o copyright tivesse uma validade de 5, 10 anos, seria talvez mais útil para unir quase toda a gente contra as sangessugas das editoras e produtoras, não?

    ResponderEliminar
  4. Ricardo,

    Também não me parece que o pessoal vá acordar um dia e deitar fora o copyright sem mais nem menos. Mas a redução do prazo é pouco provável...

    Penso que o primeiro passo vai ser deixar de parte o uso pessoal e para fins não lucrativos. Em muitos países isso é uma excepção, e basta incluir a partilha nas actividades permitidas para resolver o problema de ter tantos processos a gastar recursos legais. Além disso as discográficas já começam a perceber que processar clientes é mau para o negócio. Por isso mais uns anos e penso que o problema vai ser muito reduzido.

    Mas é bom que o copyright desapareça porque uma grande desvantagem é a forma como deturpa a arte e a cultura. Até ao final do século XIX a arte era muito mais participativa. Alguém fazia uma coisa, outros modificavam-na, e ia evoluindo enquanto se espalhava. A tecnologia do século XX tornou isto difícil, mas no século XXI já é novamente fácil fazê-lo, e faz-se cada vez mais.

    Quando o creative commons, copyleft, e essas coisas começarem a dominar o copyright deve desaparecer. Não se aceitará direitos exclusivos.

    Quanto à melhor maneira de acelerar o processo, não sei. Eu aqui é mais para desabafar das coisas que me chateiam :)

    ResponderEliminar
  5. Tanta discussão sobre o Estado financiar os artistas quando o pagamento voluntário das pessoas ao artista não lhe permitisse sobreviver...

    Mas essa é a chave da questão! Quantos rapazes não querem ser futebolistas? A grande maioria não o consegue ser. Vamos dar-lhes subsídios por isso?

    É o mercado a funcionar, como em qualquer outro sector. Quem não consegue sobreviver, tem de se afastar...

    PS: Sugestão, põe nos comentários a data em que foram feitos em vez da hora, dá mais jeito.

    ResponderEliminar
  6. Obrigado pelo comentário e pela sugestão. Na verdade, nunca me tinha lembrado de mudar a configuração para mostrar a data nos comentários...

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.