quarta-feira, julho 25, 2007

Experiência... mas de quê?

Uma justificação para a fé religiosa é que não podemos ter evidências de algo que nos transcende, e por isso é necessário acreditar. Curiosamente, outra é precisamente o oposto: tem fé quem já sentiu a presença divina. O leitor que assina «NCD» comentou (1):

«ó Ludwig, o problema é que para quem viu os mamilos da lontra não vale a pena insistir na ideia que eles não existem.
Por muito estranho que isto possa parecer as pessoas que acreditam em Deus não o fazem porque os condicionaram a isso de uma forma ou de outra mas porque O experimentaram, [de] uma ou de outra forma.»


Mas a forma é quase sempre a que aprenderam em criança. A experiência dos Hindus não é Cristo, dos Muçulmanos não é Buda, dos Cristãos não é Allah. Mas há um problema mais fundamental. Para afirmar ter visto mamilos de lontra é preciso saber duas coisas: o que são lontras, e o que são mamilos. Por isso a quem diz ter tido uma experiência directa de deus pergunto: o que sabe desse deus para o reconhecer?

Não peço provas irrefutáveis. Peço apenas uma forma de distinguir entre sentir mesmo um deus ou julgar que se sentiu um deus mas ser engano, epilepsia no lobo temporal, ou outra coisa qualquer. E aqui costuma entrar a desculpa do amor: sentir deus é como estar apaixonado. Se estamos, sabemos o que é, e a quem não está não se pode explicar. É sempre comovente, esta explicação.

Mas não satisfaz. A paixão é um estado interno. Claro que senti-la diz-nos muito acerca do que sentimos. Mas considere-se tudo o que vem associado e que imaginamos acerca do objecto da nossa paixão. O seu carácter, a sua lealdade, a simpatia, como somos feitos um para o outro, e tantas outras coisas que, se nos fiarmos só na paixão, nos vão meter certamente em maus caminhos. Até a sua existência. Lembro-me, em miúdo, de estar apaixonado por uma princesa de um filme qualquer. A paixão era real. A princesa nem por isso.

«A experiência deles não lhe serve? O problema é seu. Não me verá tentar fazer nenhum ateu mudar de opinião. Já estive desse lado e sei que a mudança é pessoal. Mas não nos insultem.»

Mudar de opinião é pessoal. A questão é acerca do que justifica mudar ou manter uma opinião. Mas como não quero insultos proponho um acordo. Não me vou sentir insultado quando me disserem que por uma experiência pessoal se sabe que deus é Jahvé, teve um filho que era ele próprio, nasceu de uma virgem, morreu, ressuscitou, e entretanto o papa é infalível. Em contrapartida, não se ofendam se eu disser que isso é treta.

1- E se não for?

14 comentários:

  1. Ludwig,

    Além do religioso apaixonado, que é o NCD, que me parece apaixonado pela princesa irreal e que provavelmente sente a necessidade de ter uma religião, como algo que lhe equilibra a vida, existem outros tipos de religiosos que já aqui nos apareceram, com motivações distintas, e que não sei como encaixar nessa coisa da experiencia. O anónimo ausente, é um manipulador, e está nisto pela sensação de poder, e porque ele só se realiza a pensar que com a conversa consegue rebaixar os outros, mas, foge sempre que começa a "apanhar" (um dia destes havemos de falar naquele metodo de discurso dele, que parece funcionar bem com os mentecaptos que pensam que alguem falar de forma arrogante e a cuspir referências decoradas e distorcidas é uma vitoria num debate). Há ainda os que rebanham (que raio de experiência podem estes julgar que tiveram?!), há os que seguem mecanicamente, e outras "experiências", todas diferentes, mas, que eles querem catalogar como sendo do mesmo. Já nem vou falar da incoerencia que isto representa.

    A mesma senhora que me atazanou o juizo nas aulas de religião e moral, perdeu de vez a possibilidade de me converter quando resolveu ir para uma daquelas provas estupidas da crendice, e mostrou a "fotografia" de infra-vermelhos em que um parvo qualquer alemão tinha visto o rosto de cristo quando fotografava uma montanha algures, e que nessa altura ele tinha sentido a presença de jesus, e se tinha tornado crente. Como todas as fantochadas, aquele processo também tinha uns preceitos estupidos em que a senhora dizia vêr quem eram os verdadeiros crentes, e separou a turma entre os que já tinha conseguido vêr jesus naqueles borrões, e os que ainda não... Alguns à primeira outros a enésima tentativa iam passando para o grupo dos crentes. A única coisa que eu fazia era vira a fotografia de todos os angulos, e tentar imaginar ali uma cara, fosse de quam fosse... A aula acabou comigo sozinho a deprezar aquela parvoice de um lado e os tótós do outro a dizerem que viram algo que não estava lá!
    A "estória" é real, mas, agora talvez tu me consigas explicar, se por acaso aquela minha experiencia não prova que não existe deus, jesus, ou espirito santo algum? :-)
    É que eu experimentei a ausencia total destas coisas. Será que a minha experiência é menor que a dos outros? Eles experimentam, e pronto, temos deus, eu experimento e... olha não há deus, mas, eles não acreditam. E aquela dezena de alminhas gozou por eu não ter visto nada. Não é estranho?
    Estava capaz de jurar que experimentei burrice e estupidez colectiva naquele dia, pois só a mim me incomodou a tentativa de me manipularem.

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  2. Antonio:

    Não fales no "ausente". Dás-lhe uma boa desculpa para voltar.


    Ludwig:

    Um amigo enviou-me esta referência: http://www.bidstrup.com/mystic.htm

    Que te parece?

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  3. António

    O mais curioso nessa "estoria" é q provavelmente muitos dos que estavam do lado dos que tinham visto, na realidade n viram nada.

    Simplesmente tb n tiveram coragem de se diferenciar do grupo.

    Isso é um bocado o que se passa com a religião: como todos nós temos necessidade de aceitação num grupo, a religião é uma forma fácil de conseguir essa aceitação.

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  4. Essa "estória" lembra a o conto d'"O Rei vai Nu". Alguns viam mesmo o fato, outros diziam que viam sabendo que não o viam, outros estavam na dúvida se o viam.

    A única coisa implausível no conto é que a reacção à observação do miúdo não tenha sido um riso paternalista em relação às qualidades que a criança ainda deveria desenvolver até finalmente poder ser capaz de ver o fato.

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  5. João,

    Efectivamente apenas o paternalismo ridiculo distingue as duas situações... Nunca tinha pensado na coisa por esse prisma.
    Efectivamente a religião conta com a aceitação do que não é visível e palpável, e até por vezes o contrário do que esté visto e provado, tipico de situações de "rebanho".

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  6. Acho que vale a pena informarem-se sobre a paralisia do sono. Já me ocorreu uma vez. Na cama não conseguia mover-me nem falar e via uma figura à minha frente, pensando ser o meu irmão. Tentando enxergar, a paralisia desapareceu e reparei que onde estava o meu irmão estava apenas a TV. Há povos que nessa situação vêem gnomos, vampiros, demónios e mulheres monstruosas por cima do peito (sente-se uma pressão no peito). Há também quem pense estar a ser violado ou ser vítima de experiências extraterrestres (desde que surgiram BDs e filmes de ficção científica). O que vemos depende da cultura e daquilo que acreditamos.

    «separou a turma entre os que já tinha conseguido vêr jesus naqueles borrões, e os que ainda não...»
    Existem experiências psicológicas que explicam isso:
    1) Sugestão. Há programas no Discovery Channel sobre isso. Por exemplo:
    a) pessoas que convencem-se terem visto extraterrestres num passeio guiado, mas que gravavam o que viram com uma câmara num capacete, revelando que as suas memórias foram adulteradas pela sugestão.
    b) Uma rapariga que passou a acreditar, contando até pormenores adicionais, de ter estado com um professor perto do Monte de Rushmore, por causa de uma foto-montagem.
    (Uma mulher acusou um homem inocente de violador. Por causa disso, a maneira como são mostradas fotos às testemunhas foi mudada.)
    c) Adolescentes sentiam experiências espirituais perto de uma casa abandonada, excepto um rapaz apesar de esforçar-se. Era um psicólogo e mágico que os influenciava para uma experiência.
    2) Conformismo.
    a) pede para um grupo de pessoas escolherem a linha mais pequena desenhada numa folha. Os que estão combinados dão a mesma resposta absurda. O sujeito testado escolhe a mesma!
    b) ao sujeito pede-se para avaliar um indivíduo (combinado). Se este último errar numa resposta, o sujeito deve pressionar um botão para electrocutá-lo (quem supostamente recebe o choque apenas representa sofrer). Apesar do enorme sofrimento mostrado pelo tal actor, o sujeito continua a desempenhar a tarefa sem questionar!

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  7. Eu acho que nestas coisas de experimentar Deus e' como experimentar sonhos enquanto se dorme:

    Se qnd experiencias algo nao consegues partilhar a experiencia (partilhar com um ateu, por exemplo), e se essa experiencia so esta' a acontecer dentro da cabeca do crente que experiencia seja o que for (chamem-lhe amor ou la o que eles quiserem), entao vai para o saco onde os sonhos estao:

    Coisas imaginarias que se passam na cabeca de cada um.

    Tem funcionado bem pq por mto que esse amor seja real para eles, tb o sonho foi real para mim, enquanto sonhava e dormia... lol. ;)

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  8. Pedro,

    Entre a sugestão e o conformismo está a explicação, mas, tal como naquela altura, a sugestão tem que ter uma fonte muito forte, e depois o rebanhar já é uma coisa de grupo.
    Mais do que uma imaginação delirante a comandar as outras, eu aponto mais para uma entidade manipuladora, que até pode não acreditar, mas, que sabe que essa é a forma de induzir os outros. Naquele caso acho que foi esse o caminho que a senhora seguiu. Pensou que por mera humilhação conseguia dobrar a pessoa errada, o que ela não percebeu é que eu era ateu, e por isso não me sentia compelido a rebanhar com os outros, e se não houvesse uma cara naqueles borrões a coisa não ia lá. Por isso é que eu gozei com o facto de ter sido uma experiência de ausencia de deus. :-) Para mim, tão válida como os delirios de alguns crentes, ou a experiência que dizem sentir de deus. O curioso é que se alguém tem a experiência de deus não existir, torna todas as outras meros casos de histerismo, porque se como dizem deus está em toda a parte, e em todos nós, não há maneira de sentir que não está lá... Deus não pode ser só verdade para uns, senão a definição de deus vai por terra.

    Eu estou na mesma sintonia que o calhandro neste caso. Eu explico o que sinto, e disso tiro elações, outros negam essa explicação, numa atitude de defesa, pois na realidade a unica coisa que até hoje vi foi conformismo, sugestão, sorte, etc.

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  9. João Vasco,

    Qual dos ausentes é que referiste? O ausente "aquele de quem não posso dizer o nome aqui" ou o anónimo?
    O primeiro nem o referi, o outro, anda cá a lêr todos os dias e nunca precisou de pretexto para aparecer. A unica coisa que lhe interessa é despejar verborreia contra a ciência e dizer que tudo surgiu como ele defende. É a unica coisa que ele sabe fazer.

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  10. ok. Era equívoco meu. Agora está esclarecido e até faz mais sentido.

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  11. E aqui costuma entrar a desculpa do amor: sentir deus é como estar apaixonado. [...] Lembro-me, em miúdo, de estar apaixonado por uma princesa de um filme qualquer. A paixão era real. A princesa nem por isso.


    Maravilhoso, ó Ludwig, mas é mesmo isso!!! :)

    É esse realmente o mistério e a maravilha... EU sou TU e TU és EU!... Amor-Vida, único Céu!!! :D

    O problema são as palavras, Ludwig, tanta e tanta incompreensão elas geram... mas isso vai acabar, pois basta experimentar, bota fora o discursar!!! :)

    Love is Real... don't we feel? Life is here... what's most dear?

    Deus é apenas a mera designação onde se encerram... abrem!... esses dois conceitos únicos, os pilares da nossa vivência, para os quais não basta a ciência... sentimento mais inteligência!!! :)

    Porque esse Príncipe do Amor... que é absolutamente real!... somos NÓS... I AM my own Love, my highest God above!

    Melhor dizendo... dentro... dentro... DENTRO!!!... a cada instante e momento!!! :)

    E deixa lá o lobo temporal... ou frontal e occipital... o Amor é TÃO real... seja humano ou divinal... terreno ou celestial... imanente ou transcendente... o Deus/Amor é a gente!!!!!!!!!!!!! :D

    Quem compreende esta simplicíssima e indizivelmente maravilhosa afirmação de Kabir, o tecelão do amor, na canção do seu Senhor?

    When you really look for me, you will see me instantly —
    you will find me in the tiniest house of time.
    Kabir says: Student, tell me, what is God?
    - He is the breath inside the breath!


    This is IT... THIS IS IT!!! :)

    Instantaneamente a todo o momento...

    Rui leprechaun

    (...a Presença respira nesse alento!!! :))


    PS: Yes!... crazier than ever... Love reigns forever!!!!!!!!!!!!!!!!!! :D

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  12. «Love me love me
    say that you love me
    fool me fool me
    go on and fool me
    ...»
    Lovefool, The Cardigans

    «A prudência e o amor não se fizeram um para o outro; à medida que o amor aumenta, a prudência diminui»
    François La Rochefoucauld

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  13. Love!... Agape, Prema, Bhakti...

    ...NOT Passion!... Eros, Kama! :)


    Kabir says: Listen to the word spoken in every body!


    (The breath within the breath... Life beyond death!!! :))

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