Preço e valor.
Diz-se dos economistas que sabem o preço de tudo e o valor de coisa nenhuma. Faz sentido. Se alguém paga dois mil euros por um fato Valentino sabemos que o preço é dois mil euros. Não sabemos nada acerca do valor do fato, nem interessa. Normalmente não há confusão.
Excepto quando se discute o copyright. O João Vasco e o António apontam o preço dos filmes de cinema e da gravação de discos como factores a favor desta legislação. Um disco pode custar duzentos mil dólares e um filme de Hollywood custa em média sessenta milhões. Mas isto são preços, consequência dos monopólios que a lei confere. Não indicam o que devia ser. Apenas descrevem o que é, e não podemos justificar uma lei por fazer as coisas como são. Se assim fosse qualquer lei se justificava. Temos que justificar uma lei por tornar as coisas melhor que seriam com outra lei. Precisamos de valores.
O valor é subjectivo, mas numa negociação equilibrada podemos confiar num acordo justo. Podemos deixar o mercado decidir. Fatos a dois mil euros? Se há quem queira, não há problema. Problema é a transação assimétrica, como na saúde ou bens essenciais, quando um dos lados tem a faca e o queijo na mão. E como em tudo o que é coberto por direitos de cópia.
A exclusividade de cópia desequilibra o que seria uma negociação equilibrada. Se o cozinheiro não trabalha é despedido. Se não recebe vai cozinhar para a concorrência. Como ninguém é dono das receitas, o cozinheiro e o patrão negoceiam em igualdade. Mas o músico está tramado. Steve Albini, músico e jornalista, tem um artigo interessante onde relata a relação típica de uma banda com uma empresa discográfica (1). Feitas as contas, a banda recebe um adiantamento de 250 mil dólares, mais 50 mil da digressão, mais 40 mil de outras fontes. Disto descontam os custos de gravação e outros. Vendido um quarto de milhão de discos a discográfica tem um lucro de setecentos mil dólares, produtores e agentes recebem mais duzentos e cinquenta mil e a banda ainda fica a dever dinheiro, que será descontado no próximo álbum.
A possibilidade de privar o artista de todos os direitos sobre a sua obra permite ao distribuidor controlar o processo. A arte torna-se produção e promoção, uma fábrica de cópias onde o artista é matéria prima sem poder de negociação. É claro que o preço de produção é elevado. Com este sistema, gravar um disco vai ter sempre um preço igual à fatia que caberia aos artistas. É assim que industria recupera o adiantamento.
E não é verdade que os músicos só assinam se quiserem. O controlo da publicidade, das redes de distribuição, até do que toca na rádio torna quase impossível um artista vingar sem vender tudo a uma empresa discográfica, ou um filme ter sucesso sem o apoio de grandes estúdios e distribuidores. Só agora com os novos meios de distribuição é que isto começa a mudar, mas sempre contra a pressão constante da indústria.
O preço de produção não justifica a lei porque não é o valor do disco, da música, ou do filme. Não é o objectivo da legislação. É só a quantia que quem controla a obra consegue extorquir a quem a criou, e é a lei que o permite.
1- Steve Albini, The Problem With Music
Gostaria de ver o seu comentario a esta noticia:
ResponderEliminarhttp://www.msnbc.msn.com/id/19956961/
Ludwig:
ResponderEliminarEu nunca defendi nenhuma lei em função de "ser assim".
Expliquei as minhas dúvidas em relação a algumas coisas que tu dizes e fundamentei-as com aquilo que creio serem bons argumentos.
Modéstia à parte.
Posto isto, posso continuar a assistir à discussão.
Pensarcusta,
ResponderEliminarSim, é uma notícia interessante. Ainda estou indeciso acerca da treta desta semana (houve tanta treta esta semana... :)
João,
Explicitamente, não. Mas implicitamente tem havido muito este argumento. Ou porque o custo de fazer um filme/disco é alto (é alto por causa do monopólio que a lei confere), ou porque o modelo de negócio é diferente (é diferente por causa da lei), ou porque é assim que incentivamos os criadores de obras (só destas, e não de muitas outra, e também por causa da lei).
Penso que não vi nenhum argumento bom a favor da lei porque não vi nenhum argumento que justificasse a lei. Apenas apontam consequências da lei, e isso não é justificação por si.
O teu exemplo do fogo de artificio resume-se a isto: a empresa oferecia o espetáculo se as pessoas pagassem 8 euros cada. A maioria não quis pagar, não houve espetáculo. Isto também não justifica uma lei. Se não querem, não há. Fazer o espetáculo com a intenção de processar quem olhar sem pagar é que era inaceitável.
Finalmente, quem defende esta lei evita sempre falar dos dois problemas fundamentais: da impossibilidade de definir o que é a cópia quando lidamos com codificações digitais arbitrárias, e do problema prático de proibir por lei algo que qualquer pessoa pode fazer com um click e cujo prejuizo é só uma alegada perda em relação ao que teria sido se a pessoa comprasse o que obteve de graça. Quando ninguém tem a obrigação de comprar seja o que for...
Ludwig:
ResponderEliminarMas aí está o teu erro.
Estás sempre a assumir que eu estou a defender a lei. Mas o meu argumento nunca é esse.
Aquilo que eu pretendo sempre contradizer é a tua ideia que vens defendendo segundo a qual abolir a lei não terá nenhumas consequências negativas. Terá.
Pode ser a melhor alternativa, pode ser que as positivas ultrapassem as negativas, isso é outra discussão. O que não podes é dizer "ena! Sem esta lei, todos poderiam ver o espectáculo de fogo de artifício da PimPamPum sem que existisse um monopólio por parte desta!"
Ora isso creio que é falso. Poderão ver muitas coisas, e haverá menos monopólios, mas alguns espectáculos deixarão de ser feitos... Para um certo tipo de espectáculos que as pessoas gostam muito de ver, um sistema sem copyrigth não será capaz de criar incentivos suficientes para a sua criação.
Ah,
ResponderEliminar«Aquilo que eu pretendo sempre contradizer é a tua ideia que vens defendendo segundo a qual abolir a lei não terá nenhumas consequências negativas. Terá.»
OK, então estamos de acordo que o copyright como lei deve ser abolido, ou, no máximo, manter-se como um sistema de regulação do comércio que não interfira em actividades pessoais. É isso?
Felizmente, penso que ainda estamos em desacordo numa coisa importante (felizmente, porque é mais curtido discordar :)
Tu dizes que é mau que deixe de haver certos espetáculos que as pessoas não querem pagar. Mas é mau em que sentido?
Se fosse algo de necessário ou que servisse o bem colectivo, podia concordar. Ninguém quer pagar impostos, mas é melhor para todos que o façam. Mas para mim tudo aquilo que justificar impôr regras para eliminar os free riders justifica ser pago pelos impostos. É esse o sistema ideal para financiar essas atividades para o bem colectivo.
Agora se é uma actividade que uns gostam e que ficam chateados porque a maioria não quer pagar, então azar deles. Mas é melhor isso que obrigar a maioria a pagar.
Assumindo que alguns espectáculos precisam do copyright, eu divido-os em dois tipos: os de interesse cultural que merecem um investimento público, e os que não merecem e que, por isso, também não merecem legislação especial.
Como distinguir? É um problema, mas aí o copyright é ainda pior, porque considera que é tudo a mesma coisa. Mas vale uma distinção imperfeita que pôr tudo no mesmo saco.
«OK, então estamos de acordo que o copyright como lei deve ser abolido, ou, no máximo, manter-se como um sistema de regulação do comércio que não interfira em actividades pessoais. É isso?»
ResponderEliminarNão é que estejemos de acordo ou em desacordo. É que este é um ponto que eu nunca discuti.
E se confirmares aquilo que eu andei a dizer, pelo menos no último mês, foi sempre isto.
«Tu dizes que é mau que deixe de haver certos espetáculos que as pessoas não querem pagar. Mas é mau em que sentido?»
Mas querem. E por isso é que pagam enquanto o copyrigth existe. Se elas não quisessem pagar, o copyrigth não servia de nada.
O problema é a tragédia dos comuns. Se eu partilho o telefone do meu irmão, e as chamadas custam 2 centimos o minuto, eu só pago 1c por minuto em cada chamada. Se eu e o meu irmão não tivermos consideração pelo outro, vamos telefonar sempre que estivessemos dispostos a pagar mais de 1c por uma determina chamada, mesmo que não estivessemos dispostos a pagar 2c.
O mal disto é que ele poderá agir da mesma maneira, e no fim temos uma conta enorme, e nenhum de nós preferiria ter feito as chamadas que fez para pagar o que pagou.
E se em vez do meu irmão, se eu estiver a falar de uma casa com 10 estranhos e um telefone partilhado, as coisas serão ainda piores.
Ou seja: o mal aqui é que cada indivíduo tem preferencias e gostos individuais, mas o mercado não funciona por forma a reflecti-los.
Com o free-ride é algo semelhante. As pessoas querem ver o espectáculo do PimPamPum, mas nunca o verão.
Tal como com o telefone partilhado, se cada pessoa fosse altamente altruista, este sistema não prejudicaria ninguém. Mas se cada pessoa for... normal, o que vai acontecer é que ninguém vai querer pagar pelo espectáculo, não porque não ache que ele vale mais que o preço do bilhete - pela forma como eu pus o problema entendeste que não - mas sim porque pensa sempre que pode ganhar mais se esperar que sejam os outros a pagar por ele.
No caso do telefone, todos pagam por chamadas que individualmente não fariam.
Neste caso, ninguém paga por um espectáculo que individualmente
usufruiria.
Entende bem o drama do "PimPamPum" porque este é o segredo daquilo que tenho vindo sempre a argumentar. Pode ser a melhor alternativa abdicar do copyrigth - não é isso que estou a contestar - mas vai haver perdas.
João,
ResponderEliminarEu penso que entendo o problema mas estás a confundir a situação.
O free-rider é alguém que consome recursos ou defere custos para outros, como na tragédia dos comuns. Não é alguém que simplesmente beneficia de algo sem aumentar custos. Como um apreciador de Bach.
Um exemplo de free riding seria a cidade fazer um contrato com a PimPamPum, eles faziam o espetáculo, 50% das pessoas piravam-se e os outros 50% tinham que pagar o dobro do que estavam à espera, senão iam presos. Neste caso uns passaram os custos para outros.
Ou o outro exemplo que deste primeiro, de alguém que entra no concerto sem pagar e que por isso tira o lugar a outro, ou torna o recinto mais desconfortável para os outros. Esse é um problema de free riding.
O problema que te preocupa é diferente, é um de incentivos e garantias de retorno do investimento. Mas esses podem ser resolvidos de formas melhores que o copyright, e conforme necessário. Quando é preciso investir milhões num programa de investigação, arranja-se maneira sem tornar a ciência em propriedade. O mesmo se poderá fazer com os filmes se for mesmo em benefício da sociedade. Mas penso que essas dezenas de milhões de dólares eram mais bem empregues noutras coisas.
Ludwig:
ResponderEliminarEstás enganado.
Por muito que tenham em comum, a história do free-ride não é a história da tragédia dos comuns.
O feee-rider É quem ouve Bach sem pagar, por assim dizer.
É quem vai ver o espectáculo da PimPamPum sem pagar, sem1que ninguém tenha de pagar o dobro. O free-ride não tem nada a ver com recursos escassos.
«Quando é preciso investir milhões num programa de investigação, arranja-se maneira sem tornar a ciência em propriedade. O mesmo se poderá fazer com os filmes se for mesmo em benefício da sociedade.»
Muita investigação só pode ser feita porque para alguma existe um regime de patentes que também atribui monopólios e limita o uso que se pode fazer de certas ideias, ou então porque é financiada pelo estado.
O análogo ao financiamento do estado já existe na cultura, e o análogo das patentes é o copyrigth. Não precisas de insistir que não é a mesma coisa: eu sei que não é. Mas é análogo: limita-se o uso que se pode fazer de certas ideias, para que o investimento na sua criação possa compensar.
João,
ResponderEliminarVê aqui:
«A person who chooses to receive the benefits of a "public good" or a "positive externality" without contributing to paying the costs of producing those benefits.»
A questão importante é se o free rider prejudica os outros. Na wikipedia:
«In economics, collective bargaining, psychology and political science, free riders are actors who consume more than their fair share of a resource, or shoulder less than a fair share of the costs of its production. The free rider problem is the question of how to prevent free riding from taking place, or at least limit its negative effects.»
Esses negative effects, ou escapar-se de pagar o quota justa dos custos, é que é o problema do free riding.
Supõe que a gravação de uma album, e o trabalho do compositor e dos músicos, custa cem mil euros. Se for dividido por cem mil pessoas, é justo que cada uma pague um euro. Se for por duzentas mil, é justo que cada uma pague meio euro. Neste sistema da vaquinha é um problema se cem mil pagarem um euro e cem mil não pagarem nada. Isso seria free riding, e era de evitar.
Mas a música não funciona assim. O que se passa é que vendem o album por dez euros, os primeiros dez mil exemplares pagam o custo do album e o resto é lucro. Uma vez pago o custo deixa de haver problema de free riding.
Se o album fosse vendido a um preço total fixo eu concordava que todos os que ouvissem a música deveriam contribuir, para que cada um pagasse menos. Mas no sistema presente isso não faz sentido.
«Mas a música não funciona assim. O que se passa é que vendem o album por dez euros, os primeiros dez mil exemplares pagam o custo do album e o resto é lucro. Uma vez pago o custo deixa de haver problema de free riding.»
ResponderEliminarE se o lucro é tanto como tu dizes, o que é que a ciência económica prevê? Que vá existindo mais e mais concorrência nesse negócio tão lucrativo, que mais editoras vão pagando a mais artistas, até chegares a um ponto de equilíbrio em que muitas pessoas vivem da música e o lucro económico (não confundir com contabilístico) das editoras tende para 0.
Ou seja: na situação actual, eles vendem o album pelos 10 000 euros que dizes, e ainda têm uns 5000 euros para compensar o risco e o facto do dinheiro ter sido empatado nesse negócio e não noutro, e não muito mais.
Se venderam o album por 10e, foram as primeiras 1500 pessoas que o pagaram, e não se vendeu mais que isso.
Até aí, haverá as outras que têm mais dificuldade de acesso a essa música (o copyrigth), mas tens uma série de editoras a +atrocinar músicos profissionais porque o sistema actual lhes permite ter lucros razoáveis com isso.
----
Quando tu passas a permitir a cópia, as editoras vão diminuir os seus lucros. Isto não é mau se acabar com o negócio da distribuição via CD - como disseste e bem, é uma tecnologia que se vai tornando obsoleta.
Mas o pior é que isso também vai prejudicar outro ramo de negócios das editoras: o patrocínio de músicos através dos quais elas fazem lucro.
Então muitas editoras vão falir e será mais difícil aos músicos serem contratados pelas editoras.
Tudo bem, dizes tu, na internet os músicos facilmente encontram sozinhos os 1000 clientes que precisam (terão algo menos despezas sem as editoras, mesmo tendo em conta as economias de escala de que estas são capazes) dispostos a pagar 10e, e então é melhor para todos. Ficam os músicos a vender à mesma, e com mais controlo sobre as suas criações, e nós só pagamos pela música que queremos ouvir se quisermos, e nem se faz menos música por isso.
É o melhor possível. E muito bonito.
Eu não sei se tens razão e se esse modelo de negócio pode realmente triunfar com os livros e com a música. Haverá altruismo suficiente entre os consumidores para que a produão de música e livros não fique prejudicada?
Não sei.
Ao início, quando falaste nisso, eu próprio fiquei bastante entusiasmado.
Mas confesso que tenho vindo a desconfiar do teu optismo à medida que me vou apercebendo da tua recusa em ver que isso obviamente não pode acontecer no cinema.
Para o cinema o autor dos filmes actuais não pode contar com 1000 pessoas suficientemente altruistas para pagaraem para um filme que querem ver, mas que não precisam de pagar para o ver. Para muitos dos filmes que marcam a história do cinema seriam necessários vários milhões de pessoas dispostas a pagar por algo que poderiam supostamente obter sem pagar.
Este altruismo de vários milhões podes encontrar em circustâncias ocasionais, mais não o podes encontrar, concertado, a patrocinar uma indústria como a do cinema. Na verdade, eu posso cenceber esse cenário - mas não o posso considerar provável.
As pessoas não querem patrocinar na vaquinha para produzir o filme se depois acham que o podem ver sem pagar, mesmo que não tenham feito parte da vaquinha.
Encontrar 1000, 5000, 20 000, fãs que o fazem é uma coisa. Encontrar, por sistema, vários milhões, não me parece plausível.
Por isso, creio que tens de admitir que o copyritgh, por muito mau que seja, tem as suas vantagens.
Para usufruires de um bem, tens de participar - mesmo que indirectamente - na "vaquihna" para o produzir. E isso incentiva-te a querer participar nessa vaquinha.
PS- A explicação que deste do que era o free-ride era exactamente aquilo que eu tinha aprendido que era o free-ride. «Neste sistema da vaquinha é um problema se cem mil pagarem um euro e cem mil não pagarem nada.» Nota bem o exemplo do PimPamPum: era precisamente isso, ou pior: não haver sequer vaquinha por falta de participantes, mesmo quando todos prefeririam pagar o espectáculo na impossibilidade de o verem sem pagar.
João,
ResponderEliminar«E se o lucro é tanto como tu dizes, o que é que a ciência económica prevê? Que vá existindo mais e mais concorrência nesse negócio tão lucrativo, que mais editoras vão pagando a mais artistas, até chegares a um ponto de equilíbrio em que muitas pessoas vivem da música e o lucro económico (não confundir com contabilístico) das editoras tende para 0.»
Assumindo a livre concorrência. Mas o que tens é um mercado de monopólios. A concorrência exige que dois fornecedores possam concorrer oferecendo o mesmo produto, mas não é isso que acontece.
«Mas o pior é que isso também vai prejudicar outro ramo de negócios das editoras: o patrocínio de músicos através dos quais elas fazem lucro.»
Não necessariamente. Porque esse é o custo. Os gastos em publicidade e promoção, e os lucros dos CDs podem variar imenso. 90% do dinheiro investido em produtores, estudios, editoras, royalties, e assim deve-se ao copyright. É um custo falso criado pelo monopólio.
Pagar aos músicos pelo seu trabalho é um custo real, e é esse que vai sobrar. E, provavelmente, vai ser suportado directamente pelos fãs, como já acontece em alguns casos.
«Para muitos dos filmes que marcam a história do cinema seriam necessários vários milhões de pessoas dispostas a pagar por algo que poderiam supostamente obter sem pagar.»
Penso que o erro que cometes aqui é que não podem ver sem pagar. Ou há fundos, ou não há filme. E a escolha está no lado do consumidor.
A lei que temos dá garantias a produtores dificultando a concorrência. Se um faz o filme X já ninguém pode fazer o filme X e ele pode cobrar o que quiser pelo filme X. Ninguém tem a possibilidade, como num mercado livre, de comprar o filme X noutro lado. Isto torna o filme artificialmente mais caro.
Mas nota que eu não defendo que isto vá ser necessariamente assim. Talvez os filmes precisem de alguma ajuda, e não será difícil regular as salas de cinema, por exemplo. Ou talvez acabem como o teatro de fantoches ou os saltimbancos, ultrapassados por outras formas de entretenimento.
O que eu digo é que nem sabemos se vai ser bom ou mau, e seja como for terá um impacto muito menos negativo que a lei que agora temos.
Além disso, se a arte for de domínio público será muito mais fácil inovar. É cada vez mais óbvio que a restrição imposta às ideias dificulta a inovação, não a estimula.
«A explicação que deste do que era o free-ride era exactamente aquilo que eu tinha aprendido que era o free-ride.»
OK. É que penso que há uma distinção subtil mas importante. O free-ride em sentido lato de ter algo de borla, como ter fugas de Bach agora que já foram criadas, e o free-ride como origem de um problema económico, que é de impôr a outros externalidades negativas (acréscimo de custos ou consumo de recursos sem contrapartidas).
Mas já há uns tempos que estou a pensar num post sobre isso.
«Nota bem o exemplo do PimPamPum: era precisamente isso, ou pior: não haver sequer vaquinha por falta de participantes,»
Isso é que eu discordo que seja um problema. Se a participação é voluntária e a maioria não participa, está tudo bem. Concordava que era mau se fosse um hospital, em que a maioria não pagava porque não estava doente e os 10% que estavam morriam. Mas nestes casos de manifesto interesse público a decisão deve ser tomada por algum responsável, que pegue no dinheiro dos impostos e mande construir o hospital.
No caso do fogo de artifífio parece-me perfeitamente legítimo a empresa propôr aos habitantes que faz o espetáculo por 100,000 e os habitantes que vejam quem quer pagar e quanto a ver se conseguem juntar o dinheiro. Quer consigam quer não, o resultado será sempre o reflexo daquilo que as pessoas querem. Mesmo que haja free-riding no sentido estrito de um ficar de fora aumentando o custo aos outros, não é um problema porque a participação é voluntária, e podemos deixar à população a decisão se vão tolerar free riders ou não. Ou seja, no mercado do entretenimento não se justifica legislar para compelir a participação.
«No caso do fogo de artifífio parece-me perfeitamente legítimo a empresa propôr aos habitantes que faz o espetáculo por 100,000 e os habitantes que vejam quem quer pagar e quanto a ver se conseguem juntar o dinheiro. Quer consigam quer não, o resultado será sempre o reflexo daquilo que as pessoas querem.»
ResponderEliminarPode ser perfeitamente legítimo e mesmo assim ser mau.
Constantemente nesta discussão insistes no ponto que o copyrigth é pior que a sua ausência, e eu tenho insistido que não é isso que estou a discutir.
Apenas alego que há inconvenientes na sua abolição, sem discutir se as vantagens compensam esses inconvenientes.
Dizes que é "possível" que os filmes muito caros acabem. Eu vou um pouco mais longe e digo que é provável.
E também acho que isso é mau. Voltando ao PimPamPum, se na aldeia todos estariam dispostos a pagar 10e se fosse a única forma de ver o espectáculo, se bastava que 500 pessoas pagassem 8e, e outras 500 pessoas podiam vê-lo gratuitamente, haveria então 2000e + 5000e a ser ganhos pelas pessoas, e 3000e a ser ganhos pela empresa (o espectáculo só custava 1000e).
Mas se cada habitante pensar que não precisa de comprar bilhete, porque vai ver o espectáculo à mesma, e então ninguém o comprar, não digas que isso não é mau.
É legítimo, mas é mau.
É uma pena.
Se fosse dado à PimPamPum o poder de impedir as pessoas de saír de casa nesse dia, a menos que tivessem pago o bilhete, isso se calhar seia PIOR que não se realizar o espectáculo. Mas não é essa a alternativa que estou a discutir.
Estou apenas a frisar que há algo que se perde com o freeride.
João,
ResponderEliminar«Mas se cada habitante pensar que não precisa de comprar bilhete, porque vai ver o espectáculo à mesma, e então ninguém o comprar, não digas que isso não é mau.
É legítimo, mas é mau.
É uma pena.»
Esse é apenas um problema de falta de informação. Se tiverem 5 minutos para decidir, alguns estiverem a fazer er... toca a buzina e acaba o tempo sim, é pena que assim seja.
Mas basta terem um site na internet onde cada um vê quanto dinheiro já foi prometido e pode dizer quanto está disposto a dar que a coisa se resolve sem problemas. Conforme se aproximar o final do prazo logo os indecisos vão vendo se querem o espectáculo ou não.
Qualquer forma de coação num problema destes é um problema pior do que aquele que tenta resolver.
Admito que o copyright deve ter alguma vantagem. Mas isso é como dizer que um pastel de nata com cianeto tem a vantagem de ser um pastel de nata e melhor que uma bola de berlim. O problema é que tem cianeto. O resto não interessa muito...
E o free-ride nem sempre é um problema. Mas vou deixar esse para um post :)
«Mas basta terem um site na internet onde cada um vê quanto dinheiro já foi prometido e pode dizer quanto está disposto a dar que a coisa se resolve sem problemas. Conforme se aproximar o final do prazo logo os indecisos vão vendo se querem o espectáculo ou não.»
ResponderEliminarLá está: até posso acreditar que isso funcione na música e nos livros. Mas duvido muito que isso funcione para produção artísitca profissional muito mais cara que isso. É o problema da tragédia dos comuns: a partilha pode funcionar a pequena escala, mas a grande escala os outros estão sempre muito distantes. O contributo de cada indivíduo em particular nunca fará a diferença entre a concretização ou não de um filme caro: o dinheiro envolvido é sempre milhões de vezes superior às contribuições individuais. Assim sendo, o incentivo para que cada indíviduo com vontade de ver o filme o financie é mesmo muito reduzido.
Posso estar a ser excessivamente pessimista, mas parece-me que a tua crença em que um modelo desses poderia funcionar para financiar filmes como aqueles que os consumidores hoje preferem é... pensamento propiciatório. Era bom que fosse assim, mas não me parece nem um pouco provável.