Treta da Semana: em nome da biologia.
Devo este post ao Pedro Sette Câmara e à Patrícia Lança, d’O Insurgente, que há umas semanas apelaram à biologia para criticar o sexo anal e as práticas homossexuais (1):
«Faço apenas a ressalva à questão de o heterossexualismo não poder ser considerado “em si” moralmente superior ao homossexualismo. Como o próprio Olavo já escreveu em algum outro lugar, o heterossexualismo é uma questão de vida ou morte, de perpetuação da espécie, e o homossexualismo, bem, não pode ambicionar tanto.» (Pedro Sette Câmara)
«Nós progredimos um pouco desde a antiguidade. Sabemos muito mais sobre o corpo humano. Sabemos muito bem que o sistema digestivo, ingestão e excreção, não deve ser confundido com o sistema generativo.»(Patrícia Lança).
Como alguns comentadores apontaram, o pénis também tem uma função excretora. Só um homem muito sortudo, ou quase cego se acreditarmos na Igreja Católica, é que o utilizará com mais frequência para outro fim. Mas a canalização é a mesma. E mesmo que se condene também o sexo oral pela tal confusão que «não se deve» fazer, ainda assim é má educação passar à actividade generativa sem, pelo menos, uns beijinhos primeiro. Só a reprodução in vitro resolve as coisas sem «confusões».
A maior confusão aqui é assumir que o sexo tem apenas um papel generativo. Quando um peixe fêmea expele uns milhares de ovos, o macho ejacula-lhes para cima e cada um vai à sua vida podemos dizer com confiança que foi um acto meramente generativo. Mas a nossa espécie é diferente. Se querem apelar à biologia ao menos olhem para a biologia.
A mulher está fértil uns dias por mês, ninguém sabe bem quando, mas a actividade sexual não varia significativamente com a fertilidade. Sem leite em pó ou papas as mulheres amamentam as crianças durante alguns anos, e isso inibe a ovulação. Mas a actividade sexual persiste apesar da infertilidade temporária. Em vez de gerar milhares de filhos por acto reprodutivo, os nossos antepassados tinham tipicamente um filho para cada dez ou vinte actos sexuais. E sem contraceptivos. O que a biologia mostra é que a sexualidade humana é muito mais que fazer bebés.
Agora o Pedro, com a treta da reprodução para a propagação da espécie. Na biologia a sério, em oposição à biologia cortada à medida dos preconceitos de cada um, esta ideia foi enterrada em 1964 pela teoria de selecção por parentesco (kin selection) de Hamilton. O que conta são os genes. «Espécie» é só o nome que damos ao conjunto de populações de indivíduos que estimamos poder reproduzir-se entre si. E não é para. Não há «paras» na biologia. É porque. Certos genes prevalecem numa população porque organismos com estes genes tiveram mais sucesso reprodutivo no passado, e nunca (nunca!) para ter mais sucesso reprodutivo no futuro. Os genes não pensam no futuro.
Mas o pior de tudo nem é enganarem-se na biologia. O pior é o juízo de valor do «moralmente superior» e do «não deve ser confundido». A biologia não tem nada a ver com o que deve ser. É uma descrição do que é. Descreve a saúde e a doença, o nascimento e a morte, o bom e o mau. Pelo raciocínio da Patrícia e do Pedro não se devia jogar à bola, escrever, pintar o cabelo, escovar os dentes, ou fazer qualquer coisa que não seja uma função biológica das partes envolvidas.
Que se enganem na biologia ainda vá. Toda a gente se engana. Mas do é para o deve ser não se vai por engano. É preciso escolher com cuidado só algumas partes de tudo o que é, e depois defender que estas devem ser porque são mesmo sabendo que há muitas que são e não devem ser e outras que não são mas deviam ser. Isto não é enganar-se. É enganar os outros. E é treta.
1- Pedro Sette Câmara, 26-6-07, Bem no alvo.
Há uns tempos alguém explicou que isso era por ter sido um engenheiro a conceber o corpo humano e não um arquitecto. :-) Pois um arquitecto nunca colocaria um sistema de esgoto ao lado de um centro de entretenimento.
ResponderEliminarNeste caso, todos os sistemas de esgoto são centros de entretenimento.
Que estranho... de repente sinto-me como o Qwagmire, do "Family Guy".
Olá Ludwig,
ResponderEliminarMas quem são esses senhores para passarem juizos dessa forma?
Aqui está uma coisa que me deixa pior que uma barata. A merda do falso moralismo e da superioridade idiota!!!
A beleza da biologia é não julga ninguem.
Cá para mim existe aí algum recalcamento :)
BJ
Isso lembra-me uma vez que no fórum Clube Cético um religioso, que se auto-denomina o profeta dos ateus, disse que não há animais homossexuais. Respondi com uns vídeos e imagens. Em resposta a eles, o tal religioso disse que obviamente os animais não são homossexuais por serem irracionais, juntando um sermão bíblico...
ResponderEliminar«Quando um peixe fêmea expele uns milhares de ovos, o macho ejacula-lhes para cima e cada um vai à sua vida podemos dizer com confiança que foi um acto meramente generativo.»
Li "O gene egoísta" de Richard Dawkins que num capítulo fala sobre isso. Entre animais marinhos a fêmea deixa óvulos que permanencem no mesmo lugar, e ela foge. O macho fecunda-os com espermatozóides fugidios e, por isso, ele tem de cuidá-los. Nos animais onde existe a gravidez, quem foge é o macho. Querem evitar a dedicação com as crias. Para evitar isso, em muitas espécies as fêmeas obrigam os machos a investirem tempo nelas, através de rituais de acasalamento.
http://wnd.com/news/
ResponderEliminararticle.asp?ARTICLE_ID=56623
Os animais tem comportamentos homossexuais das mais variadas naturezas.
ResponderEliminarUns para estabelecimento de hierarquias, outros porque é uma maneira de estreitar laços com os outros do grupo e ainda outros por razões que desconhecemos. Como por exemplo as vacas que gostam de se "montar" umas ás outras, aparentemente sem qualquer razão de ordem pratica. Gostam e pronto!
Ludwig peço desculpa pela brejeirice ;)
Na TV2 passou à pouco tempo um documentário que referia isso mesmo, montes e montes de espécies que eram homossexuais e que em algumas a prática não tinha utilidade a não ser o prazer, como o caso das macacas (acho que eram macacas japonesas).
ResponderEliminarHouve um caso ainda mais estranho, dois polvos machos de espécie diferentes e de tamanhos muito distintos que estavam
em alegre "esfrega-esfrega", e o grandalhão (polvo com mais de 4 vezes o tamanho do outro), não se importava.
Também existem relatos de encontros sexuais entre animais de diferentes espécies (todos não humanos), e entre animais vivos (não humanos) e animais mortos (também não humanos).
ResponderEliminarE...?
Essa de animais vivos/animais mortos, tem que se lhe diga.
ResponderEliminarEsta foi de rir até chorar, quando a li em 28 de Março.
http://www.thesmokinggun.com/archive/1122061deer1.html
E daí que dizer que não existe homssexualidade nos animais ou que o sexo nos animais é apenas para reprodução é uma grande treta!
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarFalta o ".html" no final do link.
ResponderEliminarPara os que têm a certeza absoluta que os animais não se masturbam, não fazem sexo oral e não têm relações com outras espécies, os vídeos seguintes podem chocar:
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=40EQqc9PY8U
http://www.youtube.com/watch?v=oc25MVg1v8w
http://www.youtube.com/watch?v=bXPoZJmDOng
http://www.youtube.com/watch?v=JDIkdAmpvrM
http://www.youtube.com/watch?v=erqoypvwU0E
http://www.youtube.com/watch?v=PIqHHBMBtuo
http://www.youtube.com/watch?v=PIqHHBMBtuo
http://www.youtube.com/watch?v=lB4G3P4nDyg
http://www.youtube.com/watch?v=X-jM0UuKIX8
http://www.youtube.com/watch?v=PZDpJ06skzE
http://www.youtube.com/watch?v=BDh9yJkzec8
http://www.youtube.com/watch?v=GW6LZCWz6g4
lol
Uma ajuda para o António e não só,
ResponderEliminarpara os link ficarem a jeito de se clicarem, por mais longos que sejam.
Exemplo para o site da Sapo.
Escrever o seguinte directamente caixa de comentários:
<a href="http://www.sapo.pt">Sapinho</a>
E aparecerá clicável somente o seguinte:
Sapinho
Mas, afinal, no meio de toda esta conversa, alguém me consegue explicar qual a vantagem evolutiva da monogamia? Ludwig, corrige-me se eu estiver errado, mas a monogamia não é um entrave ao desenvolvimento do "caldo" genético de uma espécie?
ResponderEliminarQuanto às outras questões: cada um mete-se onde quer e ninguém tem nada a ver com isso!
Vi na RTP, uma reportagem sobre os Espartanos, em que os seus guerreiros
ResponderEliminareram do mais viril que podia haver, muita da organização e disciplina militar de hoje ainda deriva da implementada pelos Espartanos. No entanto quando iam para a guerra, levavam o seu amante, mesmo tendo mulher em casa. A mais-valia deste comportamento, que era aceita, estava relacionado com o facto que em combate, há uma união mais eficaz com o amante do que um camarada de armas que não o fosse, e assim a luta e defesa do camarada tornava-se mais eficaz, o que no todo, fazia a diferença para melhor.
Ludwig,
ResponderEliminarNunca te vi (li) falar sobre cientologia...
Pedro Amaral,
ResponderEliminarEntre os peixes há uma enorme variedade de formas de reprodução, incluindo algumas espécies de peixes viviparos, ou mesmo espécies em que são os machos que "engravidam" (cavalo marinho, por exemplo).
Helder,
A monogamia é uma boa forma de resolver o problema das crias que precisam dos cuidados de ambos os pais. É frequente nos pássaros e nos humanos (mas menos frequente do que se pensava antes de se conseguir comparar o ADN).
Anónimo,
É verdade, nunca mencionei aqui a cientologia. Há tanta treta e só 52 semanas por ano... mas lá chegarei :)
CARO ANóNIMO
ResponderEliminar"... Espartanos... no entanto quando iam para a guerra, levavam o seu amante, mesmo tendo mulher em casa. A mais-valia deste comportamento, que era aceite, estava relacionado com o facto que em combate, há uma união mais eficaz com o amante do que um camarada de armas que não o fosse”
Se calhar, por não ligarem nenhuma às mulheres é que o apogeu de Esparta se limitou a 200 anos e só foi independente durante 700. Enquanto se entretinham a “comer” foram comidos pelos Atenienses, Macedónios e Aqueus. :)
Comparada com os vizinhos até podiam ser uma potência militar, mas foram uma desgraça na área das letras, artes, comércio e indústria.
ESTA É MAIS PARA A MONOGAMIA DO HELDER SANCHES
Um homem é um ser maravilhoso e refinadO... :)
No ano passado em Angola, e depois duma longa conversa sobre a fertilidade, a sexualidade, do elevado número de mães solteiras e de 70% da população angolana ter menos de 30 anos, um jovem benguelense vira-se para mim e pergunta-me se na Europa temos um sério problema com a natalidade por que motivo nos havíamos de preocupar com os angolanos? Acima de tudo estaria a linhagem. Para ele era importante acasalar com o maior número possível de mulheres para que a sua descendência ocorresse positivamente, e que as escolhia pelas posses (da família) ou se o marido seria “um tipo fixe ou não”.
Como calculam não incomodei mais o rapazinho... houve qualquer coisa nesta história que me fez lembrar o costume dos cucos, vá-se lá saber porquê.
JPVale,
ResponderEliminarSim... E depois?
joaninha
ResponderEliminara falsa moralidade e a superioridade idiota, a mim, assustam-me, porque na maior parte das vezes não passam de um meio para um fim duvidoso ou mesmo perigoso.
bj, Karin
JPVale, duvido que os espartanos se esquecessem das mulheres, porque eles sabiam bem que não era dos amantes que nasciam novos soldados.
ResponderEliminarForam uma desgraça nas outras áreas? Mas claro! Eles não podiam ser bons em tudo, e enquanto as outras cidades-estado se preocupavam em criar filósofos e artistas, sabiam bem dar o valor aos espartanos que só criavam soldados, porque se não fossem estes a defendê-los bem que podiam vir os filósofos e artistas combater...
De fato, analisar a homoxessualidade na pespectiva de O Gene Egoísta, não há, a primeira vista, nenhuma vantagem para sobrevivência dos genes, portanto para a evolução. Talvéz seja uma forma de controle populacional. Se algém souber mais sobre o assunto gostaria de ler sua opinião.
ResponderEliminar