quinta-feira, dezembro 31, 2009

Gavetismos.

O Miguel Panão propôs que o espiritual é a componente mental da energia livre de Gibbs, proposta que critiquei por não haver componente mental na energia livre de Gibbs. Agora o Miguel contrapõe que não devo insistir no «erro científico, em vez de reconhecer que o argumento não era de [índole] científica», e que o problema é o meu «naturalismo científico»(1). Proponho que o problema é outro.

A realidade – o que quer que isso seja – interpela-nos constantemente pelos sentidos com que nascemos e pelos instrumentos que inventamos. Tentamos pôr ordem nessa chuva de dados criando modelos mentais que os expliquem. Os pontos luminosos na noite são bolas de plasma a flutuar no vazio, a matéria é feita de átomos e assim por diante. Mas a informação é tanta, e tão diversa, que temos de a partir em blocos mais pequenos. A química, a física, a biologia na ciência, o conjunto de problemas que temos ideia de como se resolvem. A filosofia da mente, da linguagem e a ética na filosofia, problemas que ainda não sabemos como resolver. A matemática e a lógica na linguagem com que descrevemos outros problemas em rigor. E assim por diante.

O ponto comum é que dividimos a informação pelo que queremos explicar e não pelas explicações que inventamos. Isto tem duas consequências importantes. Primeiro, em cada área há liberdade total para criar modelos que expliquem os dados. Não é preciso ter uma química dos quatro elementos e outra dos átomos. Temos uma química, e se consideramos quatro elementos ou 118 depende dos modelos que vamos inventando. É trabalho em curso. E são categorias permeáveis, dinâmicas e interligadas. A filosofia da mente não vai assentar em hipóteses que a fisiologia demonstre serem falsas, da matemática escolhemos as descrições de geometrias do espaço-tempo consistentes com a física e a astronomia tem de encaixar com a química. Podemos descobrir que duas categorias funcionam melhor como uma só, como a química orgânica e a inorgânica, ou separar uma categoria em duas, como a genética molecular e de populações. Seja como for, é tudo acerca da mesma realidade. Tem de encaixar.

Neste contexto, o meu naturalismo científico é apenas mais uma hipótese de trabalho. Não me leva a rejeitar dados nem a preferir explicações inadequadas só para não o rejeitar. Se um dia as melhores explicações incluirem fantasmas, magia, milagres e afins, então troco sem problema. Desde que encaixem. E este é o ponto fundamental que o Miguel descura ao fazer a partição ao contrário, assente num modelo em vez de nos fenómenos a estudar.

Aproveito para reanimar uma conversa interessante com o Leandro Ribeiro, já enterrada nos comentários (2). O Leandro propôs que muitos ateus são como os crentes. Desconhecedores das questões filosóficas e dos argumentos mais sofisticados, limitam-se a acreditar que não há deuses em vez de acreditar que há. Mas há uma diferença importante. Quando os astrónomos rejeitaram a hipótese de caírem pedras do céu fizeram-no não por fé mas por falta de informação. Não havia dados que a justificassem. Por isso o erro foi facilmente corrigido depois de obter os dados necessários. O mesmo se passa com o ateísmo. A conclusão, provisória, que não há deuses deriva da ausência de dados que indiquem que tais coisas existam. Não é um princípio fundamental do qual não se possa abdicar e, se estiver errado, é fácil corrigi-lo.

Coisas como a astrologia, a teologia, o criacionismo, o tarot e a anatomia energética funcionam ao contrário. A teologia, por exemplo, define-se pelo modelo segundo o qual um deus eterno passou infinito tempo sem fazer nada antes de criar este universo, treze mil milhões de anos depois engravidou uma fêmea de uma espécie de mamífero num canto de uma galáxia de segunda e agora vive preocupado com as preferências sexuais desses bichos. Esta inversão, baseando uma disciplina num modelo em vez de naquilo que se quer explicar, tem como consequência impedir a substituição do modelo por outro melhor que surja e isolar essa disciplina de tudo o resto.

Eu posso inventar uma queijologia, o estudo dos queijos que compõem a Lua, assente na premissa que a Lua é feita de queijo. E dentro dessa gaveta afirmar que a Lua tem uma componente de parmesão e outra de camembert. Mas a Lua não é feita de queijo e esta afirmação é um disparate quer seja de índole científica quer seja de índole queijológica. A grande diferença entre mim e o Miguel, e entre ateus e crentes em média, é o sentido oposto da ligação entre dados e modelos. Quem considera os dados como o mais fundamental exige que os modelos encaixem e dificilmente vai concluir que o deus do Miguel existe. E quem assume o modelo do Miguel como fundamento tem de isolar partes do que considera conhecimento para proteger esse modelo.

Ao contrário do que o Miguel diz, eu não rejeito a ideia dele por assumir um naturalismo ou materialismo. Eu rejeito-a porque é incorrecto afirmar que a energia livre de Gibbs tem uma componente mental e não há gambosinologia que disfarce isso. A própria fronteira entre ciência e a teologia, e a dificuldade em a transpor, é sintoma do apego excessivo a um modelo. É esse apego que obriga a fingir que há várias realidades independentes, a teologia por um lado e a ciência do outro, e que leva à afirmação absurda que o disparate numa é verdade na outra.

1- Miguel Panão, a-demonstrabilidade do naturalismo científico ...
2- No post Treta da semana: é só não acreditar neste.

37 comentários:

  1. Yep, o reducionismo é apenas uma ferramenta. Não impede de descrever a interação entre os componentes ou sequer avaliar qualquer entidade emergente por si propria e em interação com outras.

    E o naturalismo é uma consequencia do rigor do processo. Se aceitas entidades ad-hoc não verificadas para explicar os fenomenos então é que não os vais conseguir compreender. Ainda estavamos a dizer que Thor é o responsavel pelos trovoes.

    Bom post, as allways.

    ResponderEliminar
  2. Caro Ludwig,

    Como em todos os teus textos anteriores, a conclusão já está nas premissas.

    Bom ano novo para toda a família.

    Alfredo

    ResponderEliminar
  3. Alfredo,

    «Como em todos os teus textos anteriores, a conclusão já está nas premissas.»

    De certa forma, é o que acontece com qualquer argumento dedutivo válido. A conclusão é consequência lógica das premissas, e já lá "está", nesse sentido.

    Mas a questão aqui é se a conclusão é plausível ou não...

    Obrigado, e bom ano novo para ti e para os teus também.

    ResponderEliminar
  4. Ludwig,

    o meu naturalismo científico é apenas mais uma hipótese de trabalho.

    ... ou pelo menos "acreditas" nisso. O problema que tens de enfrentar é verificar cientificamente essa crença. É um problema tão legítimo quanto aquele daqueles que em Deus acreditam.

    E este é o ponto fundamental que o Miguel descura ao fazer a partição ao contrário, assente num modelo em vez de nos fenómenos a estudar.

    De facto, Deus não é uma hipótese de trabalho para mim, mas Alguém com quem estabeleço uma relação pessoal e que dá sentido à minha vida. Não creio que isto seja "descurar", mas diferir no ponto de partida.

    modelo segundo o qual um deus eterno passou infinito tempo sem fazer nada antes de criar este universo

    Este é um erro "científico" Ludwig. Com a Criação deste Universo, o próprio "tempo" é criado, logo, não faz sentido perguntar o que havia "antes".

    A grande diferença entre mim e o Miguel, e entre ateus e crentes em média, é o sentido oposto da ligação entre dados e modelos. Quem considera os dados como o mais fundamental exige que os modelos encaixem e dificilmente vai concluir que o deus do Miguel existe.

    Não concordo contigo. Não é o sentido oposto entre dados e modelos, mas o modo como em cada um de nós ocorre a interacção entre ciência e fé. No teu caso opõem-se. No meu caso entram em diálogo. Há quem as considere independentemente entre si e há quem as integre.

    E quem assume o modelo do Miguel como fundamento tem de isolar partes do que considera conhecimento para proteger esse modelo.

    Nem pensar nisso. Quem assumir o "diálogo" entre fé e ciência tem que procurar a coerência entre os dois porque o fundamento que aceita à partida é o de haver uma Verdade e uma Realidade.

    Ao contrário do que o Miguel diz, eu não rejeito a ideia dele por assumir um naturalismo ou materialismo. Eu rejeito-a porque é incorrecto afirmar que a energia livre de Gibbs tem uma componente mental e não há gambosinologia que disfarce isso.

    É incorrecta a incorreção que apontas. O que eu fiz com a energia Gibbs foi dar-lhe um sentido filosófico. E, de facto, não foi uma ideia minha, foi de Morowitz e com a qual me identifiquei. O teu compromisso com o materialismo científico impede-te de ver mais além. Vês apenas que os outros (crentes) andam "apegados excessivamente" a um modelo e isso pode não corresponder à realidade

    As realidades vistas pelo crente não são independentes mas "interdependentes". O que demonstra a miopia do naturalismo científico.

    ResponderEliminar
  5. Miguel,

    Obrigado, e um bom ano novo para ti.

    «O problema que tens de enfrentar é verificar cientificamente essa crença»

    Claro. E faço-o. Uma hipótese científica é legítima enquanto nos permitir um programa de investigação progressivo, que leve a novo conhecimento, melhores modelos, etc. O naturalismo já há uns bons séculos que se revela exímio nisso, e não vejo concorrente nenhum à altura.

    Consegues melhor que o progresso científico dos últimos séculos com uma abordagem diferente? Se conseguires, mudo já...

    «De facto, Deus não é uma hipótese de trabalho para mim, mas Alguém com quem estabeleço uma relação pessoal»

    Exacto. Tu não te permites olhar imparcialmente para as hipóteses desse ser existir ou não existir. A tua posição é enviesada à partida, e daí depois os problemas que tens com a tal fronteira com a ciência.

    «Este é um erro "científico" Ludwig. Com a Criação deste Universo, o próprio "tempo" é criado, logo, não faz sentido perguntar o que havia "antes".»

    Concordo. Cientificamente, e essa é a minha posição, o universo não pode ter um criador porque não faz sentido falar de algo anterior ao universo que fosse a sua causa e que o criasse. Como Hawkins explica, o universo tem um tempo finito mas o intervalo é aberto no início, não havendo um momento inicial, muito menos um antes que o possa ter causado.

    Essa é uma das razões para rejeitar a hipótese cristã de um deus criador.

    O que estava a referir era o modelo cristão de um deus eterno criador de um universo que não é eterno. Esse, concordo, é cientificamente incorrecto, mas não é o modelo que eu defendo.

    «Não é o sentido oposto entre dados e modelos, mas o modo como em cada um de nós ocorre a interacção entre ciência e fé.»

    A fé é um apego injustificado a um modelo. Quando tens fé numa coisa deixas de ser capaz de a comparar imparcialmente com as alternativas, e isso dificulta a correcção de erros. Não há por isso uma interacção produtiva entre ciência e fé. É como ser árbitro e fã incondicional de um dos clubes em jogo...

    «O que eu fiz com a energia Gibbs foi dar-lhe um sentido filosófico.»

    Sugiro que releias o meu post. O que proponho é precisamente que a filosofia não pode ser vista como uma gaveta à parte do resto, separada da ciência, de forma que uma afirmação falsa numa seja considerada verdadeira na outra. As duas são aspectos do mesmo processo de procura de conhecimento, focando fases diferentes mas que têm de concordar entre si.

    Uma interpretação filosófica que seja um disparate científico é uma má interpretação filosófica.

    ResponderEliminar
  6. Ludwig:

    "Uma interpretação filosófica que seja um disparate científico é uma má interpretação filosófica."

    Discordo. É pelo menos uma que não é acerca deste universo. Se é boa ou má é só relaticvo àquilo que queres dela.

    Em relação ao resto estou absolutamete de acordo contigo.

    Ja tinha dito ao Miguel a maior parte das coisas dweste teu ultimo comentário. Para cientista ele defende a pseudociencia onde o improvavel quase sempre é real e o inverificavel é real se nos agrada.

    Ele e o Alfredo Dinis parecem acreditar que a ciencia tem uma lista de entidades e fenomenos que não podem ser admitidos. Mas não há tal coisa. E acreditam ainda que o naturalismo é acerca de justificar tal lista. É absolutamente tolice.

    ResponderEliminar
  7. Ludwig:

    Leste o meu texto? É que estamos de acordo em coisas que são bastante especificas, fiquei curioso.

    ResponderEliminar
  8. Ludwig,

    na verdade não é o progresso científico que está em causa, mas a forma como verificas, cientificamente, a tua crença que o naturalismo científico é verdadeiro.

    Se pensares bem, cientificamente, considerar Deus como hipótese é sempre enviesar qualquer modelo porque – por definição – não há qualquer modelo que seja fiável quando falamos de Deus. Por isso, considerar Deus como hipótese é cientificamente inconcebível e não é por aí que vai o trabalho excelente que se vai fazendo no diálogo entre ciência e fé, e que, infelizmente, conheces pouco. Não há forma científica de provar a sua existência, nem a sua inexistência. A ausência de evidência não é evidência de ausência.

    Quanto à recorrência ao exemplor de Criação, para mostrar a falsidade do próprio conceito com base na ausência de t = 0, é curioso como um universo sem início é perfeitamente compatível com um Deus Criador, pois não haver t=0 não implica que não haja criação. A criação como acto está para além do próprio espaço e tempo. Por outro lado vejo que o teu conceito de eterno restringe-se à temporalidade, o que é normal numa perspectiva naturalista científica, mas não numa teológica.

    Se para ti fé é um apego a um modelo para mim não é. Nos teus termos, fé é confiar que a realidade não se restringe aos modelos que sabemos, mas está sempre aberta ao inesperado e, por isso, é motivo (a fé) de querer conhecer melhor, de fazer mais e melhor ciência. Ambas (ciência e fé) purificam-se reciprocamente (como disse Bento XVI).

    Por fim, como avalias uma interpretação filosófica como um disparate científico? Qual o teu critério quando rejeitas a interpretação da entropia como um aspecto mental, leia-se, noção que contém em si mesma sentido e significado? Quero que fique bem claro que nos meus argumentos, uma realidade científica e uma interpretação filosófica não “confluem”, mas entram em consonância, ou seja, permanecem distintas, mas juntas (unidas) levam-me a ter uma visão da realidade mais integral. É a minha experiência e sei que não é a tua, e da mesma forma que tu, não consigo (nem quero) provar esta consonância “cientificamente”. Se o fizesse entraria precisamente no tipo de postura que leva ao conflito, quando ele não existe, entre fé e ciência.

    ResponderEliminar
  9. "por definição – não há qualquer modelo que seja fiável quando falamos de Deus"

    Por definição tua. Deus até pode nem estar de acordo.

    E depois ja nem se fala de um modelo, apenas factos que sugerissem a sua exstencia.

    E como suportas a existencia de Deus ja que estas tão preocupado com a epistemologa? Não suportas. O conhecimento humano tem sempre de se referenciar no conhecimento humano com referencia. Até se disseres que tens Deus como referencia porque não sabes se é mesmo Deus. Nos temos o universo como referencia. Se Deus esta e atua neste universo o naturalismo ha de o revelar. Naturalismo não é uma lista de coisas que nãos e podem saber. É uma atitude de não somar entidades a bel prazer quando se explica um fenomeno ou facto.

    ResponderEliminar
  10. "A ausência de evidência não é evidência de ausência."

    Excepto quando se amontoa evidencia da não existencia. Tal como ele não está na pedra quando ela cai ou na transferencia de calor numa panela. A ciencia pode provar uma negativa.

    Senão tens uma Terra cheia de Duendes, demonios e malfamagrifos. Ha e ELvis.

    ResponderEliminar
  11. Quem vos garante que nada existiu antes da singularidade que criou o nosso Universo?

    O Universo parece ser tão vasto e ainda quase nada sabemos sobre ele.
    E se existiu uma singularidade que criou o nosso Universo o que impede que tenha havido outras singularidades anteriormente e que o Universo se expanda e contraia infinitamente.

    Afinal há uma singularidade no centro de cada buraco negro.
    Talvez um dia possamos explicar estas singularidades e atirar deus definitivamente para um buraco negro.

    ResponderEliminar
  12. Joao,

    que ideia tens de Deus?

    Helder MC,

    mesmo se não está directamente relacionado om o seu comentário, ligando-se mais aos comentários trocados entre mim e o Ludwig, permita-me sugerir um post onde explorei a questão: O Big Bang é o momento da Criação?

    Cordiais saudações e votos de Bom Ano...

    ResponderEliminar
  13. Miguel Panão:

    Entidade com caracteristicas de Deus:

    Omnipotente, omnipresente, omnisciente, bom e justo. E acabei de postular: com barba branca e aspeto repeitavel mas com uma tatuagem do Ronaldo no braço. :P

    De qualquer modo, esta definição, catolica de Deus, é um modelo resduzido.

    Não ves que uma coisa é termos uma definição daquilo que procurar ver se existe que serve para nos entendermos e para pensar. Outra é abusar do que não se sabe para caprichar nos atributos?

    ResponderEliminar
  14. Admito no entanto que possas dizer que o modelo não possa ser completo. Isto é, não penso que possas prever a vontade de Deus, se ele existir.

    Mas isso esta longe de podermos pensar sobre as concequencias de ser omnipotente , omnipresete, bom e justo.

    Ja te desejei um bom ano?

    Que não te falte nada. Bom ano para ti e para os teus,.

    ResponderEliminar
  15. Miguel Panão,

    «na verdade não é o progresso científico que está em causa, mas a forma como verificas, cientificamente, a tua crença que o naturalismo científico é verdadeiro.»

    Está em causa porque é precisamente esse progresso que nos dá uma medida da fiabilidade de uma hipótese e do grau de confiança com que lhe atribuímos o valor de verdade. Nós não temos um oráculo mágico que nos diga se uma hipótese científica é verdade ou não. Temos de a avaliar pela forma como unifica dados, explica, revela informação nova e nos dá mais ideias para testar com sucesso.

    «Se pensares bem, cientificamente, considerar Deus como hipótese é sempre enviesar qualquer modelo porque – por definição – não há qualquer modelo que seja fiável quando falamos de Deus.»

    Então não há nada fiável que se possa dizer acerca de Deus...

    «Não há forma científica de provar a sua existência, nem a sua inexistência. A ausência de evidência não é evidência de ausência.»

    Dizes isto apenas porque confundes prova científica -- um teste -- com prova matemática -- uma demonstração. Se não é possível testar a existência de Deus então o mais razoável é agir como se ele não existisse -- qualquer outra coisa será pura perda de tempo...

    «A criação como acto está para além do próprio espaço e tempo.»

    Isso é absurdo. Não podes sequer ter um acto para além do espaço e do tempo, visto que qualquer acto tem de ser situado no tempo: tem de ter um antes, um durante e um depois.

    Fora do espaço e do tempo tudo simplesmente é. Não há criação, nem transformação, nem actos nem qualquer mudança. Isto é novamente o mistério da contradição do qual as religiões tanto gostam mas que acaba sempre em absurdos.

    «Se para ti fé é um apego a um modelo para mim não é. Nos teus termos, fé é confiar que a realidade não se restringe aos modelos que sabemos»

    Eu tenho a certeza que a realidade não se restringe aos modelos que eu conheço, e até que os modelos que eu conheço contêm erros. Por isso procuro modelos melhores e aperfeiçoar os que tenho.

    O que me parece me distingue de ti é que há um modelo do qual não abdicas.

    ResponderEliminar
  16. (continuado)

    «Por fim, como avalias uma interpretação filosófica como um disparate científico?»

    Quando faz algo como afirmar que a energia livre de Gibbs tem uma componente mental, ou que a evolução tem um carácter teleológico (como T. de Chardin defendia), ou que só usamos 10% do cérebro, ou que temos chakras ou qualquer outra coisa que contradiga o que a ciência descobre.

    ResponderEliminar
  17. Helder,

    «Quem vos garante que nada existiu antes da singularidade que criou o nosso Universo?»

    Se queres (a ilusão de) garantias, tens de escolher uma religião. O nosso conhecimento é uma procura pelas melhores explicações, sempre falível e de resultados provisórios. A única garantia que pode dar é de uma aproximação assimptótica à verdade, assumindo que o processo decorre durante um tempo infinito. O que, na prática, é o mesmo que não garantir nada.

    ResponderEliminar
  18. Ludwig,

    Lamento mas o que escreveste não justifica que o progresso científico esteja em causa só porque o Naturalismo Científico o esteja.

    Por outro lado, do ponto de vista desse naturalismo científico percebo porque não haja nada fiável que se possa dizer sobre Deus, mas o argumento é uma falácia, pois não há experiência científica que possa aferir a sua existência ou não.

    Se não é possível testar a existência de Deus então o mais razoável é agir como se ele não existisse

    Argumento típico do naturalismo científico, mas que não se deve absolutizar. Caso contrário, pelo facto de não ser possível testar a crença de que o naturalismo científico é verdadeiro, que o melhor fosse agir como se ele não existisse.

    qualquer acto tem de ser situado no tempo

    outro argumento típico do naturalismo científico que recusa qualquer forma de metafísica, ou pensamento atemporal. Por outro lado, estás a limitar a criação ao acto quando existem outros modos que são também criação. Por exemplo, o ser (somos criação de Deus) e a relação (Deus que cria um mundo para que na relação com Ele entre em comunhão plena consigo mesmo).

    há um modelo do qual não abdicas

    O modelo de um Deus-Amor. Mas há também um modelo que tu também não abdicas: o materialismo científico. O problema é que o meu modelo não rejeita a possibilidade do teu. Ora, desse ponto de vista, por ser mais abrangente, deverias aceitar o meu como verdadeiro e manterias a possibilidade do teu. Aliás, poderia Deus ter criado um mundo verdadeiramente livre sem a possibilidade do materialismo científico? Parece-me que não ...

    Por fim, a forma como avalias um disparate científico não explica coisa nenhuma porque uma interpretação filosófica seria um disparate científico se contradissesse algo no âmbito científico, o que a metáfora ou analogia que fiz não faz.

    ResponderEliminar
  19. "Lamento mas o que escreveste não justifica que o progresso científico esteja em causa só porque o Naturalismo Científico o esteja."

    Sem Naturalismo não ha Ciência. É uma consequencia do rigor que só pode ser eliminada pela força e não pela razão.

    É consequencia de não fazer sentido introduzir Factores ad-hoc para explicar o Universo.

    ResponderEliminar
  20. Miguel,

    «Lamento mas o que escreveste não justifica que o progresso científico esteja em causa só porque o Naturalismo Científico o esteja.»

    O que eu quis dizer foi que o progresso científico tem sido um teste importante para o naturalismo. É assim que testamos as hipóteses. Não é com "provas" no sentido lógico, mas pondo-as à prova a ver se explicam e levam a novo conhecimento. O naturalismo tem passado com nota máxima.

    «o argumento é uma falácia, pois não há experiência científica que possa aferir a sua existência ou não.»

    "Experiência científica" é redundante. Não há nada que possa aferir se esse deus existe ou não a menos que ele exista e haja evidências de tal. Que é o que acontece com qualquer deus. Nota que tu não podes provar definitivamente que não há um escaravelho gigante a rebolar o Sol. Pode ser invisível, por exemplo...

    «Caso contrário, pelo facto de não ser possível testar a crença de que o naturalismo científico é verdadeiro, que o melhor fosse agir como se ele não existisse.»

    Como já te expliquei várias vezes, a crença no naturalismo é testada todos os dias. E sempre que conseguimos explicações naturalistas para o que observamos, essa crença passa o teste.

    A partir do momento que deixar de dar explicações melhores que as alternativas, será abandonada. Mas, até agora, isso não aconteceu. Com o teu deus não consegues dar explicações melhores que se pode dar sem ele. Pelo contrário -- tenta meter um deus nas equações da termodinâmica a ver o que dá...

    «Mas há também um modelo que tu também não abdicas: o materialismo científico. »

    A diferença é que eu apenas não abdico deste modelo pela razão que não abdico da ideia que a gravidade decai com o quadrado da distância. Ambos correspondem aos dados de que disponho. Mas abdicarei desses modelos, e de quaisquer outros, se deixarem de estar fundamentados nos dados.

    No caso do teu modelo do "Deus-Amor", tu simplesmente não abdicas dele mesmo não havendo nada de concreto que indique existir tal ser.

    «Por fim, a forma como avalias um disparate científico não explica coisa nenhuma porque uma interpretação filosófica seria um disparate científico se contradissesse algo no âmbito científico, o que a metáfora ou analogia que fiz não faz.»

    Dizer que a energia livre de Gibbs tem uma componente mental é um disparate. Não é um "disparate científico". É um disparate.

    ResponderEliminar
  21. O problema é que quanto mais coisas o Naturalismo mais incomodadas ficam certas pessoas.

    ResponderEliminar
  22. Ludwig,

    dizes que o progresso científico é um teste importante para o naturalismo. Ora, o naturalismo é a crença que a natureza é tudo o que existe, que não há qualquer propósito neste universo, e que não existem quaisquer realidades distintas do mundo natural.

    A primeira pergunta que me surge é: como é que o progresso científico representa um teste que o naturalismo passa com nota máxima? É que o argumento é cíclico.

    O progresso científico ocorre com conhecimento novo proveniente de experiências científicas. Por definição, uma experiência científica só pode ser delineada tendo em conta a natureza material do universo que nos circunda, mas não possui qualquer poder explicativo para além disso. Não se pode inferir a validade ou não de uma crença com base numa experiência científica. Contudo, na óptica do naturalismo científico essa experiência tem que existir para validar a crença de que a natureza é tudo o que existe. É cíclico.

    Repara, uma explicação naturalista dirige-se à natureza existente e não à crença de que a natureza é tudo o que existe. Para isso precisarias que delinear uma experiência científica relativamente a algo que não fosse natureza. Mas ao obteres resultados, concluirias que esse algo faz parte da natureza, logo não dirigiste a experiência a algo que não era natureza.

    Quer isto dizer que existe espaço para outro tipo de explicações que não sejam apenas as provenientes do progresso científico, tal como explicações teológicas. É claro que são explicações dirigas às crenças e não à natureza material das coisas.

    Se a água ferve porque quero fazer chá, por muito que a física, química, neurologia se esforcem, nenhuma me irá produzir uma explicação adequada da razão pela qual quero fazer chá. Existe espaço para diferentes níveis de explicação do real, mas aquilo que o naturalismo faz é reduzir os diversos níveis a um só. É por isso que, como opção filosófica, produz uma visão limitada da realidade, e todo o teu edifício de pensamento é, por isso, limitado.

    Não há nada que possa aferir se esse deus existe ou não a menos que ele exista e haja evidências de tal.

    No naturalismo científico não. Seria necessário seres uma pessoa mais aberta nas ideias, mesmo não sendo crente. Porém, as evidências são mais experienciais, onde a tua pessoa faz parte dessas experiências, em relação com outras pessoas, e não com base numa qualquer experiência à parte da realidade vivida na primeira pessoa.

    No caso do teu modelo do "Deus-Amor", tu simplesmente não abdicas dele mesmo não havendo nada de concreto que indique existir tal ser.

    É óbvio que existe algo de concreto. Para mim são os relacionamentos de amor recíproco. Algo que experimento pessoalmente e que dão sentido à minha vida. A tua pessoa pode não aceitar o meu concreto como o teu concreto, mas essa não aceitação não faz do meu concreto, abstracto.

    Dizer que a energia livre de Gibbs tem uma componente mental é um disparate.

    Mantenho a pergunta: porquê?
    Deixa estar ... eu respondo. Porque as limitações do naturalismo científico reduzem todos os níveis de explicação do real a um só. Fazes-me lembrar aquela formiga que só conhece o frente-trás, para-um-lado-e-para-o-outro. Para conhecer o cima-baixo seria preciso alguém que vivesse nessa dimensão da realidade que o revelasse. Se quiseres -passo a analogia - considera-me, como a outros, lembro-me do Alfredo Dinis, ou António Parente, "formigas" como tu que fizeram uma experiência com esse "Alguém" ;)

    ResponderEliminar
  23. Naturalismo não é uma lista pré-fabricada de coisas que a ciência "não pode aceitar". Tal lista não existe.

    Todo o conhecimento tem limites, a autoreferencia é o fim de qualquer sistema. Até um que se diga baseado numa potencia do conhecimento. Porque não o pode provar.

    Mais vale tentar provar ponto a ponto, ver se tudo encaixa e abre portas novas.

    Godel formalizou essa questão. É matemático. Mas isso não quer dizer que não se possa considerar como facto uma série de coisas. Apenas que não é possivel fechar o sistema.

    O teu problema é que conforme o Naturalismo vai explicando cada vez mais coisas, nesta realidade, começa a deixar de haver espaço para deixar um Deus interventivo na natureza. É preciso inventar que há um limite para a ciencia antes de tudo estar coberto. Mas é tarde para isso. Ja não sobra espaço para um Deus omniomni. So para o Deus das Lacunas.

    ResponderEliminar
  24. Joao,

    o ateísmo vale o que vale o que conceito de Deus que nega.

    ResponderEliminar
  25. "o ateísmo vale o que vale o que conceito de Deus que nega."

    Não. O ateismo vale o que vale negar uma entidade postulada para explicar o que é melhor explicado de outra forma (realidade).

    São frases parecidas na sonoridade mas a tua não significa nada e é so jogo de palavras.

    ResponderEliminar
  26. Miguel,

    O teu comentário tem uma data de coisas diferentes que penso precisarão de mais de um post para responder.

    Mas, só para adiantar esta:

    «Se a água ferve porque quero fazer chá, por muito que a física, química, neurologia se esforcem, nenhuma me irá produzir uma explicação adequada da razão pela qual quero fazer chá. Existe espaço para diferentes níveis de explicação do real, mas aquilo que o naturalismo faz é reduzir os diversos níveis a um só. É por isso que, como opção filosófica, produz uma visão limitada da realidade, e todo o teu edifício de pensamento é, por isso, limitado»

    O meu edifício não se divide em níveis isolados. É uma estrutura coerente.

    E se bem que, neste momento, a ciência não consiga explicar as causas da minha vontade de fazer chá, proponho que a tua filosofia também não consegue. Tu não me sabes explicar porque é que as 17:28 de um certo dia me deu vontade de ir fazer chá.

    A questão não é se "há espaço" para outras explicações. O meu naturalismo é uma hipótese, e admito sempre espaço para hipóteses alternativas. Mas o que tem acontecido é que não há explicações alternativas melhores. Mesmo aquilo cujo nosso conhecimento não permita ainda explicar de forma naturalista também não é explicado de forma não naturalista.

    Quanto à energia de Gibbs, não é o naturalismo que me faz assumir que esta não tem componente mental. É a definição da energia livre de Gibbs. Se queres uma energia com componente mental precisas de arranjar outra. Esta, como tu próprio admitiste, não a tem.

    ResponderEliminar
  27. Ludwig:

    "A questão não é se "há espaço" para outras explicações"

    Discordo.

    No sentido em que há coisas por resolver, onde algumas explicações podem ser introduzidas quase à força (milagre da vida, da consciencia, etc) mas que não são lacunas grandes o suficiente para que se possam atribuir a entidades de outro modo não testadas e indetetaveis.

    almas, espiritos, milagres da vida, etc

    ResponderEliminar
  28. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  29. O problema de os crentes quererem que Deus seja uma entidade indetectavel, intestavel mas passivel de ser conhecida leva-os a procurar lacunas na ciencia para injectar as suas teorias. E a tentar desacreditar a logica básica da parsimonia ontologica. Mas isso é outra história.

    Essas lacunas não permitem introduzir essas explicações, é o que quero dizer. Mesmo que de facto existam. E não permitem porque a solução para muitas delas já esta bem esboçada em traços largos, deixando apenas promenores para Deuses das lacunas.

    ResponderEliminar
  30. Ludwig,

    eu posso querer fazer chá por diversos motivos. A questão está em que o naturalismo científico exige que haja uma explicação científica por reduzir todos os níveis de explicação do real a um só.

    Quanto à energia Gibbs, continuas a não querer perceber o que quero dizer. Acho que a razão não está em qualquer contradição científica, mas na interpretação filosófica limitada pelo o naturalismo que assumes.

    Contudo, noto uma gradual ausência de argumentação. Espero não estar a esmorecer a tua agucidade argumentativa.

    ResponderEliminar
  31. Miguel Panão,

    Achas razoável fazer uma interpretação filosófica da composição da Lua dizendo que esta é feita de queijo?

    Eu proponho que não por uma razão simples: a Lua não é feita de queijo.

    Como a energia livre de Gibbs não tem uma componente mental, uma interpretação filosófica que o afirme será uma interpretação incorrecta.

    (Nota que isto não é um argumento por analogia, sendo a primeira parte apenas um exemplo da aplicação da regra geral de rejeitar interpretações filosóficas que assentem em premissas falsas)

    Quanto ao chá, o naturalismo não exige nada. Propõe. O naturalismo propõe que há um conjunto de causas naturais por trás da decisão de fazer o chá. Um sobrenaturalismo pode propor hipóteses alternativas.

    O meu argumento aqui é que nenhum sobrenaturalismo, até agora, demonstrou ser melhor a propor explicações que o naturalismo. O contrário, no entanto, é muito comum. Há muitos casos em que as explicações naturalistas são melhores.

    Com isto não exijo nem garanto nada. Apenas constato: há muitos fenómenos que o naturalismo explica bem e mais nada explica, e os fenómenos que o naturalismo não explica, os sobrenaturalismos ou a-naturalismos ou qualquer outra coisa também não explicam.

    ResponderEliminar
  32. "Contudo, noto uma gradual ausência de argumentação"

    A serio? Deve ser uma ausencia sobrenatural então.

    Ludwig:
    Essa das explicações sobrenaturais não explicarem nada tambem é verdade, mas é porque são muito vagas. Não dizem nada de especifico.

    ResponderEliminar
  33. Ludwig,

    vejo que interpretas filosoficamente "aspecto mental" como algo material, como se estivesse a dizer que a entropia é um processo sináptico cerebral. É uma típica interpretação do naturalismo, mas acho que fundamentalista demais.

    O teu exemplo da Lua vai precisamente no sentido que justifica o que disse anteriormente.

    Quando referi o exemplo do chá fui claro ao falar de níveis de explicação do real. Já falámos sobre isso anteriormente. Não falei de um dualismo entre naturalismo e sobrenaturalismo. Por outro lado, o que está em questão não é uma explicação sobrenatural comparada com uma natural, mas a crença do naturalismo posta à prova pelo próprio.

    Por fim, lamento, mas é mais correcto afirmar que a ciência explica bem muito fenómenos, algo que a teologia acolhe e promove (ainda hoje ouvi isso na missa, que se devia fazer cada vez mais ciência e melhor). O naturalismo apenas crê que não há outra explicação possível para qualquer fenómeno que seja e que não havendo explicação, haverá um dia e será científica. Porém, o problema mantém, como vai abordar a explicação científica da crença que apenas as explicações científicas explicam a totalidade da realidade, incluíndo a liberdade, a justiça, o amor, o sentido da vida, o porquê de existir alguma coisa em vez de nada, etc ...

    ResponderEliminar
  34. Poça. Vira o disco e toca o mesmo.

    Que sistema cognitivo tens tu que explica tudo? Um que não disingue realidade de fantasia? O meu é melhor.

    ResponderEliminar
  35. E cuidado que tens duendes a sair pelo nariz. Sim, mas não são materiais.

    ResponderEliminar
  36. Isto é bonitinho....
    O raciocínio Barba rígico e por vezes pakiko é engraçado
    o resto tanto me faz

    A realidade – o que quer que isso seja – interpela-nos constantemente pelos sentidos com que nascemos e pelos instrumentos que inventamos. Tentamos pôr ordem nessa chuva de dados criando modelos mentais que os expliquem. Os pontos luminosos na noite são bolas de plasma a flutuar no vazio, a matéria é feita de átomos e assim por diante. Mas a informação é tanta, e tão diversa, que temos de a partir em blocos mais pequenos. A química, a física, a biologia na ciência, o conjunto de problemas que temos ideia de como se resolvem. A filosofia da mente, da linguagem e a ética na filosofia, problemas que ainda não sabemos como resolver. A matemática e a lógica na linguagem com que descrevemos outros problemas em rigor. E assim por diante.

    O ponto comum é que dividimos a informação pelo que queremos explicar e não pelas explicações que inventamos. Isto tem duas consequências importantes. Primeiro, em cada área há liberdade total para criar modelos que expliquem os dados. Não é preciso ter uma química dos quatro elementos e outra dos átomos. Temos uma química, e se consideramos quatro elementos ou 118 depende dos modelos que vamos inventando. É trabalho em curso. E são categorias permeáveis, dinâmicas e interligadas. A filosofia da mente não vai assentar em hipóteses que a fisiologia demonstre serem falsas, da matemática escolhemos as descrições de geometrias do espaço-tempo consistentes com a física e a astronomia tem de encaixar com a química. Podemos descobrir que duas categorias funcionam melhor como uma só, como a química orgânica e a inorgânica, ou separar uma categoria em duas, como a genética molecular e de populações. Seja como for, é tudo acerca da mesma realidade. Tem de encaixar.

    Neste contexto, o meu naturalismo científico é apenas mais uma hipótese de trabalho. Não me leva a rejeitar dados nem a preferir explicações inadequadas só para não o rejeitar. Se um dia as melhores explicações incluirem fantasmas, magia, milagres e afins, então troco sem problema. Desde que encaixem. E este é o ponto fundamental que o Miguel descura ao fazer a partição ao contrário, assente num modelo em vez de nos fenómenos a estudar.

    Aproveito para reanimar uma conversa interessante com o Leandro Ribeiro, já enterrada nos comentários (2). O Leandro propôs que muitos ateus são como os crentes. Desconhecedores das questões filosóficas e dos argumentos mais sofisticados, limitam-se a acreditar que não há deuses em vez de acreditar que há. Mas há uma diferença importante. Quando os astrónomos rejeitaram a hipótese de caírem pedras do céu fizeram-no não por fé mas por falta de informação. Não havia dados que a justificassem. Por isso o erro foi facilmente corrigido depois de obter os dados necessários. O mesmo se passa com o ateísmo. A conclusão, provisória, que não há deuses deriva da ausência de dados que indiquem que tais coisas existam. Não é um princípio fundamental do qual não se possa abdicar e, se estiver errado, é fácil corrigi-lo.

    Coisas como a astrologia, a teologia, o criacionismo, o tarot e a anatomia energética funcionam ao contrário. A teologia, por exemplo, define-se pelo modelo segundo o qual um deus eterno passou infinito tempo sem fazer nada antes de criar este universo, treze mil milhões de anos depois engravidou uma fêmea de uma espécie de mamífero num canto de uma galáxia de segunda e agora vive preocupado com as preferências sexuais desses bichos. Esta inversão, baseando uma disciplina num modelo em vez de naquilo que se quer explicar, tem como consequência impedir a substituição do modelo por outro melhor que surja e isolar essa disciplina de tudo o resto.

    Eu posso inventar uma queijologia, o estudo dos queijos que compõem a Lua, assente na premissa que a Lua é feita de queijo. E dentro dessa gaveta afirmar que a Lua tem uma componente de parmesão e outra de camembert

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.