sábado, dezembro 05, 2009

Treta da semana: iguais, mas uns mais que os outros.

Tenho seguido o percurso da associação Portal Ateu – Movimento Ateístas Português (PAMAP) com interesse e preocupação. Interesse porque sou ateu e porque conheço pessoalmente o Helder Sanches e o Ricardo Silvestre. E preocupação, no fundo, pelas mesmas razões, que me colocam próximo das divergências que os levaram a sair da Associação Ateísta Portuguesa (AAP) e fundar a PAMAP. O Helder considerava «obrigação [da AAP] ter uma abordagem positiva do ateísmo e demonstrá-lo à sociedade portuguesa, quer seja através de actos públicos de proximidade, quer seja através da organização e participação em debates, publicação de livros, etc.»(1) E ofereceu-se, com o Ricardo, para organizar estas actividades em nome da AAP. A iniciativa é de louvar, se a título pessoal, mas como nenhum ateu consegue representar adequadamente os ateus em geral, o consenso na direcção da AAP foi que este activismo não deve ter mandatários. A AAP não deve servir para mostrar o ateísmo do presidente da comissão de debates, ou algo do género, mas sim o que há de comum no ateísmo dos portugueses. Isto exige prudência, diálogo e, sobretudo, contenção no protagonismo.

A PAMAP tem uma abordagem diferente. Segundo o Helder, não procuram consenso mas representar apenas «os ateus que se sintam representados por nós»(2). Infelizmente, o nome dá a entender que representam o movimento ateísta português, pelo que me preocupa a ideia de ter uns a liderar o ateísmo dos outros. Principalmente depois de ler o regulamento interno da PAMAP, disponível no Portal Ateu (3). Além de uma gralha engraçada*, sugere uma intenção de chefia que me parece pouco compatível com a representação fiel do ateísmo. Diz o artigo 15º :

«1. Número de votos dos sócios:
a) Os sócios “fundadores” da PAMAP por se tornarem sócios na Assembleia-Geral constituinte da PAMAP terão 10 votos em Assembleia Geral,
b) Os sócios que se inscrevam na PAMAP após a Assembleia Geral Constituinte terão direito a 1 voto em Assembleia Geral. Estes sócios terão a denominação de Sócios Escalão 1,
c) Sócios de Escalão 1 que mostrem dedicação e empenho para o sucesso da PAMAP e da promoção do ateísmo, poderão ser convidados pela Direcção da PAMAP a ascenderem a Sócios Escalão 2, onde passarão a ter 5 votos em Assembleia Geral. Esta mudança de escalão será promulgada pela Mesa da Assembleia Geral,»


A 9 de Setembro os sócios fundadores já elegeram, por cinco anos, os órgãos da associação(4), e só na primeira assembleia geral ordinária serão aceites as propostas para novos associados. Os escalões de associados, uns com mais votos que outros, os mandatos de cinco anos e a eleição da direcção antes de admitir sócios é estranhamente anti-democrático. O Helder explicou-me que «Uma associação ateísta é uma associação como outra qualquer» (5), mas no respeito pela transparência, pela troca livre de ideias e pela diversidade de opiniões, penso que uma associação ateísta devia destacar-se da média.

E não para o lado em que a PAMAP se destaca. Segundo o Helder, «Ao contrário de outras organizações, aqui queremos privilegiar o mérito»(5). Não sei porque estar presente na escritura é dez vezes mais meritório que o que faz qualquer outro ateu. Mas o problema fundamental é "privilegiar o mérito" dando mais votos a quem a direcção decide. Imagino o Primeiro Ministro Sócrates propor que se reconheça o mérito dos cidadãos concedendo, à partida, dez votos a cada militante do PS, com o governo depois promovendo ao "escalão 2", com cinco votos, quem o governo julgar ter mérito para isso. Não sei se o Helder iria aplaudir tal medida, mas muita gente interpretaria isto mais como uma forma de prolongar este governo do que de promover o mérito. Sei que uma associação não é um país, nem a sua direcção um governo, mas os princípios democráticos são análogos. A forma mais justa de reconhecer o mérito é todos votarem por igual e deixar o mérito de cada proposta ou candidato transparecer no número de votos.

A outra justificação do Helder é que «Dar o mesmo poder a quem não faz ou não deixa fazer é um tiro no pé da própria associação.»(5) É uma ideia interessante, esta do "poder". Traz-me à mente uma reunião de ateus. Como as da AAP, nas quais o Helder também participou. Um almoço amigável, todos entusiasmados a discutir ideias, a pensar, a discordar e a criticar mas, em conjunto, a debater e a afinar propostas. Nisto, sai-se um com meus amigos, isso é tudo muito bonito, mas como eu é que tenho dez votos vai-se fazer como eu quero.

Um momento de silêncio. Um garfo bate levemente no prato. E desata tudo à gargalhada, uns a bater nas costas do desgraçado que se engasgou com o pão e outros a limpar as lágrimas de riso com o canto do guardanapo. Não sei em que ateus é que o Helder quer usar este "poder" dos dez votos. Os ateus são muito diferentes nas suas opiniões, atitudes e personalidades, mas como ninguém recebe o ateísmo por revelação, os ateus não têm profetas, nem bispos nem papas. No que toca à autoridade sobre o ateísmo, todos os ateus são iguais. Mesmo que alguns digam ser mais iguais que os outros.

*O artigo nono do regulamento interno da PAMAP, pelo menos à data em que escrevo este post, diz «Serão considerados «sócios fundadores» da Associação Ateísta Portuguesa todos os sócios que se tenham inscrito como tal até à data da realização da primeira Assembleia Geral.» Os perigos do copy-paste....

1- Helder Sanches, 19-1-09, Carta aberta à Direcção da AAP
2- A outra.
3- Portal Ateu, PAMAP
4- Portal Ateu, Nasceu a associação Portal Ateu – Movimento Ateísta Português
5- Portal Ateu, Convocatória para a 1ª Assembleia Geral ordinária da PAMAP

9 comentários:

  1. Hi Hi Hi Hi Hi Hi...

    Essa gente está é carente de holofotes. Façam-lhes a vontade,vá lá!
    Podem começar já a estampar fotografias dos excelentíssimos líderes nas camisolas.

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  2. Uma vez apanhei o telefone de uma dessas personagens num blog pessoal (!?). Telefonei á criatura e fiquei constrangido com o que se podia «ler» nas entrelinhas.

    Não confio minimamente nessa gente. E os jornalistas e gente dos media que se colar a eles é de suspeitar.

    São os «Patos bravos» do ateísmo português. Já não bastavam os aventais liberal/socialistas, os fachos e os satânicos.

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  3. Por acaso essa associação esta a querer ter uma hierarquia tipo eclesiastica. Não esperava isso de uma associação de ateus... Onde deve imperar a diversidade por natureza.

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  4. Não estou surpreso por uma organização ateia portar-se assim, apesar de tradicionalmente e tipicamente os ateus defenderem o contrário. Estou surpreso por ser o Helder Sanches o representante.

    Na minha opinião não devem existir organizações ateias. Qual seriam os seus objectivos e funções que não podem ser partilhados por não-ateus, inclusivé teístas? Muitos também teriam interesse em preservar um Estado Secular e a criticar as organizações que representam as suas religiões. Cristãos e muçulmanos (especialmente mulheres) fazem-no.

    A crítica de João é válida: a organização assemelha-se bastante a uma organização eclesiástica. Isto é, dá-se muita importância à autoridade, que é hierarquiarizada, ao ponto de a verdade e valores provirem dela. Nem todas as igrejas e grupos religiosos são assim e é provável que possa haver críticas nesse sentido, daí ter que salientar o "eclesiástica". O título do artigo é apropriada, remetendo ao Triunfo dos Porcos - uma crítica ao Comunismo Soviético.

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  6. Pedro:

    Não tenho a certeza acerca de não fazer sentido uma organisação de ateus. Acho que há um ponto importante que a justifica por si só, que é a defesa do direito de se ser ateu e de se exprimir enquanto tal.

    Se alguem me perseguir por ser ateu ou agnostico, mais do que o que se verifica aqui na net, (Inveramente, por exemplo, eu raramente faço comentarios em blogs ou sites religiosos e quando o faço é durante um curto perioso) era bom haver uma associação que partilha-se os meus interesses nesse campo e me aconselhasse.

    Acho tambem que uma assciação deve celebrar o racionalismo e principios de moral, sem os quais não faz sentido haver ateismo, e decerto unem muitos ateus.

    A associação deve no entanto salientar e ser um dos garantes do direito da pluralidade de opiniões e atitudes dos ateus, e do direito destes de se exporem ou não à sociedade.

    Ateismo é não acreditar na existencia de DEus. Simplesmente. Mas fica despojado de sentido se não for racionalmente suportado, o que tem alfgumas implicações interessantes, como por exemplo não ter implicações nefastas em escolhas de moral ou eticas. Um ateu é na pratica tão bom como um religioso. A não ser que não acredite na existenca de Deus porque não quer (o que é uma falacia). E esse eu considero um caso diferente - mas não conheço ninguem a que se aplique, é uma possibilidade teorica.

    Não me parece que uma associação de ateus que se pretenda ter um significado "mainstream" e se identifique apenas como ateismo portugues - mas que no fundo é mais um partido ou empresa, seja uma coisa positiva. A não ser que os seus lideres assumam frontalmente que querem liderar um movimento muito especifico do ateísmo, com ideias muito proprias e que apenas procuram mentes semelhantes. O que me parece que fazem. O nome muito genérico é que me incomoda um pouco.

    Isto são pensamentos. Tambem acho que era bom haver alguem que falasse mais pelo ateismo, mas mesmo, mesmo importante era alguem que quisesse divulgar e enaltecer a atitude do ceptico de questionar e procurar crenças justificadas.

    Não sabia que era comum ateus unirem-se debaixo de hierarquias tão ditatoriais. A informação que tinha ia em sentido contrario. Em relação a associações de septicos o problema é o inverso. TOda a gente quer mandare não toleram ter "profetas" ou pretendentes a profetas no seio da coisa.


    Não sou sequer socio da APA. Nem da PAMAP claro. Não digo que um dia não seja. Mas para já estas são as questoes que considero pertinentes e que me fazem, à partida estar em desacordo contigo.

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  7. Pedro A.C.

    «Na minha opinião não devem existir organizações ateias. Qual seriam os seus objectivos e funções que não podem ser partilhados por não-ateus, inclusivé teístas?»

    Se te referes a organizações que só permitam associados ateus, concordo. E penso que até seria inconstitucional -- pelo menos se tivessem isso nos estatutos ou regulamento interno seria ilegal.

    Mas penso que pode ser útil uma organização que tente representar um ateísmo genérico, mostrando aquilo que os ateus têm em comum. Útil porque cada ateu é diferente dos outros em muitas coisas, mas há alguns aspectos comuns que muita gente percebe mal. Por exemplo, outro dia ouvi uma rapariga num programa de TV (talvez o curto circuito?) a dizer que ser ateu é não acreditar em nada. Uma associação que vá corrigindo esses disparates é boa ideia.

    Por outro lado, concordo que hoje em dia o associativismo é muito menos relevante que há dez ou vinte anos. Porque hoje em dia qualquer um de nós pode chegar a milhares ou milhões de pessoas, desde que haja interessados, e o papel principal das associações era dar a infraestrutura que permitisse (publicações, contactos com a comunicação social, etc). Mas mesmo assim, no caso do ateísmo, penso que há alguma utilidade em ateus tentarem dar uma imagem do que há de consensual no ateísmo.

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  8. A assembleia geral da PAMAP já parece a assembleia geral dos accionistas da empresa XPTO em que cada accionista tem um número de votos proporcional à quantidade de acções que possui!
    Começam logo da pior forma.

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  9. portal ateu é decadente... não vejo akilo ha seculos... só publicam porcarias

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