Umbigologia.
Um modelo de uma moeda pode ser que é equilibrada e tem igual probabilidade de cair cara ou coroa. Ou pode ser que a moeda é controlada por um demónio invisível que determina com que face ela cai. A grande diferença é que a hipótese do primeiro modelo ser adequado a uma dada moeda pode ser provada. Não no sentido de uma demonstração matemática, como se prova um teorema, mas no sentido de provar um fato a ver se serve, ou a comida para ver se está bem de sal. No sentido de pôr à prova. Lança-se a moeda várias vezes e vemos se o resultado está de acordo com o esperado pelo modelo.
O segundo modelo não permite isto porque não diz que resultado esperar. Sem uma ideia concreta do que o demónio quer ou faz, por muito que lancemos a moeda nunca vamos saber se aquele modelo é adequado àquela moeda. Ou seja, se existe tal demónio a fazer o que o modelo diz. Por isso a hipótese deste modelo corresponder à realidade nem sequer consegue ser falsa. É irrelevante e indistinta de infinitas alternativas igualmente absurdas.
Num post ao qual recentemente chamou a minha atenção, o Miguel Panão propõe um modelo que sofre do mesmo problema. «Uma abordagem proposta por Bob Russel é a Acção Divina Objectiva Não-Intervencionista (ADONAI[1]) definindo-a como uma “abertura inerente nos próprios processos evolucionários onde Deus pode agir. Não é o argumento das ‘lacunas’ uma vez que Deus não está a intervir na evolução; antes, Deus está já imanente na natureza como Trindade, agindo dentro da abertura com a qual dotou o universo quando o criou”.»(1)
O problema é que «Deus está já imanente na natureza como Trindade», tal como “um demónio controla a moeda”, é falar acerca de uma coisa sem dizer nada acerca dela. Por não especificar o que se espera observar, o modelo é um contra-senso. Tenta representar algo sem representar nada.
Se nós assumimos que a moeda é equilibrada há duas possibilidades. Se a moeda se comporta como esperamos ganhamos confiança no modelo. Se se comporta de uma maneira inesperada então temos justificação para substituir o modelo ou introduzir-lhe novos elementos. É assim que a ciência progride. Partindo de modelos com previsões concretas e alterando-os quando se revelam inadequados.
A teologia, após falhanços como o geocentrismo e o criacionismo, parece ter desistido de criar modelos acerca da natureza. Agora só olha para si própria e propõe coisas que não ligam a lado nenhum.
1- Miguel Oliveira Panão, 1-3-09, Como pode Deus agir sem intervir?