quarta-feira, março 04, 2009

O julgamento dos piratas.

Terminou ontem o julgamento dos gestores do site The Pirate Bay (TPB), o mais famoso fórum sobre ficheiros em partilha. O veredicto virá no dia 17 de Abril, mas o julgamento em si foi uma grande vitória para os gestores do site. Das acusações iniciais tiveram de ser retiradas tanto as de violação de copyright, porque o site não tinha material protegido, como as de “cumplicidade na violação de copyright”, porque a acusação não estabeleceu qualquer contacto entre os gestores do TPB e as pessoas que tinham partilhado os ficheiros apresentados como prova. O TPB é um fórum aberto, e nem o que os utilizadores lá escrevem nem o que partilham entre si exige a cumplicidade dos gestores.

Restaram apenas as acusações de “cumplicidade em disponibilizar material protegido”, que a defesa apontou serem pouco razoáveis. Porque a acusação nem deu evidências de ter havido algum crime – não se sabe de onde foram disponibilizados os ficheiros e nem todos os países o criminalizam – nem estabeleceu qualquer ligação entre os acusados e as pessoas que partilharam esses ficheiros. Mas, seja qual for o veredicto, certamente que quem perder irá recorrer. Legalmente, o caso vai demorar a resolver-se. No entanto já serviu para mostrar duas coisas importantes.

Por um lado, que a industria de distribuição está a combater a troca de informação e não propriamente a partilha de ficheiros. Milhões de pessoas trocam ficheiros de música e vídeo todos os dias. Isso não conseguem impedir nem que desliguem a Internet, porque com um disco rígido leva-se facilmente mil filmes num bolso. Por isso querem impedir que esses milhões de pessoas digam uns aos outros “tenho este ficheiro”. Esta parte dos direitos de autor, o copyright, já tinha pouco a ver com o autor. Agora fica também longe de qualquer coisa que se reconheça como direitos.

E, por outro lado, a justificação para estas medidas é uma treta. O que a acusação propôs é que cada vez se consome mais músicas e filmes mas cada vez as pessoas pagam menos pelo que consomem. Isso, alegam, está a destruir a indústria. Mas consumir um recurso é torná-lo mais escasso, e a partilha de ficheiros faz precisamente o contrário. É por tornar os ficheiros sobreabundantes que desvaloriza a distribuição. Além disso, as pessoas pagam cada vez mais por concertos e bilhetes de cinema. E até por músicas compradas online. O que tem afectado a indústria discográfica é um conjunto de factores. Os videojogos e telemóveis, que competem na mesma faixa de mercado; a possibilidade de comprar faixas individuais, eliminando o negócio de vender 19 músicas de treta agarradas à única que o consumidor quer comprar; a obsolescência do CD, que hoje em dia só serve para copiar as músicas para o leitor de mp3. E outros factores como a globalização do mercado e novos métodos de produção (1).

O propósito do copyright não é proteger a indústria. É promover a criação e distribuição de obras de arte. Até há poucas décadas isto coincidiu com os interesses dos distribuidores porque a distribuição era o factor limitante. Fabricar e transportar discos de vinil era mais caro que pagar a uma banda para gravar músicas, por isso era essa parte do processo que a legislação tinha de proteger. Mas agora já não. Distribuir músicas é gratuito e o copyright devia ser repensado para não inibir a inovação nem dificultar a distribuição.

O objectivo das leis de copyright era enriquecer a cultura incentivando a criação e distribuição de novas obras, duas coisas que a partilha de informação facilita. Mas a indústria tomou de assalto este mecanismo legal e está a usá-lo para obter lucros por coacção. Isso é muito mais parecido com pirataria do que partilhar coisas gratuitamente.

1- Jens Roland, TorrentFreak, 27-2-09 How To Kill The Music Industry

Há um resumo no TorrentFreak, The Pirate Bay - Innocent or Guilty?, que tem também detalhes sobre os vários dias do julgamento. E, é claro, na Wikipedia.

10 comentários:

  1. Muito interessante o que dizes. Tens razão. É necessário outro modelo. Revolucione-se a coisa. Se as músicas forem suficientemente baratas e de igual modo os filmes, se forem fáceis de fazer download e se o DRM não atrapalhar, as pessoas nem se preocuparão em piratear.

    A solução não passa em combater a pirataria, mas sim em competir com ela. Oferecer um conjunto de mais valias que a pirataria não consegue (segurança e acesso facilitado, p. exemplo) e a um preço interessante.

    Vamos ver. A grande revolução irá passar-se quando as ferramentas de produção de música forem suficientemente baratas, e houver a possibilidade de entrarem de imediato no mercado (iTunes possibilita isto desde logo). Nessa altura, a única coisa necessária é um bom método de separar o trigo do joio.

    Já imagino a coisa. Milhares de novas "discográficas", quase pessoais, que entram directamente no iTunes, e que consoante o sucesso na blogosfera ou na crítica musical, assim terão sucesso na sua venda. E as grandes limitam-se às grandes produções da treta...

    Talvez estejamos no início de uma era dourada da música.

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  2. Muito interessante de facto. A explicação sobre as origens e propósito do copyright está clara e simples. E é um ponto importante a fazer. A possibilidade de distribuir informação a custo zero afecta as editoras pois compete directamente com o maior "cash-cows" deles: (o monopólio da) distribuição. E apenas afecta a pequeníssima percentagem de artistas que consegue bons contratos com as mesmas editoras (as "super-estrelas"). Toda a restante vasta maioria está muito melhor interagindo directamente com os fãs, sem precisar das editoras pelo meio.
    Quanto ao DRM, a sua mera existência é completamente inaceitável. Não impede a cópia da informação que supostamente "protege", e afecta precisamente aqueles consumidores que compram os DVDs/CDs legalmente (a explicação mais detalhada está aqui).
    Finalmente, não gosto do termo "pirataria". Mesmo apesar de uso como "pun" no nome ("The Pirate Bay"), acho que empregar esse termo apenas contribui para continuar discutir o facto de as editoras viverem na idade da pedra, quando o que se devia discutir é como aproveitar as oportunidades que esse bravo mundo novo que é a internet oferece.
    One resists the invasion of armies; one does not resist the invasion of ideas --Victor Hugo

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  4. A descontracção de quem sabe que tem a razão do seu lado:

    "Pirate Bay accused does remote sysadmin from courtroom during closing arguments"

    http://www.boingboing.net/2009/03/03/pirate-bay-accused-d.html

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  5. Barba Rija,

    «É necessário outro modelo. Revolucione-se a coisa. Se as músicas forem suficientemente baratas e de igual modo os filmes, se forem fáceis de fazer download e se o DRM não atrapalhar, as pessoas nem se preocuparão em piratear.»

    Sim. Eu acho que nem era preciso revolucionar muito. Bastava reverter a aplicação do copyright ao seu âmbito original, que era a regulação do comércio. Tudo o que fosse sem fins lucrativos ficava de fora.

    «Já imagino a coisa. Milhares de novas "discográficas", quase pessoais, que entram directamente no iTunes, e que consoante o sucesso na blogosfera ou na crítica musical, assim terão sucesso na sua venda. E as grandes limitam-se às grandes produções da treta...»

    Já começa a ser assim. Há vários sites organizados de forma a permitir que cada artista seja a sua "discográfica", tratando de obter financiamento directamente dos fãs, promovendo a sua música, gravando por sua conta, etc.

    Nota que apesar das queixas constantes das discográficas que a "industria musical" está a ser destruida, não se nota falta de música ou de músicos. Pelo contrário.

    O que está a ser destruido é só o monopólio da distribuição.

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  6. Oscar Pereira,

    «Finalmente, não gosto do termo "pirataria". Mesmo apesar de uso como "pun" no nome ("The Pirate Bay"), acho que empregar esse termo apenas contribui para continuar discutir o facto de as editoras viverem na idade da pedra, quando o que se devia discutir é como aproveitar as oportunidades que esse bravo mundo novo que é a internet oferece.»

    Concordo que se devia deixar o mercado explorar novas formas de distribuição e novos serviços. Prevejo que quando estas tretas do copyright se resolverem vai haver muito negócio com a agregação e geração inteligente de playlists. Muita gente vai querer pagar por um serviço onde não só possa ouvir o que quer mas que também lhe seleccione as coisas que gosta ou lhe mostre coisas novas interessantes. Num mercado de sobreabundância de entretenimento vai haver muita procura por quem seja capaz de seleccionar melhor as opções.

    Mas o problema agora é a lei. Os distribuidores fornan um lobby poderoso que influencia tratados internacionais que por sua vez determinam a legislação em vigor em cada país.

    Um exemplo é o ACTA, que está a ser negociado a portas fechadas e que pode ter ramificações importantes não só na distribuição cultural mas na nossa própria privacidade e liberdade individual.

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  7. Mesmo que o TPB ganhe esta batalha judicial, há um longo caminho a percorrer antes de vencer a guerra. Países como a França, Austrália, Suécia e Nova Zelândia preparam-se para aprovar ou já aprovaram leis patrocinadas pelas poderosas empresas discográficas e cinematográficas de modo a poder extorquir dinheiro de *presumíveis* infractores de copyright, sem intervenção judicial (ou com tal intervenção reduzida a um mínimo). A Suécia acabou de fazer uma interpretação totalmente ridícula da IPRED (http://en.wikipedia.org/wiki/IPRED) e permitirá que ISPs entreguem dados pessoais a tais empresas desde que sejam apresentadas "provas" em como existe "infracção". Que tipo de provas e o que é realmente infracção ainda ninguém explicou.
    As únicas boas notícias que li ultimamente foram sobre uma possível reestruturação da RIAA e da MPAA, com muitos despedimentos nos sectores ligados à gestão da "propriedade intelectual", ou seja, os idiotas que gastam rios de dinheiros de impostos em julgamentos destinados apenas a espalhar o terror e a desinformação.
    Mais cedo ou mais tarde, o castelo de cartas destes gananciosos vai desmoronar-se, mas até lá vamos ter de sofrer todo o tipo de atentado à liberdade de expressão e ao movimento da cultura livre. E isto é preocupante e deve preocupar mesmo aqueles que não se interessam muito por estas coisas porque afecta a privacidade e a liberdade de toda uma sociedade.

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  8. O Tozé Brito também anda um bocado equivocado quanto à forma como o mundo mudou...

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  9. Patrícia,

    está em desenvolvimento nova versão de torrent que encripta tudo.
    Será impossível ao ISP dizer que o cliente x esta a baixar o ficheiro Y ou Z.

    O único problema é que a encriptação/desencriptação dos dados nos computadores pessoais é pesada e vai fazer com que a partilha fique mais lenta. Mas os CPUs não param de aumentar o poder de processamento pelo que...

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  10. mama eu quero,

    mais uma prova de que a tecnologia está um passo à frente destas indústrias. Nem com a tecnologia actual eles sabem lidar, quanto mais. Pelos vistos nunca ouviram falar de proxies, IPs partilhados, zombies, etc etc... É praticamente impossível não disputar que pessoa A descarregou ficheiros no computador usando determinado IP, hoje em dia.

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