Treta da Semana: Filtrar a Internet.
O abuso sexual de crianças é visceralmente repugnante. Por isso não admira que tenha a atenção da imprensa e televisão sempre que algum caso é descoberto. Nada vende mais anúncios do que avisar “imagens eventualmente chocantes”. Mas é um problema tramado. Por um lado porque é parte de um vasto padrão de maus tratos a crianças. Anualmente morrem mil e quinhentas crianças nos EUA*, e há quase um milhão de condenações, por este tipo de crime (1). O abuso sexual perfaz menos de 9% do total (2), uma percentagem significativa mas longe de ser o único problema. Por outro lado porque é um crime privado, no seio da família. Em 90% dos casos de abuso sexual o agressor é um familiar próximo da vítima. Em 80% dos casos é um dos progenitores.
No fundo, para proteger crianças dos maus tratos é preciso protegê-las dos pais. O que é politicamente difícil quer pela dificuldade de intervir na família quer por ser preciso prevenir os maus tratos. A prevenção não serve aos políticos, que não conseguem ganhar pontos com o mal que se evita. Por isso preferem combater vistosamente um mal mais à mão, mesmo que seja contraproducente.
Daí a preocupação pública com a pornografia infantil. Dos anos 70 para cá passou a ser crime enviar, ter ou até querer ver qualquer imagem que pareça uma criança nua. Concordo com o princípio moral de não publicar fotos de crianças nuas. O problema é traduzir o princípio moral em lei. No Reino Unido é crime ter “pseudo-fotografias” indecentes de crianças, definidas como qualquer coisa que pareça uma fotografia. Por exemplo, é crime de abuso sexual de menores, e registado como tal, ter uma imagem do rosto de um menor colada à foto de um adulto nu (3). Nos EUA este crime abrange qualquer representação visual de menores envolvidos em relações sexuais, incluindo «desenho, caricatura, escultura ou pintura»(4).
Isto não protege as crianças e até tem o efeito contrário por dirigir a polícia para alvos mais fáceis mas pouco relevantes. A correlação entre procurar pornografia infantil e molestar crianças é muito debatida, mas cerca de 40% dos condenados por possuir pornografia infantil são também acusados de outros abusos (5). O quer dizer que a maioria dos pedófilos que a polícia prende, os outros 60%, apenas saca fotos da net. É insensato desperdiçar com estas pessoas recursos policiais necessários para combater os maus tratos que tantas crianças sofrem. Além de causar maus tratos às crianças das famílias vitimadas por investigações feitas com mais zelo do que rigor (6).
Agora quer-se aumentar o investimento neste sucedâneo de combate aos maus tratos filtrando a Internet para “proteger as crianças”. Como se eliminar certos ficheiros .jpg fizesse desaparecer os monstros que violam os próprios filhos. Na WikiLeaks há um relato de um “profissional” da pornografia infantil. É perturbador em alguns detalhes mas dá uma ideia do que se passa e da futilidade de investir tanto no combate a este negócio (7).
Segundo o relato, a maior parte da pornografia infantil vem de revistas antigas ou de fotografias de nus tiradas com o consentimento dos pais e das crianças. Não é decente mas fica muito aquém da violação de menores. As imagens de violações e violência são fornecidas por tarados que fazem isto aos próprios filhos e distribuem o material de graça. O verdadeiro crime de maltratar crianças é insensível à censura ou ao desmantelamento do negócio. Além disso, os servidores de onde distribuem este material são pagos com cartões de crédito roubados, todo o material é encriptado e os endereços só são usados por proxies que nem registam as ligações que medeiam entre os servidores e quem os usa. E tudo isto espalhado por vários países. É praticamente impossível impedir este negócio.
A pornografia infantil, transferida já por uma rede obscura, não se consegue filtrar. A ideia de filtrar a Internet por causa da pornografia infantil só é apelativa porque filtrar a Internet serve outros interesses políticos e comerciais. Na Austrália, por exemplo, um plano que começou por ser para “proteger as crianças” passou a ser para filtrar “material ofensivo e ilegal”(8). Leia-se músicas e dizer mal dos políticos.
Mas o que mais me preocupa nisto nem é o absurdo das leis que proíbem desenhos, o perigo de prender e registar como pedófilos pessoas inocentes ou os abusos inevitáveis de qualquer sistema de “filtragem”. O pior é que este fogo de vista político rouba recursos preciosos que devíamos usar com eficácia para proteger as crianças.
* É muito mais fácil encontrar estatísticas para os EUA...
1- Child Help, National Child Abuse Statistics
2- Jim Hopper, Child Abuse, Official Statistics: United States. Segundo o relatório de 2008, referente a 2006.
3- Cyber-rights and Cyber-liberties, United Kingdom Section of Regulation of Child Pornography on the Internet.
4- Cornell, US Code Collection, § 1466A. Obscene visual representations of the sexual abuse of children.
5- Sex Crime Defense Attorneys of Santa Ana
6- Ver, por exemplo, a Operation Ore, e vários casos na referência 3.
7- Wikileaks, My life in child porn. Via Schneier on Security
8- Zeropaid, Government to "examine how technology can assist in filtering internationally-hosted content."
Mas se Deus não existe, o abuso de crianças pode ser justificado com referência ao código moral do pedófilo. O pedófilo pode dizer que a actvidade sexual entre um adulto e uma criança pode ser benéfica para a criança, que por acaso é o que algumas organizações homosexuais defendem.
ResponderEliminarTu pessoalmente podes não concordar, mas isso é só a tua opinião pessoal. Outras pessoas têm códigos morais distintos, e como Deus não existe (supostamente), todos os códigos morais são igualmente válidos. Até o do pedófilo.
Há que distinguir a actividade sexual, de qualquer tipo, com crianças.
ResponderEliminarÉ muito mau para as mesmas. As marcas psicologicas, muito mais que as fisicas, são péssimas para o desenvolvimento.
Pelo menos é o que diz a falivel ciencia que defende a idade actual da terra. Darwinisses!
Nem vale a pena escolher um trabalho em particular. Se há consenso é que abusar que de crianças é péssimo para as crianças. Sabemos, todos nós, que isso é naturalismo, logo....pegã-se no Carbono 14, na segunda lei da trmodinamica e vê-se que é tudo falso.
Outra coisa é a idade do consentimento.
O São José, casando com uma menina como a Nossa Senhora de idade estimada de treze ou quatorze, era agora um criminoso. Muito mais se ficasse ofendido se ela se recusase.
Bom ! Casando na época não era nada provavel que ela tivesse hipotese de se rescusar....mas enfim...! Bem poderia a rapariga dizer que não que isso só iria provar ao homem que ela era séria. Não cedia assim. Agora não consumar....enfim...coisas entre marido e mulher que na época não metiam policia. Agora, nestes tempos de perdição, uma menina que é dada em casamento, antes da idade legal, e que se recusa é caso de policia.
Sinais da degradação dos costumes.
Os pais, além de a poderem dar como escrava, poderiam casá-la com um velho e , ai dela, que não se deixasse comer.
Infelizmente agora a regra mudou.
As sábias leis de numeros e leviticos estão abolidas.
Como é que o o pobre do Sousa pode dar uma filha como escrava?
Os ateus, esses desgraçados ao contrários da lei de Deus- que tudo pode , e ás vezes f)(/, vide o diluvio - como podem justificar isso ?
A verdade é que qualquer ateu, na sua malvadez inata, não me deixa vender a minha como escrava.
Quanto a violações ...nem falar ...ora bolas ...como se pode confiar em gajos assim ?
Mats,
ResponderEliminarmas se Deus existe, então o abuso de crianças pode ser justificado - basta que tal seja permitido de forma divina. Até pode tornar-se uma obrigação. Por favor, aponta as passagens bíblicas que proibem a pedofilia. Se não existem - então o teu argumento serve também contra ti. És contra a pedofilia pelas mesmas razões que outros são contra a pedofilia. Só se lembraram sansicionar a pedodilia a partir do século XIX, o que significa que houve algo para além do Deus para que fosse considerado imoral. As crianças não têm consciência para decidirem se têm ou não relações sexuais, podendo ficar traumatizadas mais tarde; daí ser mais fácil aproveitar-se de uma criança ou de um deficiente do que com um adulto. O coito seria uma violência, para além de, como no caso da menina brasileira de 9 anos cuja mãe foi excomungada, atentar a integridade física. Foi um Deus que levou-nos a essas conclusões?
E eu até posso dizer que seguir uma referência dita divina também é uma opinião, e repetir sempre a mesma coisa quando tentares diferir - como fazes aos outros.
Mats,
ResponderEliminar«Mas se Deus não existe, o abuso de crianças pode ser justificado com referência ao código moral do pedófilo.»
Já te expliquei isto tantas vezes que este teu comentário já me parece mais desonestidade do que equívoco.
A ver se é desta...
A moral não pode depender do código de nenhum individuo em detrimento dos outros. Seja o individuo um pedófilo seja um deus.
O fundamento de qualquer sistema moral deve ser *todos* os sujeitos. Se te lembrares disto evitas o disparate dessa tua ética do "eu é que mando".
Por isso, por considerar todos os sujeitos, é que violar crianças é mau. Porque é mau para as crianças. E isto mesmo que dê na telha do teu deus dizer amanhã que se pode violar crianças à vontade, como supostamente já disse outrora que se podia apedrejar crianças até à morte se fossem desobedientes. As palermices do teu deus contam tanto para a moral como outras palermices quaisquer.
Sousa,
ResponderEliminar«Há que distinguir a actividade sexual, de qualquer tipo, com crianças. É muito mau para as mesmas.»
Estou completamente de acordo se for uma rapariga de nove anos com o padrasto de quarenta. Já não se for uma rapariga de 17 com o namorado de 18. É claro que algures entre estes extremos temos que pôr a lei a mexer. Mas com a lei temos que ter sempre muito cuidado, senão dá exageros como estes em que zangas entre namorados adolescentes levam um a ficar registado como um criminoso sexual e condenado por pornografia infantil.
Proibir a pornografia infantil (filmes e fotografias genuínos) serve para evitar o sofrimento imposto às crianças durante o fabrico dessa pornografia. Mas durante o fabrico de pseudo-fotografias e desenhos (enquanto se trabalha no editor de imagem do computador ou se desenha no papel) a criança não sofre. No caso dos desenhos pode nem haver uma criança envolvida!
ResponderEliminarPode-se argumentar que certas pessoas tornam-se mais propensas a abusar de crianças se virem pseudo-fotografias ou desenhos. O que valia aqui eram estudos científicos e não "opiniões de café" (aquelas que todos nós temos e discutimos com os amigos num café). E mesmo que haja mais propensão, não se conclui logo que se deva proibir. Por exemplo, se eu descobrir que a minha mulher tem um amante e vir umas facas à venda, talvez fique mais propenso a distribuir umas facadas, mas ninguém vai propor que se proíbam as facas!
Dois URLs para o Ludwig:
http://diario.iol.pt/tecnologia/internet-
censura-tvi24-tecnologia/1049398-4069.html
http://tek.sapo.pt/noticias/internet/
estrelas_da_musica_juntam_se_na_luta_
por_dire_984314.html
Não os coloco na forma de link para não levar com um daqueles processos por fazer deep linking. Estou certo de que o Ludwig compreende-me. ;-)
Concordo com o princípio moral de não publicar fotos de crianças nuas.
ResponderEliminarEsse princípio é controverso, pelo menos assim exposto genericamente. Aliás, o ridículo episódio relatado no "Orlando Sentinel" mostra como existe na horrorosa legislação americana uma desproporção brutal - ela mesmo criminosa! - entre o pretenso crime e a pena. Vide ainda a recente notícia envolvendo o tripulante português do cruzeiro Coral Princess.
A este respeito, já comentei por diversas vezes que não vejo diferença substancial entre estas "leis" (?) absolutamente bárbaras e o mesmo tipo de repressão legislativa existente nos países islâmicos. Dois tipos de fundamentalismo que apenas comprovam como os extremos se tocam e até se pode dizer que estão muito bem... ou mal!... um para o outro!
Neste sentido, há inclusive um claro retrocesso civilizacional, pois englobar genericamente a nudez, infantil ou juvenil, na lista de proibições ligadas à pedofilia é um sinal de puritanismo bacoco e ignorância grosseira, que não distingue o são naturalismo do mero exibicionismo.
Anyway... concordo de um modo geral com o teor do artigo, a real protecção às crianças é muitíssimo mais importante do que estes fogos de vista que apenas ficam bem na imagem pública, servindo como meros remendos inconsequentes.
A este propósito, chamou-me logo a atenção esta importante frase, que se aplica em tantos outros campos:
A prevenção não serve aos políticos, que não conseguem ganhar pontos com o mal que se evita.
De facto, bem se pode dizer que "prevenir é melhor do que remediar", e esse seria mesmo o motto da medicina chinesa, ao que consta. Mas também aqui, bem prega Frei Tomás só que não faz!
Compare-se então a correcta afirmação do Ludwig com esta outra citação de Servan-Screiber, psiquiatra e neuro-investigador, autor de "Curar" e "Anti-cancro":
Tudo já é sabido, está escrito nos livros científicos, mas o problema é que há pouca motivação para desenvolver essas técnicas. Não se pode patenteá-las, pois são técnicas naturais. Ninguém poderá patentear os peixes que têm ómega 3, o controle da respiração, a acupunctura, os exercícios físicos, o afecto, a luz, a hipnose. Portanto, não se poderá ganhar dinheiro com essas patentes, o que é uma motivação a menos.
Uns não ganham pontos e os outros deixam de ganhar contos! Relembro só o mercúrio nas vacinas - durante mais de meio século! - pois a alternativa era dispendiosa, as doses tinham de ser individuais e não em ampolas que serviam para várias inoculações.
Logo, o principio é o mesmo e a justa crítica para uns serve igualmente para os outros... o bem-estar dos indivíduos é o mote de toda a sociedade que tem princípios!!!
Rui Leprechaun,
ResponderEliminar«Esse princípio é controverso, pelo menos assim exposto genericamente. Aliás, o ridículo episódio relatado no "Orlando Sentinel" mostra como existe na horrorosa legislação americana uma desproporção brutal - ela mesmo criminosa! - entre o pretenso crime e a pena.»
Não confundas a moral com a lei. Eu acho imoral publicar fotos de crianças, seja nuas ou vestidas. Isto porque me parece que só se deve publicar a foto de alguém (ou outros detalhes pessoais) com o consentimento informado dessa pessoa e porque acho que as crianças não compreendem as consequências o suficiente para se considerar o seu consentimento informado.
Mas da moral à lei vai uma grande distância, e também não defendo prender todos os papás babados que fazem blogs sobre os seus bébés com os detalhes mais intimos que essas crianças, daqui a uns anos, podem bem desejar que nunca tivessem sido postos na net.
«Neste sentido, há inclusive um claro retrocesso civilizacional, pois englobar genericamente a nudez, infantil ou juvenil, na lista de proibições ligadas à pedofilia é um sinal de puritanismo bacoco e ignorância grosseira, que não distingue o são naturalismo do mero exibicionismo»
Não sei se é sinal de puritanismo ou um aproveitamento político do puritanismo e do medo que outros tenham de opor estes disparates e serem rotulados de defensores da pedofilia ou algo do género. Provavelmente é uma mistura disso tudo.
«De facto, bem se pode dizer que "prevenir é melhor do que remediar", e esse seria mesmo o motto da medicina chinesa, ao que consta.»
Esse é o motto da medicina também (aquela a que os vendedores da banha da cobra chamam "medicina ocidental", mas que funciona igualmente bem em qualquer país).
A diferença é que as vacinas previnem mesmo as doenças, enquanto que a acupunctura é só placebo.
«os exercícios físicos [...] Portanto, não se poderá ganhar dinheiro com essas patentes, o que é uma motivação a menos.»
Parece-me uma bela treta. Toda a gente sabe que o exercicio físico é benéfico para a saúde. Mesmo assim, a maioria faz muito menos exercício físico do que devia. E, apesar disso, os ginásios são um negócio próspero...
A este propósito:
ResponderEliminarhttp://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1352507&idCanal=62
Também já exprimi a minha opinião aqui:
http://pipismo.blogspot.com/2008/12/pipismo-na-justia-um-abuso-de-menores.html