domingo, novembro 30, 2008

Treta da Semana: Teoria Graceliana da Cosmofísica-Autocosmo.

Não sei se por coincidência ou nova moda, esta semana recebi outro longo comentário de um teórico brasileiro a dissertar acerca de tudo excepto o post que comentava. Um tal Ancelmo Luiz Graceli, «Brasileiro, professor, graduação em filosofia e pesquisador teórico»(1) deixou-me a sua teoria cosmofísica-autocosmo como comentário a um post sobre Harvard e a RIAA (2). E traduzida para Inglês por algum serviço automático da net (provavelmente este...).

«The gas that forms a spiral cinturão if processes and moves for one alone point next to the equator, for two reasons, magnetism of astro and centrifuga of rotation where it goes to start to give beginning to a sphere [...]
Thus, the paths are,
1-Formação of the atmosphere for the maser, and shift of this atmosphere on astro for the proper action of the maser.»


Verdade seja dita, a teoria não perde muito com a tradução. No blog do autor poderão (tentar) lê-la em várias línguas, incompreensível em todas, incluindo em Português. Fica no entanto a promessa do autor:

«A teoria da energeticidade e radiação que trata da astronomia será apresentada em outro texto. Com mais de cento e dez fórmulas provando as duas teorias, pois uso diâmetro, radiação, temperatura, rotação e velocidade equatorial. E não uso distancia massa ou gravitação»

Intriga-me como terá definido o diâmetro sem distância. Mas com cinquenta e cinco fórmulas por teoria estar tudo mesmo bem provadinho.

Estive na dúvida se devia escrever este post. Uma pesquisa no Google mostrou que o Ancelmo andou a espalhar isto nas caixas de comentários de vários blogs. Juntando a isto o discurso confuso, as traduções ridículas e as teorias em si ficou-me a suspeita que a origem do universo será um dos menores problemas que o Ancelmo enfrenta. Mas treta é treta e, afinal, ele veio despejar a sua aqui. Parece-me provocação suficiente para um post. No entanto, por descargo de consciência, peço já desculpa ao Ancelmo para se um dia ele retomar a medicação e perceber o que fez.

1- Blog do Ancelmo Luiz Graceli.
2- Harvard vs RIAA.

sábado, novembro 29, 2008

A vacuidade existencial na ausência do Divino.

Uma contribuição de D. Mário Neto, blinólogo.

Todas as religiões partilham algo de Verdadeiro. Mesmo aquelas que não reconhecem explicitamente a existência dos Blin, e a Sua natureza Divina, veneram algum aspecto destes Seres Supremos aos quais devemos todo o universo. Por isso já há muito que a blinologia não se arroga de ser a única dona da verdade e acolhe, tentando guiar, todas as formas menos esclarecidas de receber a Revelação. Dos cristãos aos muçulmanos, dos hindus aos cultos da carga nas ilhas do Pacífico, no fundo todos os crentes se entregam à glória dos Blin. Só os ateus se distanciam da Verdade.

Por isso a blinologia tem liderado o diálogo com os ateus, baseando-se na premissa inegável que o ateísmo é o maior drama da humanidade e só conduz ao absurdo, à incerteza e à imoralidade. Só nesta base pode assentar um diálogo construtivo e só este princípio pode promover a tolerância, que consiste em impedir que os ateus critiquem a religião. Como muitos ateus não compreendem os problemas do ateísmo, este breve texto visa esclarecer as suas dúvidas.

O ateísmo condena-nos ao absurdo porque o fundamento lógico de todo o universo deriva dos Blin. Assim, negar a existência e natureza divina dos Blin é negar o fundamento lógico de todas as coisas. E é fácil ver as consequências. Imagine o leitor uma árvore, uma montanha ou uma pedra. A pedra é dura, redonda, pesada e fria. Agora imagine essa mesma pedra, com as mesmas características, mas sem o seu fundamento lógico. É este o universo que os ateus propõem. Um universo em que as pedras não têm lógica.

A incerteza é outra consequência do ateísmo. Pode não parecer grave. Afinal, todos os dias lidamos com a incerteza quando decidimos levar o guarda-chuva ou aceitar uma oferta de emprego. Mas aquilo que permite viver com incertezas é a certeza absoluta na Palavra, Frase e Parágrafo dos Blin, tal como é revelada na sagrada Blínia. Mesmo os crentes que vivem sem essa Palavra, pelo infortúnio de terem crescido com religiões menos esclarecidas, mesmo esses seguem livros que reflectem, ainda que imperfeitamente, a Revelação Blin. Sem essa certeza reina o caos. Li numa notícia recente que um aluno em Cambridge estava a ameaçar o ensino da matemática precisamente devido ao relativismo que é consequência desta falta de certezas. Deixo no final deste texto a ligação para o leitor verificar por si o estado lamentável ao qual o ateísmo nos leva.

Ao contrário do ateu, o crente tem uma certeza absoluta justificada pelo principio da cogitatio votiva, um principio inerente à fé, transversal a todas as religiões e que transcende a própria razão. É a posição dos ateus que é incoerente porque, por um lado, estes rejeitam a certeza absoluta da fé mas, por outro, e em contradição directa, querem duvidar da crença religiosa. Afinal, meus caros ateus, em que é que ficamos? Ou bem que duvidam, ou bem que rejeitam a certeza. Ambos é que não pode ser.

Mas o pior do ateísmo é negar a moralidade. É incontestável que se os Blin não existissem então tudo seria permitido. Cuspir na sopa, arrancar olhos e bater na avó. Sem os Blin não há bem nem mal e sem bem nem mal não há moral. É evidente que todos nós, crentes ou infiéis, somos dotados pela divina providência de uma intuição que nos permite distinguir o bem e o mal. Todos reconhecemos que é maldade torturar crianças ou dizer mal dos rituais religiosos. Isto faz parecer que o bem e o mal não dependem de um comando divino. Mas sem a fé o ateu perde o fundamento moral de sentido para o sentido do fundamento da sua moral, que é fundamental para que a moral faça sentido.

É difícil aos ateus compreender a lógica da fé ou perceber como a sua verdade transcende a mera correspondência entre afirmações e realidade. A fé transporta-nos para uma noção de Verdade que se guia, em última análise, pela devoção ao Sagrado, ao Transcendente e à Maiúscula. A observação pode dizer-nos muitas verdades. Há que respeitar a ciência e todos os seus triunfos. Mas é o critério do coração que nos diz a Verdade, pois a Verdade é aquilo do qual podemos ter certeza absoluta por queremos muito que seja assim.

Student stumps world’s greatest minds by adding ‘in YOUR opinion’ to end of every argument.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Certeza, certezinha e disparate.

Alguns leitores comentaram que eu me contradizia ao afirmar que não podermos ter certezas absolutas. Ao que parece, assumem que qualquer afirmação tem que ser a de uma certeza absoluta. Como escreveu o Mats, «Tu é que afirmas que é impossível termos o conhecimento da verdade absoluta. Mas ao afirmares isso estás tu mesmo a declarar uma verdade absoluta.»(1) Nem por isso.

A confiança que tenho nas hipóteses abrange um contínuo que vai da rejeição, passa por vários graus de indecisão e dúvida até chegar à certeza. Desconfio de muitas hipóteses porque a informação que tenho não as suporta adequadamente. O que os políticos dizem, por exemplo. Mas há hipóteses das quais tenho certeza no sentido em que nenhum dado confirmatório aumentará a minha confiança.

Por exemplo, tenho a certeza que não há elefantes em minha casa. Quero dizer com isto que a informação que tenho suporta tão bem esta hipótese que já não me adianta procurar mais confirmação. É inútil ir pela casa à procura de evidências de não haver elefantes por aqui porque a minha confiança nesta hipótese já está ao máximo. Se me perguntarem se tenho elefantes em casa digo que não. Se me perguntarem se tenho a certeza digo que sim. Tenho a certeza que não há elefantes cá em casa.

Mas esta certeza não é absoluta. É relativa aos dados que tenho. Não pode aumentar porque dados adicionais que concordem com a hipótese serão redundantes. Mas pode diminuir face a informação contraditória. Se vir uma tromba a sair da sala começo a ter dúvidas. É certeza mas pode deixar de ser.

Quando afirmo que não podemos ter certezas absolutas tenho certeza do que digo. Mas não tenho, obviamente, certeza absoluta. Tenho certeza porque encontrar mais exemplos da falibilidade humana já não vai aumentar a minha confiança na possibilidade de errar. Que podemos errar já eu sei. Mas se me demonstrarem que podem eliminar a possibilidade de erro diminuirá a minha confiança nesta hipótese e deixarei de ter certeza nela. A minha certeza é provisória e é relativa aos dados que tenho. Não exclui a possibilidade de erro.

Mas enquanto não me demonstrarem adequadamente essa infalibilidade continuarei com a certeza que quem defende certezas absolutas não é infalível. Quem exclui a possibilidade de mudar de opinião perante evidências contrárias é apenas insensato.

1- Comentários a Certezetas

quinta-feira, novembro 27, 2008

O dever.

Muitas pessoas defendem que a moral tem que assentar num deus. O Pedro Silva dá um exemplo desta confusão. «O Ludwig diz que a moral é uma questão de sentir. É mais ou menos como: eu sinto que gosto de futebol, e também gostava que se sentissem assim, mas cada um com os seus gostos. Não percebo que tipo de moral é essa que é relativa a cada indivíduo.»(1)

Comer um iogurte por ter fome não é moral. Não é necessariamente imoral mas simplesmente não tem, por si, nada que ver com a moral. É apetite. Não é uma atitude moral guiar-me pelos gostos e preferências de um ser. O que me torna moral é distanciar-me de qualquer perspectiva em particular e considerar todas as perspectivas subjectivas envolvidas. Por exemplo, repartir o último iogurte ou deixá-lo para quem gosta mais de iogurtes.

Isto torna a moral subjectiva num sentido mas objectiva noutro, e é esta ambiguidade que confunde muita gente. A moral é subjectiva porque se fundamenta nos juízos dos sujeitos. O bom e o mau não estão nos objectos mas na forma como os avaliamos. Mas é objectiva, no sentido de não variar entre sujeitos, porque depende de todas as perspectivas subjectivas sem privilegiar nenhuma. O fundamento é subjectivo mas universal. Não depende de nenhum sujeito em particular.

E o dever de ser moral deriva de considerar todas as perspectivas sem favoritismo. Quem embarca neste projecto defenderá que todos devem fazer o mesmo por isso ser melhor para todos. É verdade que quem rejeita o projecto não se convence que tem algum dever. Infelizmente, acontece muito. Mas não se pode obrigar alguém a ser moral. Qualquer recompensa ou castigo actua sobre as preferências do sujeito, que evita a multa, a prisão ou o inferno agindo no seu interesse. Precisamente o contrário do que se quer com a moral, que é agir considerando os interesses de todos.

Mesmo agir no interesse de outrem pode ser amoral ou imoral. Quando protegemos os nossos filhos ou fazemos um sacrifício por uma pessoa amada, na maioria das vezes agimos movidos pelos nossos interesses e não por qualquer imparcialidade moral. Por isso a ética religiosa falha o alvo quando fundamenta a moral na vontade de um ser. Ou seja, numa única perspectiva subjectiva, que é o que queremos evitar com a moral. Não importa se a perspectiva seleccionada é a do crente que quer evitar o inferno e ganhar o paraíso, se é a do crente que quer agradar ao seu deus porque o honra e ama ou mesmo se é a perspectiva do deus. Seja como for, é só uma quando deviam ser todas, e isso não é moral. É egoísmo; é pôr o eu à frente do nós.

Isto tem implicações para a lei e para a educação. A lei actua pelo egoísmo, impondo a quem a viola consequências contra os seus interesses individuais. É intrinsecamente imoral, um preço aceitável para prevenir roubos, burlas ou assassinatos mas alto demais se usarmos a lei para obrigar as pessoas a ser decentes. Punir o insulto, a infidelidade conjugal, o mau carácter ou a desonestidade é tentar defender a moral dando cabo dela.

E a educação que damos às crianças muitas vezes ensina-as a serem imorais. Não faças isso senão apanhas. Se dizes mentiras não acreditam em ti. Se te portas mal ficas de castigo. Não digas isso que é feio. Isto não transmite valores, apenas reforçando ou inibindo comportamentos sem dar um critério para os avaliar. E centra tudo na perspectiva da criança. Depois, adulta, julga que dois homens não se podem casar porque deus castiga ou que os animais não têm direitos porque não coçam as nossas costas.

Os meus têm sete anos. Sempre tentei explicar-lhes porque deviam ou não deviam fazer as coisas e sempre deixei que questionassem as minhas decisões. Tento dissuadi-los apelando à consideração pelos outros em vez de pela força do castigo. O castigo é ficarem sentados a ouvir o sermão, que aborrece mas não assusta. E tem resultado bem, à parte do trabalho que me dá convencê-los a fazer o que não querem quando me dizem que tenho que ter consideração por eles e pelo que eles sentem. Mas compensa ao ver que percebem isto melhor que muitos adultos.

E uma das memórias mais antigas que tenho é de perguntar ao meu pai o que queria dizer “ética” e ele explicar que era ter consideração pelos outros. Arrasto há uns anos um mestrado em filosofia ética onde ainda não aprendi tanto como naqueles segundos.

1- Comentário a Pesos e Medidas.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Certezetas.

A certeza absoluta não está ao nosso alcance porque estamos sempre sujeitos a errar. Mas vale a pena tentar chegar lá perto fundamentando as nossas crenças de forma a escolher as que merecem mais confiança. A ciência é o método mais sistemático e fiável que encontrámos para o fazer.

Mas à religião isto não satisfaz. Primeiro, porque exige uma atenção constante ao erro e que tudo seja posto em causa, testado e rejeitado quando falha os testes. Depois porque recomenda que a confiança numa crença seja proporcional às evidências que a fundamentam. E, pior de tudo, não garante certezas. É a dúvida que nos conduz ao que merece ser acreditado, mas pela dúvida ninguém pode afirmar saber que Deus é três pessoas numa só substância e que uma é Pai, outra Filho e outra Espirito Santo, o que quer que isso seja, pois não há nada de concreto que fundamente esta hipótese. Para este tipo de coisas as religiões precisam da fé.

A fé, defendem os religiosos, justifica aquilo que não se pode justificar de outra forma. Que uma hóstia se transubstancia. Que um livro foi inspirado por um deus. Que só os homens podem ser sacerdotes. Crenças para as quais não só falta evidências como nem sequer se percebe que tipo de evidência as poderia justificar. E cada fé leva a uma certeza diferente. Os que são pela Bíblia dizem ter tanta certeza como os que torcem pelo Corão. Milhares de milhões de pessoas julgam ter a certeza que só o seu deus existe e que os dos outros são treta. Com tanta certeza entendem-se menos que quem tem dúvidas.

Há crentes que dizem não ter certezas. Dizem ter dúvidas como os outros e apoiar os seus dogmas na razão. Não pode ser verdade. A dúvida e a razão não permitem confiar em crenças sem evidências. Ninguém que se sirva da dúvida e da razão poderá crer que Jesus é Deus, que Maomé falava com Deus ou que Siddhartha se transformou em Deus. Essas hipóteses exigem evidências muito mais fortes que os meros relatos de quem as julgava ser verdade.

Compreende-se este mistério da fé, o mistério de haver tantas certezas contraditórias sem nada que as suporte, percebendo que a fé não dá certeza. Dá só o gosto. Ajuda a acreditar na certeza do que não se sabe. Disfarça a dúvida e a falta de fundamento das hipóteses que se defende. E serve para qualquer crença. Adoça sem calorias qualquer deus, dogma, livro ou preconceito, por muito amargo que seja.

Só não serve para distinguir o que é verdade.

terça-feira, novembro 25, 2008

Liberdade para conversar.

O Bruce Schneier tem um artigo interessante sobre a necessidade de legislação que proteja a comunicação pessoal. Até agora as limitações tecnológicas impunham uma diferença entre o telefonema ou a conversa de café e uma entrevista na rádio ou a acta de uma reunião. Falar sem se comprometer e dizer o que se pensa podendo, mais tarde, pensar de forma diferente, sempre foram liberdades importantes na nossa vida social. E não apenas por ser em privado. Podia ser, mas podia também ser numa festa, na esplanada, perante amigos ou estranhos. Entre o privado e a publicação havia a comunicação pessoal que, mesmo quando partilhada com estranhos, não exigia responsabilidades especiais nem era legítimo usar contra ninguém. O que alguém dizia na esplanada não o responsabilizava como se escrevesse para um jornal.

Quando as conversas eram efémeras e as palavras só duravam enquanto as dizíamos era fácil manter esta distinção porque era difícil privar-nos dessa esfera da comunicação pessoal. Mas agora comunicamos por email e conversamos em blogs e todas esta conversas ficam registadas. Para sempre. E com isso querem privar-nos da liberdade de exprimir a nossa opinião, livremente, a quem a quiser ouvir.

Há uns dias o tribunal da Póvoa de Varzim mandou encerrar o Povoaoffline, blog sucessor do Povoaonline encerrado há uns meses também por ordem do tribunal. O efeito prático foi pequeno, como se pode ler no novo Povoa-online (1). Mas encerrar um blog porque alguém escreve o que pensa do Macedo Vieira é o mesmo que proibir que alguém diga o que pensa do Macedo Vieira num jardim ou numa esplanada. Não é uma conversa privada mas é uma conversa pessoal. O direito à conversa pessoal deve ser respeitado independentemente da tecnologia que se usa para o exercer. Mas por causa da tecnologia que usamos agora precisamos que seja a lei a proteger esse direito. E, infelizmente, estão a usar a lei no sentido contrário.

Mas é melhor lerem o artigo original: The Future of Ephemeral Conversation.

1- povoa-online.blogspot.com

segunda-feira, novembro 24, 2008

Pesos e medidas.

O Alfredo Dinis explicou o papel da crença religiosa no fundamento da moral. «A religião amplia o sentido e a motivação do sentido e da motivação racional, mas não a dispensa nem se lhe opõe.»(1) O Pedro Silva reforçou a ideia, «os católicos também concordam em não matar e não roubar, por respeito aos outros, aliás mais do que respeito, é amor. Foi o próprio Jesus que disse que os mandamentos se reduziam a amar a Deus sobre todas as coisas, e aos outros como a nós mesmos.» Mas a suposta complementaridade entre moral e religião tem problemas.

O menor é negar a universalidade da moral. Que não se faça mal aos outros porque os faz sofrer é aceitável por quem reconhecer o dever de ser moral. Mas qualquer dogma religioso é uma hipótese só aceite por essa fé em particular, impedindo que as religiões partilhem um fundamento universal para a moral. Outro problema é a interpretação arbitrária do dogma. Se Jesus manda amar todos como o próprio esperava-se que aprovasse o casamento homossexual e proibisse a excomunhão. Mas as palavras podem-se interpretar como se quiser e os cristãos acabam por defender excepções para os homossexuais, para quem ordenar uma mulher sacerdote ou para um apóstata que queira participar na missa. Ama-se todos igualmente só que uns mais igualmente que outros.

Mas o mais grave é o conflito inevitável entre o respeito pelos outros e o dogma religioso. Abundam os exemplos históricos, das cruzadas aos autos de fé, e há exemplos contemporâneos em todos os países e organizações onde uma religião detém o poder. Com dois pesos e duas medidas para a moral, as religiões aceitam o respeito pelos outros apenas quando lhes convém ou quando são obrigadas. Mas quando pode o dogma prevalece.

Acusei todas as religiões de serem intolerantes para com os apóstatas e o Alfredo respondeu que «não podemos cometer a falácia de fazer generalizações precipitadas.» Mas adiante afirma que «os cristãos não pregam a intolerância para com as outras religiões.» Cristãos há muitos e muitos pregam intolerância. Para com outras religiões, orientações sexuais ou meras opiniões acerca da bíblia. Muitos cristãos até defendem que é justo os ateus sofrerem para toda a eternidade pela sua descrença. Parece-me que o Alfredo Dinis se precipita na generalização de que me acusa. Ou talvez aplique à minha um critério que não aplica à sua.

Eu não generalizo só de alguns exemplos seleccionados. A intolerância para com quem abandona uma religião é evidente na história de todas as religiões e onde quer que as religiões tenham poder. O islão parece menos tolerante que o cristianismo apenas por haver mais teocracias muçulmanas. As teocracias cristãs seriam igualmente intolerantes, como foram ao longo da história. E até hoje em Portugal. A Universidade Nova de Lisboa não quer saber da minha religião mas se o Alfredo Dinis se declarasse ateu a sua carreira na Universidade Católica Portuguesa ficaria comprometida. Não por ser uma religião menos tolerante mas porque na UCP a religião tem o poder para exercer a sua intolerância.

O Alfredo afirma que «os cristãos estão na linha da frente na promoção do diálogo construtivo com os não crentes, respeitando a sua descrença. Aqui se situa D. José Policarpo.» Parece-me outro recurso a dois pesos e duas medidas. José Policarpo afirmou que «O afastamento de Deus, ou o seu esquecimento e negação, constituem o maior drama da humanidade.»(3) Mas suspeito que se eu afirmar que a religião, ou a ilusão de deuses, constituem o maior drama da humanidade o Alfredo não me considerará «na linha da frente na promoção do diálogo construtivo» com os crentes.

Este problema da duplicidade de critérios é inerente à fé e, por isso, afecta todas as religiões. As opiniões que se defende por fé são tidas como uma excepção e avaliadas por um critério diferente das restantes opiniões, que se baseiam na experiência ou nas evidências. Pior que isso, cada fé tem as suas, numa multiplicidade de critérios tão arbitrários como “está escrito neste livro”. Dou como último exemplo o leitor Zeca Portuga. Defende a criminalização do insulto à religião porque «achincalhar os sentimentos das pessoas é uma forma de violência»(4). Mas no seu perfil do Blogger, onde se declara «católico, apostólico, romano», afirma que detesta «paneleiros e afins»(5). Não quero fazer uma generalização precipitada a partir de um exemplo, mas penso que os leitores conhecerão exemplos como este em número suficiente para generalizarem sem precipitação.

1- Alfredo Dinis, Resposta a Ludwig Krippahl
2- Mais intolerância
3- Ecclesia, Natal, felicidade e progresso
4- Comentário a Tolerância Religiosa
5- Zeca Portuga

domingo, novembro 23, 2008

Treta da Semana: Reforma Educativa.

O nosso sistema educativo precisa de melhorias. Não é de estranhar. Melhorias são sempre bem vindas. E, infelizmente, também não é de estranhar que os políticos identifiquem incorrectamente o problema e depois implementem mal a solução errada. O sintoma mais saliente é a avaliação dos professores. Os avaliadores são os mais velhos, muitas vezes com cargos administrativos e menos formação que os avaliados. As classificações mais altas têm quotas; numa escola com poucos professores de uma disciplina nenhum pode ser excelente. Por lei, e não por falta de mérito. E para essas quotas os avaliadores competem com os avaliados. Depois são todos comparados ao nível nacional quando cada um foi avaliado pelos critérios da sua escola. Uma melhoria óbvia a este sistema seria usar as bolinhas do bingo. A correlação entre pontuação e mérito era a mesma e poupava-se uma carga de trabalho.

Mas isto é só um sintoma. O problema começa no diagnóstico. No ensino público os alunos têm más notas. Piores, em média, que nas escolas privadas que escolhem os melhores alunos. E isto, para muitos, é um grande problema. É como as pessoas nas urgências dos hospitais públicos terem menos saúde que os pacientes das clínicas privadas. Terrível. Há que avaliar os médicos escolhendo avaliadores ao acaso (e um critério para cada hospital) e dar cheques saúde para quem for atropelado poder fazer um lifting na Corporación Dermoestética.

Mas o maior defeito desta reforma é desresponsabilizar o elemento mais importante do sistema de ensino. Os pais. Ao contrário do que muitos julgam, “encarregado de educação” não é um mero título honorífico. Designa correctamente o responsável pela educação das crianças. As escolas, os professores, os livros e o Magalhães são apenas recursos que a sociedade disponibiliza aos pais. Mas é aos pais que compete preparar os filhos para usar estes recursos.

Todo o meu percurso académico foi no ensino público. Tive bons professores e tive maus professores. Tive uma professora de biologia que ensinava que os animais no Árctico são brancos para reflectir a luz e manter baixa a temperatura ambiente. Essa incompetência deve ser combatida mas, mesmo nesse extremo, faz pouca diferença. Quem passou por escolas mais problemáticas sabe que o sucesso ou fracasso depende quase totalmente do ambiente familiar. Quem tem uma família que valoriza o estudo e condições para estudar safa-se bem mesmo com professores incompetentes. E a quem não tem essas condições não há professor que valha.

A maior treta, e a maior desgraça, desta reforma do ensino é a mensagem que dá aos pais. É popular. Os pais preferem que lhes digam que a culpa é dos professores do que lhes digam a verdade. Que o filho chumbou porque é preguiçoso, mal criado e só tem maus exemplos em casa. E dá votos. Há muito mais pais que professores. Mas reforça a ideia que o responsável por educar as crianças é o estado e que aos pais compete apenas levar os meninos à escola e dizer mal dos professores que reprovem algum.

Os pais que não preparam os filhos para aprender desperdiçam os recursos que o estado lhes oferece, obrigam os professores a dedicar a maior parte do tempo a crianças mal educadas e prejudicam os filhos dos outros. E enquanto os pais não se sentirem responsáveis pela educação dos seus filhos o ensino não vai melhorar.

sábado, novembro 22, 2008

Harvard vs RIAA.

A RIAA (Recording Industry Association of America) tem ameaçado milhares de estudantes universitários por todos os Estados Unidos, mas sempre evitando a universidade de Harvard. Harvard é famosa pela sua faculdade de direito e deixou claro que reagiria a sério se a RIAA se metesse com os seus alunos. Mesmo assim, parece que a RIAA não se safou.

A técnica da RIAA tem sido processar algumas pessoas exigindo valores exorbitantes para dissuadir os outros. Assim a maioria das pessoas cede e paga milhares de dólares para não ser processada. Mas quando a RIAA ameaçou Joel Tenenbaum com danos punitivos de mais de um milhão de dólares por descarregar sete músicas, Charles Nesson, um famoso professor de direito de Harvard, decidiu representar o acusado. Agora, Nesson e a sua equipa de alunos da universidade de Harvard acusam a RIAA de abuso de processo legal e alegam a inconstitucionalidade do Digital Theft Deterrence and Copyright Damages Improvement Act, que pelo valor das multas em relação ao valor das músicas é efectivamente um estatuto criminal a ser usado em processos civis.

O resultado vai ser interessante. A estratégia da RIAA de ameaçar processos às centenas depende, entre outras coisas, da possibilidade de multar os visados em milhares de vezes o valor daquilo que eles descarregam. Se ficar estabelecido que isso é inconstitucional lá vão ter que começar a vender discos para ganhar dinheiro.

Mais informação no TechDirt, Recording Industry vs The People e no CyberOne. Via Schneier on Security.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Mais intolerância.

O Alfredo Dinis pergunta se eu me aproximo mais do «fundamentalismo científico e intolerante de Harris e Dawkins» ou da «tolerância construtiva e inteligente de Wilson»(1). Eu prefiro o Dennett, cujo contributo é mais original e significativo. E também concordo com o Wilson. Concordo que todos devem contribuir para proteger o ambiente, sejam católicos, ateus, astrólogos ou benfiquistas. Mas isso é independente do juízo que faço de crenças e superstições. Nessa questão estou de acordo com Dawkins e Harris, cuja crítica considero construtiva e tolerante. O Alfredo discorda mas, parece-me, apenas por se deixar levar pela hipérbole:

«Autores como Sam Harris (O Fim da Fé), e Richard Dawkins, (A Ilusão de Deus), para só dar dois exemplos) exprimem a sua intolerância religiosa sem meios termos aos afirmarem que a religião só faz mal, é um veneno que é preciso extirpar imediatamente e a todo o custo.»

É falso que Harris e Dawkins queiram extirpar a religião “a todo o custo”. Pelo contrário. Querem eliminar a religião sem custos, pela escolha livre e informada de cada crente. Não defendem que se proíba a religião, não propõem sanções contra ateus que queiram ser crentes nem defendem o castigo eterno para os religiosos. Querem apenas que cada adulto possa decidir, livre e informado, se quer religião e qual religião prefere. E se há coisa que às religiões custa tolerar é a liberdade de escolher qualquer fé ou fé nenhuma. Especialmente tolerar aos seus crentes a liberdade de mudar de crença.

Eu não quero eliminar a religião “a qualquer custo”. Não quero obrigar ninguém nem quero leis discriminatórias. Nem sequer vou a casa das pessoas entregar revistas. Exprimo a minha opinião sem a impor aos outros e exerço a minha cidadania opondo-me a leis injustas. Como o artigo 252 do Código Penal que pune com um ano de prisão quem escarnecer de uma religião, a Lei da Liberdade Religiosa que dá direito de antena a grupos religiosos mas não a grupos seculares, ou a Concordata, um tratado internacional que dá à Igreja Católica privilégios à margem da nossa lei. Opor leis injustas ou desejar que as pessoas se libertem da superstição não é intolerância.

Admito que considero que todas as religiões são más. Umas são piores que as outras mas nenhuma tem vantagens que compensem porque não há nada na religião que não fosse melhor sem ela. Uma religião diz não mates e não roubes mas mais vale não o fazer por respeitar os outros do que porque deus manda. O amor, a esperança, a justiça e o que mais calhe é tudo melhor, e mais genuíno, se adoptado de forma crítica e ponderada em vez de pela fé. Essa vontade de crer para além do que a crença merece contamina tudo o que a religião possa ter de bom, impedindo-o de ser tão bom como poderia ser.

E não vejo que seja intolerante exprimir esta opinião. É uma opinião sincera e estou aberto a que a refutem. Por exemplo, se o Alfredo me explicar como é que acreditar na assunção de Maria, na transubstanciação da hóstia ou na ressurreição de Jesus me tornava uma pessoa melhor. Cuidava melhor dos meus filhos? Amava mais a minha família? Era mais íntegro, melhor profissional, melhor amigo? Não me parece, porque tudo isto é independentes de qualquer dogma. Além disso, adoptar um dogma ia privar-me da virtude fundamental que é a disposição para questionar as minhas opiniões e admitir os meus erros. Trocar isso pela fé é muito mau negócio.

Rejeito a ideia que sou intolerante por exprimir uma opinião negativa da religião. Também não considero que o Cardeal Patriarca de Lisboa tenha sido intolerante por dizer que «O afastamento de Deus, ou o seu esquecimento e negação, constituem o maior drama da humanidade.»(2) Nisto parece-me que eu e o Alfredo estamos de acordo. Ambos condenamos como intolerante um ateu que queira acabar com a religião a todo o custo e ambos aceitamos como expressão legítima de uma opinião que um padre diga mal do ateísmo. O que me preocupa é que o Alfredo use dois pesos e duas medidas, avaliando por outros critérios o caso em que um ateu diz que a religião é má.

Preocupa-me mas não me surpreende. Para se ter fé numa religião sem ter fé em todas é preciso o hábito de usar um critério para uma coisa e outro diferente para as outras todas. Esse hábito eu não quero adquirir porque leva à intolerância.

1- Alfredo Dinis, (In)tolerância religiosa
2- Ecclesia, Natal, felicidade e progresso

quinta-feira, novembro 20, 2008

Monty Python reagem contra a pirataria.

Os Monty Python não querem que os fãs ponham clips dos seus filmes e séries no YouTube para todos verem à borla. Por isso vão tomar medidas drásticas e acabar com essa pirataria das suas obras.



Porque são tipos inteligentes compreendem que a Internet não é uma rede de revenda mas uma forma de comunicação entre pessoas, tão adequada à censura para fins comerciais como o telefone ou as cartas. E porque, excepcionalmente, neste caso são os artistas que controlam os direitos sobre as suas obras, os Monty Python têm a liberdade de se aproveitar disso. Pôr os clips no YouTube é pôr milhões de pessoas a falar deles, a mostrar aos amigos e a descobrir e interessar-se pelos Monty Python. Não são vendas que perdem. São fãs que ganham.

The Monty Python Channel on YouTube

Via The Pirate's Dilemma.

Editado às 11:00:

Também via The Pirate's Dilemma, este aviso no DVD do filme Futurama: Bender's Game.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Tolerância Religiosa

O debate de segunda feira com o Alfredo Dinis, na Escola Secundária de Oliveira do Bairro, foi um pouco curto. Tivemos que respeitar os horários da escola e houve primeiro uma apresentação preparada por alguns alunos, pelo que o tempo não deu para tudo. Mas valeu a pena. O auditório estava cheio e a encenação dos alunos mostrou que tiveram cuidado em pesquisar várias religiões e ilustrou a importância desse conhecimento para a tolerância religiosa. Quanto mais cedo se aprende que a religião dos pais é apenas uma entre muitas mais fácil é ser tolerante para com os crentes das outras.

No debate em si, o Alfredo criticou como intolerância aquilo a que chamou de “fundamentalismo ateu”, referindo-se a escrever livros que dizem mal da religião. Não sendo tendencioso, repudiou também o extremismo religioso como atentados à bomba e a tortura de pessoas durante a Inquisição. Eu salientei a diferença qualitativa entre exprimir opiniões e fazer mal às pessoas e defendi que a tolerância é a defesa das liberdades individuais e não o direito de exigir que não se diga mal das coisas que gostamos.

Este é um problema recorrente aqui no blog, onde de vez em quando me chamam intolerante por dizer o que penso. Sempre me pareceu estranho. Exprimir uma opinião, seja em tom neutro ou ofensivo, com ironia, humor ou condescendência, é no máximo um teste à tolerância. Mas nunca pode ser intolerante por si. Intolerante é aquele que se refugia num beiço de ofendido por não ter resposta, reclamando que certas coisas não se dizem. Decidir o que os outros podem ou não podem dizer é que é intolerância.

Mas concordo com o que o Alfredo apontou, que os ateus muitas vezes ridicularizam e caricaturam as religiões, fazendo-as parecer superstições irracionais. Os religiosos raramente tentam fazer isto do ateísmo, pelo menos intencionalmente. Mas há uma razão. É que a maioria das crenças de qualquer religião é mesmo um monte de superstições irracionais. E ridículas. Quando um padre afirma convicto que Maria era virgem está a defender uma hipótese ginecológica que é tão infundada quanto implausível. E baseando-se apenas no testemunho imputado aos amigos do filho que, em nome da decência, se espera não terem estado em posição para averiguar tal coisa. O critério do coração não justifica afirmar que a hóstia virou deus nem o espirito santo consegue mostrar que alguém tem alma. O apego a tais superstições fazem da religião um alvo ideal para a zombaria. Assumindo, é claro, que não se vai para a prisão por isso, que é o que acontece quando se deixa aos religiosos a definição de tolerância.

Obrigado ao Vítor Oliveira pelo convite e pela iniciativa, ao Alfredo Dinis por mais esta oportunidade para conversarmos, à directora e vice-directora da ESOB pela simpatia com que nos receberam e aos alunos do curso profissional de empregado de mesa pelo requinte com que nos serviram o almoço.

terça-feira, novembro 18, 2008

Parabéns

ao Mickey, que faz 80 anos. O mais notável é ainda estar coberto pelo copyright, que supostamente seria um incentivo temporário à criatividade e inovação com o objectivo último de enriquecer o domínio público com obras e ideias que todos pudessem usar.

Parabéns também ao Pirate Bay, que esta semana ultrapassou os 25 milhões de utilizadores simultâneos dos seus trackers de BitTorrent. Há assim esperança que faça pouca diferença mesmo que “protejam” o Mickey durante mais oitenta anos.

Wikipedia, Copyright Term Extension Act

domingo, novembro 16, 2008

Treta da Semana: Centro de Deduções Lógicas.

O Sinn-Klyss, que copiou para aqui um texto esotérico (1) indica no seu perfil no Blogger que a sua ocupação é “Instrutor de Lógica Nuclear” (2). Tentando saber mais sobre esta profissão acabei, via Google, no Centro de Deduções Lógicas do Geraldo Antunes Cacique. Fascinante. O Geraldo formou-se em Engenharia Civil em 1963 e dedicou a sua carreira a projectos de construção até 1998, quando «por não concordar com um artigo sobre aceleração da expansão do Universo, começou trabalhar nas várias questões que tratou como A Dinâmica do Universo, ou seja, tudo o que ocorreu após o Big Bang.»(3) Um projecto ambicioso que teria beneficiado de alguns conhecimentos de física que, infelizmente, se destacaram pela sua ausência.

O Geraldo Cacique dedica várias das suas deduções lógicas a argumentar a favor da força centrífuga, que ele considera injustamente desprezada pela ciência. Critica os físicos que a interpretam erradamente como uma força fictícia que se tem que considerar em referenciais rotativos, expondo com clareza que não sabe o que é um referencial rotativo. Dica para o Geraldo: se o carro está a dar uma curva então está num referencial que não está a dar essa curva porque em relação a esse o carro estaria parado (4).

Mas mais notável é a contribuição do Geraldo para a relatividade geral e cosmologia. Por exemplo, o « O Efeito Cristina ou a instantaneidade da luz nos proporciona a mágica de enxergarmos todo o nosso Universo Visível nas posições reais em que os seus astros ocupam no momento em que os observamos, como se os fótons tivessem a capacidade de se mover de maneira instantânea.» (5) Ou o Efeito Camila, «a propriedade da luz que nos permite formar triângulos retângulos virtuais no movimento relativo v, entre uma fonte de luz e um receptor dessa luz, desde que conheçamos o módulo v dessa velocidade e as posições da fonte e do receptor da luz.»(6) A relevância deste efeito não se restringe à Camila mas abrange toda a física, a julgar pelo que explica o Geraldo:

« Os físicos, por não conhecerem o funcionamento da luz nem o Efeito Camila, para explicar a Relatividade pensam em dilatação do tempo e contração do espaço, acabando sem explicar de uma maneira simples o que é Relatividade.»

O Centro de Deduções Lógicas é um site rico em surpresas, entre as quais a de ter quase tudo menos o que o título sugere.

1- Ciência, especulação e colecção de cromos.
2- Sinn-klyss - Expressão de Uma Mentalidade
3- Centro de Deduções Lógicas, Biografia de Geraldo Antunes Cacique
4- Centro de Deduções Lógicas, O que é força centrífuga e o seu funcionamento
5- Centro de Deduções Lógicas, Efeito Cristina ou Instantaneidade da Luz
6- Centro de Deduções Lógicas, O Efeito Camila

sábado, novembro 15, 2008

Porque importa.

Se escrevo 2+2=5 ou compro o selo do carro fora do prazo violo regras. Mas se pago a multa e o erro algébrico é inofensivo não cometo qualquer imoralidade. Matar alguém é diferente. Mesmo que me entregue à polícia, cumpra a minha pena e acerte as contas com a justiça o meu acto terá sido imoral. Porque este importa enquanto os outros não. Seja o que for a moralidade, o primeiro requisito é que tem que ser algo que importa.

Quando sugeri que a moral nasce de dar importância à subjectividade dos outros alguns leitores sugeriram alternativas. O João propôs a consistência, o José Sarmento os contratos e o Pedro Ferreira as leis, por exemplo (1). Mas nada nestas coisas obriga a que nos importemos com elas. Se não lhes dermos valor moral, leis, contratos e o que mais calhe serão como contas de somar ou o selo do carro. Moralmente irrelevantes. Por isso defendo que um ser é agente moral quando lhe importa a subjectividade daqueles a quem os seus actos afectam e só daqui se pode derivar o valor moral de leis, contratos e afins. Estes são produtos da moral e não a sua origem. A origem da moral é a preocupação com os outros.

Um erro do Ricardo Alves é fundamentar a moral na regra que «Temos deveres perante quem respeita os nossos direitos. Quem os desrespeita perde o respeito.» (2) Qualquer relevância que esta regra tiver deriva da moral e, por isso, não pode justificar a moral. É a moral que tem que justificar a regra. E a regra de só nos preocuparmos com quem se preocupa connosco parece contrária à preocupação que fundamenta a moral.

O outro erro é assumir que um agente moral só se deve preocupar com outros agentes morais. A regra do Ricardo diz que não tenho de respeitar direitos de um bebé que chora e não me deixa dormir porque o bebé também não respeita os meus direitos. Mas o bebé não ser um agente moral não o exclui da preocupação que faz de mim um agente moral. Se eu sou um agente moral tenho de considerar a subjectividade dele mesmo que ele não possa preocupar-se com a minha.

E esta obrigação vai até onde chegar a minha capacidade de avaliar o efeito dos meus actos na subjectividade dos outros. Por exemplo, se eu souber que a fábrica que vou construir libertará poluentes que vão acumular-se e causar deformações a quem nascer daqui a umas décadas eu tenho que considerar essa consequência como moralmente relevante. Se a considerar irrelevante porque os afectados ainda não existem ou porque nascerão tarde demais para respeitar os meus direitos deixarei de ser um agente moral. Uma regra moral não pode excluir arbitrariamente certos sujeitos porque o fundamento da moral é precisamente a preocupação com os sujeitos e não, como o Ricardo parece sugerir, cada um coçar as costas apenas a quem coçar as suas.

Há muitas formas de idealizar, justificar e implementar normas morais, das consequências e utilitarismo ao imperativo categórico ou às virtudes. Mas toda a moral e todo o projecto da ética assentam na preocupação com a subjectividade dos outros. Sem isto é contas ou selo do carro. Excluir de consideração qualquer ser sensível só porque gostamos de bifes ou convém é contrário ao valor que fundamenta a moral: a importância da subjectividade dos outros.

1- Ter direitos.
2- Palavra de animal!

sexta-feira, novembro 14, 2008

O que eu quero este natal



Via The Erin O'Brien Owner's Manual for Human Beings. E aqui um pouco da história desta magnífica invenção.

Debate sobre tolerância religiosa.

Segunda feira, dia 17, vou estar na Escola Secundária de Oliveira do Bairro para um debate com o Alfredo Dinis. O tema é «Será que a tolerância religiosa faz sentido?» Penso que ambos estaremos de acordo que faz, mas possivelmente vamos discordar acerca de quem deve tolerar o quê.

Mais informações no blog QUALIA - a filosofia na esob. Obrigado ao Vítor João Oliveira pelo convite.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Miscelânea Criacionista: a arte de bem citar.

O Jónatas Machado tem defendido aqui a distinção entre “ciência operacional” e “ciência forense” que o Mats também propôs. Resumindo, o Jónatas alega que a «ciência operacional funciona a partir daquilo que é observável e repetível» enquanto que a «ciência forense tenta fazer a reconstrução histórica do passado não observável nem repetível.»(1) Mas o Jónatas diz que esta ideia vem de Ernst Mayr, um dos principais autores da síntese da teoria da evolução com a biologia molecular. O Jónatas cita este trecho de Mayr:

«Evolution is a historical process that cannot be proven by the same arguments and methods by which purely physical or functional phenomena can be documented.» (2)

Convenientemente, “esqueceu-se" de citar o que vinha imediatamente a seguir.

«Evolution as a whole, and the explanation of particular evolutionary events, must be inferred from observations. Such inferences subsequently must be tested again and again against new observations, and the original inference is either falsified or considerably strengthened when confirmed by all these tests. However, most inferences made by evolutionists have by now been tested successfully so often that they are accepted as certainties»

Permitam-me repetir esta parte, não só para frisar o contraste com o tal “não observável nem repetível” mas também para saborear o momento. Estas inferências têm que ser testadas. Uma vez, e outra, e outra. Contra dados novos que poderão refutar ou reforçar a hipótese. E isto foi feito tantas vezes com tantos elementos desta teoria que já podemos ter a certeza que é verdade e passar a outros problemas. Nesta fase só um grande corpo de evidências contraditórias justificaria duvidar da teoria da evolução. Um livrito não chega.

É certo que os argumentos e métodos não são exactamente os mesmos mas isso é trivial. Também a climatologia não usa os mesmos métodos que a sismologia ou a astronomia, mesmo quando tentam prever algo. O contributo de Mayr é mais subtil. Os sistemas aos quais aplicamos a teoria da evolução são tão complexos que os detalhes são dominados por contingências históricas e o melhor que podemos explicar são as tendências mais salientes. Só que isto não acontece só na biologia. Também acontece na física quando se estuda sistemas complexos, razão porque calculamos a pressão dos pneus e não a trajectória de cada molécula de gás. E quando aplicada a sistemas simples, por exemplo em simulações, a teoria da evolução reduz-se a modelos matemáticos simples e elegantes como acontece também com a física.

Como explica Mayr no excerto “inadvertidamente” omitido, o processo de formular hipóteses e testá-las confrontando-as com observações é exactamente o mesmo na biologia e no resto da ciência, contradizendo a distinção absurda entre "ciência operacional" e "ciência forense" que os criacionistas inventaram. Não se trata de especular acerca do inobservável e irrepetível. Trata-se sempre, em toda a ciência, de inferir explicações daquilo que observamos e de as testar «outra e outra vez contra dados novos».

Mas o mais importante, e a razão porque escrevo isto num post em vez de num comentário, é mostrar a arte da citação criacionista. São estes senhores que se arrogam ser os mais perfeitos interpretadores da bíblia.

1- Ciência, especulação e colecção de cromos.
2- Ernst Mayr, 2001, What Evolution Is. Basic Books, NY , pp 13-14

quarta-feira, novembro 12, 2008

Ciência, especulação e colecção de cromos.

O Mats ilustrou assim a alegada diferença entre “ciência operacional” e “ciência forense”:

«Chegamos a uma sala onde estão 4 pessoas. Uma delas tem uma arma na mão e 2 estão amarradas a uma cadeira, cada um na sua. Perto da janela aberta está uma pessoa morta. A ciência operacional, ao entrar em acção, haveria de observar exactamente isso (4 pessoas na sala, 2 delas amarradas, 1 com uma arma, e 1 morta). A ciência forense haveria de lançar hipóteses que melhor [explicassem] os factos.»(1)

Ou seja, a “ciência operacional” tira apontamentos e a “ciência forense” especula sobre o que terá acontecido. Nem como caricatura tem piada. Reunir dados e conceber modelos faz parte da mesma ciência. Bem como usar as previsões para testar os modelos, extrapolar para obter explicações e informação nova, gerar novas hipóteses, testá-las também e assim por diante. Acrescenta o Mats que «A ciência forense envolve a interpretação de factos actuais como forma de se chegar a posição mais correcta em relação a eventos passados». Talvez seja verdade para a “ciência forense” mas para a ciência não importa se é passado ou futuro. A física que diz onde Marte vai estar daqui a cem anos é a mesma que diz onde Marte esteve há cem anos atrás. A teoria da evolução explica a origem das baleias e a proliferação de bactérias resistentes aos antibióticos. Não são ciências operacionais nem forenses. São ciência.

Talvez seja por ignorância que os criacionistas tentem vender a ciência às postas, mas suspeito que seja também para disfarçar um problema embaraçoso. Apesar da criticarem a falibilidade da “ciência forense”, o que os criacionistas fazem não é mais que um coto de ciência. A posta do rabo. O criacionista especula acerca de «eventos passados», um deus que criou isto tudo em meia dúzia de dias, partindo de «factos actuais» como a história que leu num livro. E pronto, fica-se por aí. A ciência também especula mas considera alternativas, selecciona aquelas que explicam melhor os dados e geram modelos mais rigorosos, testa-as, melhora os modelos, revê premissas, dá uso ao que descobre. E não pára. Não sabemos qual será o conhecimento científico de amanhã mas será certamente maior e melhor que o de hoje. O criacionismo será o mesmo. Os mesmos longos comentários alegando que mutações não aumentam a informação.

Se os criacionistas apresentassem a ciência como ela é ficavam com a careca à mostra. Seria óbvio que aquilo que chamam “verdade revelada e infalível” é apenas o que a ciência descreve como “primeiro passo: formular uma hipótese”. E ficar entalado no primeiro passo não é o mesmo que chegar ao destino.

1- Mats, 5-11-08, Demarcação da Ciência: Invenção Criacionista?

segunda-feira, novembro 10, 2008

Ter direitos.

O Ricardo Alves argumentou que os animais não têm direitos porque «quem tem direitos, tem também a responsabilidade de respeitar nos outros os direitos que detém em si. E não vejo os animais (não humanos) a respeitarem os nossos direitos(!).»(1) O erro do Ricardo é pensar que um direito é algo que se detém como prémio por respeitar coisa igual nos outros. Mas ter direitos não é como ter nariz ou chapéu. É como ter dívidas. É estar num lado de uma relação assimétrica com outrem.

Por exemplo, podemos defender os direitos das gerações futuras. Isto não quer dizer que as gerações futuras “detêm” algo. Quer dizer que reconhecemos uma relação entre nós e quem vai nascer daqui a cem anos, relação essa que nos dá deveres para com eles. O dever de não destruir o ambiente, de não pescar o peixe todo, de não cobrir a Terra com sacos de plástico, etc. E isto não implica que quem vá nascer daqui a cem anos tenha deveres para connosco. Isso nem faz sentido.

É verdade que normalmente estas relações parecem simétricas. Ao meu dever de não pisar os outros utentes do autocarro corresponde um dever deles de não me pisar. Ou seja, o meu direito a não ser pisado. Mas esta simetria resulta da reciprocidade de relações assimétricas em que cada relação com o dever de um lado e o direito do outro acompanha uma relação análoga no sentido contrário.

Mas todos estes direitos e deveres derivam de reconhecermos a sensibilidade dos outros e de avaliarmos as consequências dos nossos actos. Eu reconheço o dever de não pisar o outro, e por isso o seu direito que eu não o pise, porque reconheço o sofrimento que isso lhe causa. Se o outro é uma pessoa adulta que não é autista nem psicopata deverá reconhecer uma relação análoga dando-lhe o mesmo dever e o mesmo direito a mim. Se não for capaz disso não retribuirá esta relação mas isso não me isenta do meu dever nem o priva do seu direito. Essa relação sou eu que a reconheço. E que devo reconhecer.

1- Ricardo Alves, Re: Os animais têm direitos?

domingo, novembro 09, 2008

Treta da Semana: trocar privacidade por segurança.

Muitos julgam que mais segurança implica menos privacidade, mas a segurança e a privacidade são interdependentes. Queremos segurança para proteger direitos como a privacidade. Não fecho a porta só por medo de ladrões ou terroristas mas também para tomar duche, ir à casa de banho ou conversar à vontade. Portas e fechaduras dão-me segurança e privacidade. A privacidade é até um meio de ter segurança. Guardo os valores fora da vista alheia, o dinheiro no bolso e não quero que os assaltantes saibam quando vou de férias. Quando tratamos nós da nossa segurança e privacidade não trocamos uma pela outra. Pelo contrário, cada uma contribui para garantir a outra.

E quando delegamos noutros a nossa segurança também não temos que ceder privacidade. Os fusíveis, os cintos de segurança, a licença de porte de arma e de venda de explosivos dão segurança sem tirar privacidade. Tal como ter polícia na rua ou esquadras suficientes para que intervenham rapidamente. Estas coisas custam dinheiro mas não nos custam direitos.

O problema é que os encarregados da nossa segurança vão querer fazer o seu trabalho da forma que lhes convém mais a eles, e não necessariamente a nós. Contratamos pessoas para apanhar criminosos como forma de reduzir o crime. Mas apanhar criminosos não coincide exactamente com o a eliminação do crime. Nós preferimos que o polícia na rua dissuada o criminoso mas o polícia progride na carreira quando apanha criminosos e não quando os crimes não ocorrem. O mesmo para quem passa multas de trânsito, fiscaliza restaurantes ou serve a nossa segurança de qualquer outra forma. Para nós, estas actividades devem servir o objectivo último de proteger os nossos direitos. Mas para cada profissional a sua tarefa é que é o objectivo, subordinando assim os fins ao meios. É por isso que não deve ser o polícia a decidir se pode pôr escutas nem a companhia de telefones a escolher que telefonemas regista. Ambos desempenham um papel importante ao serviço dos nossos direitos, mas ambos têm objectivos que diferem desse propósito.

A tecnologia facilita cada vez mais a violação da privacidade e os órgãos de segurança pressionam para reduzir as barreiras legais à recolha de informação. Isto não nos dá mais segurança. Dá menos. Mas ajuda a progredir na carreira. O registo de telefonemas e ligações de internet não detém terroristas nem reduz os assaltos. Muitos criminosos sabem usar telefones públicos. Mas a prevenção do crime tem menos prestígio que a apreensão de suspeitos. E é mais fácil prender quem copia ficheiros, faz telefonemas insultuosos ou tem blogs que criticam funcionários públicos do que patrulhar as ruas à noite. E então se for tudo com câmaras é que é supimpa.

Também muitos se esquecem que a privacidade não é só o que se esconde do olhar alheio. As compras na farmácia e supermercado, o trajecto de autocarro ou o almoço no restaurante são visíveis a quem lá esteja. Mas seguir alguém agregando esta informação é uma violação de privacidade. Para privar alguém deste direito basta a recolha e cruzamento de dados publicamente acessíveis. Por isso o artigo 35º da nossa constituição proíbe «a atribuição de um número nacional único aos cidadãos» e o parecer da CNPD sobre o cartão do cidadão refere que «a concentração da informação respeitante aos cidadãos [significa] uma restrição dos direitos fundamentais à privacidade e à protecção dos dados pessoais»(1).

A protecção legal da nossa privacidade está a enfraquecer porque a informação dá jeito a polícias, políticos e burocratas em geral. E a seguradoras, bancos e qualquer empresa. É fácil de recolher, barata de guardar e eventualmente será útil para todos. Menos para nós. Infelizmente, muitos não perceberam os riscos. Não estranham que o supermercado peça o nome e morada ou que a Netcabo pergunte as habilitações literárias e situação profissional. Publicam dados pessoais, vídeos e fotos da casa, carro e família e aprovam que se registe toda a sua vida para lhes dar mais segurança. Não dá. Esta informação só serve para saber da vida das pessoas e não para prevenir crimes relevantes. E até ajuda os criminosos.

No ataque de 11 de Setembro morreram 2800 pessoas. Todos os anos, nos EUA, dez milhões de pessoas sofrem de furto de identidade. Uma base de dados com os detalhes da vida de cada cidadão não salvava nenhum dos primeiros 2800. Mas uma coisa dessas é um maná para os criminosos que burlam milhões de pessoas todos os anos.

A privacidade não se troca por segurança. Faz parte da segurança. «O direito à privacidade [...] é um direito fundamental [...] protector dos indivíduos face à actuação do Estado e dos poderes públicos.»(1)

1- CNPD, PARECER Nº 37/ 2006
Vejam também:
Jennifer Granick, Wired, Security vs. Privacy: The Rematch
Owen Bowcott, Guardian, CCTV boom has failed to slash crime, say police
Bruce Schneier, Schneier on Security, Protecting Privacy and Liberty
Bruce Schneier, Schneier on Security, Security vs. Privacy

sexta-feira, novembro 07, 2008

Sempre vigilantes.

O Regulation of Investigatory Powers Act (RIPA) foi introduzido em 2000 no Reino Unido, ostensivamente como legislação anti-terrorismo, para regular a intercepção de comunicações e vigilância por parte de órgãos do estado na prevenção de crimes, protecção da saúde pública, segurança e bem estar económico no Reino Unido (1).

Hoje metade dos concelhos no Reino Unido usam esta legislação para coisas como multar as pessoas que põem o lixo nos caixotes nos dias errados (2).

Sempre que vos parecer boa ideia dar ao estado poderes para vigiar os cidadãos pensem nos burocratas com quem lidam quando declaram o IRS, pedem uma certidão ou tentam resolver algum problema desses. São essas pessoas exercem estes poderes.

Via Schneier on Security.

1- Wikipedia, RIPA
2- Mail Online, March of the dustbin Stasi: Half of councils use anti-terror laws to watch people putting rubbish out on the wrong day

quinta-feira, novembro 06, 2008

Ciência ou certeza.

«Truth is something we can attempt to doubt, and then perhaps, after much exertion, discover that part of the doubt is unjustified.» Niels Bohr

«What is wanted is not the will to believe, but the wish to find out, which is the exact opposite.» Bertrand Russell

A ciência é uma coisa estranha porque contraria as nossas disposições naturais e muito do que aprendemos enquanto crescemos. Desde cedo associamos o conhecimento à certeza. Vemos que os mais velhos são sábios porque não estão com “hmm, deixa cá ver...” ou “talvez seja...”, mostrando que saber é estar confiante das crenças que se tem. O cientista estereotipado na TV exclama que tem que haver explicação porque acredita na ciência. Pessoas como o Marcos Sabino julgam que «Para o cientista é verdadeiro tudo aquilo que está provado ser verdadeiro»(1). E quando explico porque duvido que existam deuses acusam-me de ter certezas injustificadas (2). Para muitos saber é ter certezas, mas a certeza só dá a ilusão de sabedoria isolando-nos das evidências. É a dúvida que dá conhecimento.

Este caminho da dúvida faz-nos descartar muitas ideias, que é outra coisa estranha. Como animal social que somos facilmente aprendemos a ser fiéis aos nossos, a punir traidores e a desconfiar dos indecisos. Mudar de ideias é infidelidade. Isto faz sentido nas relações entre pessoas onde o compromisso e a confiança são tão importantes. Mas não quando opinamos acerca dos factos. Nisso é melhor ser capaz de corrigir erros do que ser fiel a um dogma.

A maneira como aprendemos também nos prepara mal para a ciência. Por necessidade, passamos boa parte da vida a aprender o que os outros já sabem. É uma das nossas maiores vantagens mas exercita precisamente aquelas disposições que menos servem para descobrir conhecimento novo ou corrigir os erros do passado. E custa mudar da atitude de confiança e aceitação necessária à aquisição do conhecimento alheio para uma atitude de dúvida e curiosidade disciplinada necessária à descoberta de novo conhecimento.

O quotidiano também não ajuda. O desafio mais comum ao nosso intelecto é decifrar as intenções e propósitos dos outros. No autocarro não nos preocupa a força que exercemos no degrau ou o torque no varão que seguramos. O nosso cérebro está ocupado a discernir se a pessoa ao nosso lado vai sair na próxima paragem, se o revisor quer ver o bilhete ou se alguém se quer sentar naquele lugar vazio. A procura constante de propósito é útil porque vivemos entre seres como nós. Mas é um empecilho quando espreitamos para fora do nosso cantinho porque a maior parte do universo não tem intenção nem propósito.

A religião leva vantagem em todos estes aspectos. Nenhum cientista honesto pode rivalizar as certezas dos sacerdotes, que apontam sempre a falibilidade da ciência esquecendo que enquanto as dúvidas da ciência são o seu ponto mais forte as certezas das religiões sempre foram pés de barro. As religiões justificam-se por analogia com relações pessoais. Deus é pai, é amor, é alguém a quem devemos fidelidade e respeito. Com deuses notórios pela sua ausência o crente acaba por relacionar-se afectivamente com uma mera hipótese, mas ninguém gosta de abandonar os amigos. Nem mesmo os imaginários. E a religião aprende-se pelo livro, pela interpretação oficial ou pela graça do espirito santo. Que é a maneira normal, consultando uma autoridade infalível. Não é suposto aprender-se corrigindo erros, questionando, duvidando e escrevendo livros novos.

Além disso a religião responde Porquê. O propósito, o plano divino, a utilidade disto tudo. Pouco importa que tal coisa só exista na nossa mente, que seja tão ilusória como os monstros e heróis nas constelações ou as emoções que vemos na tempestade furiosa e no mar calmo. Nem importa que cada religião responda à sua maneira ou que nenhuma resposta faça sentido, porque tudo isto se encaixa naturalmente na nossa maneira de ser.

É por estas razões que a religião é tão antiga como a humanidade e faz parte da vida de quase toda a gente, enquanto que a ciência tem poucos séculos de idade e a maioria das pessoas não a compreende. E como a crença religiosa dá poder sobre os crentes enquanto a dúvida informada favorece a autonomia há muitos que se dedicam a manter esta diferença. Por isso se vos disserem para acreditar, duvidem. Se vos disserem para ter fé, desconfiem. E se vos disserem que um livro tem a verdade infalível dêem uma gargalhada. É treta.

1- Em A ciência é a mesma?
2- Dúvidas claras não são certezas.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Escondam as chaves.

Investigadores em San Diego criaram uma aplicação que pode duplicar chaves a partir de uma fotografia. O perfil de uma chave é determinado por uma combinação de valores discretos que podem ser calculados analisando a imagem da chave. Sabendo qual o fabricante, esta informação é suficiente para reproduzir a chave. Os autores testaram o software com fotografias tiradas com um telemóvel vulgar e também com uma máquina fotográfica com teleobjectiva.

Agora que já nos habituámos a esconder o código do multibanco temos que nos habituar a esconder as chaves de casa. A notícia está aqui e o artigo (em pdf) aqui.

Via Schneier on Security

terça-feira, novembro 04, 2008

A ciência é a mesma?

Num raro exemplo de comentário sucinto e pertinente, o Jónatas Machado escreveu que «A ciência é a mesma para criacionistas e evolucionistas.»(1) Concordo que devia ser mas parece-me que não é. Parece-me até que para os criacionistas a ciência é precisamente o contrário daquilo que é para os cientistas.

Para um cientista a ciência organiza o conhecimento revelando padrões regulares, correlações e mecanismos que sugerem relações causais. Para compreender a relação entre o tabaco e o cancro examina grupos de pessoas, estima correlações e testa os efeitos do tabaco em animais. O tio Jeremias pode ter fumado três maços por dia até aos noventa mas importa mais o padrão que os dados revelam do que as anomalias pontuais.

O criacionista vê a ciência como uma colecção de anomalias. Ignora o enorme conjunto de resultados fiáveis, e o padrão que estes formam, e foca aquela rocha que deu problemas com aquele método ou aquele resultado pontual que não se sabe como surgiu. Enquanto o cientista estuda o cancro o criacionista apregoa, repetidamente, que o tio Jeremias morreu de perfeita saúde.

O cientista procura explicações genéricas que abarquem fenómenos diferentes. A unificação do conhecimento sob esquemas explicativos aplicáveis a muitos casos é um dos objectivos da ciência e uma das suas grandes vitórias. O criacionista não gosta de explicações e prefere explicacinhas. Aqui deus mexericou na radioactividade, ali remexeu a água, acolá deu um empurrão à luz e assim por diante. Cada cor seu sabor.

O cientista investiga para conhecer e ganhar confiança nas ideias que tem acerca da realidade. As hipóteses que formula podem ser verdade mas também podem não ser, e é a evidência que o ajuda a decidir. Nunca de uma vez por todas mas sempre tentativamente e sempre procurando lugar para melhorias. O criacionista só procura lugar onde enfiar os seus milagretes. A verdade, julga ele, já a tem toda, e por isso não lhe interessa um método para a procurar. O que ele precisa é de desculpas para justificar uma crença tão contrária ao que se observa.

Para o cientista a ciência é uma invenção humana excepcional que ajuda a conhecer o universo, corrigir erros e aproximar-nos da verdade. Para o criacionista a ciência é vento no capachinho. Disfarça, diz que segura o cabelo só porque não se quer despentear, mas o desconforto é evidente.

1- Em Miscelânea Criacionista: ciência operacional e ciência histórica.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Miscelânea Criacionista: ciência operacional e ciência histórica.

Recentemente o Mats comentou que eu continuo «a fazer confusão entre a ciência operacional e a ciência histórica/forense.»(1) Não é difícil confundi-las quando são a mesma coisa e a distinção apenas uma invenção criacionista sem nada que ver com a realidade.

Para o criacionista, é ciência operacional assumir que o tempo de meia vida de um isótopo é constante se queremos dosear uma sessão de radioterapia, operar uma central nuclear ou dimensionar as baterias de uma sonda interplanetária. Mas quando medimos a idade de uma rocha então o mesmo princípio passa a ser ciência histórica. A velocidade da luz ser constante é ciência operacional quando serve para o posicionamento global mas é ciência histórica quando mostra que as estrelas existem há milhões de anos. E as árvores filogenéticas são ciência operacional se servem para classificar organismos patogénicos mas são ciência histórica quando revelam ser nossos parentes organismos que os criacionistas não querem na família.

Dividir a ciência em função do inconveniente que causa à interpretação literal da Bíblia faz parte da posição de fé do criacionista. O criacionista não quer descobrir a verdade. A sua fé diz-lhe que já sabe a verdade absoluta e infalível do seu deus. Agora é só apregoá-la e massajar os factos – ou martelar, serrar ou ignorar os menos massajáveis – para que tudo encaixe no que o criacionista crê ser verdade. Um pressuposto do criacionismo bíblico é, além da infalibilidade do seu deus, a infalibilidade dos criacionistas que nele crêem. Porque se os criacionistas se assumissem falíveis de nada lhes adiantava afirmar o seu deus infalível pois tinham que admitir a possibilidade de se enganarem nessa matéria.

E retalhar o conhecimento adequa-se à visão fragmentada e heterogénea que o criacionista tem da natureza, em que cada coisa teve uma criação independente das restantes e função apenas do sagrado capricho divino. Por isso o criacionismo tem uma ou mais explicações independentes para cada fenómeno. Como os milagres, são únicas e irrepetíveis. Os peixes de água doce sobreviveram ao dilúvio porque nessa altura viviam bem em água salgada ou porque havia camadas de água doce no oceano. As estrelas estão a milhões de anos luz mas a luz pode ter andado mais depressa antes ou foi criada já a caminho. A radioactividade acelerou para as rochas parecerem antigas ou deus já as criou com os isótopos nas proporções que têm agora. E assim por diante.

Enquanto a ciência se esforça por unificar fenómenos dentro do mesmo esquema de explicação, o criacionismo tira um milagre da manga cada vez que quer explicar algo e tenta esquartejar o conhecimento para usufruir da tecnologia sem ameaçar as suas superstições. Infelizmente, isso só se consegue com muita ignorância e muito esforço para a manter.

1- Para que serve a teoria da evolução?

domingo, novembro 02, 2008

Treta da Semana: Feng Shui

Considerar categorias como sendo coisas é uma tendência humana comum. Da divisão entre seres vivos e não vivos inferimos que há um élan vital que anima os primeiros. De haver coisas quentes e frias inventámos o calórico. E de considerarmos alguns acontecimentos ou pessoas mais afortunados que outros veio esta ideia que a sorte é uma “energia positiva” que flui, acumula-se e podemos canalizar mudando a mobília de sítio. O erro nos primeiros dois casos já foi corrigido mas o último ainda ilude muita gente.

«Toda a gente sabe que a sorte às vezes vai e vem, o ideal é mantê-la e é isso mesmo que o Feng Shui ajuda cada indivíduo a fazer – manter a sua sorte.»(1)

Assim, para trazer a sorte pela porta e evitar que se escoe pela retrete podem seguir o método das relações das cinco fases (Bagua), o método do tempo e do espaço (Xuang Kong), o método das estrelas voadoras de purpura alva (Zi Bai), o método das oito portas e nove estrelas (Qimen Dunjia) e muitos outros métodos de Feng Shui, todos igualmente (in)eficazes (2). A fotografia abaixo, na Wikipedia, é um bom exemplo de dinheiro deitado ao lixo para arejar a sorte.



Nem é preciso que o disparate afecte arquitectos ou engenheiros. Basta afectar um número suficiente de inquilinos que quem projecta os edifícios terá poucas opções. E este é o problema dos disparates. Qualquer disparate, por muito inofensivo que seja em doses individuais, tem consequências quando um número grande de pessoas acredita.

1- www.fengshuiportugal.com
2- Wikipedia, Feng Shui

sábado, novembro 01, 2008

Isso não se diz...

Há palavras que normalmente são substituídas por bips na rádio ou TV. Todos sabem quais são. Ou sabiam, porque agora há umas novas. A MTV censurou o vídeo da canção «Don’t download this song» do Weird Al Yankovic, mas desta vez os bips foram para palavras como Morpheus, Grokster, Limewire e KaZaA. Admito que estes programas de partilha de ficheiros já estão ultrapassados. Afinal, a música é de 2006. Mas é exagero considerarem-nos palavrões só porque a RIAA não gosta que se partilhe ficheiros.

Pode parecer uma atitude estranha da parte da MTV. Mas faz sentido se considerarmos o esforço concertado de toda esta indústria para se tornar cada vez mais ridícula e absurda.

Podem ver aqui o vídeo da canção, e abaixo a letra sem censura. Não repitam esta linguagem à frente de crianças.

Once in a while maybe you will feel the urge
To break international copyright law
By downloading MP3s from file-sharing sites
Like Morpheus or Grokster or Limewire or KaZaA

But deep in your heart you know the guilt would drive you mad
And the shame would leave a permanent scar
'Cause you start out stealing songs and then you're robbing liquor stores
And sellin' crack and runnin' over school kids with your car

So don't download this song
The record store's where you belong
Go and buy the CD like you know that you should
Oh, don't download this song

Oh, you don't wanna mess with the R-I-double-A
They'll sue you if you burn that CD-R
It doesn't matter if you're a grandma or a seven year old girl
They'll treat you like the evil hard-bitten criminal scum you are

So don't download this song
Don't go pirating music all day long
Go and buy the CD like you know that you should
Oh, don't download this song

Don't take away money from artists just like me
How else can I afford another solid gold Hum-Vee
And diamond-studded swimming pools
These things don't grow on trees
So all I ask is, "Everybody, please..."

Don't donwload this song (Don't do it, no, no)
Even Lars Ulrich knows it's wrong (You can just ask him)
Go and buy the CD like you know that you should (You really should)
Oh, don't download this song

Don't donwload this song (Oh please, don't you do it)
Or you might wind up in jail like Tommy Chong (Remember Tommy)
Go and buy the CD (Right now) like you know that you should (Go out and buy it)
Oh, don't download this song

Don't download this song (No, no, no, no, no, no)
You'll burn in hell before too long (and you'll deserve it)
Go and buy the CD (Just buy it) like you know that you should (You cheap bastard)
Oh, don't download this song


Via ZeroPaid

Editado a 3-11-08: Soube hoje pelo Miguel Caetano que já há algum tempo que o vídeo tinha sido censurado, a pedido da MTV, mas parece que a razão principal era a política da MTV contra a referência a marcas comerciais. Continua a não ser inteiramente razoável mas sempre faz mais sentido que censurar referência a programas de partilha de ficheiros.