Treta da Semana: Feng Shui
Considerar categorias como sendo coisas é uma tendência humana comum. Da divisão entre seres vivos e não vivos inferimos que há um élan vital que anima os primeiros. De haver coisas quentes e frias inventámos o calórico. E de considerarmos alguns acontecimentos ou pessoas mais afortunados que outros veio esta ideia que a sorte é uma “energia positiva” que flui, acumula-se e podemos canalizar mudando a mobília de sítio. O erro nos primeiros dois casos já foi corrigido mas o último ainda ilude muita gente.
«Toda a gente sabe que a sorte às vezes vai e vem, o ideal é mantê-la e é isso mesmo que o Feng Shui ajuda cada indivíduo a fazer – manter a sua sorte.»(1)
Assim, para trazer a sorte pela porta e evitar que se escoe pela retrete podem seguir o método das relações das cinco fases (Bagua), o método do tempo e do espaço (Xuang Kong), o método das estrelas voadoras de purpura alva (Zi Bai), o método das oito portas e nove estrelas (Qimen Dunjia) e muitos outros métodos de Feng Shui, todos igualmente (in)eficazes (2). A fotografia abaixo, na Wikipedia, é um bom exemplo de dinheiro deitado ao lixo para arejar a sorte.
Nem é preciso que o disparate afecte arquitectos ou engenheiros. Basta afectar um número suficiente de inquilinos que quem projecta os edifícios terá poucas opções. E este é o problema dos disparates. Qualquer disparate, por muito inofensivo que seja em doses individuais, tem consequências quando um número grande de pessoas acredita.
1- www.fengshuiportugal.com
2- Wikipedia, Feng Shui
Mas, superstições à parte, não vejo que tenha sido um grande desperdício de dinheiro.
ResponderEliminarO arquitecto podia ter feito o mesmo só por uma questão estética (olha o estádio do Sporting ou as Amoreiras, e não creio que o Taveira seja muito dado a crenças religiosas/espirituais obscuras). E se a consequência de acreditarem nisso é terem prédios com um estilo diferente, até é uma boa desculpa para haver mais diversidade estilística.
Independente de ser treta ou não, a arquitectura feng shui, muitas vezes dá resultados bastante interessantes.
ResponderEliminarA imagem está a apontar para:
ResponderEliminarhttp://ktreta.blogspot.com/wiki/Image:HKBuildingFengshui.jpg .
Devia apontar para:
http://en.wikipedia.org/wiki/Image:HKBuildingFengshui.jpg .
É of topic mas não resisto:
ResponderEliminarIsto é o cúmulo da perspicácia: :))
Como é que é possivel que a Nação mais poderosa do mundo considere sequer a hipótese de ter esta vice-presidente !?
Pedro,
ResponderEliminarObrigado pela correcção.
João Vasco e anónimo,
Concordo que o feng shui pode dar coisas engraçadas. Mas parece-me que mais engraçado seria se o fizessem só pela estética em vez de o fazer pela tretologia. Pôr um buraco num sitio porque um fengshuista acha que aquele ângulo com o norte magnético, tendo em conta a constelação do dragão coxo, faz com que a sorte rodopie no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio não me parece ideal.
Joao Vasco e Anonimo:
ResponderEliminarSem querer estar a implicar com voces, porque percebo o que querem dizer, tenho de estar de acordo com o Ludwig.
Senão daqui a nada temos os médicos a aconselhar cirurgias para extirpação de tumores mas a argumentar que é para alinhar o "fluxo cosmologico espiritual" com a linfa, os professores a defender que o ensino de matematica alinha o homunculo com o universo, etc.
João Vasco,
ResponderEliminarEu diria que um edifício com um buraquinho no meio estaria perfeitamente de acordo com a estética do Taveira, mas como o da imagem não é dele, talvez tenha sido mesmo uma preocupação esotérica.
Tenho uma amiga que está a tirar um curso de Feng Shui a quem lhe rebentou uma lâmpada e o frigorífico no mesmo dia. Se para o céptico isto seria uma boa indicação que essa treta não funciona, para ela desconfio que é precisamente o contrário.
Krippmeister:
ResponderEliminarJá não é a primeira, nem a segunda. Quando vejo um comentário antecedido pelo teu nome, já sei que vem aí gargalhada.
Parece haver aí uns genes de bom humor na vossa família.
Somos uma cambada de engraçadinhos :)
ResponderEliminarObrigado!
Na minha condição de arquitolo, vejo-me compelido a responder a esta.
ResponderEliminarDesde que existem, os arquitectos têm-se apoiado em sistemas mais ou menos racionais para desenvolver o projecto.
Estas "muletas" servem para permitir uma abordagem sistemática a um assunto que tem muito pouco de científico, o acto criativo de um objecto tão complexo como um edifício ou uma secção do território.
Todos os estilos arquitectónicos (Gótico, Renascentista, Barroco, Manuelino, Neo-classicismo, Modernismo e Pós-modernismo, só para mencionar os mais conhecidos) mais não são que um conjunto de regras que ajudam quem projecta a produzir um edifício formalmente coerente.
Desde que siga as regras de um dado sistema fica a garantia que o produto final será coerente, e a elevada probabilidade que tenha alguma qualidade arquitectónica.
Mesmo que as regras sejam um perfeito disparate, como a proporção do rectângulo de ouro, a relação entre o capitel e a base de uma coluna, ou a orientação de uma sanita.
Nesse aspecto, o feng-shui não adianta nem atrasa em relação aos outros sistemas. Tem uma série de regras que são do senso comum (não por a cama entre a porta e a janela, principalmente se estas forem mal construidas e permitirem correntes de ar) e outras que são, no melhor das hipóteses, pura perca de recursos.
Mas o feng shui tem uma particularidade que os outros sistemas de regras nã têm: permite a um leigo opinar sobre a tal qualidade da arquitectura - qualidade entendida como coerencia dentro de um sistema de regras.
Enquanto no classicismo era exigido aos arquitectos estudarem geomeria descritiva de modo a poderem aferir se dada janela obedecia à regra de ouro, ou dada coluna era efectivamente de certa ordem, enquanto na arquitectura contemporânea é exigido aos arquitectos entenderem profundamente de regras associadas à reistência dos materiais, comportamentos térmicos e acústicos, cumprimento de legislação, e muitas outras matérias que obrigam a anos e anos de estudo, o feng shui é para qualquer um.
Qualquer um sabe ver se a sanita está atrás da porta, se a janela está virada para Norte, ou se a parede Sul do quarto está pintada de azul.
Munido deste conhecimento, o vulgar cidadão (muitas vezes cliente) sente que a sua opinião é válida e equivalente à do técnico, e assim propõe-se como interveniente activo no processo arquitectónico.
É óbvia a semelhança desta situação com outras exteriores à arquitectura, como sejam os espiritismos, magnetismos, cheirismos, colorismos e outras coisas quejandas.
O comum cidadão, ao ver que o conhecimento para entender o mundo é demasiado vasto e escapa-lhe ao controlo, refugia-se em sistemas de regras simples e taxativas, que lhes dão o conforto ilusivo de entender o ambiente que o rodeia.
Posto isto, é óbvio que o feng shui é nocivo.
Basta ver que a alocação dos recursos utilizados para satisfazer os caprichos de um sistema de regras fantasioso poderiam ser muito melhor utilizados para, por exemplo, reduzir o consumo energético dos edifícios, para entender que brincar com coisas sérias sai caro, e bem caro.
Inteligência, design, informação, códigos, etc., são tudo ingredientes que tornam possível o desenvolvimento tecnológico.
ResponderEliminarFicamos sem perceber que relação essa arquitectura pode ter com processos aleatórios.
A discussão de um tema é que o torna real. Pelo que percebi até se encontrou um neologismo para tonificar a massa crítica, acho graça sem que isso signifique cinismo. Simetrias, assimetrias, cheios, vazios, rumores ou simplesmente silêncios, são formas de existir. Nunca esquecer que não existe regra sem excepção, nem coisa certa sem erro. Bom trabalho a todos os arquitetos e não só.
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