Liberdade para conversar.
O Bruce Schneier tem um artigo interessante sobre a necessidade de legislação que proteja a comunicação pessoal. Até agora as limitações tecnológicas impunham uma diferença entre o telefonema ou a conversa de café e uma entrevista na rádio ou a acta de uma reunião. Falar sem se comprometer e dizer o que se pensa podendo, mais tarde, pensar de forma diferente, sempre foram liberdades importantes na nossa vida social. E não apenas por ser em privado. Podia ser, mas podia também ser numa festa, na esplanada, perante amigos ou estranhos. Entre o privado e a publicação havia a comunicação pessoal que, mesmo quando partilhada com estranhos, não exigia responsabilidades especiais nem era legítimo usar contra ninguém. O que alguém dizia na esplanada não o responsabilizava como se escrevesse para um jornal.
Quando as conversas eram efémeras e as palavras só duravam enquanto as dizíamos era fácil manter esta distinção porque era difícil privar-nos dessa esfera da comunicação pessoal. Mas agora comunicamos por email e conversamos em blogs e todas esta conversas ficam registadas. Para sempre. E com isso querem privar-nos da liberdade de exprimir a nossa opinião, livremente, a quem a quiser ouvir.
Há uns dias o tribunal da Póvoa de Varzim mandou encerrar o Povoaoffline, blog sucessor do Povoaonline encerrado há uns meses também por ordem do tribunal. O efeito prático foi pequeno, como se pode ler no novo Povoa-online (1). Mas encerrar um blog porque alguém escreve o que pensa do Macedo Vieira é o mesmo que proibir que alguém diga o que pensa do Macedo Vieira num jardim ou numa esplanada. Não é uma conversa privada mas é uma conversa pessoal. O direito à conversa pessoal deve ser respeitado independentemente da tecnologia que se usa para o exercer. Mas por causa da tecnologia que usamos agora precisamos que seja a lei a proteger esse direito. E, infelizmente, estão a usar a lei no sentido contrário.
Mas é melhor lerem o artigo original: The Future of Ephemeral Conversation.
1- povoa-online.blogspot.com
Isto está lindo. Numa acção de formação obrigatória, onde enviam pessoas do ministério da educação para nos ensinar a ser avaliados (sim, é verdade), uma formadora aconselhou os colegas a não lerem os blogs dos professores sobre ministério, ministra e avaliação.
ResponderEliminarbjs Karin
Boas,
ResponderEliminarParece-me válida a necessidade de definir o que poderá ou não ser usado contra quem escreve/diz. No entanto, este tema parece ainda estar longe dos grandes meios de comunicação social e, até lá, nada será feito. É assim que funciona o mundo...
No entanto, também não me parece justo que tudo possa ser dito de forma impune. Tomemos, como exemplo, a típica conversa de café. Suponhamos que, ao passarmos junto a uma esplanada, ouvimos alguém difamar-nos perante outros. Queremos realmente deixar esse acto impune? Todos sabemos que é difícil para a maioria ouvir, de forma crítica, a opinião de alguém sobre um qualquer tema sobre o qual não se tem opinião formada. E se um dos elementos desse grupo vier a ser nosso patrão, cliente, etc? Queremos mesmo permitir que essa pessoa mantenha uma visão distorcida da nossa personalidade? Não será do interesse de cada um de nós garantir que o que é dito sobre nós tenha algum tipo de moderação? Sempre ouvi dizer que a minha liberdade termina onde começa a dos outros. Estar a denegrir infundadamente a imagem de alguém perante outros consiste claramente (para mim) uma invasão dessa liberdade alheia.
É, sem qualquer sombra de dúvida, da maior importância manter a liberdade de cada um. Não será igualmente importante garantir a verdade dos factos e a liberdade alheia?
« Não será igualmente importante garantir a verdade dos factos»
ResponderEliminarSe for para impedir a publicidade enganosa, tudo bem. Isto tem apenas a ver com o contrato implícito estabelecido entre o vendedor e o comprador do produto anunciado.
Para qualquer outro efeito não se pode dar aos tribunais o poder de estabelecer qual é a verdade que pode ser dita.
Ups. Há outra excepção: o ensino. Admito que os tribunais possam pronunciar-se a respeito daquilo que pode ser ensinado no sistema escolar dentro de certos limites. Mas no que respeita à conversa entre adultos, não creio que tenhamos grande vantagem em dar aos tribunais o poder de condenar quem eles pensam que está a mentir. Isso seria mesmo muito grave, e creio nem precisar de explicar as implicações de algo do género ser posto em prática. (Mas se quiserem, explico)
«« Não será igualmente importante garantir a verdade dos factos»
ResponderEliminarSe for para impedir a publicidade enganosa, tudo bem. Isto tem apenas a ver com o contrato implícito estabelecido entre o vendedor e o comprador do produto anunciado.
Para qualquer outro efeito não se pode dar aos tribunais o poder de estabelecer qual é a verdade que pode ser dita.»
A questão que coloco prende-se exactamente com o ser ou não verdade. Proponho-te o seguinte cenário: aguardas a tua vez para ser entrevistado para uma vaga numa empresa e, sem que eles se apercebam, ouves um dos candidatos difamar-te perante o teu entrevistador. Concordas que, nesse tipo de situações, essa acção passe impune? Mesmo que depois o desmintas, como garantes que a mesma situação não se irá repetir, se essa mesma pessoa for a outras entrevistas de emprego às quais pretendes ir? Passarás o resto do dia a desmenti-lo perante outros?
Idealmente deveria ser da consciência de cada um definir o que pode ou não dizer, respeitando a sua liberdade de expressão e, em simultâneo, a liberdade dos restantes. Claro que é difícil definir onde começa a liberdade de um e termina a do outro. Onde termina a minha liberdade de expressar as minhas ideias livremente e começa a do outro que pretende que não seja afirmado sobre ele algo que não é verdade (ou que gostaria que não fosse verdade ou, pelo menos, de conhecimento publico).
Tal como todas as restantes liberdades, esta também é regida por leis. Gostemos ou não das leis em si, é necessário que essa regulação exista. Restringe a nossa liberdade, sem duvida. Mas garante que a que temos não é violada.
Bacardi:
ResponderEliminarMas o exemplo que me dás o importante não é verdade dos factos em si, mas sim que o evitar da difamação.
Imagina que eu faço um documentário a dizer que o homem nunca foi à lua. Imagina que eu sei que isso é falso. Os tribunais deveriam ter o direito de me condenar, caso tal documentário tivesse passado na TV?
João:
ResponderEliminarExiste, de facto, essa diferença. Mentir, embora seja errado, é um direito que todos temos enquanto membros de uma sociedade onde há liberdade de expressão. Difamar é um caso particular da mentira, onde a mesma é usada para prejudicar outros. É um exemplo típico do "a minha liberdade termina onde começa a do próximo".
Os ditos blogs foram encerrados por difamar. Parece-me bem. Talvez o mais adequado fosse retirar os posts sobre o assunto, e não encerrar os blogs por completo, mas isso é discutível. Foram feitas afirmações sobre autarcas da câmara da Povoa do Varzim que violavam o seu direito à integridade moral. Essas afirmações foram feitas sem provas que as suportassem. Caso típico de difamação.
Voltando à questão inicial do post, acho que dizer “X e Y são corruptos” sem provas é reprovável. É uma violação directa da liberdade de X e Y. Seja num blog, num café ou no jornal da noite da RTP1. Devemos apenas afirmar se detivermos provas. Até lá, quanto muito, deveremos ter (ou, pelo menos, afirmar) suspeitas. Quando alguém for declarado em tribunal culpado de difamação por afirmar “tenho suspeitas de que X e Y são corruptos”, serei o primeiro a manifestar-me contra.
Alemanha aprova lei para espiar computadores privados
ResponderEliminarNa ligação anterior, estava isto. Os filmes até têm alguma piada.
ResponderEliminar