Certeza, certezinha e disparate.
Alguns leitores comentaram que eu me contradizia ao afirmar que não podermos ter certezas absolutas. Ao que parece, assumem que qualquer afirmação tem que ser a de uma certeza absoluta. Como escreveu o Mats, «Tu é que afirmas que é impossível termos o conhecimento da verdade absoluta. Mas ao afirmares isso estás tu mesmo a declarar uma verdade absoluta.»(1) Nem por isso.
A confiança que tenho nas hipóteses abrange um contínuo que vai da rejeição, passa por vários graus de indecisão e dúvida até chegar à certeza. Desconfio de muitas hipóteses porque a informação que tenho não as suporta adequadamente. O que os políticos dizem, por exemplo. Mas há hipóteses das quais tenho certeza no sentido em que nenhum dado confirmatório aumentará a minha confiança.
Por exemplo, tenho a certeza que não há elefantes em minha casa. Quero dizer com isto que a informação que tenho suporta tão bem esta hipótese que já não me adianta procurar mais confirmação. É inútil ir pela casa à procura de evidências de não haver elefantes por aqui porque a minha confiança nesta hipótese já está ao máximo. Se me perguntarem se tenho elefantes em casa digo que não. Se me perguntarem se tenho a certeza digo que sim. Tenho a certeza que não há elefantes cá em casa.
Mas esta certeza não é absoluta. É relativa aos dados que tenho. Não pode aumentar porque dados adicionais que concordem com a hipótese serão redundantes. Mas pode diminuir face a informação contraditória. Se vir uma tromba a sair da sala começo a ter dúvidas. É certeza mas pode deixar de ser.
Quando afirmo que não podemos ter certezas absolutas tenho certeza do que digo. Mas não tenho, obviamente, certeza absoluta. Tenho certeza porque encontrar mais exemplos da falibilidade humana já não vai aumentar a minha confiança na possibilidade de errar. Que podemos errar já eu sei. Mas se me demonstrarem que podem eliminar a possibilidade de erro diminuirá a minha confiança nesta hipótese e deixarei de ter certeza nela. A minha certeza é provisória e é relativa aos dados que tenho. Não exclui a possibilidade de erro.
Mas enquanto não me demonstrarem adequadamente essa infalibilidade continuarei com a certeza que quem defende certezas absolutas não é infalível. Quem exclui a possibilidade de mudar de opinião perante evidências contrárias é apenas insensato.
1- Comentários a Certezetas
Esta excelente Ludwig! e não estou a gozar. Tinha estado a pensar no assunto de uma maneira oposta que é alguem argumentar em nome da duvida metodica que (para usar o teu exemplo) temos um elefante em casa. Para mais esse elefante é especial e consegue desaparecer sempre que alguem olha para ele. Alias todos os elefantes, quando querem, têm esta particularidade.
ResponderEliminarEu posso afirmar que não tenho um elefante em casa? Com certeza absoluta? Nem sei o que é isso, mas a certeza esta relacionada com um grau de probabilidade acerca do que se tem em causa.
Eu diria que em relação ao elefante, a probabilidade de um estar em tua casa é menor que a de me cair um cometa na cabeça até ao fim do dia. Sobretudo se associarmos ao facto de ser um elefante que gosta de desaparecer e que pode faze-lo...
Da indução à certeza é um passo pequeno para um homem mas gigante para a humanidade. Permite a ciencia e a tecnologia. E tudo sem ter a certeza absoluta. Coisa que eu admito nem sei o que é. Ter a certeza que algo ter 100% de hipoteses de ser verificavel? Eu não distingo de 99,99% de 100 como é que sei o que é isso...
Bom post, Ludwig. Vejo que aproveitas a tua discussão com os crentes menos, hahem, sensatos (belo eufemismo), para limar a tua própria filosofia.
ResponderEliminarComo diria o outro, não há perguntas estúpidas, só gente estúpida.
Ludwig,
ResponderEliminarParabéns. Um dos melhores que já li...
Este está tão redondinho e luzidio que acho que nem mesmo o perspectiva se vai arriscar...
ResponderEliminarLudwig
ResponderEliminarJulgo que este post pode ser subscrito por toda a gente (até pelo Mats ou pelo Perspectiva).
Porque me parece basear-se em equívocos semânticos.
Ninguém tem a certeza absoluta de nada e ao mesmo tempo toda a gente tem a certeza absoluta de alguma coisa.
Explicito. Enquanto conceito intelectual nunca é absoluto. Mesmo aqueles que pensam ter certezas absolutas podem deixar de as ter a aqualquer momento.
Em contrapartida, no momento decisório, todos temos certezas absolutas.
Isto é, quando agimos, quando escolhemos, para todos os efeitos práticos temos certezas absolutas (mesmo que intelectualmente elas não sejam absolutas - e, como já disse, nunca são).
É a esta luz que se podem entender algumas palavras do Papa sobre a importância do trabalho dos homens de Boa Vontade, independentemente das suas crenças.
Com efeito, se as minhas decisões tiverem como valor de fundo o Amor, é irrelevante que eu considere intelectualmente esse valor como de origem absoluta (Deus) ou de qualquer outra origem. No momento da decisão comporto-me, crente ou ateu, como se ele fosse de natureza absoluta.
Outra coisa, menos importante, poderá ser discutir em que medida uma certeza intelectual que se pretende absoluta, como a do Amor, pode afectar positivamente os valores que no momento da decisão se tornam facticamente absolutos. E vice-versa. Em que medida a inexistência de uma crença intelectual no Amor enquanto valor não absoluto pode afectar negativamente os valores que no momento da decisão se tornam facticamente absolutos.
Acho que está um pouco confuso mas de momento parece-me necessáro para exprimir com a máxima exactidão aquilo que penso (se calhar é apenas o reflexo da confusão daquilo que penso:))
Timshel,
ResponderEliminarSim, parece-me que o teu comentário reflete alguma confusão :)
Essa cereza prática é razoável. Há um ponto a partir do qual temos tantas evidências a favor que, na ausência de dados contraditórios significativos, a nossa confiança já não vai aumentar. Poupamos assim o trabalho de passar os dias a confirmar que dia 25 vai ser natal ou que a Lua não é feita de queijo. Essa certeza é útil e razoável.
Mas mesmo nessa a religião comete o erro de usar critérios diferentes para as suas crenças. Milhões de católicos acreditam que Maria apareceu e fez milagres em Fátima mas rejeitam que tenham sido extraterrestres de outras dimensões os responsáveis. No entanto, ambas as hipóteses carecem de muito mais evidência até ser razoável ter certeza que foi uma delas.
Depois há o erro ainda mais importante de defender a outra certeza. Aquela que não só dispensa informação confirmatória mas que rejeita à partida sequer a possibilidade de contradição. Quando lidamos com afirmações acerca da realidade isso é um disparate.
Quanto à minha definição de realidade, é simples: aquilo que é o mesmo para todos independentemente do que pensam, gostam, crêem ou julgam.
As certezas, ainda que muitas não possam ultrapassar a condição de certezetas, respeitam ao presente.
ResponderEliminarQuanto ao futuro, tudo o que podemos afirmar são previsões. Nada de mais incerto.
CL.
Já percebo. A confusão (ou pelo menos uma parte dela) resulta de um erro no último parágrafo.
ResponderEliminarOnde está escrito
"Em que medida a inexistência de uma crença intelectual no Amor enquanto valor não absoluto pode afectar negativamente os valores que no momento da decisão se tornam facticamente absolutos" deveria estar escrito "Em que medida a inexistência de uma crença intelectual no Amor enquanto valor absoluto pode afectar negativamente os valores que no momento da decisão se tornam facticamente absolutos"
Isto é, em que medida a inexistência de uma crença intelectual no Amor enquanto valor absoluto pode acabar por afectar indirectamente e/ou tendencialmente de modo negativo (no que respeita à expressão do valor "Amor") as decisões.
(isto agora é capaz de ainda estar mais confuso mas parece-me reflectir mais exactamente o que penso)
O meu comentário anterior ficaria então assim:
"Julgo que este post pode ser subscrito por toda a gente (até pelo Mats ou pelo Perspectiva).
Porque me parece basear-se em equívocos semânticos.
Ninguém tem a certeza absoluta de nada e ao mesmo tempo toda a gente tem a certeza absoluta de alguma coisa.
Explicito. Enquanto conceito intelectual nunca é absoluto. Mesmo aqueles que pensam ter certezas absolutas podem deixar de as ter a aqualquer momento.
Em contrapartida, no momento decisório, todos temos certezas absolutas.
Isto é, quando agimos, quando escolhemos, para todos os efeitos práticos temos certezas absolutas (mesmo que intelectualmente elas não sejam absolutas - e, como já disse, nunca são).
É a esta luz que se podem entender algumas palavras do Papa sobre a importância do trabalho dos homens de Boa Vontade, independentemente das suas crenças.
Com efeito, se as minhas decisões tiverem como valor de fundo o Amor, é irrelevante que eu considere intelectualmente esse valor como de origem absoluta (Deus) ou de qualquer outra origem. No momento da decisão comporto-me, crente ou ateu, como se ele fosse de natureza absoluta.
Outra coisa, menos importante, poderá ser discutir em que medida uma certeza intelectual que se pretende absoluta, como a do Amor, pode afectar positivamente os valores que no momento da decisão se tornam facticamente absolutos. E vice-versa. Em que medida a inexistência de uma crença intelectual no Amor enquanto valor absoluto pode acabar por afectar indirectamente e/ou tendencialmente de modo negativo (no que respeita à expressão do valor "Amor") as decisões."
(e o tamanho deste comentário vai fazer inveja ao Perspectiva:))
...tenho a certeza que não há elefantes em minha casa...
ResponderEliminarE gaivotas?
O Mats e o Perspectiva é que ainda não cá vieram. Pena...
ResponderEliminarLudwig:
ResponderEliminarOra nem mais!!
Curioso, este post escapou aos radares criacionistas (Mats, Sabino e Perspectiva)!!!
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