Os malefícios da trigonometria.
A segunda guerra mundial matou setenta milhões de pessoas e a trigonometria foi instrumental nessa tragédia. Usaram-na para projectar armas, construir tanques, apontar artilharia, guiar bombardeiros e enviar ordens por rádio. Sem a trigonometria milhões de pessoas teriam sobrevivido. Mesmo assim é razoável culpar os governos e as ideologias dos dirigentes em vez da trigonometria. A razão é simples. As ideologias foram escolhidas mas o quadrado da hipotenusa não pode ser senão a soma dos quadrados dos catetos.
É isto que muitos esquecem quando apontam os malefícios da ciência. O investigador pode ser imoral, os resultados da ciência podem ser usados para fins imorais e a tecnologia em si, bombas ou instrumentos de tortura, pode ser imoral. Mas a realidade não é à nossa vontade. Há modelos que correspondem aos dados e há outros que não correspondem. Isto não escolhemos. O máximo que podemos fazer é tentar descobrir quais são quais.
Criacionistas e afins entretêm-se a associar a teoria da evolução ao nazismo, a Hitler e aos movimentos eugénicos e a apontar o racismo de Darwin. Como se isso fosse relevante para a teoria da evolução. A trigonometria não seria menos válida se Pitágoras violasse crianças nem a química passa a estar errada quando uma bomba mata inocentes. A teoria da evolução diz que se os hemofílicos morrerem haverá menos hemofílicos nas próximas gerações e a medicação poderá aumentar a incidência desta doença. Isto descreve a realidade, não é imoral. Imoral seria matar os hemofílicos em vez de aumentar a produção dos medicamentos ou ignorar os factos por nos parecerem desagradáveis.
O curioso é que são crentes religiosos quem alega que há modelos científicos imorais. Os modelos científicos são o que a realidade os força a ser, dentro do que conseguimos descobrir, e moralmente neutros como o teorema de Pitágoras. Os preceitos religiosos é que são os que se quiser. Escolha não falta e quem não encontrar uma religião a gosto pode fazer como o Jorge Tadeu, o Joseph Smith ou o David Koresh e inventar a sua. É a religião que pode ser imoral porque podemos criá-la à nossa vontade.
Aceito que, pela mesma razão, a religião também possa ser moralmente boa. Em teoria. O problema aqui é de ordem prática. Escolher por escolher é arriscado porque há muito mais maneiras de fazer mal do que de fazer bem. Na prática, só escolhe preceitos religiosos moralmente bons quem já é capaz de agir moralmente bem sem eles.
Religiões acusarem modelos científicos de serem imorais é um disparate porque ninguém tem culpa que haja gravidade, triângulos ou evolução, porque conhecer a realidade é um requisito para agir moralmente e porque as religiões só não são totalmente imorais porque muitos crentes são moralmente superiores às religiões que têm.