segunda-feira, abril 07, 2008

Perguntas ou respostas?

O Timshel perguntou há dias:

«Porque é que a matéria tem condições que permitem a vida?
É assim porque é assim?
Tem algum interesse colocar a questão?»
(1)

Tem interesse, e vamos supor que o interesse é obter a resposta. Para isso precisamos compreender a pergunta. Precisamos saber o que quer dizer “vida”. Se é o conjunto de actos e experiências a que chamo “minha vida”, se é a propriedade de um sistema organizado que se desenvolve, reproduz e responde a estímulos ou se é apenas a mais elementar capacidade de replicação. Podemos escolher só uma ou dividir a pergunta em várias, mas para obter resposta precisamos de uma pergunta bem definida.

Também temos que especificar o que queremos dizer com “condições”. Se considerarmos que a vida surgiu com a primeira célula, as “condições” podem ser os factores que organizaram os constituintes da célula. Ou pode designar a causa última de tudo o que levou à célula, da química, da física, da matéria e assim por diante. No primeiro caso podemos identificar uma resposta se a encontrarmos, mas no segundo não. Mesmo que encontremos a causa última não vamos saber se é mesmo a última ou se há mais alguma. Se for essa a pergunta ficamos sem poder saber se já a respondemos.

Em suma, se nos interessa a resposta temos que formular a pergunta de forma a saber o que estamos a perguntar e de forma a poder identificar uma resposta se a encontrarmos. Sem isso não tem interesse colocar a questão. A menos que nos interesse perguntas sem resposta, como sugere o Dragão: «a propaganda ciêntifica, como literatura, é paupérrima; como religião, é excessivamente supersticiosa»(2).

Mary Shelley escreveu Frankenstein em 1817, quando a electricidade era adequadamente misteriosa. Se fosse em 1940 tinha que ser radioactividade e hoje só animava o monstro com manipulação genética ou dimensões paralelas. Os electrões do candeeiro que ligamos com o interruptor já não têm o efeito literário que tinham em 1817. Esta literatura precisa de perguntas que aparentem mistérios profundos, o tal “inexplicável”, que sirvam de metáfora para isto ou aquilo e que empilhem significados onde o leitor encontre o que mais lhe agrade. Perguntas claras com respostas concretas não servem.

Na religião o contraste é ainda maior porque a religião já deu respostas. Que a lepra era castigo, que Deus tinha feito montanhas e escaravelhos, que a Terra tinha poucos milhares de anos e os planetas andavam à nossa volta colados a esferas de cristal. Hoje isso é superstição e, vista de fora, a ciência também parece ser só respostas vindas sabe-se lá de onde. Parece «excessivamente supersticiosa». Mas a ciência e a religião divorciaram-se precisamente porque fugiram da superstição em direcções diferentes. A ciência adoptou um método de validação e revisão das respostas. A religião mais esclarecida do ocidente desistiu das respostas e dedicou-se à literatura. Ao mistério das perguntas vagas. Do mal o menos; noutros países e entre fundamentalistas a religião continua tão supersticiosa como antes.

Por isso à terceira pergunta respondo sim. Seja como for, tem interesse. À segunda, depende. Se interessa a resposta então a pergunta tem mesmo que fazer sentido e admitir resposta, senão não vale a pena. E a ciência já tem boas respostas para muitos casos particulares da primeira pergunta, conforme o que se queira dizer por “vida” e “condições”. Mas se só interessa o gostinho a mistério então nem dá jeito que a pergunta faça sentido e é de evitar qualquer possibilidade de resposta.

1- Timshel, 29-3-08, Man's Search for Meaning
2- Dragão, 4-4-08, Kentucky Fried Cience

9 comentários:

  1. I Simpósio Internacional Darwinismo Hoje

    As palestras e os debates da mesa redonda serão transmitidos pela Internet. Para acesso, visite essa página nos horários dos eventos, onde haverá o link para a transmissão

    http://www4.mackenzie.br/darwin.html

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  2. desculpa-me lá Ludwig mas a tua dúvida sobre a que "vida" é que me refiro parece-me completamente no-pertinente

    penso que seja qual for o conceito de vida a que me refiro tu estarás de acordo que a matéria tem condições ou regras ou leis ou propriedades que permitiram a vida pois ela aconteceu

    (a menos que defendas que a matéria não tem essas condições ou regras ou leis ou propriedades e que a vida aconteceu por um milagre fora de qualquer lógica materialista, tese que não me parece credível e que, suponho, deverá ainda ser menos credível para um ateu)

    contudo, aquela que era, no meu entender a parte mais importante do post continua sem ser respondida (aliás nem sequer a mencionaste):

    "Em que medida a resposta, qualquer que ela seja (e mesmo uma "não-resposta" é uma resposta, isto é, é uma escolha de uma resposta), a estas questões é susceptível de traduzir a nossa própria existência?

    Isto é, se a resposta indicar que não existe um qualquer sentido na vida para além daquele que decorre das leis da matéria (e se não se crer que estas leis são uma imanência do Transcendente), qual o conceito de existência, enquanto indíviduos e enquanto sociedade, que decorre, lógicamente, desta escolha pela "não-crença"?"

    Isto é, existem, lógicamente, apenas três respostas possíveis:

    1. A matéria tem propriedades que permitem a vida porque isso faz parte da natureza da matéria.

    2. A matéria tem propriedades que permitem a vida porque tal decorre de uma entidade transcendente que criou o universo com um determinado sentido.

    3. A matéria tem propriedades que permitem a vida mas neste momento não sabemos e possivelmente nunca saberemos se isso decorre de um projecto exterior à matéria (transcendente) ou se é uma simples forma de existência desta sem nenhuma causa última.

    A primeira e a terceira respostas encerram logicamente uma concepção da existência. Sendo tudo apenas matéria (ou não sabendo nós se o é ou não) não existe nenhum "dever ser" fora do contratualismo social. O "dever ser" é apenas algo que decorre de uma dada relação de forças e, não existindo nenhum imperativo moral transcendente, o sentido da vida decorre apenas da força que eu ou o meu grupo tem para impor tudo sem quaisquer limites.

    é interessante a este propósito um conceito que o francisco abordou num comentário aí atrás e que já vi defendido noutras ocasiões: o de moralidade biológica, isto é, a moral seria um simples produto biológico, individual ou colectivo

    mesmo admitindo que isto fosse verdade, uma de duas: ou a matéria tinha propriedades morais absolutas (uma origem transcendente portanto, ou pelo menos um Deus-Moral-Matéria que faria decorrer o "dever-ser" do "ser" tal como uma abelha segrega o mel) ou as "propriedades morais da matéria" seriam relativas e utilitárias e aí toda a "moral" (?) seria justificada pela utilidade para alguém que tinha em função de circunstâncias espácio-temporais dadas (esta moral também se costuma chamar correntemente de "oportunismo" ou "amoral")

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  3. "não-pertinente" (em vez de "no-pertinente")

    e outras gralhas

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  4. Timshel,

    «penso que seja qual for o conceito de vida a que me refiro tu estarás de acordo que a matéria tem condições ou regras ou leis ou propriedades que permitiram a vida pois ela aconteceu»

    Sim. Mas dependendo do que for o conceito de vida a resposta ao "porquê" dessas propriedades será diferente. O ponto que eu queria salientar é que a pergunta só tem interesse para quem quer a resposta se vier acompanhada de um conceito de vida que possa tornar a pergunta suficientemente específica para que se possa responder.

    Por exemplo, se vida for metabolismo a questão reduz-se ao porquê da matéria permitir reacções de oxidação, desidratação, etc. Isso é fácil explicar. Se não quiseres ir até à explicação última -- como essa não se pode identificar (sabemos lá se é a última ou se há mais) se a pergunta for essa ficamos sem resposta.

    «Isto é, existem, lógicamente, apenas três respostas possíveis:»

    Há pelo menos mais uma: a matéria não tem propriedades que permitam a vida porque o conceito de vida está mal formulado ou é erróneo. Por exemplo, supõe que definimos "vivo" como sendo dotado de uma substância vital ou alma e essa coisa não existe. Aqui também é importante termos um conceito de "vida" específico. Historicamente, muitos erros na ciência foram precisamente de conceitos como este (o flogisto, o calórico, o éter, etc...)

    «ou as "propriedades morais da matéria" seriam relativas e utilitárias e aí toda a "moral" (?) seria justificada pela utilidade para alguém»

    Essa é a tese religiosa. A moral é aquilo que respeita a vontade de Deus.

    Mas se substituires «alguém» por «todos os afectados» já tens algo muito mais universal e muito mais moral. Sem precisar de ter moralidade transcendente e essas coisas.

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  5. A matéria tem propriedades que permitem a vida porque isso faz parte da natureza da matéria.


    Independentemente do tal conceito de vida com o qual o Ludwig se debate, esta é naturalmente a hipótese mais simples e científica. Ou seja, esta é provavelmente a hipótese que uma mente científica logo escolherá. E eu também! :)

    Meaning... nem vejo necessidade de nenhuma das outras hipóteses, se considerarmos que na mais ínfima porção de matéria já existe em potência TUDO o que a vida pode manifestar, incluindo obviamente a consciência!!!

    Logo, claro que tudo faz parte da natureza última da matéria, apenas porque ela proveio de algo não material e original... esse não ser de onde brotou o ser.

    É também por isso que estas questões nunca são científicas, isto é, não se podem esgotar no estrito âmbito da ciência. O interessante aqui está nessa hipótese 3, saber se é possível ou não esse conhecimento da consciência intrínseca em cada partícula material. E até parece que sim, a fazer fé na demolição do realismo materialista que a física quântica continuamente leva a cabo.

    Mas esse não é trabalho para poucos anos. Depois, só prosseguindo bem mais adiante no conhecimento da consciência ao nível humano e animal se poderá passar então para o plano infinitesimal.

    E assim, é mesmo consciente um Vegetal...

    Rui leprechaun

    (...mai-lo Gnomo que o mira no quintal! :))

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  6. Ludwig

    relativamente às tuas duas primeiras objecções do teu comentário, para não nos embrenharmos em discussões que neste momento são irrelevantes sobre o que é avida, quando começa, se supõe algum "salto" na organização da matéria, vou reformular a primeira pergunta:

    "Porque é que a matéria tem propriedades (e obviamente que me estou a refeir às propriedades últimas, àquelas que não têm explicação nem nunca poderão ter de um ponto de vista lógico porque teriam que se situar necessariaente fora do sistema) que permitem que neste momento estejamos aqui a comunicar?"

    quanto à tua terceira objecção, simplesmente não a compreendi (uma moral que implique vantagem para todos? mesmo em situação de conflito de interesses? e o "todos" é a espécie - e nesse caso a moral seria equivalente às leis da natureza - ou o conjunto de "individuos"?)

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  7. A vida pode resultar apenas da acção de um designer sobrenaturalexterno e inteligente, totalmente distinto e independente do Universo natural.

    Não sendo possível avançar muito neste domínio, limitamo-nos a chamar a atenção para quatro de entre vários problemas que impedem a origem casual da vida.

    1) a ausência da necessária atmosfera

    A nossa atmosfera é composta em 78% por nitrogénio (N2), 21% oxigénio molecular (O2), e 1% de outros gases, como dióxido de carbono CO2), argon (Ar) e vapor de água H2O).

    Uma atmosfera contendo oxigénio livre seria fatal à vida, oxidando e destruindo as moléculas necessárias à vida.

    Por seu lado, a inexistência de oxigénio também seria fatal à vida, na medida em que não seria possível à radiação solar transformar oxigénio diatómico em oxigénio triatómico, que é o ozono O3.

    Sem oxigénio não há ozono. Sem ozono não há protecção contra raios ultra-violeta.

    Estes seriam igualmente fatais para as moléculas da vida.

    Ou seja, uma teoria naturalista da vida enfrenta um problema sério: com oxigénio, a vida não poderia evoluir.

    Sem oxigénio, não haveria ozono e a vida também não poderia evoluir e subsistir.

    2) Todas as formas de energia pura são destrutivas

    A energia disponível numa hipotética Terra primitiva consistiria, essencialmente, de radiação vinda do Sol, alguns relâmpagos e decaimento radioactivo.

    O problema é que as taxas de destruição das moléculas resultantes de todas as fontes de energia ultrapassam largamente as taxas de formação com base nessa mesma energia.

    Foi por isso que Miller e Urey tiveram que proteger os produtos da sua experiência da fonte de energia.

    Eles sabiam que a energia seria fatal para os mesmos.

    Só que uma tal protecção não existiria numa Terra primordial.

    Além disso, uma tal protecção tornaria impossível o processo de evolução, na medida em que tornaria impossível o progresso por falta de energia.

    Frases evolucionistas do tipo "basta juntar água" ou "basta juntar energia" não resolvem o problema da origem da vida. ~

    3. Um cenário evolutivo criaria um caldo de compostos absolutamente caótico.

    Entre outras coisas, muito para além dos 20 aminoácidos que formam as proteínas, encontrariamos muitos outros aminoácidos, juntamente com os mais variados compostos químicos.

    O problema seria especialmente grave na medida em que os aminoácidos necessários à vida têm que ser obrigatoriamente “canhotos”.

    Se um único aminoácido “destro” surgir numa proteína destrói imediatamente toda a actividade biológica.

    Qual o mecanismo que permitiria seleccionar o tipo certo de aminoácido?

    Os evolucionistas bem podem tentar pegar um hipotético e caótico caldo químico primordial e aplicar-lhe radiação ou descargas eléctricas, mas os resultados pura e simplesmente desmentem o seu naturalismo.

    4) O DNA só consegue sobreviver mediante sistemas de reparação.


    O DNA, o RNAm, o RNAt, etc. podem ser destruidos de muitas maneiras, incluindo radiação e água.

    O resultado é um grau significativo de instabilidade genomica.

    Um estudo recente mostrou que existem, pelo menos, 130 genes humanos de reparação, esperando-se encontrar mais.

    Sem esses genes, a instabilidade seria um problema insuperável para o genoma.

    Se o genoma surgisse sem um sistema de reparação numa Terra primordial, ele tenderia naturalmente a dissolver-se em água.

    A velocidade de destruição do DNA seria certamente muito maior a uma hipotética velocidade de formação por processos aleatórios.

    Sem um sistema de reparação, o DNA não conseguiria sobreviver, mesmo dentro do ambiente protegido da célula.

    Isso significa que para sobreviver, o DNA necessita de genes de reparação do DNA, sendo certo que estes só existem se estiverem codificados e especificados no DNA.

    Mas seria impossível a evolução dos genes de reparação do DNA antes da evolução do DNA.

    E seria impossível a evolução do DNA sem a existência de genes de reparação do DNA.

    Tudo isto mostra que a criação sobrenatural e instantânea, tal como a Bíblia ensina, é realmente a única explicação racionalmente plausível para a origem da vida.


    Além disso, seria ridículo imaginar que os genes de reparação de DNA podem evoluir mesmo que uma célula já existisse.

    Os genes codificam sequências de centenas de aminoácidos que especificam proteínas que são os agentes efectivamente envolvidos na reparação do DNA.

    O código no DNA é traduzido em RNA mensageiro (mRNA), que por sua vez é incorporado no ribossoma, onde se opera um procedimento altamente complexo e preciso de produção de proteínas de acordo com instruções pré-estabelecidas.

    Como temos dito, sem enzimas não há DNA, sem RNA não há enzimas e sem DNA não há RNA.

    O circuito informacional da vida foi aberto e fechado no momento da Criação pelo Criador.

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  8. Jónatas,

    «Sem oxigénio, não haveria ozono e a vida também não poderia evoluir e subsistir.»

    Basta uns centímetros de água para proteger dos UV.

    «Todas as formas de energia pura são destrutivas

    A energia disponível numa hipotética Terra primitiva consistiria, essencialmente, de radiação vinda do Sol»


    Presumo que já tenha ouvido falar de fotossíntese...

    «3. Um cenário evolutivo criaria um caldo de compostos absolutamente caótico.»

    em permanente competição por recursos limitados, competição a qual só os mais capazes de se aproveitar do seu ambiente podem vencer. Presumo que também tenha ouvido falar de selecção natural...

    «O DNA só consegue sobreviver mediante sistemas de reparação.»

    Talvez já seja presumir demais, mas presumo que já tenha ouvido falar de vírus. Nesses o DNA e RNA sobrevivem sem sistemas de reparação.

    «Como temos dito, sem enzimas não há DNA, sem RNA não há enzimas e sem DNA não há RNA.»

    Tem dito sim. Mas continua a ser falso. Por exemplo, a sintese comercial de primers de DNA e RNA não envolve enzimas. São ciclos de reacções químicas com moléculas simples.

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  9. caro perspectiva

    estarei correcto quando deduzo que, na sua perspectiva, à conta das mutações "negativas" e de outras interferências na perfeição da criação, nos últimos milhares de anos o homem tem simplesmente evoluído (desculpe-me a expressão pecaminosa) para a degradação das suas condições de vida?

    da Bíblia decorre que Deus criou tudo até ao mínimo detalhe e que nada mais fazemos do que cumprir meticulosamente os detalhados planos divinos?

    uma resposta positiva às duas questões anteriores implica, do seu ponto de vista, alguma contradição?

    um santo abraço

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