Premissas implícitas.
Há uns dias o António Parente perguntou «como se justifica a cópia livre de um produto comercial (seja uma música, um jogo, um programa de computador, uma ideia) onde foi investido tempo, trabalho e dinheiro, e em relação ao qual se espera um legítimo retorno?» (1). Esta pergunta ilustra alguns problemas da visão comum do copyright.
O acto de copiar não carece de justificação. É natural e perfeitamente legítimo. Vestir-se como vestem os outros, fazer arranjos florais como os que viu se na loja, cozinhar algo que se provou no restaurante, decorar a casa ou cortar o cabelo como se viu numa revista. É a proibição da cópia que carece de justificação, especialmente se proíbe um acto pessoal sem fins comerciais.
A pergunta também assume que o problema é a cópia. Não é. O Desidério chama-lhe metafísica mas é um aspecto importante desta questão. Quem faz um arranjo de flores igual ao da loja copia o arranjo. A cópia imita o original. Até podemos dizer que uma fotografia ou um desenho são cópias de alguns aspectos do arranjo. Aparência, cores, silhueta. Mas leva a noção de cópia ao limite. Um email a explicar detalhadamente como fazer aquele arranjo já não é uma cópia. É uma descrição.
Com o conteúdo digital o problema não é a legitimidade de copiar. Nem sequer é a legitimidade de proibir a cópia. A verdadeira questão é se é legítimo proibir descrições. Os ficheiros que programam um robô para arranjar flores ou um computador para tocar músicas ou mostrar imagens não são cópias. O que se troca na Internet são sequências de números que descrevem a obra mas que não têm semelhanças com o original.
Finalmente, a premissa implícita que o esforço e a expectativa de remuneração bastam para obrigar o beneficiário a remunerar. É falso. Mesmo em situações extremas. Quem me salva do prédio a arder corre um risco, esforça-se e beneficia-me imenso. Mas mesmo que o faça esperando remuneração não sou obrigado a pagar. O que nos obriga a pagar é o dever de solidariedade para com os que necessitam, que pagamos nos impostos, e o dever de cumprir o que prometemos. É legítimo que a sociedade pague coisas como educação, assistência médica, defesa, justiça, e o necessário para que cada um explore o seu potencial. Não me oponho que um terço do meu ordenado vá para isto. E é legítimo que quem cumpre um contracto exija que a outra parte também o cumpra. Se contrato um músico devo pagar conforme concordado. Mas a mera expectativa de remuneração não obriga ninguém a pagar.
Se for voluntária, a remuneração pela cópia de ficheiros é perfeitamente aceitável. Mas coagi-la assume que é ilegítimo trocar essas descrições sem “justificação” e que há um dever de remunerar o autor só porque ele criou com intenção de receber. Não aceito essas premissas.
1- António Parente, Direitos de autor (Nota: o artigo original já não está disponível, por isso o link é para o arquivo no Technocrati)
É engraçado que acabei de ler um artigo na Time sobre a nova estratégia de Bollywood: todos os filmes novos são imediatamente lançados na net: qualquer um pode vê-los gratuitamente (com publicidade)ou fazer um download sem publicidade por preços baixos.
ResponderEliminarAssim criam um novo mercado para as pessoas que de outro modo nunca veriam esses filmes, ou se os vissem seria através dum CD pirateado.
Karin
Caro Ludi
ResponderEliminarTudo o que eu sempre disse desde o início é que a tua defesa de que é bonito copiar sem pagar é indefensável. Mas daqui não se segue que se deva proibir a cópia. Segue-se apenas que se deve alertar as pessoas para a importância de sustentarem economicamente os criadores, pagando-lhes. A palavra de ordem deve ser: “Puxe gratuitamente e use à vontade; se usa e gosta, pague”. Mas a tua palavra de ordem nunca foi essa, porque foi sempre a ideia de que a menos que o criador peça o dinheiro antes de criar, não é legítimo pagar-lhe depois. Porque estás sempre a pensar que se paga a cópia e não uma parcela do trabalho de fazer o que está na origem da cópia.
Nota: quando eu falo da tua “metafísica da cópia” é meio no gozo e meio a sério. É de facto uma metafísica da cópia porque é uma teoria sobre a natureza última da cópia. Por “metafísica da cópia” não quero dizer “disparates espirituais sobre a cópia”, como tu pareces ter entendido (porque muita gente fora da filosofia entende a metafísica dessa maneira).
O que eu sempre defendi e continuo a defender é que a tua confusão básica é pensar que a natureza da cópia tem relevância para esta discussão. Não tem rigorosamente nenhuma. O que conta, a única coisa que conta, é saber como se financiam os criadores. E uma maneira simples de os financiar é quem usa e gosta do que eles fazem pagam-lhe uma parcela do trabalho que lhe deu a fazer o que deu origem à cópia (e não a cópia). Reconheço que é impossível obrigar as pessoas a pagar. Mas é muito diferente reconhecer isso de aplaudir o facto de as pessoas poderem usar sem pagar. Tu queres estar sempre a defender o indefensável: que é bonito usar sem pagar, porque a cópia é gratuita. Mas o que conta não é a cópia ser gratuita mas antes o facto de o trabalho criativo que está na base da cópia não ser gratuito.
O teu pensamento baseia-se aparentemente na ideia popular de que é legítimo pagar um livro físico porque é legítimo pagar aos trabalhadores da gráfica, aos trabalhadores da livraria, ao dono da livraria, à senhora da limpeza, ao homem do camião que distribui os livros — mas não ao escritor. A ideia por detrás desta noção popular que se tem em países atrasados é que o trabalho intelectual é para fazer à borla, por gente rica que não precisa do dinheiro do seu trabalho intelectual e que até é feio pedir dinheiro por tal coisa, porque quando não se pede dinheiro é porque se é um criador “mais autêntico”. Isto é um mito aristocrático que, a ser implementado, como na verdade o foi durante séculos, significaria que só os ricos poderiam ser criadores. Ou os amadores. É este mito que faz o sucesso da Wikipédia. E é por isso em grande parte que acho a Wikipédia um disparate.
Continuo sem concordar.
ResponderEliminarTambém não concordo 100% com o Desidério.
Também não sei qual a solução que agrade a todos (criadores e consumidores).
Ludwig, pela primeira parte do post posso deduzir que não concorda com as patentes?
Cumprimentos.
A Hype! de Abril traz um artigo sobre este assunto...
ResponderEliminarDesidério,
ResponderEliminar«Tudo o que eu sempre disse desde o início é que a tua defesa de que é bonito copiar sem pagar é indefensável. Mas daqui não se segue que se deva proibir a cópia.»
Engraçado. O que eu disse desde o princípio é que não se deve proibir a cópia. Se é bonito ou não é subjectivo, cada um que decida por si.
«Segue-se apenas que se deve alertar as pessoas para a importância de sustentarem economicamente os criadores, pagando-lhes.»
Não me parece razoável. A importância dos artistas também é subjectiva. Há quem dê mais importância aos tenores líricos, outros aos rappers, outros a malta gira que dance bem (que com a batida também não se ouve o que cantam).
Por isso não é uma questão de alertar para coisa nenhuma. É, mais uma vez, uma questão de escolha pessoal. Se achas um artista importante, suporta-o. O corolário é que se não o queres suportar é porque também não lhe dás grande importância. Seja como for, a decisão é tua, não dos outros Desidérios :)
« É de facto uma metafísica da cópia porque é uma teoria sobre a natureza última da cópia.»
Sim. Mas nota que quando tu dizes que eu tenho uma metafísica da cópia nunca é para criticares a minha teoria sobre a natureza da cópia mas para a pores de lado como se fosse irrelevante. Daí as aspas.
«O teu pensamento baseia-se aparentemente na ideia popular de que é legítimo pagar um livro físico porque é legítimo pagar aos trabalhadores da gráfica, aos trabalhadores da livraria, ao dono da livraria, à senhora da limpeza, ao homem do camião que distribui os livros — mas não ao escritor.»
Não. E já escrevi isto imensas vezes. Vou tentar mais uma. Seja quem form que recebe, é legítimo pagar se há um contrato (mesmo que só verbal). Se vais à livraria e te cobram a entrada, por olhar para os livros ou por os levar, se tu aceitas esse contrato deves pagar.
Se vais a um site descarregar um pdf e te cobram por isso, então deves pagar ou não ir lá descarregar o pdf.
A minha posição é igual à tua em todas estas situações.
A diferença é quando eu não quero comprar o livro e peço emprestado. Ou peço a um amigo que mo leia pelo telefone. Ou a alguém que me envie por emai a lista das letras que o livro tem e as suas posições para eu poder recrear o texto e imprimi-lo aqui. É nessa situação que eu defendo não haver qualquer obrigação de pagar porque não há qualquer contrato. E oponho a proibição desses actos.
Tu defendes que se deve pagar ao inventor da roda cada vez que se anda de carro. Eu defendo que só se tivermos um contrato com ele. Caso contrário, não.
Anónimo,
ResponderEliminarNão acho que seja uma questão de agradar a todos, mas uma questão daquilo que é legítimo proibir.
A minha divergência com o Desidério não é nos pontos fundamentais. Ambos concordamos que não se deve proibir a troca de bits só por causa do comércio. Mas ele parece querer decidir pelo consumidor aquilo que tem mais interesse ao consumidor. O Desidério nunca explicou porque se deve pagar assim os criadores de pautas de musica mas não os criadores de receitas de sopa. Parece-me que ele está a projectar os interesses dele nos interesses dos outros :)
«Ludwig, pela primeira parte do post posso deduzir que não concorda com as patentes?»
Depende. A patente como concessão temporária de um monopólio comercial em troca da divulgação de um processo inovador pode ser um negócio razoável se não afectar direitos pessoais. Neste aspecto é o oposto do copyright (a informação acerca do processo pantenteado torna-se domínio público com a concessão da patente).
Mas é verdade que também aí o poder político de alguns interesses económicos distorceu um negócio razoável. Patentes sobre software ou genes são um absurdo, por exemplo.
a propriedade é um roubo imposto pelo direito ou pela força
ResponderEliminarem tudo
timshel,
ResponderEliminarNão concordo. A propriedade é o acordo de não privar os outros das suas posses em troca de não ser privado das minhas. Há margem para negociação (impostos, bens colectivos, etc), mas basicamente eu não te tiro as tuas calças, tu não me tiras as minhas (excepto com acordo mútuo).
Faz uns tempos vi um documentário num desses canais a eles dedicados em que se dizia que a Monsanto registava patentes (sem aspas) sobre alguns vegetais que sempre existiram (espécies de milho, tomate etc - NÃO geneticamente modificados).
ResponderEliminarDepois exigiam dinheiro aos agricultores que cultivavam essas espécies. Sublinho mais uma vez que não eram espécies modificadas geneticamente (apesar de haver episódios "engraçados" sobre estas mas isso dava um post longo).
Tentei encontrar algo na net sobre isso mas pouco ou nada encontrei.
Alguém tem info para partilhar sobre este tema?
Obrigado
Será isto?
ResponderEliminarCaro Ludwig,
ResponderEliminarO Ludwig mete tudo no mesmo saco como se de o mesmo se tratasse. Acha que vestir o pijama é um acto como copiar os seus textos e assinar com o meu nome? A diferença é esta Ludwig: quando está a vestir um pijama da Versace, está a pagar um preço muito elevado, sabe poquê? Porque está a pagar o corte, a criação singular de um criador. Mas segundo o Lydwig, o criador deveria ter sido pago antes - e depois, quem quiser que se arranje, tanto vale comprar o Vercage original como o Versace na feira dos ciganos que dá igual. Obviamente, Ludwig, a cópia levanta muitos problemas, mais do que o Ludwig pensa.
Refere:
“Finalmente, a premissa implícita que o esforço e a expectativa de remuneração bastam para obrigar o beneficiário a remunerar. É falso. Mesmo em situações extremas. Quem me salva do prédio a arder corre um risco, esforça-se e beneficia-me imenso. Mas mesmo que o faça esperando remuneração não sou obrigado a pagar. O que nos obriga a pagar é o dever de solidariedade para com os que necessitam, que pagamos nos impostos, e o dever de cumprir o que prometemos. É legítimo que a sociedade pague coisas como educação, assistência médica, defesa, justiça, e o necessário para que cada um explore o seu potencial. Não me oponho que um terço do meu ordenado vá para isto. E é legítimo que quem cumpre um contracto exija que a outra parte também o cumpra. Se contrato um músico devo pagar conforme concordado. Mas a mera expectativa de remuneração não obriga ninguém a pagar.”
Pois não Ludwig. Pois a cópia não tem de se justificar. Quero é ver como é que o mundo que o Ludwig defende pode funcionar??? Então, caro, imagine lá um robô que faz o que o Ludwig faz, que o copia em tudo, aé no seu trabalho. O Ludwig, nessas circunstâncias vai enfrentar um problema real: não é 1 terço do seu salário que vai ter de dispor para a saúde, educação, etc… é todo o seu vencimento que vai directamente para os bolsos de quem o copia e o Ludwig fica nas mãos de quem o quer controlar. Percebe o efeito: ao copiar está a aumentar as possibilidades de controlo e a reduzir as possibilidades de liberdade.
Bem, não tenho estado de acordo com o Ludwig, mas agradeço sempre a atenção que me tem dado na resposta. Nem sempre o tempo das nossas vidas dá para responder a tudo e admiro a forma como o faz. Obrigado
Rolando
É isso mesmo.
ResponderEliminar"Monsanto is targeting and stealing from Indian farmers who have cultured this specific variety of wheat for centuries."
Muito bom, ninguém patenteou, patenteio eu e é meu! Muito fora! Não percebo como é possível! Não interessa se os Indianos já usavam essa variedade faz séculos, o que interessa é que não a patentearam.
Isto sim é muito bom!
Copyright de uns textos, de umas fotos ou de umas músicas? Isso é para meninas (e dá uma trabalheira a fazer)!
Obr
Rolando,
ResponderEliminar«O Ludwig mete tudo no mesmo saco como se de o mesmo se tratasse. Acha que vestir o pijama é um acto como copiar os seus textos e assinar com o meu nome?»
Eu oponho a lei que proibe o Rolando de enviar a terceiros sequências de números codificando descrições dos meus textos. É isto que importa. O resto são diferenças de gosto. Devemos incentivar mais o Quim Barreiros que o Chefe Silva? Cada um que escolha por si.
Coloco no mesmo saco, no saco da imitação e cópia, que o Rolando vista, escreva, desenhe, cante ou fale como eu.
Coloco noutro saco, no da mentira e da desonestidade, que o Rolando se faça passar por mim, que diga ser autor dos meus textos ou que afirme ter sido eu a copiar de si quando foi o contrário.
Penso que já discutimos o suficiente para que esta diferença entre imitar e mentir seja clara, por isso parece-me revelador que o Rolando continue a depender da confusão entre as duas para reforçar o seu argumento. Só com a parte da imitação ficava fraquinho...
«Quero é ver como é que o mundo que o Ludwig defende pode funcionar???»
Como funciona agora. Esta geração de adolescentes e jovens adultos, os principais consumidores de entretenimento, cresceu habituada a copiar. Fotocopias, CDs, ficheiros, cartões de memória, pendrives, o que for. A única coisa que a lei está a fazer é a rotulá-los de criminosos, porque de resto copiam o que querem.
Anónimo,
ResponderEliminarEsse é realmente um caso grave, mas há duas diferenças importantes. Primeiro, é um abuso do sistema de patentes que é suposto proteger apenas processos inovadores. Não é um problema fundamental com o principio de conceder patentes. Segudo, porque o mecanismo de defesa das patentes exige que o detentor vá a tribunal e mostre que está a ser inlegitimamente prejudicado, etc. Ter uma patente absurda é só meio caminho andado. Depois é preciso convencer o tribunal a protegê-la.
Eu concordo que há muita coisa má na forma como se implementa as patentes, mas não vejo que o principio de conceder um monopólio em troca da publicação do segredo seja errado. Em certos casos é um bom negócio para todos. É preciso é ter cuidado com os abusos.
O copyright é que não se safa mesmo. Com a tecnologia que temos coagir a cobrança à cópia é um disparate.
Mas lá parece que as editoras discográficas começaram a abrir os olhos:
ResponderEliminarhttp://www.qtrax.com/
http://en.wikipedia.org/wiki/Qtrax