Nota acerca das verdades
para tentar esclarecer uma dúvida do Timshel em relação ao post anterior. Há uma diferença entre proposições como “x é um número par” e proposições como “Deus criou o universo” ou “a Lua é feita de queijo”. A verdade das duas últimas depende da sua correspondência ao estado real das coisas. A verdade da primeira não depende de haver um objecto “x” que seja um número par porque esta proposição não se refere a um aspecto da realidade. Temos assim duas noções de verdade. A verdade por correspondência, aplicável a qualquer proposição que refira um aspecto da realidade, e a verdade por coerência, aplicável a qualquer proposição no contexto da teoria em que se insere. Para que “a Lua é feita de queijo” seja verdade a Lua tem mesmo que ser feita de queijo. Para que “x é um número par” seja verdade basta que nada na teoria o contradiga.
Se olharmos apenas para a coerência das proposições estou de acordo com o Timshel: «Uma qualquer proposição alternativa à origem do Universo está no mesmo plano (o de um axioma).» Seja qual for a proposição. Seja “Deus criou o universo”, “o Snoopy criou o universo” ou “o universo surgiu por processos naturais sem intervenção divina ou canina”. Se as considerarmos desligadas da realidade, como “x é um número par”, então só interessa se encaixam nas respectivas teorias.
Mas estas proposições só são verdadeiras se corresponderem à realidade. Ou foi Deus, ou foi o Snoopy, ou não foi nenhum deles. Não basta postular uma teoria coerente para que sejam verdade. E para determinar a verdadeira é necessário confrontá-las com os dados e eliminar alternativas. É o que a ciência faz. A axiomática apenas constrói modelos para se ir experimentando, e destes só uma fracção ínfima está minimamente de acordo com a realidade.
Ludwig,
ResponderEliminarO 5º postulado de Euclides que referes no post anterior também não é verdade exactamente no sentido em que não corresponde à realidade. A geometria euclidiana é consistente (os axiomas não se contradizem) mas não corresponde à realidade, é somente uma aproximação da realidade. Aproximação muito boa por sinal porque foi preciso chegar ao século XX para que um tal de Einstein, que até era crente (não sei bem se cristão ou judaico), explicar a todos nós que afinal não é a geometria plana (de euclides) que se confirma pela experiência mas sim a geometria hiperbólica. A única diferença está mesmo no tal axioma.
Definitivamente, o universo não é nada intuitivo, agora se metem Deus pelo meio dos axiomas é que fica o caos.
- com -,
ResponderEliminarEinstein não era bem um crente "clássico".
Do ponto de vista religioso, era próximo do deísmo de Baruch Spinoza: acreditava que Deus se revelava através da harmonia das leis da natureza e rejeitava o Deus pessoal que intervém na História.
Retirado daqui
No entanto do que li sobre isto, parece mais que Einstein era um "Panteísta" metafóricamente falando.
Ludwig e C&a,
ResponderEliminarA disciclopedia tem um artigo lindo sobre o ateísmo. Entre outras pérolas eese artigo apresenta uma lista de sugestões de como irritar um ateu. Apresento-a aqui para referência de ateus e crentes, claro!;)
Pergunte-os porque eles estão chateados com Deus.
Diga-os que se não há Deus, eles poderiam também começar a matar pessoas.
Convide-os para rezar com você.
Convide seus filhos para irem à Igreja com você.
Insista que existe um Deus, e mostre que a Bíblia assim o diz.
Quando lhe mostrarem a criação bíblica no Gênesis, insista que os Hebreus tinham todo tipo de conhecimentos científicos, por serem inspirados por Deus.
Diga-os que o universo é complexo demais para apenas existir e que precisa ser criado por um Deus que apenas existe.
Invente estatísticas.
Termine a discussão com Bem, eu sei que vocês são mais inteligentes do que eu, mas eu sei que eu estou certo.
Use a 2ª Lei da Termodinâmica deturpadamente para refutar a Evolução.
Levante argumentos que não faça sentido algum, e depois critique suas respostas com O que você fala não faz sentido.
Alegue que Einstein era um cristão.
Alegue que Hitler era um ateu.
Poste argumentos insanos no fórum, e não acompanhe as discussões.
Diga que o laicismo não está na Constituição, e insista que ela é baseada nos 10 mandamentos.
Cite Walter Mercado como uma fonte legítima de informação.
…e o chame de “Guru Walter”.
Diga que eles sabem que Deus existe em seus corações.
Depois de perder o argumento, diga Tenho pena de você.
Acuse-os de vigorosamente negarem a verdade óbvia.
Use péssima matemática para fundamentar suas alegações.
Quando eles citarem um versículo bíblico que pareça ruim, diga que é o que o verso diz mas não é o que ele quis dizer.
Argumente que as histórias bíblicas não são mitos… são parábolas. E que são todas verdade!
Critique o Big Bang mesmo avisando que você é leigo em física.
Diga que o dilúvio mundial ocorreu mesmo avisando que você é leigo em geologia.
Quando seus argumentos se acabarem diga "É o deus do impossível"
Reconheceram algum destes argumentos?
Mário Miguel,
ResponderEliminareu tinha essa informação sobre Einstein. Digamos que foi uma picardia com os crentes :)
Ludwig, dizes:
ResponderEliminar"estas proposições só são verdadeiras se corresponderem à realidade"
penso que isto não é bem assim
se pretenderes construir um sistema em que a verdade correponde à descrição mais exacta que existe da realidade, tens (como em qualquer outro sistema) de partir de um pressuposto que se encontra fora do sistema e que, consequentemente, não é validável dentro do sistema
no caso concreto, é impossível verificar qual é a explicação que melhor corresponde à realidade, isto é, ninguém sabe se o Universo foi criado por Deus, pelo Snoopy ou se por essa entidade mágica que designas por "processos naturais"
pior do que isso, tendo em conta o facto de o homem se encontrar impossibilitado de raciocinar fora das variáveis "tempo" e "espaço", é muito provável que nunca se descubra
portanto, as proposições sobre a origem última do Universo ficam fora da tua definição de "axiomas demonstráveis" (não te preocupes, porque um axioma é, por definição indemonstrável; senão seria uma condição factual)
um axioma não é nem nunca pode ser uma proposição que corresponde à realidade pois tal significaria que seria demonstrável e portanto não seria um axioma mas sim um pressuposto factual
e esse é que é o busílis :)
«se pretenderes construir um sistema em que a verdade correponde à descrição mais exacta que existe da realidade...»
ResponderEliminarFalando de verdade nestes termos (isto é, verdade em termos absolutos, diferente do significado de verdade que o Ludwig usou no seu texto, o de verdade como resultado de uma operação lógica):
- Se és tu quem constrói o sistema, como é que ele poderá alguma vez ser verdadeiro em termos absolutos? E se não pode ser verdadeiro em termos absolutos porquê usar a palavra verdade?
- Se a verdade estiver a corresponde mesmo à descrição mais exacta, como é que poderia alguma vez ser verdade?
No máximo seria a hipótese mais aproximada da verdade... que não é A verdade. Era um rabisco da verdade.
«tendo em conta o facto de o homem se encontrar impossibilitado de raciocinar fora das variáveis "tempo" e "espaço"»
Ahem...sugestões: ayahuasca; regressão; hipnose; uma meditação do caraças; cogumelos daqueles mem bons (abstenho-me de referir outros atalhos de natureza sintética...); Há ainda outras mas ficarão para outra oportunidade mais acertada.
Uma pergunta para o Ludwig:
do post anterior - "É por isso que os axiomas normalmente servem para definir conceitos e não para afirmar algo acerca da realidade"
Quer isso dizer que perante uma discussão do que é a verdade, o acto de definir o significado de verdade enquanto palavra é em si o acto de construir um axioma?
Quero ainda dizer que:
-Gostei deste blog. Desafia-me.
-Parabéns Ludwig pelo seu, vosso, trabalho na UNL com a cadeira de Pensamento Crítico. Deve ser um desafio constante. Por entre a satisfação de ver os seus alunos a...acordarem para a crítica, nunca lhe acontece o "Oh my God, I've created a monster"?
Monster aqui no bom sentido. ;)
Ah, e desculpem se saí dos axiomas para discutir a utilização da palavra verdade.
ResponderEliminarComo se pode ver aqui, cá em Portugal, a filosofia está na lama, até há quem se indigne por Nietzsche afirmar que Deus está morto, uma vergonha!!!
ResponderEliminar- com -,
ResponderEliminar«O 5º postulado de Euclides que referes no post anterior também não é verdade exactamente no sentido em que não corresponde à realidade.»
Exacto. Os axiomas não são uma afirmação indiscutível da verdade. São a condição de aplicabilidade da teoria. Em todas as condições em que corresponderem à realidade, a teoria aplica-se. Quando a correspondência é imperfeita, a teoria terá algum erro. Quando não corresponde nada, a teoria é inútil.
Timshel,
ResponderEliminar«se pretenderes construir um sistema em que a verdade correponde à descrição mais exacta que existe da realidade, tens (como em qualquer outro sistema) de partir de um pressuposto que se encontra fora do sistema e que, consequentemente, não é validável dentro do sistema»
Estás a confundir duas coisas. É verdade que uma teoria lógica coerente, se for suficientemente expressiva, é incompleta e não pode conter proposições acerca da sua coerência. Mas aqui estamos só a falar da verdade no primeiro sentido, da coerência interna da teoria.
Quando a semântica dos termos nos liga a algo externo e independente da teoria, neste caso a realidade, a coisa é diferente. Há uma noção de verdade por correspondência ao estado real das coisas que não depende da coerência ou completude da teoria, mas que se aplica a cada proposição individualmente.
Posto de outra forma (à pressa dá sempre verborreia...), qualquer teoria precisa partir de pressupostos (os axiomas), mas os pressupostos podem ser validados independentemente pela observação.
Dessa maneira podemos distinguir teorias coerentes que afirmam "a Lua é feita de queijo" de teorias igualmente coerentes que afirmam "a Lua não é feita de queijo", apesar de todas estarem dentro da categoria que mencionas.
«no caso concreto, é impossível verificar qual é a explicação que melhor corresponde à realidade, isto é, ninguém sabe se o Universo foi criado por Deus, pelo Snoopy ou se por essa entidade mágica que designas por "processos naturais"»
Seja. Nesse caso não se justifica defender nenhuma delas. No entanto, há teorias sobre a origem do universo que prevêm com sucesso aquilo que se observa. O modelo inflaccionário, por exemplo. Essas merecem consideração.
Mas nisto estamos de acordo. Dizer que Deus criou o universo tem tanto fundamento como dizer que o Snoopy criou o universo.
«um axioma não é nem nunca pode ser uma proposição que corresponde à realidade pois tal significaria que seria demonstrável e portanto não seria um axioma mas sim um pressuposto factual»
Isso é incorrecto. O axioma é simplesmente algo que a teoria que parte dele não demonstra. Não tem nada a ver com o que outra teoria possa dizer acerca disso. Qualquer axioma de uma teoria é demonstrável ou refutável noutra teoria, basta que a outra parta de axiomas diferentes.
Druir,
ResponderEliminar«Uma pergunta para o Ludwig:
do post anterior - "É por isso que os axiomas normalmente servem para definir conceitos e não para afirmar algo acerca da realidade"
Quer isso dizer que perante uma discussão do que é a verdade, o acto de definir o significado de verdade enquanto palavra é em si o acto de construir um axioma?»
Claro. Mais um exemplo que os axiomas são discutíveis :)
Se eu quero falar sobre a verdade tenho que especificar o sentido do termo. Aí apresento como axiomas que "verdade" tem dois sentidos, um referente à coerência das proposições dentro de uma teoria, outro referente à correspondência entre uma proposição e o estado real das coisas, se a proposição referir algo acerca da realidade.
Destes axiomas seguem-se algumas distinções como as que fiz, etc.
É claro que alguém pode propor uma teoria diferente. Por exemplo, que "verdade" refere-se àquilo que vem na bíblia. Daí segue-se outras consequência.
Mas isto é só para definir a palavra. É errado pensar que ao definir a palavra da segunda maneira a bíblia se torna verdade no sentido da primeira...
«-Gostei deste blog. Desafia-me.
-Parabéns Ludwig pelo seu, vosso, trabalho na UNL com a cadeira de Pensamento Crítico.»
Obrigado :)
«Deve ser um desafio constante. Por entre a satisfação de ver os seus alunos a...acordarem para a crítica, nunca lhe acontece o "Oh my God, I've created a monster"?
Monster aqui no bom sentido. ;)»
Desafio, é, mas isso penso que o ensino é sempre. Quanto à segunda parte não aconteceu. A matéria e as aulas focam essencialmente nos método (de argumentação, análise de relatos e experiências, testar hipóteses, etc), e muitos temas são deliberadamente escolhidos para não ter uma resposta clara, permitindo explorar o problema focando o método em vez da solução.
Ludwig, dizes:
ResponderEliminar"No entanto, há teorias sobre a origem do universo que prevêm com sucesso aquilo que se observa. O modelo inflaccionário, por exemplo. Essas merecem consideração."
Confesso a minha ignorância. O que dizem essas teorias sobre o antes do big bang (para além daquelas "trivialidades" tais como "apenas existia informação" e "não existia tempo nem espaço"?
As teorias nada dizem sobre o "antes do big bang".
ResponderEliminarDizem que o tempo, tal como o espaço, começou com ele.
Se começou…
É como perguntar o que era o Ludwig ou o Timshel antes de nascerem.
Mas a ciência ainda anda um pouco à toa com isto tudo. Tempo é coisa que não falta para ir “afinando” o que pensamos saber sobre o inicio.
Como diz o outro, “haja cu que pontapé não falta”.
Cumpts
timshel,
ResponderEliminarParece que é complicado aceitar que o universo tenha uma origem em si próprio ou até que não tenha havido uma "origem", que o universo sempre tenha existido - consta inclusive que é um erro teórico ou de lógica ou lá o que é...
Parece absurdo! Então como?, que propriedades "mágicas" tem este universo que lhe permitem tal coisa? Então, como acham que o universo não pode ser mágico, postulam a existência de Deus, criador do universo.
Mas já não se incomodam com todas as propriedades "mágicas" que um tal Deus está obrigado a ter.
Propriedades "mágicas" por propriedades "mágicas", parece-me que mais vale ficar pela resposta que não obriga à introdução de uma nova variável.
Ludi,
ResponderEliminarNão foi o Snoopy foi a Pipa que criou o universo ;)
Parece que é complicado aceitar que o universo tenha uma origem em si próprio ou até que não tenha havido uma "origem", que o universo sempre tenha existido - consta inclusive que é um erro teórico ou de lógica ou lá o que é...
ResponderEliminarParece absurdo! Então como?, que propriedades "mágicas" tem este universo que lhe permitem tal coisa? Então, como acham que o universo não pode ser mágico, postulam a existência de Deus, criador do universo.
A ÚNICA magia é a da consciência, ó Leandro, não vale a pena avançar mais do que isso!!!
De resto, apenas nos perdemos na floresta dos conceitos e nada mais, raciocínios lógicos que não chegam aos umbrais!!!
Deveras, como repito incessantemente, essa aparente oposição entre um "Deus" anterior à realidade energia-matéria e espaço-tempo ou um universo eterno é facilmente ultrapassada se atribuirmos a qualidade "consciência" à mais ínfima onda-partícula ou corda... whatever! Pois se elas até já têm livre-arbítrio, afinal! Ou seja, o comportamento das partículas não pode ser determinado de antemão, nada de determinismo cego... à consciência me apego! :)
So, I'll say it again: we hold the key...
Rui leprechaun
(...be aware of infinity! :))
Can you coax your mind from its wandering
and keep to the original oneness?
Can you let your body become
supple as a newborn child's?
Can you cleanse your inner vision
until you see nothing but the light?
Can you love people and lead them
without imposing your will?
Can you deal with the most vital matters
by letting events take their course?
Can you step back from you own mind
and thus understand all things?
Giving birth and nourishing,
having without possessing,
acting with no expectations,
leading and not trying to control:
this is the supreme virtue.
Tao Te Ching, 10