Humilde é bom. Honesto é melhor.
No debate de ontem várias pessoas sugeriram que a ciência deve ter a humildade de admitir que Deus é possível. Mas humildade é a «virtude que nos dá o sentimento da nossa fraqueza»(1). Fica bem, mas nem é dever (é virtude) nem útil para a ciência. Por isso proponho deixar a humildade ao critério de cada um e invocar, em vez dela, o dever de ser honesto. Esse cabe a todos.
Ninguém honesto se considera infalível, na ciência ou fora dela, e admitir a possibilidade de erro exclui certezas definitivas. Há sempre questões em aberto. Mas apesar da resposta honesta ser provisória a dúvida não precisa paralisar-nos. Na prática, podemos suspender as questões até que se justifique o contrário. Temos a certeza que a casa não está a arder e estragava os nervos a qualquer um questioná-lo a todo o momento. Mas esta certeza é provisória e basta o cheiro a fumo para a desfazer.
A opinião honesta admite que as nossas crenças podem estar erradas, que o que parece às vezes não é e que todas as certezas são questionáveis. A opinião honesta não se baseia em premissas inabaláveis mas sim em perguntas pertinentes. Há quem critique a ciência por ser questionável, por não responder a tudo, por levantar dúvidas ou mudar de ideias mas isso não é defeito. É o preço da honestidade.
E a ciência justifica certezas provisórias acerca dos deuses. Não há Zeus no monte Olimpo nem um escaravelho gigante a rebolar o Sol pelo céu. Alguns dirão que isto é diferente do Deus católico porque podemos olhar para o monte Olimpo e para o Sol e ver que não estão lá estes deuses. Mas não é isso. Podemos não ver os outros deuses por erro nosso e se calhar até existem. Não temos uma certeza definitiva. O que justifica suspender a dúvida é a existência destes deuses levantar mais questões sem resposta que a hipótese contrária. Se estão lá porque é que não os vemos? O que é que estão a fazer? Para que servem a hipótese e o que é que explica? Se os rejeitarmos há menos perguntas em aberto.
O Deus transcendente sofre do mesmo problema. É como a possibilidade da casa estar a arder com um fogo invisível e inodoro. Não a rejeitamos por ter provas em contrário mas porque o fogo invisível deixa mais questões em aberto que a hipótese de não haver fogo nenhum. Neste momento passa-se o mesmo com Deus. Pode não ser humilde, mas é honesto da ciência rejeitar Deus por deixar em aberto mais questões que a sua inexistência. A hipótese de Deus não responde a nada que a sua negação não responda igualmente bem e levanta muitas questões acerca do que Ele é, do que faz, porque o faz, qual o seu propósito e assim por diante.
E pode ser humilde acreditar em Deus. Talvez venha daí a virtude que dá a cada um o sentimento da sua fraqueza. Mas o mais honesto é concluir que Ele não existe. A certeza é provisória, admito, mas também não vou gritar “Fogo!” sempre que faltar prova irrefutável do contrário.
1- Priberam, Dicionário
O Deus transcendente sofre do mesmo problema. (...) Mas o mais honesto é concluir que Ele não existe.
ResponderEliminarOra bem, este é um texto filosófico e NÃO científico, seria bom esclarecer isso logo à partida!
Há 2 aspectos no conceito do divino: a transcendência e a imanência. Sem dúvida que o Deus que transcende o universo material está inteiramente fora do domínio da ciência, sendo pois objecto de conhecimento da Filosofia e da Religião. Sobre o Deus transcendente, a ciência nada diz, justamente por honestidade e NÃO por humildade! Não sabe, logo cala-se... simples!
De facto, o Deus transcendente é uma hipótese que não faz parte nem é necessária à ciência, como Laplace muito bem disse ao explicar o seu sistema cosmológico. O simplicíssimo facto de se tratar de uma realidade imaterial ou espiritual, o põe de imediato fora do campo do conhecimento científico. Deus, a existir, será esse Vazio ou essa Escuridão anterior ao Big-Bang e o início do espaço-tempo. Trata-se, pois, de uma realidade eterna e intemporal, nada que a ciência possa penetrar ou englobar no seu âmbito de estudo.
Deste modo, a única honestidade da ciência em relação a Deus consiste em afirmar a sua ignorância acerca d'Ele. Tudo o que exceda isto sai já do estrito âmbito científico e passa para a especulação metafísica pura e simples. A qual, obviamente, é um direito de cada cientista como pessoa humana, mas se encontra FORA do seu campo profissional para passar ao domínio das legítimas convicções pessoais.
Porém, já no que diz respeito a sistemas de crenças que tenham por objecto este universo físico, estejam ou não associadas a religiões ou doutrinas espirituais, claro que aí a ciência tem toda a legitimidade em as contestar caso contradigam o seu corpo próprio de conhecimentos. Deste modo, o criacionismo da Terra Jovem, tal com o geocentrismo ou a teoria da terra plana, sejam ou não defendidos com argumentos religiosos, estão em claro desacordo com aquilo que a moderna ciência nos diz.
Existe, porém, outro aspecto para além da transcendência, e é isso que desde o início tenho vindo a referir repetidamente neste tipo de debate. É que Deus também possui o atributo da imanência em relação ao universo material. Na filosofia do Antigo Oriente, transcendência e imanência são características complementares ou simultâneas da Divindade, e não se excluem mutuamente. Ou seja, apesar de ser transcendente ao Universo e também ao conhecimento humano - Ele está muito para além da capacidade de compreensão da mente racional... Deus simplesmente É! - Ele está contudo presente na substância universal, que aqui se deve identificar como mente ou consciência para além da matéria-energia. Mas neste aspecto imanente, talvez seja possível o seu conhecimento directo - na suprema auto-consciência do Ser Humano - ou mesmo até indirecto, no próprio campo da ciência, algo que é talvez uma realidade que começa a despontar.
Deveras, tudo aquilo que nos vem das mais antigas tradições espirituais do Homem foi uma conquista desse auto-conhecimento, em que o sujeito cognoscente penetrou na sua última realidade, o Deus imanente na alma, espírito, mente ou consciência, seja qual for o nome que lhe dermos.
Agora, muitos milhares de anos volvidos, estamos possivelmente à beira de realizar outra vez esse conhecimento, agora por via do estudo do objecto cognoscível, ou o universo físico do qual a ciência se ocupa. Pois, afinal, talvez ele não exista fora das nossas representações mentais, ou seja inteiramente redutível a elas.
E assim se completará um longo círculo em que os extremos - do conhecimento interno da mente e do externo da matéria - de novo se reunirão, já que sujeito e objecto são aqui inseparáveis ou nada mais existe senão a eterna mente consciente e a (ir)realidade material é temporária e ilusória!
So... what is truly real?...
Rui leprechaun
(...is this life a dream we feel?! :))
Mas tu não concluis que Ele não existe. Tu *assumes* que Ele não existe. Conclusão seria se tu tivesses aceite todas as evidências, quer sejam naturalistas ou sobrenaturalistas, e as tivesses avaliado dentro do seu próprio mérito.
ResponderEliminarMas tu não fazes isso. Tu assumes que Deus não existe, e todas as evidências que são oferecidas contra o naturalismo, tu de alguma forma consegues incorporá-la dentro da tua visão do mundo. Porquê? Bem, porque se Deus não existe (como assumiste) então o naturalismo tem que ter as respostas. Sim, há várias dificuldades no naturalismo, mas como se assumiu que Deus não existe, mais cedo ou mais tarde o naturalismo vai explicar essas aparentes dificuldades.
Portanto aquilo que chamas de "conclusão" é aliás o teu ponto de partida.
Mats
Leprechaun,
ResponderEliminar«Ora bem, este é um texto filosófico e NÃO científico, seria bom esclarecer isso logo à partida!»
Só se fosse para insultar a inteligência dos leitores. Prefiro deixar quem lê o texto ajuízar se a filosofia da ciência deve ser mais filosófica, mais científica ou se nem deve haver diferença fundamental.
«Sem dúvida que o Deus que transcende o universo material está inteiramente fora do domínio da ciência, sendo pois objecto de conhecimento da Filosofia e da Religião. Sobre o Deus transcendente, a ciência nada diz, justamente por honestidade e NÃO por humildade! Não sabe, logo cala-se... simples!»
Isso é treta. É essa desonestidade que eu quero criticar. A filosofia pode especular sobre deus. A religião pode defender fés. Mas isso não é saber. Não é por inventar crenças e argumentos que passam a saber se deus existe ou não.
«Deste modo, a única honestidade da ciência em relação a Deus consiste em afirmar a sua ignorância acerca d'Ele.»
Não. O que é honesto é afirmar que sabemos tratar-se de uma hipótese desnecessária que levanta muitas dúvidas e acerca da qual não há dados fiáveis. E o que é honesto fazer nesse caso é considará-la mera especulação. A ciência honesta trata Deus como trata os mafaguinhos de Júpiter ou a chaleira a orbitar Plutão.
Mats,
ResponderEliminar« Conclusão seria se tu tivesses aceite todas as evidências, quer sejam naturalistas ou sobrenaturalistas, e as tivesses avaliado dentro do seu próprio mérito»
É isso que eu faço. Com Deus e com os tijolos voadores transcendentes (TVTs). Constato que a hipótese de existirem TVTs não é necessária para explicar o que observo, pois há explicações igualmente boas sem assumir TVTs. E constato que supor a existência de TVTs levantaria muitas perguntas acerca dos TVTs para as quais não tenho quaisquer dados. Por estas razões *concluo* que não existem TVTs.
O raciocínio para Deus é idêntico. A hipótese é inútil e não há quaisquer dados acerca dessa entidade hipotética. Por estas razões *concluo* que Deus não existe e que as afirmações em contrário são mera especulação.
«Deste modo, a única honestidade da ciência em relação a Deus consiste em afirmar a sua ignorância acerca d'Ele.»
ResponderEliminarNão. O que é honesto é afirmar que sabemos tratar-se de uma hipótese desnecessária que levanta muitas dúvidas e acerca da qual não há dados fiáveis. E o que é honesto fazer nesse caso é considerá-la mera especulação.
De facto, isto já me parece confusão a mais, não vejo outra maneira de o dizer. Ou ainda, total incompreensão de tudo o que eu disse no comentário inicial e que venho, aliás, a repetir de há muito neste mesmo espaço.
Que o Deus transcendente é uma hipótese desnecessária e portanto se deve considerá-la mera especulação do ponto de vista da ciência naturalista, também eu disse atrás, óbvio! Ora isso consiste simplesmente em a ciência manifestar a sua ignorância acerca d'Ele, ÚNICA posição integralmente honesta... as simple as that!!!
Pode não ser humilde, mas é honesto da ciência rejeitar Deus por deixar em aberto mais questões que a sua inexistência. (...) Mas o mais honesto é concluir que Ele não existe.
Ora este "rejeitar", segundo a definição do mesmo dicionário - repelir; recusar; negar; desaprovar - não está estritamente de acordo com o enunciado anterior. E isso é reforçado pela frase final, claro, a qual desmente as alegações perfeitamente aceitáveis da hipótese desnecessária ou mera especulação.
E este tipo de esclarecimento continua a ser necessário, uma e outra vez, já que a ciência moderna, enquanto tal, não tem posição alguma relativamente à possível existência de qualquer realidade transcendental que estará, por sua natureza, fora do seu âmbito de estudo.
Deveras, e uma vez que esta é uma interrogação apenas metafísica, a própria noção de "transcendentalidade" implica não apenas a separação e independência em relação ao universo manifesto, mas igualmente a impossibilidade do seu conhecimento pela mente humana.
Mais ainda, há alguns conceitos filosóficos e religiosos do Deus transcendente que o colocam inteiramente fora da jurisdição no universo material ou seja, Ele não interfere sequer neste plano de existência.
Deste modo, considerado assim, é correcto dizer que "Deus está morto" para nós viventes, uma vez que se encontra totalmente para além de qualquer possibilidade do conhecimento humano.
Still... falta a "imanência", claro! E é aí, como expliquei no texto anterior, que a ciência física já poderá talvez dizer alguma coisa. De facto, alguns dos seus representantes assim o fazem, vejamos se conseguem fazer escola ou não! :)
É que se o aspecto transcendente de Deus nada tem a ver com o universo, já a sua faceta imanente está intimamente ligada ao modo como a mente divina actua na realidade material. O conceito de imanência significa que a Divindade se manifesta em tudo aquilo que existe e é a força motriz por detrás de todas as manifestações da matéria-energia e também da mente e consciência.
O que isto pode significar em termos práticos é que, mesmo não sendo possível o conhecimento directo dessa Mente divina, talvez seja possível algum tipo de dedução indirecta à medida que formos aperfeiçoando o nosso conhecimento da realidade fenomenal. É isto que alguns cientistas pretendem fazer ao incluirem a consciência como parte integrante dos fenómenos materiais.
De notar, que a acção da mente sobre a matéria sempre foi um princípio fundamental da ciência antiga ou da magia, onde não existe uma distinção entre a substância material e a mental, assumindo-se que esta pode estar incorporada no próprio substrato do universo, a tal mente divina afinal.
Esta noção, inteiramente posta de parte durante vários séculos, regressou de novo à ribalta com algumas possíveis interpretações da mecânica quântica, tanto em termos estritamente científicos como noutros mais filosóficos. Em especial, a teoria da consciência causa colapso está claramente na linha da frente quanto à moderna tentativa de reunificar matéria e consciência, fazendo depender os fenómenos ditos objectivos da mente subjectiva que os observa.
Por fim, estas não são meras elucubrações de espíritos demasiado místicos e desligados da realidade, pior ainda, pouco científicos! Para além de nomes actuais, como Goswami e Alan Wolf, também o Nobel da Física Eugene Wigner era um defensor da hipótese da consciência universal. Conhecido pelo paradoxo do "amigo de Wigner", ele afirmou: It was not possible to formulate the laws [of quantum theory] in a fully consistent way without reference to consciousness.
É esta a importante ponte entre as ciências físicas e a metafísica que se irá desenvolver cada vez mais, no presente século. De novo, à medida que novas evidências se vão acumulando e os paradoxos no actual paradigma materialista crescem incessantemente, tudo irá ser feito para encaixar as novas observações na teoria existente... como sempre!... até não mais ser possível continuar a ocultar o que se vai tornando dia a dia mais visível.
Filosoficamente, a questão até já está resolvida, a saber: toda e qualquer propriedade que a matéria manifesta tem de existir forçosamente em potencial na sua mais ínfima partícula ou proto-manifestação. Isto é inteiramente lógico e facílimo de compreender, o que significa que mente e consciência existem já a um nível material e possivelmente mesmo antes da manifestação do universo fenomenal.
Ou seja, nada de novo debaixo do sol...
Rui leprechaun
(...e o peixe-ciência mordeu o consciente anzol! :))