Como o conhecimento a priori é empírico.
Obrigado a todos que têm participado nesta conversa que me tem ajudado muito a perceber este problema. Deu-me uma ideia mais clara do que pode ser o a priori e até, ao contrário do que eu tinha defendido anteriormente, de como salvar a noção de conhecimento a priori.
Uma verdade a priori será qualquer estado acessível a pela aplicação de regras de transformação preestabelecidas e partindo de um estado inicial. Aqui uso “verdade” num sentido lato que não exige consciência nem a interpretação desses estados como proposições. Desta forma, se programarmos um computador para seguir certas regras a partir de um estado inicial todos os estados resultantes da aplicação dessas regras serão verdades a priori naquele contexto*. A noção de verdade aqui é simplesmente a de coerência com o estado inicial e com as regras de transformação, por isso uma verdade a priori é sempre relativa ao seu contexto. O conhecimento a priori é apenas o conhecimento de verdades a priori. Conhecendo as regras de transformação da álgebra e partindo do estado inicial de 2+2 eu posso conhecer a verdade a priori, neste contexto, que o resultado é igual a quatro porque essa conclusão segue do estado inicial pela aplicação das regras.
Uma consequência importante é que, nesta definição, o a priori é uma categoria ontológica e não epistemológica como o empírico. Assim percebe-se como saber que 2+2=4 é conhecimento a priori mesmo que se descubra que 2+2=4 experimentando com pedras, dedos e palitos e extrapolando daí uma regra geral, empiricamente. É a priori não pela forma como foi conhecido mas por poder resultar de se aplicar certas regras partindo de um estado inicial. Podemos então falar de objectos a priori, como por exemplo todas as jogadas possíveis do Xadrez, mas não de objectos empíricos pois empírica é a forma de conhecer esses objectos e não propriedade dos objectos em si. Posso conhecer as jogadas do Xadrez construindo peças e um tabuleiro e experimentando seguir as regras a ver o que dá.
A noção de a priori como categoria epistemológica, aquilo que se descobre «pensando somente», faria sentido se a nossa mente fosse um homúnculo algures dentro da cabeça assistindo ao que os nossos sentidos mostram e pensando acerca disso. Fechando o teatro cartesiano o homúnculo continuaria a pensar e a obter conhecimento independente da experiência, que seria definida como o que se passa no teatro e não no homúnculo. Mas esta ideia é errada. A nossa mente é gerada por redes de neurónios interligadas do cérebro aos dedos dos pés. Os neurónios interagem, as redes interagem e a consciência emerge como o borbulhar de sais de frutos. Não há uma res cogitans independente a pensar a priori nem uma divisão entre o sentir e o pensar. Está tudo ligado. Mesmo sem sentidos sentimos recordações, sentimos que somos, sentimos que pensamos. A consciência é empírica, e se o conhecimento exige consciência então o conhecimento será sempre empírico. Mesmo que a coisa conhecida seja tal que a sua verdade se possa justificar a priori, seguindo regras a partir de um estado inicial.
Outro aspecto importante é que a priori é a qualidade de ser resultado da aplicação de transformações especificadas a partir de um estado inicial, por isso nem o estado inicial nem as regras de transformação são a priori no contexto do seu sistema. Daí que não se possa fazer matemática ou lógica a priori. Só depois de feitas, depois de se especificar as regras e os axiomas, é que os resultados serão a priori, e até se pode implementar os sistemas em computadores que apliquem as regras mecanicamente.
Em suma, parece-me que o problema era confundir a forma de conhecer com a propriedade de certos objectos de resultar da aplicação de regras. 2+2=4 é a priori porque é o resultado de aplicar certas regras a partir de um certo estado inicial. Mas isto não tem nada que ver com a forma como conhecemos que 2+2=4, nem com o que nos levou a inventar essas regras ou a escolher essas em vez de outras. Quando dizemos “conhecimento a priori” estamos a qualificar a coisa conhecida e não a forma de a conhecer. A forma como conhecemos os resultados e inventamos e escolhemos regras e axiomas é sempre empírica.
PS: A palestra Higher Order Truths about Chmess do Daniel Dennett sugeriu-me algo semelhante, apesar de não ser directamente sobre isto. Não só pelos avisos aos filósofos mas pela distinção entre as verdades a priori e o nosso conhecimento delas.
* Aqui devia distinguir os processos físicos do aspecto conceptual, mas isso dava mais uma carrada de posts e se calhar é impossível. Ao que tudo indica, o conceptual é um tipo de processo físico que ocorre no nosso cérebro.
Assim de repente, não tenho nada a objectar.
ResponderEliminarTalvez o Desidério ou outros tenham, e a discussão volte a aquecer...
Embora não venha a talhe de foice, o Desidério recebeu hoje um grande elogio do ex-ministro das Finanças Luís Campos e Cunha, numa coluna de opinião publicada no jornal Público:
ResponderEliminar"Uma terceira referência, no barulho das luzes e na confusão da crise: é sempre refrescante ler os artigos de Desidério Murcho, no P2 deste jornal. Têm o tamanho certo e levam-nos a pensar, o que é sempre útil, especialmente, neste mundo de sensações e de reacções. Um mundo de pouca ponderação e pouco pensamento e vivido mais pelo instinto do que pela razão. Aconselho a leitura e agradeço-lhe, mesmo sem o conhecer."
Sobre o post:
Tenho de dar os parabéns ao Ludwig. Vai a caminho do a priori. É importante este passo para um neo-empirista.
"Uma verdade a priori será qualquer estado acessível a pela aplicação de regras de transformação preestabelecidas e partindo de um estado inicial"
ResponderEliminarLudwig,
numa primeira leitura fico com a impressão que a tua noção de a priori é aplicavel a tudo o que pode ser explicado cientificamente.Ou estou a perceber mal?
Será que ganhámos alguma coisa com esse novo a priori?
A minha afirmação acima é excessiva, no entanto continuo a pensar que, tal como a definiste é uma noção aplicável a tudo o qué possivel de ser conhecido de uma forma deterministica, por exemplo:
ResponderEliminardada a aceleração gravitica da terra existem regras para encontrar a velocidade de escape, logo a velocidade de escape é uma verdade à priori!
Dadas as dimensões de uma cónica posso conhecer o seu volume e a área.
Fica de fora da tua noção de a priori a meteorologia, a economia, a incerteza quantica, o pensamento dos criacionistas e pouco mais :)
Ludwig:
ResponderEliminarEspero que não leves a mal, mas o que explicas é um refinamento do que eu já tinha proposto.
Nomeadamente que o a priori é um resultado e não as condições iniciais ( que tem origem empirica) e que se obtem através de um metodo (provado empiricamente). Por isso te dizia que temos resultados a priori em muitas areas da ciencia, desde que não requeiram experimentação sistematica adicional.
A meu ver a definiçao tem 2 problemas funcionais:
1-Pode não ser obvio quando um determinado resultado é de facto a priori ou se cabe à experiencia valida-lo.
2-Aquilo que hoje é empirico amanha é a priori. (sim eu sei que estas consciente desta questão mas não deveriamos procurar uma certa imunidade temporal?)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar- com - :
ResponderEliminarSe a aceleração é tal, a posição inicial do corpo é tal, e se as leis físicas são tal, ENTÃO o corpo vai ter posição tal - é obtido por puro raciocínio.
Mas não é possível obter a posição inicial do corpo, a aceleração e as leis físicas por raciocínio. Essas informações não são conhecimento "a priori".
Seria possível alegar que não temos novo conhecimento quando deduzimos: as conclusões já estavam implícitas nas premissas. Nesse sentido não haveria "verdadeiro" conhecimento "a priori". Russel alega que nem todo o conhecimento "verdadeiro" pode ser obtido por indução, visto que isso implicaria que a lei da indução fosse obtida por indução: o que não faz sentido. A alegação é que mesmo neste sentido de conhecimento "verdadeiro" teria de existir algo "a priori". Mas aqui já entramos em domínios muito mais complicados...
Para simplificar, caso aceitemos a definição de Platão de conhecimento "crença verdadeira e justificada", então a dedução traz conhecimento, e o conhecimento obtido por dedução pode ser conhecimento "a priori" neste sentido estrito. Mas muita física não é dedução - conhecer as leis.
- com -,
ResponderEliminar«numa primeira leitura fico com a impressão que a tua noção de a priori é aplicavel a tudo o que pode ser explicado cientificamente.»
Penso que é ao contrário, mas dá quase no mesmo :)
O que se passa é que a ciência tenta sempre formalizar o conhecimento de maneira a que se possa obter o mesmo resultado simplesmente aplicando regras de transformação a um ponto inicial especificado. Aquilo que o João Vasco disse.
Mas nota que uma carrada de equações no papel ou no PC não são conhecimento enquanto não for lá alguém conhecê-las. O que implica que uma parte cada vez maior da ciência não é conhecimento. O que por sua vez levanta a possibilidade de chegarmos com a ciência mais longe do que podemos chegar com o conhecimento. Mas isso é outro ninho de vespas :)
João,
ResponderEliminar«Espero que não leves a mal, mas o que explicas é um refinamento do que eu já tinha proposto.»
Não levo a mal. Só digo que é a minha opinião de momento, e até salientei que resulta da discussão que estamos a ter. Não reclamo originalidade :)
João Vasco,
ResponderEliminar«Russel alega que nem todo o conhecimento "verdadeiro" pode ser obtido por indução, visto que isso implicaria que a lei da indução fosse obtida por indução: o que não faz sentido.»
Aqui Russel estava um pouco enganado ou, melhor dizendo, antiquado.
Um argumento forte a favor da indução é, de certa forma, indutivo. Diz que se alguma coisa permitir prever o que vamos observar com base no que observámos então a indução também servirá. Não importa o quê, seja folhas de chá, tripas de galinha, oração ou o que for, se algo resultar então por indução vamos descobrir o que é que resulta.
Esta é uma boa justificação indutiva para a indução.
Joao vasco:
ResponderEliminar" isso implicaria que a lei da indução fosse obtida por indução: o que não faz sentido": Eu tenho quase a certeza que a indução é obtida por indução. Foi foi ha tanto tempo atraz na nossa formação intelectual que ja nem nos lembramos. Mas ouve uma altura em que o cerebro decidiu deixar de pensar em certas coisas e as aceitou como obvias. Ou por outro lado, (mais facil de explicar biologicamente) aceitou inicialmente tudo como certo até que começaram a aparecer provas em contrario de determinadas coisas. Do que nunca foi contrariado nós hoje nem sabemos justificar porque acreditamos. Mas tiveram origem empirica.
Ludwig:
Estive a pensar melhor e talvez seja verdade o que eu escrevi mas não sejam problemas. Se calhar é mesmo assim, circunstancial e contextual. A conclusão a que chego é que o conceito de a priori é uma invenção humana. Quer tenha utilidade ou não. quer seja logico ou não. Não é algo que se olhe para a natureaz e seja obvio que existe. Não é por assim dizer uma descoberta...
Parece-me que a discussão prossegue interessante, mas cada vez mais consensual, concordo com esta definição de "a priori" do Ludwig, espero pela resposta do Desidério, e concordo igualmente no modo como a mente funciona.
ResponderEliminarGostava apenas de adicionar um evento na história como exemplo máximo de como o "a priori" tem como base o empírico. A história de como Kepler desistiu do "a priori" de Aristóteles ao abandonar os sólidos platónicos como referências nas distâncias orbitais dos planetas, porque o empírico simplesmente não obedecia às harmonias celestes imaginadas por Kepler (e implícitas em Aristóteles e Platão). Deitou tudo ao lixo e experimentou. Chegou às elipses e assentou nelas o início da astronomia moderna com os seus três princípios. Reparem que as elipses são extraordinariamente "heréticas", porque não são perfeitas, como os círculos e as "esferas celestes". Pouco importa. E este deitar o "a priori Desideriano" ao lixo marcou o fim da Astrologia e o início da Astronomia.
"Mas não é possível obter a posição inicial do corpo, a aceleração e as leis físicas por raciocínio. Essas informações não são conhecimento "a priori"."
ResponderEliminarJoão Vasco,
Concordo com a tua afirmação mas repara que na noção que o Ludwig parte-se de um estado inicial (ele não especifica mas presuponho que coorresponde, num problema de fisica ou matemática, às condições iniciais ou condições fronteira), assim sendo uma verdade à priori vai conter sempre o elemento empirico "estado inicial".
As regras de transformação, enquanto mecanismo gerador de verdades a priori, são elas mesmo abstrações induzidas (penso que isto é ponto assente) por experiências passadas.
Sendo assim verdades à priori são espaços de resultados possiveis estanques e independentes de contextos exteriores.
É uma noção bastante elaborada que, parece-me, diverge completamente do apriori de Kant e outros, quer no sentido quer na aplicação.
Não sei se resiste à análise do filosofo de serviço mas à partida tem a vantagem de limpar o apriori de "verdades miticas" e torná-lo consistente com o que se conhece da génese do conhecimento.
Parece-me ainda que o binómio (estado inicial; regras de transformação) potencia uma forma diferente de categorizar o conhecimento.
No Ktreta acabo de assistir à primeira revolução filosófica do século XXI. O povo simples apoderou-se do apriori, espremeu-o, espizinhou-o e reduziu-o a pó.
ResponderEliminarQuatrocentos anos de filosofia foram atirados para o caixote do lixo do ktreta.
Nem passa pelas cabeças brilhantes dos primos que simplesmente não apanharam o conceito. Mas convencê-los do contrário? É um bico de obra.
António Parente:
ResponderEliminar«Mas convencê-los do contrário? É um bico de obra.»
Eu estou bastante aberto à possibilidade de não ter apanhado o conceito "verdadeiro" de "a priori", e na verdade existir outro tipo de conhecimento "a priori" que não este que o Ludwig reconhece.
Para mim seria fácil convencer-me do contrário. Não tenho qualquer apego emocional a nenhum dos lados em disputa.
Só seria necessário uma coisa: bons argumentos.
O que é que NÃO são bons argumentos? Dizer que ideia X deita para o lixo 400 anos de filosofia. Não só porque é falso (pois se Russel refutou Humme, para dar um exemplo, a ideia andava em disputa); mas porque mesmo que fosse verdadeiro não significaria que esses 400 anos não devessem mesmo ir para o lixo. Durante muito tempo pensou-se que o Sol andava à volta da terra, e não foi cedo demais que essa ideia foi detada fora. Assim que surgem boas razões, é logo o que deve ser feito.
João Vasco
ResponderEliminarNesta questão considero-o quase um irmão. Não o estava a incluir no campo dos primos.
AP
ResponderEliminarQuem é o povo simples?
Serão os ignorantes?
Serão os incultos e as pessoas sem formação?
Será o Ludwig e os que com ele se atrevem a questionar?
Se existe o povo simples existirá o povo complexo? Ou será o povo complexado?
Se bem me lembro, nós combinamos não voltar a falar um com o outro, mais com menos. Tenho respeitado o meu compromisso. Respeite o seu, por favor.
ResponderEliminarCristy,
ResponderEliminarcomo eu te compreendo !
António Parente,
ResponderEliminar«Mas convencê-los do contrário? É um bico de obra.»
Convencer quem de quê? Tenho lido muitos comentários seus sobre isto e ainda não vi nenhum que explicasse essa tal posição da qual me gostava de convencer.
Se calhar até é fácil. Se calhar basta perder menos tempo com insultos condescendentes (e ineficazes) e gastar umas linhas a dizer onde acha que me engano. Na pior das hipóteses não adiantava de nada mas sempre era um comentário mais agradável de ler.
Ludwig
ResponderEliminarLamento que quando a sua irmã me insultou e enxovalhou e quando fui enxovalhado e insultado pela sua claque não tenha tido a coragem de pôr frente àquilo que chamo um linchamento virtual.
Não devia ter-se metido na conversa. Há muitos meses lamentei-me por mail da forma como estava a ser tratado na caixa de comentários. Respondeu-me que não se metia no assunto porque eram todos "pessoas crescidas". Onde está essa coerência agora?
Sobre a questão do post é que nem vale a pena tentar explicar-lhe alguma coisa. Pura e simplesmente põe a mente a funcionar com o objectivo de encontrar um argumento completamente disparatado com o único fim de não dar o braço a torcer. Não é inteligência, é teimosia. Está enxofrado comigo porque não lhe dão razão? Eu não tenho culpa.
A partir de agora está ao nível dos restantes primos. Perdi o respeito que tinha por si. Passe bem.
O que tem vindo a ser discutido é a existência, isto é, a possibilidade, de produzir conhecimento apenas pensando. Devido à minha concepção da realidade, admitindo uma sua componente não empírica, eu julgo que sim. Esta minha concepção refere-se apenas a objectos inventados, sem existência conhecida na realidade empírica, e por isso não tem grande importância para o conhecimento do mundo. Além disso, é apenas uma concepção minha acerca da existência de objectos desse tipo (que é aqui apenas lateral, e cuja introdução nesta discussão se mostrou impertinente, pelo que lamento tê-la introduzido) por criação meramente intelectual.
ResponderEliminarDe qualquer modo, a produção desses modelos conceptuais de objectos conceptuais não é efectuada apenas pelo pensamento, desprezando conhecimento prévio, o que seria um imenso desperdício e uma tremenda estupidez; ela faz uso de conhecimento já existente (como, por exemplo, as regras da inferência, modelos relacionais matemáticos, analogias com conhecimentos acerca da realidade empírica, etc.). Mas, mesmo em relação a este tipo de objectos, os próprios modelos que os constituem têm de ser justificados ou testados, para aquilatar da sua coerência e assim adquirirem a qualidade de conhecimento. Fecho o parágrafo.
A argumentação válida não produz verdades nem falsidades, e, como tal, não produz conhecimento: produz somente argumentos válidos. Isto é filosofia elementar e é objecto de um texto recente do Murcho num outro blog. Um pouco surpreendentemente, contudo, é a inferência válida que me parece ter sido o que Murcho — filósofo profissional e professor universitário de filosofia, como vim a saber agora, cujas competências neste campo estarão já provadas — apresentou como exemplo de conhecimento a priori, conhecimento produzido apenas pelo pensamento. É uma ousadia questionar uma autoridade na matéria, mas parece-me que para uma conclusão ser verdadeira ou plausível, porém, não basta que a inferência seja válida; é também necessário que as premissas sejam verdadeiras ou plausíveis.
Premissas verdadeiras ou plausíveis são elas próprias conhecimento, que teve de ser produzido. E as regras da inferência válida são também conhecimento, que igualmente teve de ser produzido. Pelo facto das regras da inferência se nos apresentarem codificadas não podemos afirmar que elas foram descobertas ou inventadas apenas pelo pensamento; certamente deram muito que pensar, mas também terão dado muito que experimentar, a muita gente, durante muito tempo, a partir da sua relação com a natureza. E se hoje as utilizamos comodamente é porque o conhecimento produzido por aqueles tantos outros nos permite a comodidade pela economia de não necessitarmos de estar a descobrir e a inventar tudo desde o início.
Se passarmos das regras conhecidas da inferência para as regras mais alargadas da interrelação entre variáveis de um qualquer problema ou de partes de um qualquer objecto, se fornecermos a um computador os dados correspondentes às variáveis e as regas da sua interrelação, através de um programa adequado de execução sequencial de operações ele apresentar-nos-á os resultados. Produziu o computador conhecimento? Não! Não produziu o conhecimento correspondente às variáveis, nem o conhecimento correspondente às interrelações entre elas, nem tão pouco, coitado, o conhecimento correspondente ao programa que o faz operar para dar sequência aos passos ou estados daquelas interrelações. Produziu apenas resultados.
Estes resultados podem ser o produto duma pesquisa ou processo de descoberta, e terão de ser interpretados para a partir deles se formularem hipóteses iniciais ou intermédias, ou produto da experimentação de um modelo previamente formulado a partir desse tipo de hipóteses. Neste último caso, os resultados são parte do modelo, e é este que é o conhecimento. Deste modo, o conhecimento não é redutível a qualquer uma das partes do processo da sua produção — nem às variáveis, nem às suas interrelações, nem ao resultado — porque é o modelo conceptual do objecto de estudo.
Deste modo, julgo que afirmar a produção ou a existência de conhecimento a priori restringindo-o ao conhecimento representado pelas próprias regras da inferência, não tem sentido. Estas regras são conhecimento, prévio, já existente, e se usadas correctamente apenas produzem apenas resultados válidos, decorrentes das relações dos elementos das premissas a que foram aplicadas; sem a confirmação da verdade das premissas, a aplicação de regras de relação válidas não produz conclusões verdadeiras. A não ser que por novo conhecimento se entenda o conhecimento prévio das regras de relação, o que não me parece ser o pretendido.
Não comentei directamente o texto do Krippahl. Pareceu-me um pouco confuso e disperso. Tomei como base a questão central ainda em aberto desde o texto anterior.
Cordeiro Lobo.
Cordeiro Lobo:
ResponderEliminar"sem a confirmação da verdade das premissas, a aplicação de regras de relação válidas não produz conclusões verdadeiras"
É um facto. Mas qualquer definição de à priori tem o problema da Verdade. Agora esta implicito que conhecimento inicial implica alguma validação.
Quanto ao seu argumento de autoridade. Bem, os amadores tambem podem jogar não? Ninguem esta a querer impor nada a ninguem.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar«A argumentação válida não produz verdades nem falsidades, e, como tal, não produz conhecimento: produz somente argumentos válidos.»
ResponderEliminarUm argumento válido pode ser formulado por forma a ser verdadeiro. Ou seja:
Argumento:
A- «Todos os homens são mortais»
B- «Sócrates é homem»
Logo
C- «Sócrates é mortal»
Isto é um argumento. A verdade da conclusão decorre da verdade das premissas. O argumento é válido. Não podemos dizer que o argumento é "verdadeiro", pois o mesmo não está na forma de uma proposição. Mas a conversão é fácil de fazer. Falo de proposição não no sentido Aristotélico limitado de associar um predicado a um sujeito, mas no sentido actual mais abrangente de "conteúdo de uma frase declarativa com sentido e valor lógico (verdadeira ou falsa)". Tomemos então a proposição A:
«Se for verdade que "Sócrates é homem" e verdade que "Todos os homens são mortais" então será verdade que "Sócrates é mortal"»
Esta proposição é verdadeira. Assim um raciocínio válido pode ser convertido numa proposição verdadeira, bastando para isso formulá-lo com esse propósito.
E pela definição de Platão, não só esta proposição é verdadeira, como é conhecimento.
Não teremos aqui um Parente Lobo a vestir a pele de Cordeiro ?
ResponderEliminarJá agora vale a pena pensar nisso !
Jorge Cantor
João Vasco.
ResponderEliminarA forma como apresenta o seu argumento é esquisita. Faz lembrar uma falácia. Se o formulasse como “Todos os homens são mortais”, “Se Sócrates for homem”, “Sócrates é mortal” veria facilmente que o seu argumento era inválido. A conclusão não decorre das premissas. A conclusão válida seria: “Sócrates será mortal”. O tempo verbal da segunda premissa é o futuro condicional, e é neste tempo que tem de formular a conclusão. Veria, então, facilmente, que uma afirmação condicional não representa um facto e, por isso, não é verdadeira nem falsa.
Se usar como premissas proposições cuja verdade ou plausibilidade é apenas hipotética, mesmo argumentando validamente, apenas obterá conclusões hipoteticamente verdadeiras ou plausíveis. O conhecimento, porém, não é produzido a partir de premissas cuja verdade ou plausibilidade seja hipotética. Deste modo podem construir-se teorias, meras hipóteses de conhecimento. O conhecimento decorre de premissas verdadeiras ou plausíveis e de argumentação válida.
Da próxima vez que intervir, se intervir, usarei as iniciais CL, para evitar trocadilhos desagradáveis com o meu nome (que, reconheço, se presta a isso).
Cordeiro Lobo.
João Vasco,
ResponderEliminarum excelente argumento parece-me ser o facto do ministro das Finanças louvar o Desidério Murcho ;-)
Cristy
- com +
ResponderEliminar.. "como te compreendo`".
eheh, a verdade é que me divirto imenso. Por exemplo, fartei-me de aprender neste discussão sobre um tema que eu nem sequer tinha identificado como um problema. E de vez em quando aparecia o AP a pôr-se nos bicos dos pés e a interromper com asneirada, como os miúdos que não percebem nada da conversa adulta mas estão ansiosos por participar e ser levados a sério. Se eu não soubesse por experiência que o despedimento definitivo deste blogue do AP é para ser levado tão a sério como o resto, se calhar até ía ter pena.
Cristy
leia-se "despedida" e não "despedimento", calro, foi um lapso freudiano
ResponderEliminarCristy
António Parente,
ResponderEliminar«Respondeu-me que não se metia no assunto porque eram todos "pessoas crescidas". Onde está essa coerência agora?»
Exactamente onde sempre esteve. Eu não me estou a queixar dos seus comentários, nem estou ofendido pelos seus ataques ad hominem. Só estou a apontar que, se quer persuadir outros da sua posição, o que faz é exactamente o contrário daquilo que devia fazer. Por exemplo:
«Sobre a questão do post é que nem vale a pena tentar explicar-lhe alguma coisa. Pura e simplesmente põe a mente a funcionar com o objectivo de encontrar um argumento completamente disparatado com o único fim de não dar o braço a torcer.»
Cordeiro Lobo,
ResponderEliminar«O que tem vindo a ser discutido é a existência, isto é, a possibilidade, de produzir conhecimento apenas pensando. Devido à minha concepção da realidade, admitindo uma sua componente não empírica, eu julgo que sim.»
O problema disto é que "apenas pensando" tem muito mais bagagem do que me parece estão a considerar. Eu proponho que nós não podemos pensar sem que o façamos empiricamente. Experimentamos pensamentos, por assim dizer. É como o nosso cérebro funciona.
E parece-me mesmo que nenhum ser consciente poderia pensar de outra forma. Daí eu julgar necessário definir o a priori sem depender de um "apenas pensando" que é tudo menos apenas...
Quanto ao resto do seu comentário, acerca da diferença entre argumentos, conceitos e conhecimento penso que estamos de acordo.
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarNão está onde sempre esteve. Nem nunca esteve. Não o ataquei a si nem ataquei explicitamente ninguém. Pode encarar o que escrevi como uma provocação mas não era mal intencionada.
Já tenho dado mostras de ser frontal e não preciso de me refugiar em subterfúgios quando quero discutir abertamente com alguém. O João Vasco sentiu-se atingido e eu esclareci imediatamente a questão. Apesar das divergências que tivemos no passado o João Vasco tem classe. O mais com menos "picou-se" e eu não lhe respondi porque há pessoas com quem as minhas discussões descambam sempre para a versão "chinelo na mão". Por isso não converso com elas.
Quanto ao resto, não vale a pena. Acabou.
António Parente,
ResponderEliminarComentários como « O povo simples apoderou-se do apriori» ou «Nem passa pelas cabeças brilhantes dos primos que simplesmente não apanharam o conceito» visam as pessoas (ad homimem) e não o tema em discussão. Isso, como já teve muitas oportunidades para constatar, é contraproducente.
Mas se quiser repetir o ciclo de insultar, dizer que não insultou, fazer-se de insultado, ir e voltar esteja à vontade. Como já disse, não me meto nessas coisas.
O meu ponto é apenas este: se quer discutir o tema, qualquer tema, então fale do assunto e não das pessoas.
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarFico à espera que faça à sua irmã as obervações que fez a mim, dado que não há uma única vez que ela entre na caixa de comentários sem me insultar e a sua contribuição para a discussão é praticamente nula. E já agora estenda essas observações a outras pessoas que me atacam pessoalmente quando emito qualquer opinião ou os ataques ad hominem são válidos quando me são dirigidos?
Em relação às citações, são metáforas que correspondem à verdade. É dramático ver pessoas a escrever sobre assuntos que não entendem nem estudaram. Nota-se que algumas fazem um esforço para se informarem mas outras opinam sem perceberem o tema que está em discussão. Eu quando não percebo dum assunto procuro estudar e aprender. É isto um insulto? Do meu ponto de vista, não é. Do seu, é. Vejo que o seu conceito de insulto está mais estreito. Para quem um dia escreveu "achincalho e achincalharei" evoluiu bastante.
António Parente,
ResponderEliminar«Fico à espera que faça à sua irmã as obervações que fez a mim,»
Parece que ainda não fui suficientemente claro. O meu problema não é o que fazem uns aos outros. Nem sequer é que gozem, façam troça, se insultem ou o que bem entenderem.
Simplesmente se alguém me diz que discutimos um tema que não entendo, que não consigo perceber e assim por diante, mas não explica nada nem diz especificamente qual é a parte que estou a perceber mal eu aponto que isso não serve de nada. O argumento de "eu tenho razão porque tu és ignorante" é, por si só, inútil.
É esse o meu ponto. Sugiro que se quer que eu compreenda a sua posição experimente explicá-la em vez de me chamar ignorante.
Mas se o seu objectivo é apenas chamar-me ignorante, pois fique à vontade que tanto me faz. Mas depois não faz sentido queixar-se que não me consegue persuadir...
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarEu não lhe chamei ignorante. Pensei que estivesse bem explícito que o comentário não lhe era dirigido.
Se lhe quisesse chamar ignorante fazia-o directamente, não usava meias palavras nem metáforas. Nem o quero persuadir de nada. Nem valia a pena tentar.
Pela minha parte está tudo dito e explicado. Não há nada a acrescentar.
CL:
ResponderEliminar«Se usar como premissas proposições cuja verdade ou plausibilidade é apenas hipotética, mesmo argumentando validamente, apenas obterá conclusões hipoteticamente verdadeiras ou plausíveis.»
Claro. Mas a proposição que descrevo como verdadeira NÃO é a conclusão - daí a diferença entre ambas as formulações.
Repare:
Eu digo:
A => B
A é verdade
ENTÃO
B é verdade
Isto é um argumento válido. Não sabemos se B é verdade ou não. Isto é óbvio.
Mas quando eu tenho uma proposição única que diz «se "A=>B" é verdade, e "A é verdade" é verdade [passo o pleonasmo], então "B é verdade" é verdade»
A proposição que eu afirmo verdadeira NÃO é a conclusão do raciocínio. A proposição que eu afirmo verdadeira é que a verdade da conclusão decorre da verdade das premissas, e se o raciocínio for válido, então eu não estou em erro - a proposição é MESMO verdadeira.
Neste caso concreto podemos ver esta proposição como descrevendo um aspecto da implicação, e por isso afirmar que não é conhecimento NOVO. Mas se o raciocínio for mais complexo, será mais difícil argumentar tal coisa. Por outro lado, a aplicação da implicação a um caso concreto (mesmo que imaginário) é fundamentalmente diferente da enunciação desse princípio geral, mesmo quando a verdade dessa aplicação decorre da verdade desse princípio.
Portanto, esta proposição é conhecimento, e para que seja novo basta ir alterando as letras...
Desculpem a informalidade das palavras ASSIM, mas para mim é prático para dar a ênfase que daria oralmente, e vejo este contexto como um tanto informal...
ResponderEliminarJoão Vasco.
ResponderEliminarNão compreendo nuito bem onde pretende chegar.
A sua proposição não passa duma proposição. Novo conhecimento não é produzido através de proposições singulares, mas através da relação entre proposições.
CL.
Começo a ficar preocupado.
ResponderEliminarSó sobro eu e o Barba Rija para sermos o "Povo simples"...
Na, devo me estar a esquercer de mais alguem. Nunca fiz mal ao Parente.
CL:
ResponderEliminar«A sua proposição não passa duma proposição.»
Mas é nova (foi inventada).
É verdadeira - necessariamente.
É acreditada.
E justificada (por lógica).
Se usarmos a definição de conhecimento de Platão (crença verdadeira justificada), então essa proposição é novo conhecimento.
João Vasco.
ResponderEliminarSou apenas um leigo, nem tão pouco um amador de filosofia, pelo que não serei a pessoa indicada para esclarecê-lo em relação às suas dúvidas.
Mas parece-me que com a sua proposição enuncia a condição de solidez de um argumento. Por isso, ela é uma proposição verdadeira e representa conhecimento.
Trata-se, no caso, de conhecimento pré-existente, não de novo conhecimento. Poderá enunciar a condição de solidez dum argumento de variadíssimas formas; com isso não estará produzindo conhecimento; estará repetindo conhecimento existente.
CL.
gostaria que me estabelecessem uma relação entre empirismo e realidade. pode ser?
ResponderEliminarMaria C:
ResponderEliminarRelação directa e frutuosa.
desenvolva :)
ResponderEliminarCL:
ResponderEliminarSe eu disser:
A- Todos os homens são mortais
e
B- Sócrates é homem
A afirmação "C - Sócrates é mortal" decorre necessariamente das duas anteriores. Na verdade corresponde a uma particularização de A.
Para quem conhece as primeiras, podesmos dizer que esta terceira corresponde a novo conhecimento, ou dizemos que o mesmo já estava implícito, e que portanto não é conhecimento novo?
Se afirmarmos que o mesmo já estava implícito e que portanto não é novo, então nenhum teorema matemático descoberto corresponde a informação nova. Isso quer dizer que toda a matemática nova é invenção de axiomas. Nenhum teorema acrescenta nada ao nosso conhecimento.
Por isso encaro as coisas de outra forma: assumo que quando um agente explicita conhecimento que já estava implícito (como um teorema matemático) esse alguém está a criar conhecimento novo.
Neste caso, a particularização, a aplicação de uma regra geral a um caso particular, é conhecimento novo.
Por isso, se fosse verdade a premissa:
A- Todas as palavras começadas por J são Frelas
Eu podia gerar conhecimento novo dizendo:
B - A palavra "joia" é Frela
Ou
C- A palavra "jardim" é Frela
E por aí fora...
Então, da mesma forma, posso aplicar uma regra geral que relaciona premissas, a premissas particulares, ainda que inventadas.
Se eu conheço a "lei" que torna verdadeira qualquer proposição na forma:
«Se (A e B) é verdade, então A é verdade»
Então posso criar conhecimento aplicando esta regra a qualquer premissa inventada:
«Se é verdade que "o Pedro está aqui e está constipado" então é verdade que "o Pedro está aqui"»
maria c.:
ResponderEliminarEstive a espreitar este artigo, e creio que tem lá a informação que responde à sua pergunta:
http://en.wikipedia.org/wiki/Empiricism
João Vasco.
ResponderEliminarComo lhe disse, sou leigo, nem tão pouco sou amador de filosofia. Não sou pessoa indicada para resolver cabal e correctamente todas as suas dúvidas. Terá de orientar-se para outro lado. Talvez para o Murcho, que sabe dessas coisas.
Uma proposição é verdadeira ou não. Sendo verdadeira, os sujeitos e os respectivos predicados que ela contiver são verdadeiros; tal como continuam sendo verdadeiros os sujeitos apenas com alguns dos respectivos predicados, ou apenas um sujeito singular contido num colectivo.
Para aquilatar da verdade de uma proposição cujo sujeito esteja contido numa outra, tem de demonstrar que ele está naquela contido. É o caso da proposição "Sócrates é mortal", deduzida de uma outra proposição verdadeira que afirmava "Sócrates é homem", referindo um sujeito singular contido no sujeito colectivo "Todos os homens..." de uma primeira proposição. Todos os homens, incluindo Sócrates, participam do mesmo atributo: "são mortais".
Com o seu exemplo de "todas as palavras começadas por J...", o que faz é enunciar uma outra proposição verdadeira cujo sujeito está incluído no da proposição original: "A palavra joia começa por J...". Logo, se este sujeito está contido no primeiro goza dos seus atributos.
E, sim, pode criar conhecimento aplicando esta regra à relação de quaisquer premissas inventadas... desde que sejam verdadeiras. Sejam quais forem os critérios de verdade para as definir como verdadeiras. Mesmo que não existam na realidade empírica, porque são inventadas, não faz mal; são verdadeiras e a regra permite produzir verdades, ainda que inventadas. As conclusões não têm qualquer utilidade, mas são verdadeiras. E aí tem como pode criar conhecimento acerca de qualquer coisa, mesmo inventada e não existente na realidade empírica.
O seu último exemplo "o Pedro..." não é representativo do que pretendeu ilustrar. Veja porquê.
CL.
CL:
ResponderEliminar«Mesmo que não existam na realidade empírica, porque são inventadas, não faz mal; são verdadeiras e a regra permite produzir verdades, ainda que inventadas. As conclusões não têm qualquer utilidade, mas são verdadeiras.»
Era precisamente esse o meu ponto.
:)