Evolução: Acaso.
Um significado de “acaso”, como o António Parente apontou há dias (1), é a causa que desconhecemos. Ou porque o detalhe dos nossos modelos não chega ou porque, tanto quanto sabemos, não há causa para conhecer. Quando ocorre uma mutação temos poucas possibilidades de saber se foi devida a um fotão ultravioleta, agentes oxidantes ou qualquer outra coisa. Por isso dizemos que foi por acaso. E, mesmo que soubéssemos tudo o que é possível saber acerca do sucedido, esbarrávamos no acaso da mecânica quântica. Há um nível de detalhe a partir do qual a própria noção de causa deixa de fazer sentido.
Por isso o acaso, neste sentido, tem um papel tão grande na descrição da evolução como tem nos modelos de qualquer outro processo. O que não quer dizer que a evolução seja por acaso. Como numa explosão, há detalhes imprevisíveis cujas causas não conseguimos identificar mas há outros aspectos que, conhecendo as circunstâncias, é fácil antecipar. Cada molécula de nitroglicerina reage, ou não reage, por acaso. Mas com um número suficiente o resultado, grosso modo, é bastante previsível. Da mesma forma, pelo número de vezes que surgiram em linhagens independentes, sabemos que características como asas, dedos, olhos ou cérebros grandes são uma consequência provável um ecossistema suficientemente diverso e maduro. Mais cedo ou mais tarde, algum organismo há de lá calhar.
E mesmo que uma característica surja por acaso, a sua evolução posterior pode dever pouco à sorte. Não sabemos que mutações fizeram uns machos de uma população ancestral do pavão ter penas ligeiramente mais vistosas que as dos seus competidores. Mas assim que as fêmeas começaram a escolher os parceiros por esta característica condenaram os seus descendentes remotos a uma cauda deslumbrante. É por isso falso que a teoria da evolução descreva a origem das espécies como sendo por acaso, neste sentido de se desconhecer a causa. É como acusar a química de dizer que as coisas explodem por acaso. Há muitos detalhes que nos escapam, mas há também muito que a teoria da evolução permite prever*. Por exemplo, pela anatomia e distribuição geográfica dos outros primatas, Darwin previu que a nossa espécie tinha surgido em África. Por análise filogenética de formigas modernas, Wilson, Carpenter e Brown previram correctamente muitas características das formigas do cretáceo, antes de se conhecer fósseis desses organismos. O uso de pesticidas, antibióticos e vacinas é, ou deve ser, informado pela forma como se prevê que as populações reajam a esta pressão selectiva. E assim por diante.
Mas há outro sentido no qual a evolução é mesmo por acaso. No sentido em que é por acaso que encontro um amigo que não combinei encontrar. Não é por desconhecer as causas. Ambos podemos saber bem porque fomos àquele sítio àquela hora. Mas é por acaso que nos encontramos porque o que nos levou lá não visava aquele efeito em particular. E neste sentido toda a evolução é por acaso. Uma mutação no gene da hemoglobina torna-a menos solúvel e confere uma resistência à malária. Por acaso. Não no sentido de não sabermos porquê. O mecanismo é até bem conhecido. Mas por acaso no sentido que a mutação não ocorre por antecipar aquele efeito ou a necessidade de proteger alguém da malária. Não há plano nem propósito nas mutações que a selecção natural mais tarde irá eliminar ou favorecer.
Neste sentido, o acaso já não é uma expressão do nosso desconhecimento. Pelo contrário. Sabemos que as mutações ocorrem sem almejar um efeito futuro porque sabemos como ocorrem, como têm efeito nos seres vivos e que nada neste processo antecipa as vantagens ou desvantagens que isso trará aos herdeiros. Tal como sei que encontrei o meu amigo por acaso porque sei que aquilo que lá nos levou não incluía o objectivo de nos encontrarmos.
Há muito na evolução cuja causa desconhecemos e muito que, em última análise, depende de processos para os quais nem faz sentido falar de causa. Mas, à parte disto, há também este outro acaso. O acaso de nenhuma causa visar o seu efeito futuro. Os meus antepassados que saíram de África para climas mais frios não perderam melanina com intenção de sintetizar melhor a vitamina D quando fossem para sítios com menos sol. Simplesmente os que tinham menos melanina acabaram por ter, em média, menos problemas de saúde e mais filhos.
Cada mutação que herdámos dos nossos antepassados, da bactéria mais primitiva aos nossos pais e avós, é apenas uma entre muitas outras. E todo o nosso ADN é composto por mutações que se acumularam durante milhares de milhões de anos. No sentido de ser imprevisível ou de causa desconhecida, só parte disto foi acaso. As mutações prejudiciais foram quase todas eliminadas pela selecção natural, um processo de causas claras e estatisticamente previsível. As mutações neutras é que foram ou ficaram conforme calhou. Mas no outro sentido dos efeitos não serem o propósito das das causas, tudo isto foi por acaso.
É este acaso que torna a teoria da evolução incompatível com qualquer providência divina ou plano inteligente. Esta incompatibilidade não é imaginada naquilo que chamamos acaso porque desconhecemos as causas. Está patente nos mecanismos que conhecemos. No facto comprovado das mutações não ocorrerem em função do que vai acontecer às gerações futuras.
* Uma objecção comum é que a teoria não pode prever nada porque lida com o passado. Isto é incorrecto por duas razões. Primeiro, o que se prevê é sempre os dados que se vai obter e que ainda se desconhece. A aquisição desses dados está no futuro, mesmo que os dados revelem algo acerca do passado. E, em segundo lugar, a teoria da evolução é usada para prever como se vão transformar populações de bactérias, insectos, ou outros organismos que evoluam suficientemente rápido para nos preocupar.
1- Miscelânea Criacionista: a escolher cerejas.
«Por análise filogenética de formigas modernas, Wilson, Carpenter e Brown previram correctamente muitas características das formigas do cretáceo, antes de se conhecer fósseis desses organismos.»
ResponderEliminarO Wilson é o Edward O. Wilson?
Sim, o das formigas. Claro :)
ResponderEliminarSe quiseres ler o artigo original, de 1967, está aqui. Basicamente, em 15 características primitivas que previram, falharam uma ou duas (pgs 16-17 do pdf mostram as características que eles tinham previsto antes do fóssil, e uma comparação com o fóssil).
Este exemplo tirei do livro Evolution do Futuyma.
O Perspectiva está de férias? ;-)
ResponderEliminarO problema do Ludwig é que nunca ninguém viu a vida a surgir por acaso ou uma espécie menos complexa a transformar-se noutra mais complexa.
ResponderEliminarO Ludwig só pode afirmar isso em termos puramente especulativos.
A vida depende sempre de informação codificada, que é transcrita, lida e executada por complexas maquinas moleculares, cuja existência também depende de informação codificada!!
Ou seja, a vida só é possível se existir, sinultaneamente, a informação codificada e as máquinas moleculares que a descodificam e executam.
Isso corrobora a sua criação instantânea, inteligente e sobrenatural.
È por isso que nunca ninguém viu vida a surgir da não vida! Nem isso foi conseguido em laboratório com base no design inteligente humano.
Os evolucionistas acreditam que isso aconteceu, mas apenas porque a sua fé assim exige.
Não existe qualquer evidência empírica de que isso aconteceu ou seja possível.
Por seu lado, a literatura científica está cheia de evidências de que as mutações degradam os genomas, causando doenças e morte.
As mutações surgem, na literatura médica, associadas ao envelhecimento, cancro, ou doenças degenerativas e infecciosas. Perguntem ao vosso médico!
As mutações e a selecção natural degradam e reduzem os genomas. E isto, apesar ocorrerem cerca de 1 milhão de eventos dano/reparação de DNA, por dia, por célula!
As mutações são cumulativas e degenerativas, sendo que são tão diminutas que não são sequer, na sua esmagadora maioria, detectadas e eliminadas pela selecção natural.
Elas acumulam-se e degradam os genomas, de geração em geração.
As observações científicas apenas permitem corroborar a degradação e a redução dos genomas e das funções celulares.
Sempre que fala da evolução, o Ludwig tem que se referir a um passado puramente especulativo.
A expansão e o aumento de complexidade do genoma tem sempre que ser imaginado, porque aqui e agora, só vemos degradação do genoma.
Dizer que a resistência à malária prova a evolução é tão absurdo como dizer que o facto de os carros ganharem ferrugem prova que evoluíram de um parafuso.
O Ludwig parte do princípio de que a evolução ocorreu, sem nunca apresentar evidências.
As suas "evidências" são sempre: gaivotas dão gaivotas, moscas dão moscas e tentilhões dão tentilhões, exactamente como a Bíblia diz.
O que ele apresenta é interpretgações naturalistas das evidências, que não resistem a exame empírico detalhado.
Além disso, o Ludwig tentou demonstrar que as gotas de água são um código, esquecendo que elas, através de qualquer sequência precisa, não codificam nenhuma informação passível de ser lida e executada para realizar operações complexas.
Os cientistas que têm, de forma intelectualmente mais rigorosa, tentado encontrar uma explicação naturalista para a origem de informação codificada nos genomas têm reconhecido que se trata de uma tarefa extremamente difícil, se não mesmo impossível.
Além disso, no exemplo do Ludwig, só uma inteligência é que podia concluir que as marcas na areia resultam de gotas de água.
Referências:
Dois estudos recentes confirmam os criacionistas, quando dizem que as mutações degradam o genoma:
Eyre.-Walker, A. and Keightley, P.D., The distribution of fitness effects of new mutations, Nature Reviews Genetics 8:610–618, 2007.
Baer, C.F., Miyamoto, M.M. and Denver, D.R., Mutation rate variation in multicellular eukaryotes: causes and consequences, Nature Reviews Genetics 8:619–631, 2007.
Cristy,
ResponderEliminarSó para quem tem o script activo :)
Belo artigo!
ResponderEliminar"Só para quem tem o script activo :)"
ResponderEliminareu tenho, porque a minha confiança na humanidade é grande e não quero perder o dia em que o Perspectiva perceber que não percebe nada. Isto sou eu a ser generosa e a não partir do princípio que ele dissemina conciententemente mentiras e falsidades com motivos ulteriores. Para não falar do spam :-)
Cristy
leia-se: "que ele não dissemina ..." A boca a fugir-me para a verdade?
ResponderEliminarLoredana,
ResponderEliminarEu ia agradecer o elogio, mas depois ocorreu-me que se calhar estava a referir-se ao artigo do Wilson e não ao meu post, e achei melhor não arriscar fazer má figura :)
(Mas se era acerca do meu post, obrigado :)
Um desafio interessante aos criacionistas seria pedir-lhes que passem do ataque sistemático à ciência e aos cientistas para passarem para questões muito mais úteis para todos.
ResponderEliminarA evolução,para ser uma explicação válida, precisa do factor tempo.
A evolução por selecção natural pressupõe períodos de tempo da ordem dos milhões de anos.
Basta portanto um trabalho cientifico que aponte para uma ordem de grandeza dosa milhares de anos para a evolução cair por terra.
Se a terra e universo só tem 6000 anos isto nem me parece difícil de demonstrar.
A partir daí é necessária uma nova teoria para explicar a diversidade dos seres vivos.
Uma descoberta dessas, que ia alterar tudo o que sabemos sobre história, astronomia, astrofísica, paleontologia, geologia....e etc e etc, seria a maior revolução cientifica de todos os tempos.
Infelizmente parece que os criacionistas se limitam a criticas isoladas e se obstinam ou a arregaçar as mangas e iniciarem o trabalho, ou não querem partilhar com o mundo tais pérolas de sabedoria.
É mau para eles até porque os Nobel valem uma pipa de guita...
Vamos lá a ver se com este estimulo lá vem o tal trabalhito cientifico....
Espero que o Ludwig não pretenda afirmar que uma mutação no gene da hemoglobina, conferindo resistência à malária, prova que as partículas se podem transformar em pessoas ou as bactérias em bacteriologistas.
ResponderEliminarÉ que esse seria um erro grosseiro que o iria perseguir o resto da sua carreira.
É que a alteração do gene da hemoglobina que permite obter a resistência à malária reduz a eficiência da hemoglobina no transporte de oxigénio.
Trata-se de uma pequena mutação que tem um efeito negativo na hemoglobina, apesar de acabar por ter o efeito colateral positivo na resistência.
Mas isso nada tem que ver com a hipotética e totalmente imaginária transformação de micróbios em microbiologistas.
O Sousa da Ponte quer evidências de que a Terra é recente.
ResponderEliminarNada mais fácil.
O facto de se terem encontrado tecidos moles, hemoglobina, vasos sanguíneos, ligamentos, etc., em ossos de dinossauro não fossilizados, atesta que os mesmos não podem ter 65 ou 80 milhões de anos.
Não se conhece nenhum processo que permitisse a sua conservação durante tanto tempo.
Inicialmente, os evolucionistas procuraram negar este facto, dizendo que os criacionistas estavam a mentir. Assim era, porque percebiam que esse facto era devastador para a sua crença em milhões de anos.
No entanto, depois disso foram encontrados materiais biológicos semelhantes noutros dinossauros e os resultados foram confirmados por muitos laboratórios independentes.
Os tecidos moles não fossilizados de dinossauro estão aí para ficar e prometem dar que falar nas próximas décadas.
Esses tecidos moles de dinossauro, muito bem conservados, encaixam perfeitamente na concepção criacionista de que os triliões de fósseis nos cinco continentes, em muitos casos muito bem preservados, são o que seria de esperar de um dilúvio global, que sepultou abruptamente grande parte dos seres vivos, incluindo a esmagadora maioria do9s dinossauros.
No entanto, eles são uma real ameaça à crença em milhões de anos, porque não se conhece nenhum processo que permita preservar tecidos moles tanto tempo.
A aparente antiguidade da Terra nada mais é do que o resultado de a mesma ter sido sujeita a uma catástrofe global sem paralelo.
Mas existem outros exemplos.
O facto de se encontrar sistematicamente C-14, que tem uma meia vida de 5 730 anos, em diamantes, rochas, fósseis, carvão, etc., datados de mil milhões e centenas de milhões de anos, mostra que os mesmos não podem ser tão antigos como se pensa, havendo antes que considerar a hipótese de decaimento acelerado de isótopos radiactivos.
A dissipação do calor então produzida permite explicar os movimentos catastróficos das placas tectónicas, com resultados cataclísmicos.
Por outras palavras: a coluna geológica não é o resultado de pouca água ao longo de milhões de anos, mas de muita água ao longo de poucos anos.
A degradação dos genomas, por via da acumulação de mutações, também corrobora a sua idade recente, na medida em que já teriam atingido um "mutational meltdown" se fossem tão antigos como os evolucionistas afirmam.
Em última análise, devemos lembrar-nos sempre que os registos históricos mais antigos têm cerca de 4500 anos.
A partir daí a história da Terra é construída não com base em obse3rvações, mas com base em inferências.
Estas apoiam-se sempre em crenças acerca da história da Terra.
Gostava muito de ver um trabalho cientifico que corrobore os 6000 anos da terra.
ResponderEliminarInfelizmente parece-me que não há.
Portanto é como com a relatividade e a mecânica quântica: embirro particularmente com elas mas, há falta de melhor, é o que temos.
Se consegue apresentar uma teoria que seja melhor que estas ou que a evolução então força.
Estamos todos à espera e o comité Nobel costuma reconhecer estes feitos.
Estamos à espera.