A tal coisa do estatuto...
Numa conversa que ficou pendurada há mais de um mês (e peço desculpa pela demora), o Cordeiro Lobo afirmou que «o único critério com alguma validade para fundamentar a tomada de decisões acerca da vida humana é precisamente o estatuto do ser em que existe vida humana.»(1) Discordo. “Estatuto” é um termo ambíguo que pode conotar algo arbitrário e meramente convencional. Como o estatuto de doutor honoris causa ou de aposentado. Nesse sentido o estatuto é moralmente irrelevante. E mesmo quando denota algo mais objectivo, como o estatuto de maior de idade, remete para critérios que podem não ter qualquer peso moral. Por isso se o tal estatuto de ser humano se baseia em algo moralmente pertinente, não o será por ser estatuto mas por aquilo em que se baseia. Então, proponho, esqueçamos o post-it a dizer “com estatuto de humano” e foquemos as razões que o justificam. Essas sim serão o fundamento para tomar decisões acerca da vida. E nem necessariamente só da humana.
Na mesma conversa, o Bernardo Mota revela outro problema de focar isto do estatuto. Eu propus que, ao contrário do aborto que elimina um embrião saudável implantado no útero, a criação de um embrião em laboratório não levanta problemas éticos. O Bernardo discordou. «Se bem percebi, antes da escolha entre implantar ou não implantar o embrião, a vida dele tem valor nulo, ou pelo menos, indiferente. Mas, se ele for implantado, então já passa a ter valor positivo, e a questão deixa de ser indiferente. […] Por muitas voltas que dê, olhando o embrião de vários prismas, parece-me ser RIGOROSAMENTE o mesmo embrião, quer fora do útero, quer implantado nele.»
Pode ser o mesmo embrião. Pode até ter o mesmo estatuto. Mas o que importa na ética é fundamentar as normas que regulam as nossas decisões (a moral). Por isso o problema ético é um de comparar as diferentes alternativas. Se eu estou às portas da morte com uma infecção, o meu estatuto, e o valor da minha vida, é o mesmo quer haja ou não antibiótico suficiente para me salvar. Mas a moralidade do médico decidir deixar-me morrer depende muito das alternativas que estavam ao seu alcance.
É isto que se passa com o embrião. Não é o seu valor ou estatuto que está em causa mas o valor que as alternativas representam para ele. Se a escolha é entre sobreviver uns dias numa caixa de Petri ou não ser sequer criado tanto-lhe faz o que escolhermos. Qualquer moralismo que se faça disto será mera consequência trivial de inventar um “estatuto”. O Bernardo escreveu que «é imoral colocar embriões nessa situação de não implantação». É, mas só se a implantação é uma alternativa praticável. Se não for, então tanto faz.
O caso do embrião implantado no útero é diferente não por o embrião ser outro ou ter outro estatuto mas porque as alternativas acessíveis são diferentes. Nesse caso a escolha é entre terminar a sua vida ou deixá-lo viver sete ou oito décadas como um de nós. Isso, para aquele ser, é muito mais relevante que meia dúzia de dias numa caixa de Petri, independentemente do rótulo que lhe ponham ou da opinião que tiverem dele.
Cada vez mais me parece que esta fixação nos estatutos é um empecilho. Não importa a designação que damos àquilo que cada coisa é, se lhe chamamos “pessoa”, “criança”, “feto” ou “colónia eucarionte”. O que devemos considerar é o valor que têm as consequências de actos deliberados, para quem estes actos afectam.
1- Treta da Semana: O valor das pontas.
Concordo contigo na generalidade das tuas conclusões, mas discordo um pouco na questão do estatuto. Embora não tenha para mim como algo que seja dogmatizável, os "estatutos", ou, dito mais razoavelmente, a definição de determinado objecto ou ser, devem existir e devem ser alvo de discussão. A palavra estatuto é que parece carregada de direitos implícitos, o que pode poluir a conversa.
ResponderEliminarProponho que ao invés de "estatuto", se diga apenas "conceito". Menos poluído, mais simples.
E nesse sentido, concordo contigo que o conceito de um embrião artificialmente produzido num petri dish é diferente de um embrião alojado no útero de uma mulher.
As razões que colocas são interessantes, mas parecem-me incompletas.
Não é por acaso que os "estatutos" são uma coisa séria : basta ver como são exigentes as regras para mudança de estatutos de qualquer instituição, designadamente em termos de quorum ou consenso.
ResponderEliminarComo é habitual no discurso dos católicos, desconversam usando terminologias ou sentidos que não os correntes na sociedade civil, e daí inventar-se esse conceito indefinido de "estatuto do ser".
Ora na sociedade civil, tal como na chamada vida selvagem, a vida começa no exacto momento do nascimento, momento em que o novo ser possui autonomia e vida própria.
E na vida selvagem são os nasciturnos, e não os fetos, que costumam ser considerados óptimos petiscos.
Ir para além disso é como discutir ... o sexo dos anjos.
Cordialmente
Txi, olhar ateu, não concordo com nada do que dizes. Não me parece que discutir sobre algo que existe (feto) tenha minimamente algo a ver com o sexo dos anjos. Acho até que essa noção é totalmente ridícula, com o devido respeito.
ResponderEliminarBarba,
ResponderEliminar«Embora não tenha para mim como algo que seja dogmatizável, os "estatutos", ou, dito mais razoavelmente, a definição de determinado objecto ou ser, devem existir e devem ser alvo de discussão. »Concordo que é importante definirmos bem os termos para podermos comunicar. É fundamental que quando alguém diz "embrião" os outros saibam a que se refere.
Mas não é da definição das palavras que podemos inferir direitos. Um erro comum, infelizmente ainda hoje em muitas sociedades, é inferir que como "homem" e "mulher" têm significado diferente os seres referidos por estas palavras têm direitos diferentes. É essa a grande treta do estatuto.
Olhar Ateu,
ResponderEliminar«E na vida selvagem são os nasciturnos, e não os fetos, que costumam ser considerados óptimos petiscos.
Ir para além disso é como discutir ... o sexo dos anjos.»Discordo. Discutir o sexo dos anjos é discutir uma questão de facto acerca de um ser hipotético que não podemos observar. Isso é fútil e disparatado.
Mas discutir direitos e deveres é discutir questões de valor com consequências observáveis e, muitas vezes, graves. Isso parece-me mais pertinente...
Este tema é sempre peludo. Não tenho uma ideia fechada sobre o assunto, a vida tem o valor que se lhe atribui, não é absoluto. Uma amálgama de células não é vida, é um projecto de ser humano. A humanidade não iria nunca ter aquele conjunto de células a respirar e a pensar se não tivesse sido criado em laboratório. Não estamos a ir contra a vontade dos pais , que não existem, nem do feto, que não pode ter vontade porque ainda não existe.
ResponderEliminarNão são seres impedidos de nascer. Não tem sistema nervoso central, não há-de ter, é material geneticamente idêntico como uma raspa de pele, um corte etc
Este assunto é sempre perigoso porque levanta questões que podem impedir avanços importantíssimos nos campos das novas tecnologias médicas.
Para quem espera em cadeiras de rodas avanços na investigação de células estaminais , o estatuto e toda esta discussão do politicamente correcto é uma tralha.
Entre as vantagens de utilização de excedentes de implante e as desvantagens meramente no campo do abstracto, escolho sem dúvida a primeira, mas sei que há quem discorde.
Mas desde já proponho ao Ludwig Krippahl o seguinte : qual a sua posição sobre as plantações transgénicas ?
Este é um tema que cada vez mais vai estar na ordem do dia, desperta tantas paixões como o dos embriões mas tem impactos enormes e muito mais pragmáticos: por um lado as companhias prometem a mitigação da fome, por outro há quem se queixe quer das imprevistas consequências quer do controle absoluto que as ditas companhias podem ficar com os direitos sobre as sementes.
Os EUA usam-nas há mais de 10 anos e os Amish , sim esses, são grandes utilizadores, como o mundo é estranho , e gostam pelos vistos…..
Mas não é da definição das palavras que podemos inferir direitos.My point exactly.
ResponderEliminarNuvens de fumo,
ResponderEliminarEste [platanções transgénicas] é um tema que cada vez mais vai estar na ordem do dia, desperta tantas paixões como o dos embriões mas tem impactos enormes e muito mais pragmáticos: por um lado as companhias prometem a mitigação da fome, por outro há quem se queixe quer das imprevistas consequências quer do controle absoluto que as ditas companhias podem ficar com os direitos sobre as sementes.Direitos das sementes à parte, isso do mitigar a fome parece-me um argumento extremamente falacioso. Pela simples razão que mesmo aumentando a produção de alimentos, o excedente vai ter o mesmo destino que têm os excedentes hoje em dia: têm de ser destruídos. Não podem ser comercializados (nem mesmo dados, pois isso seria inundar o mercado, forçando uma descida de preços devido à sobre-oferta). Um exemplo muito mediático que sucedeu há alguns anos foi o excesso de produção de leite nos Açores, excesso esse que esbarrou nas cotas impostas pela união europeia...
Esta é a razão principal pela qual sou contra os alimentos transgénicos: por todos os riscos que têm, não resolvem o problema da fome, pois a raiz desse problema está no sistema económico, e não na (in)capacidade de produzir alimentos suficientes.
O estatuto do ser humano foi fixado pelo próprio Criador, quando disse que o Homem foi feito à imagem e semelhança de Deus.
ResponderEliminarEste é o dado objectivo. A ciência confirma a criação divina, quando mostra que o genoma humano depende de informação codificada e que esta tem sempre origem inteligente.
Não se conhecendo qualquer excepção a esta regra, nem existe qualquer outra explicação para a origem da informação codificada no genoma.
Daí que este dado seja absoluta e objectivamente verdadeiro, do ponto de vista teológico e científico.
E á Bíblia ainda vai mais longe. Deus diz claramente que quem atenta contra uma vida humana atenta contra a imagem e semelhança de Deus.
Ou seja, atenta contra o próprio Deus.
E o problema é que o ser humano não pode fugir do castigo de Deus procurando refúgio em qualquer parte do Universo.
Sobre tudo isso, fala o Salmo 139.
"Senhor, tu me sondas, e me conheces. Tu conheces o meu sentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento.
Esquadrinhas o meu andar, e o meu deitar, e conheces todos os meus
caminhos.
Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces.
Tu me cercaste em volta, e puseste sobre mim a tua mão. Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim; elevado é, não o
posso atingir.
Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua presença?
Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis
que tu ali estás também.
Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, ainda ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.
Se eu disser: Ocultem-me as trevas; torne-se em noite a luz que me circunda; nem ainda as trevas são escuras para ti, mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa.
Pois tu formaste os meus rins; entreteceste-me no ventre de minha mãe.
Eu te louvarei, porque de um modo tão admirável e maravilhoso
fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe
muito bem."
A Bíblia torna as coisas muito claras.
Nuvens de fumo:
ResponderEliminarO Òscar Pereira tem razão, e as principais reticências que tenho em relação aos trangénicos predem-se precisamente com o risco de agravar esse problema da fome.
Explico: actualmente a transacção de comida funciona principalmente em regime de mercado livre - inúmeros produtores e consumidores fazem com que os bens alimentares sejam um exemplo em que a aproximação "mercado livre" é razoavelmente adequada; e consequentemente os lucros económicos (não confundir com lucros contabilísticos) dos produtores sejam próximos de 0, e o preço de compra e venda estejam próximos daqueles que maximizam os ganhos para todos.
Com os trangénicos, isto não é assim. Tendo em conta que a agricultura é uma actividade em que a oferta não pode responder rapidamente à procura torna-se significativo o seguinte risco:
FASE I:
Empresas que vendem sementes trangénicas fazem preços muito reduzidos. Aricultores que usam sementes trangénicas podem fazer preços mais reduzidos. Ao longo do tempo, isto vai levar à falência todos aqueles que não o fazem, e a comida será mais barata para todos (a fome até diminuirá um pouco).
FASE II:
A generalidade dos agricultores usa sementes trangénicas, que são uma parte vital da cadeia de produção alimentar.
Mas, devido às patentes, os produtores de sementes têm o monopólio sobre estas sementes.
Num monopólio, o preço previsível do produto vai aumentar; a quantidade previsível de produto vai diminuir; e o preço vai ser superior ao que maximiza os ganhos para todos. O monopolista vai lucrar mais do que antes, mas os consumidores perdem mais do que aquilo que o monopolista ganha.
Poder-se-ia dizer que não existe monopólio, visto que se o monopolista fizesse as sementes muito caras os agricultores voltariam à agricultura tradicional. Mas isso não é verdade, pois a agricultura é uma actividade que, pela sua natureza, demora muito tempo a restroturar-se.
Os primeiros agricultores que quisessem voltar à "agricultura tradicional" não conseguiriam fazer preços competitivos (como os antigos preços da comida) pois agora as sementes naturais seriam mais escassas e caras. Isto para não falar nos pesticidas, nas técnicas agrículas, em toda a cadeia logística da agricultura não trangénica que teria sido desfeita.
Ou seja: as empresas de trangénicos iriam ficar muito beneficiadas; mas os restantes agentes económicos iriam perder mais do que aquilo que estas empresas beneficiariam.
Como os preços da comida seriam superiores, o problema da fome agravar-se-ia devido a este factor.
Por fim, não tenho a certeza que este cenário seja a consequência natural de permitir os trangénicos; apenas me parece que é um risco significativo que merece ser ponderado.
No meu modelo, quando falei em "mercado livre" para a comida estava a ignorar a PAC e os subsídios americanos e japoneses - apenas com a intenção de simplicar a exposição.
ResponderEliminarO DNA TEM INFORMAÇÃO CODIFICADA:
ResponderEliminarIsso mesmo se lê num artigo na Science Daily, de 16-4-2009.
Aí se diz:
"What is DNA?
DNA is the blueprint that encodes all the data for building a human body, along with instructions on how it should operate."
Informação codificada, como se vê.
Esta tem sempre origem inteligente.
Não admira, por isso, que não exista qualquer explicação naturalista para a sua origem.
Por mais que se atire berlindes para o chão, eles nunca criarão informação codificada, porque isso é uma capacidade de seres inteligentes.
Oscar,
ResponderEliminarObviamente não estava a pensa nos direitos das semementes, sorte a evolução não ter dado plantas com sistema nervoso central : )
O objectivo não é serem os países ricos a produzir para os pobres, é oferecer soluções resistentes a pragas, a seca e a outros elementos adversos de forma a permitir o cultivo em África por exemplo.
Existem neste momento alguns sinais muito preocupantes relativamente a pragas que estão a atacar os cereais. Uma praga que destruísse um ou dois anos de produção cerealífera seria uma catástrofe.
Houve recentemente uma reunião no México sobre este tema,
A nova doença :
http://www.sciencedaily.com/releases/2009/03/090325132147.htm
O problema dos transgénicos é a patente sobre genes.
ResponderEliminarQue é igualmente um problema na medicina humana.
Eu aqui estaria a 100% com o Ludwig, acabe-se com as patentes sobre os genes antes que a festa comece sequer.
perspectiva
ResponderEliminarA Bíblia, pela boca do "exemplar" Cristo torna de facto as coisas muito claras :
"E quanto àqueles meus inimigos que não quizeram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim" - Lucas 19:27
Tal código ético repugnante já justificou demasiados morticínios e demasiada barbaridade para servir de exemplo ou de guia seja no que fôr.
Cordialmente
Ludwig
ResponderEliminar“Estatuto” é um termo ambíguo que pode conotar algo arbitrário e meramente convencional. ... Nesse sentido o estatuto é moralmente irrelevante." e "Cada vez mais me parece que esta fixação nos estatutos é um empecilho."
1. Foi o que eu disse, mas por outras palavras, ao referir-me ao sexo dos anjos.
2. Os valores éticos e morais envolvidos na criação de vida são no fundo equivalentes. A forma de serem realizados e os problemas que suscitam é que serão diferenciados consoante se trate de embrião implantado no útero ou a criação em laboratório, ou se tratarem de gémeos siameses.
Nesse sentido discordo que se levantem problemas éticos diferentes, porque nesses casos está a mesma função : criação de vida autónoma e independente, que se concretizará, ou não, com um nascimento.
E é esse nasciturno, seja qual fôr a sua origem embrionária, que adquire, na plenitude, o estatuto de ser vivo, e o mesmo se passa com a dimensão ética envolvida.
Pensar de outro modo é dar argumentos aos movimentos "pro-life".
Tal como semelhante será, a meu ver, a dimensão ética de se desligar "da máquina que o sustêm" ao doente em fase terminal, mas consciente, ou ao doente em coma nas mesmas circunstâncias.
3. Já totalmente diferente será a questão ética de transplantação de órgãos, uma vez que o órgão transplantado não possui vida própria e autónoma, o que não impede que hajam religiões que sejam contra isso.
Cordialmente
João Vasco (não queria mas tem que ser)
ResponderEliminarA sua especulação sobre o funcionamento dos mercados agrários é tão ou mais caricata do que os comentários que faz sobre religião.
O progresso da ciência e da técnica agronómica e veterinária permite que num planeta com mais de 6 biliões de pessoas uma parte substancial da população passe o seu tempo, entre outras coisas,a elaborar discussões vagas em blogues em vez de ter cavar batatas e couves no seu quintal para se alimentar. Não compreendendo a base do conforto das sociedades desenvolvidas muitos indivíduos têm vagar para colocar entraves a esse desenvolvimento, seja com trangénicos, com hiper-regulação da actividade, com desvarios ambientais, sem apresentar alternativas que permitam a continuação e extensão deste bem estar a toda a população que não impliquem a destruição do pouco que resta das florestas virgens da terra. Haja paciência!
Olhar Ateu,
ResponderEliminar«Pensar de outro modo é dar argumentos aos movimentos "pro-life".»Isso é inverter o problema. Queremos a ética para decidir que actos são, ou não são, legítimos. Isto parece primeiro decidir que um acto é legítimo e depois andar à cata de uma ética que o confirme...
Sim, é verdade que quando vemos o problema do aborto como uma redução de cerca de 70 anos na esperança média de vida daquele organismo da nossa espécie "damos argumentos" aos "pró-vida". Mas a minha conclusão não é que será melhor esquecer que estamos a tirar 70 anos de vida a um ser humano. A minha conclusão é que isso acontece porque, nesse caso, os "pro-vida" têm razão.
E o facto de podermos usar o estatuto para qualquer um dos lados, tanto defendendo que o estatuto começa na concepção como defendendo que começa no nascimento ou às N semanas, sendo N um número qualquer a gosto, é para mim uma demonstração clara de como o estatuto é uma treta.
Ludwig
ResponderEliminar"Queremos a ética para decidir que actos são, ou não são, legítimos."A ética não é um conceito abstracto e isolado, mas um conjunto de valores que emergem de uma cultura, cultura essa que varia de pessoa para pessoa. E como tal não será uma verdade (ou uma lei) única e científica.
Que uma determinada comunidade seja "pro-vida" ou "pro-aborto" resulta do padrão cultural dominante nessa comunidade.
Assim não há nada de eticamente "errado", ou ferido de (i)legitimidade que alguém subscreva uma posição ou a outra. Por isso será legítimo que os defensores de ambas as éticas, no caso em análise, apresentem os seus argumentos. E cabe à razão de cada um dirimir o lado ético que subscreverá, e não a uma lei decidi-lo.
Ora nos meus valores éticos que tem em conta problemas humanos e sociais envolvidos, entendo que os "pro-life" não tem razão.
Cordialmente
Nuno Gaspar:
ResponderEliminarInfelizmente, não sabes conversar.
E não falo nas vezes que te diriges a mim apenas. Eu já discuti com vários elementos neste blogue várias vezes, já discordei do Ludwig, do Barba Rija, do Miguel Panão, do Bernardo e de tantos mais a respeito dos mais diferentes assuntos.
Quando vês as discussões entre estas pessoas, podes ver maior ou menor cordialidade, mas vês também ARGUMENTOS.
Eu acho que estás errado porque A; o seu raciocínio falha em B; não concordo contigo porque C; não creio que tenha razão porque D.
Às vezes os argumentos são mais vagos, repetitivos, ou podem mesmo ser sofismas, mas geralmente existe algum conteúdo. Até (perdoem-me) os comentário do Perspectiva têm conteúdo - pode ser simples, repetitivo e demonstrar uma enorme ignorância, mas é conteúdo.
Já o Zeca Portuga e tu (se bem que este primeiro de forma muito mais primitiva e ordinária) várias vezes não conseguem passar do insulto.
Se achas que não tenho razão, olha para o teu último coemntário. Além de dizeres que não percebo nada de economia; e de insultares todos aqueles que possam ter uma posição semelhante à minha face aos trangénicos; e ainda todos aqueles que "perdem em tempo em blogues em vez de cavar batatas" (suponho que tu caves muito mais batatas do que aquilo que escreves em blogues) não dás uma única razão pela qual não faz sentido pensar nos problemas que expús.
A sério, não passa de um infantil "Não percebes nada, nha!nha!nha!nha!nha!».
Não é só comigo que reages assim. Já tenho lido as palavras que diriges a outros comentadores e é sempre o mesmo vazio de conteúdo.
És muito menos ordinário que o Zeca Portuga, muito mais educado na forma como insultas, mas apesar de ser muito menos incómodo ler-te (e ser mais fácil ter consideração por ti), o fundamental daquilo que escreves não é assim tão diferente.
Sugiro que quando alegues que alguém está a dizer asneiras, expliques porque é que acreditas que aquilo a que respondes são asneiras.
Verás que é possível travar diálogos civilizados, e até agradáveis. Se evitares os insultos, mesmo que mantenhas as tuas opiniões, poderás considerar o diálogo construtivo por entender melhor as perspectivas dos outros e os fundamentos da discórdia.
«Já tenho lido as palavras que diriges a outros comentadores e é sempre o mesmo vazio de conteúdo.»
ResponderEliminarAliás, quase sempre. Já vi uma excepção ou outra.
João Vasco,
ResponderEliminarAchas que fazer uma crítica a quem procura bloquear a investigação científica e a aplicação prática de formas de produzir alimentos com menos recursos (terra, água, pesticidas) é um insulto vazio de conteúdo? Vamos de mal a pior.
Pensar de outro modo é dar argumentos aos movimentos "pro-life".Ora isto é inverter a lógica da coisa não é? Partes da conclusão para chegar à premissa.
ResponderEliminarNão vejo como possas ter razão neste ponto. Até porque, apesar dos conceitos serem diferentes e podermos ver a vida embrionária no útero como algo que realmente é diferente, é humano, e como tal, deve ser alvo de respeito e consideração, isto ainda não é suficiente para concluir o que os pro-life concluem.
O contrário significaria que seria necessário reduzir a zero a significância do embrião para que o aborto seja possível. E isso não concebo.
Aquilo que vejo é que existem duas vontades contraditórias, e dada a pequenez e falta de complexidade do embrião de poucos dias, em comparação com a sua mãe, pessoa completa e cheia de problemas se tiver o rebento, muitos vêm isto como suficiente para declarar a assimetria de autoridades, e a mulher ganha sempre.
Sempre tive dúvidas enormes a este respeito. Muito embora me repugna o acto, e acho-o imoral, também não acho correcto que a sociedade obrigue legalmente uma mulher a ter um parto indesejado. É um "catch 22".
Esquecer esta problemática e dizer que não há problema moral, que não há dilema (porque se trata apenas de células), é fácil e desumano.
Mas também te digo que acho completamente ultrajante o tipo de lei que existe nos EUA, onde uma mulher pode abortar até aos 9 meses. E sei, pelo que escreveste, que não partilhas o ultraje comigo. Pois bem, vivemos de facto em culturas diferentes...
....fazer uma crítica....O problema Nuno, é que uma crítica não é dizer que é coisa má. É explicar porquê e apresentar argumentos. Talvez precises de ir a umas aulitas do prof. Ludwig, hehe.
ResponderEliminarOK, Barba e Vasco,
ResponderEliminarVou tentar de outra maneira.
Acho que vocês «puxam» pela Ciência nas áreas em que esta menos afecta o nosso quotidiano (tanto me faz que a terra se tenha formado há 15 milhões ou há 6 mil anos atrás) e desconfiam das suas possibilidades nos aspectos em que os seus avanços mais podem afectar no imediato a nossa sobrevivência e qualidade de vida (se eu produzir 15 toneladas de milho por hectare em vez de 7 sem sequelas para o meio ambiente isso pode contribuir para reduzir o risco de extinção de numerosas espécies).
Apostamos em cavalos diferentes.
Nuno Gaspar:
ResponderEliminar«Achas que fazer uma crítica [...] é um insulto vazio de conteúdo?»
Pode ser ou não ser. Por exemplo:
Se a crítica for "és um idiota e não percebes nada disto", sim - é um insulto vazio de conteúdo.
Se a crítica for "quando escreveste A estavas enganado porque assumes implicitamente B, e B pode ser falso", então o a crítica pode ter algum conteúdo.
Mesmo que o tom não seja o mais cordato e existam insultos ao barulho (por exemplo, "como podes confirmar aqui nesta referência D não é verdade, e assumir que era demonstra enorme ignorância"), uma crítica pode não ser vazia quando apresenta argumentos que em teoria pudessem ser convincentes para um espectador neutro razoável, ou, idealmente, para a pessoa a quem te diriges.
Dizer "Não percebes nada disto, és um ignorante" só seria convincente para quem já estivesse convencido à partida. Não acrescenta informação nenhuma a não ser a tua opinião infundamentada.
Espero que concordes com o tipo de coisa que escrevi acima. Aceito que nem sempre os comentários correspondem a este ideal. Eu próprio posso escrever comentários com menos informação (por exemplo, poderei ter menos paciência e comentar a ignorância do Perspectiva sem dar esclarecimentos adicionais), mas a verdade é que acredito que cada comentador deveria tentar pelo menos que os seus comentários fossem minimamente úteis. Mesmo quando uma vez por outra isso não acontece, devemos tentar que isso seja a excepção e não o contrário.
Eu quero acreditar que até concordas com os princípios gerais que enunciei, e se tiveres alguma abertura reconhecerás que a última mensagem que me dirigiste (pelo menos essa) não foi muito feliz.
Poderás querer explicar porque é que consideras tão ridícula a minha posição, e aí poderei responder-te porque é que acredito que estás enganado, a menos que verifique que a tua crítica tem razão de ser.
Ah! E já agora, «quem procura bloquear a investigação científica e a aplicação prática de formas» não deves estar a falar de mim, certamente.
Eu não defendo, de maneira nenhuma qualquer bloqueio à investigação científica. Ponto final.
Coloquei questões em relação à aplicação prática de uma tecnologia, é verdade. Alertei para um possível problema que essa tecnologia possa ter (tu tens mais certezas sobre a minha posição do que eu próprio...) o qual pode ser levado em conta quando se decidem as leis que regulamentam o uso dessa tecnologia.
Por exemplo, sem patentes de sementes, o problema que referi desaparecia.
Agora quando alguém está contra o uso de uma tecnologia que eu considero benéfica (nem sequer é o caso porque apenas apresentei dúvidas), será idiota da minha parte se começar a insultar essa pessoa acusando-a de querer bloquear esses benefícios.
Faz mais sentido discutir se os riscos que ela alega têm razão de ser, e em que medida é que os benefícios os superam ou não.
João Vasco,
ResponderEliminar««quem procura bloquear a investigação científica e a aplicação prática de formas» não deves estar a falar de mim, certamente.»
«Coloquei questões em relação à aplicação prática de uma tecnologia, é verdade»
Em que ficamos?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarFicamos em que "colocar questões" não é a mesma coisa que "estar contra"; e - como se não bastasse - "aplicação prática de A" não é a mesma coisa que "investigação científica de A".
ResponderEliminarFicamos em que não respondeste a respeito do essencial do meu comentário.
João Vasco,
ResponderEliminarNão percebi a pergunta. Podes concretizar, sff?
JV,
ResponderEliminarmas contei para aí umas 100 linhas sobre a forma dos meus comentários.
Deves ter contado bem.
ResponderEliminarA pergunta é se concordas com as considerações gerais que fiz nas cerca de 50 linhas iniciais, e se concordas que o teu comentário não foi muito feliz.
Também sugeri que explicasses que razão te leva a considerar a preocupação que apresentei "ridícula". Se apresentares as tuas razões, poderei responder-lhes. Provavelmente não hoje, mas em breve.
Olhar Ateu,
ResponderEliminar«A ética não é um conceito abstracto e isolado, mas um conjunto de valores que emergem de uma cultura, cultura essa que varia de pessoa para pessoa. E como tal não será uma verdade (ou uma lei) única e científica.»Há quem use "ética" e "moral" como sinónimos, mas eu prefiro fazer uma distinção. Esses valores, os critérios culturais pelos quais decidimos que uns actos são louváveis e outros censuráveis, variam com as pessoas e as sociedades. Mas isso é moral.
É ética é a análise crítica e racional do fundamento para esses valores. É aquilo que nos diz que arrotar à mesa pode ser mau numas culturas e bom noutras sem que seja eticamente relevante, e bater na mulher é eticamente errado quer seja socialmente aceitável quer não seja.
E na ética podemos procurar principios universais. Na verdade, a universalidade dos princípios é em si um princípio universal na ética: aquilo que é eticamente mau ou bom tem de o ser de uma forma independente do ponto de vista.
«Ora nos meus valores éticos que tem em conta problemas humanos e sociais envolvidos, entendo que os "pro-life" não tem razão.»Se são os seus então podem ser valores morais mas não podem ser valores éticos. Os valores éticos, para o serem, têm de ser universais e não uma questão de gosto.
João Vasco,
ResponderEliminarMercado livre é coisa que não existe nos mercados agrícolas ou só existe na aparência. As políticas agrícolas dos países do hemisfério norte distorceram de tal modo os mercados que os preços só de forma longínqua estão ainda relacionados com as leis da oferta e da procura. Por exemplo, a UE tem privilegiado apoios a tipos de produção denominados «biológicos» promovendo sistemas de produção em que a componente administrativa e burocrática é superior à componente operacional. Se estes produtos se apresentassem no mercado com o seu verdadeiro preço de custo (sem os apoios) ninguém estaria disposto a comprá-los. E mesmo assim poucos estão. Mas os principais prejudicados deste desvirtuamento dos mercados são os próprios agricultores que vêem o seu negócio afectado mais por condicionantes administrativas do que pelo seu engenho e competência. E os principais beneficiados têm sido os consumidores que têem visto a fatia do seu orçamento necessária para a alimentação reduzir-se consideravelmente. Mas poucos têm consciência disso.
Os trangénicos pode ser um factor que permite aumentar a produtividade agrícola como outro qualquer (pesticidas, adubos, inseminação artificial, melhoramento genético, máquinas). Todos eles podem estar sujeitos a situações de monopólio em quem patenteia técnicas muito inovadoras e sobre todos se podem tomar medidas para evitar esses monopólios.
Por isso acho ridículo dizer que os trangénicos, só por si, podem aumentar «o risco de agravar esse problema da fome.»
Isto parece conversa de surdos, Nuno.
ResponderEliminarSinceramente, não sou contra nada que só tenha benefícios e sou um fã da tecnologia não sei onde foste buscar ideia contrária.
A única coisa que disse é que as patentes dos genes são um problema grave, e mantenho isto.
É fácil de perceber porquê, mas se quiseres explico-te com mais cuidado.
Todos (ou, pelo menos, vários :)
ResponderEliminarA manipulação genética de organismos é potencialmente perigosa. Mas não mais nem menos que o uso de pesticidas, fertilizantes quimicos, abater florestas, mudar o curso de rios ou usar automóveis. Em certos casos tem vantagens, noutros desvantagens.
A produção excessiva ocorre em países ricos e é uma produção que não é barata. A produção industrial de alimentos sai cara. Só que é fortemente subsidiada e por isso arrasa com as economias mais frágeis. No entanto, a produção barata de alimentos mais nutritivos poderia ajudar muita gente em países pobres. E a manipulação genética é uma boa forma de obter isto -- muito melhor que o método de selecção artificial e hibridação que temos usado já há milhares de anos.
Aquilo que oponhho sem reservas são as patentes sobre materiais biológicos. As patentes são um negócio que só deve ser feito quando vale a pena, e só vale a pena quando aquilo que é patenteado pode ser mantido secreto se não se concede a patente. Isto pode-se aplicar a alguns processos de produção mas não a sementes ou genes.
Ludwig,
ResponderEliminarDe acordo com tudo menos com o último parágrafo.
Sem patentes quem é que vai investigar? O Ludwig?
Por vezes, a atribuição de um “estatuto” ao que quer que seja é complicada. Tratando-se de seres vivos humanos, é ainda mais complicada. Por isso, muitas das nossas decisões no que respeita aos seres vivos humanos são dilemáticas. Não enjeito as dificuldades da posição que defendo, a que é feita referência no início do post. Aproveito para referir que só a defendo em função do “estatuto” que se pode atribuir ao ser vivo sobre o qual incide a nossa decisão. Defendo-a, precisamente, porque o estatuto desse ser, no momento da decisão, em meu entender, é um e não outro, que poderia vir a ser no futuro. A decisão é tomada num momento, o presente, e não no futuro. Mais do que ser uma incógnita, o futuro não existe no presente. Não podemos alicerçar as nossas decisões sobre o que existe no presente com base no que o objecto da decisão seria no futuro, ainda que muitas vezes as tomemos pensando no que o objecto nos acarretaria no futuro e não no que o futuro acarretaria para o objecto.
ResponderEliminarSe o “estatuto” do ser sobre o qual tomamos decisões é um e não outro, os dilemas são necessariamente diversos, podendo até ser inexistentes. E sendo o estatuto desse ser o de pessoa, que considero poder ser-lhe atribuído no estádio de feto, teremos de atender ao que o seu desenvolvimento acarretaria para o outro ser que é a gestante, quem lhe garante a vida e o desenvolvimento. Um útero não é uma caixa de Petri em que um embrião se pudesse desenvolver; é parte de uma outra pessoa para quem o desenvolvimento do embrião e do feto tem múltiplas implicações. Tomando como exemplo a implicação mais dramática, a vida, entre a continuidade da vida do embrião ou do feto e o risco que ela acarretaria para a vida da gestante, o dilema não se coloca. Neste caso, mais do que os futuros dos dois seres, o que mais pesará na avaliação serão os seus passados, um com história, outro sem ela.
O “estatuto” do ser vivo será, de facto, uma treta? Porque falas, então, em embrião implantado no útero, o ovo em nidificação, e não no ovo nas trompas de Falópio? O futuro de ambos poderá ser idêntico, mas fazes distinção. Porque um é ovo e outro embrião? Que será esta distinção senão também uma questão de “estatuto” do ser? Ou, para ti, não existe diferença entre terminar a vida de um ovo e terminar a vida de um embrião e ambas devem ser defendidas com idêntica convicção? Neste caso, entraríamos pela questão da contracepção de emergência, a que impedisse a nidificação, antes mesmo de chegarmos à questão do aborto, a que expulsasse o feto do útero ou lá o matasse. Aceito que nada disto é simples, nem pacífico. Mas estou persuadido de que é o “estatuto” do ser que reduz o conflito moral das nossas decisões, por vezes dilemáticas, quanto a ele.
Resta uma outra questão, também do domínio da ética, a que te esquivas, e em meu entender mal. O “estatuto” do embrião na caixa de Petri é o mesmo do que o do embrião implantado no útero; mas enquanto um não tem futuro, porque a morte é certa, o outro tê-lo-á. Porque crias, intencionalmente, embriões sem futuro, o dilema moral estaria afastado à partida. Quanto ao futuro do embrião, estará, de facto; não é necessário fazer mais nada, porque a decisão foi tomada previamente. Mas que dizer quanto à moral dos sujeitos que criam estes embriões sem futuro? Será distinta da dos sujeitos que criam embriões, sem intenção expressa de os criarem, e que depois lhes retiram intencionalmente a possibilidade de terem futuro, de se desenvolverem? Estando em causa o futuro do embrião, como dizes, que distingue quanto a esse futuro uma decisão tomada previamente duma decisão tomada posteriormente? Mesmo desse ponto de vista, em meu entender, seria moralmente mais reprovável a criação intencional de embriões sem futuro do que impedir o futuro de embriões criados não intencionalmente.
Em ambos os casos, tanto o “estatuto” do ser vivo (embrião) como o seu futuro (a morte) são idênticos. Parece-me claro não ser pelo futuro do embrião que poderemos julgar a moralidade das decisões que tomamos quanto ao ser vivo em questão. Parece-me ser o “estatuto” de embrião que atribuímos ao ser vivo em questão que nos permitirá tomar decisões moralmente aceitáveis quanto a ele. “O que devemos considerar é o valor que têm as consequências de actos deliberados, para quem estes actos afectam”? Um destes dias, tendo ido ao cinema, fui brindado com uma pulga. Incomodava-me, a malandra. Cacei-a e matei-a. Para ela foi um drama infinito. Era uma pulga, matá-la não me colocou qualquer dilema moral. Outra seria a questão se tivesse tirado a vida ao sujeito que me importunava conversando alto e mastigando pipocas enquanto decorria a sessão. Afinal, isso do “estatuto” parece fazer toda a diferença. A não ser que esteja redondamente enganado.
CL.
Ludwig,
ResponderEliminarOs valores éticos, para o serem, têm de ser universais e não uma questão de gosto.Para terminar do meu lado este já longo debate, exemplifico com várias questões éticas :
- Terá o feto os mesmos direitos de uma pessoa ?
- Terá a mulher obrigações éticas para com o feto ?
- Será ético forçar uma mulher a interromper a gravidez ?
- Será ético forçar uma mulher a levar até ao fim uma gravidez indesejada ?
- Terá uma mulher obrigações éticas para com o pai ?
As respostas a tais perguntas são de natureza ética, e não moral, ou seja "análise crítica e racional do fundamento desses valores" como muito bem diz.
E não haverá resposta universal para tais questões.
Cordialmente
A todos
ResponderEliminar-------
A patente é de facto a maior prisão deste tema.
Uma super empresa não pode ficar com as patentes da comida do mundo, vimos o que acontece quando isso sucede com uma coisa como o dinheiro, imaginemos com a comida. Um monstro que independentemente do que faça nem sequer se pode colocar a hipótese de falir !!!
Era uma espécie de senhor do mundo, pessoalmente sou a favor dos trangénicos mas muito contra esta possibilidade de monopólio.
«pode ser um factor que permite aumentar a produtividade agrícola como outro qualquer (pesticidas, adubos, inseminação artificial, melhoramento genético, máquinas). Todos eles podem estar sujeitos a situações de monopólio em quem patenteia técnicas muito inovadoras e sobre todos se podem tomar medidas para evitar esses monopólios.»
ResponderEliminarNão, a diferença entre os trangénicos e os exemplos que dás é precisamente que aquilo que dizes não é verdade.
Nenhuma empresa tem o monopólio de todos os pesticidas, nem é razoável assumir que isso possa ser possível. E se um agricultor sempre usou um determinado pesticida, e o produtor abusa no preço, pode mudar de pesticida com relativa facilidade.
Por oposição, é fácil que uma empresa (como a Monsanto) seja detentora de todas as patentes de sementes de milho, e assim exista um monopólio mundial.
Se o agricultor achar que esta empresa abusa no preço, pode ser muito complicado optar por plantar trigo ou cevada (assumindo que não é a mesma empresa que tem as patentes destas) assim como quem muda de pesticida.
Quanto às críticas que fazes à PAC, não é que concorde - não conheço esse assunto em detalhe - mas parecem revelar que não leste o meu comentário das «16-04-2009 14:03».
De qualquer forma, mesmo sem concordar com as objecções que colocaste, pelas razões que expús acima, congratulo o facto do teu último comentário ter realmente "conteúdo".
JV,
ResponderEliminarParece-me que o que tu queres dizer é que há relativamente poucas empresas e instituições a fazer investigação em trangénicos e qualquer avanço nesse domínio pode provocar desequilíbrio no mercado. Isso é verdade porque enquanto nos EUA há entusiasmo e investimento na área a Europa está a fazer-se cara com o tema e a desbaratar fundos priveligiando sistemas de produção muito pouco produtivos, essencialmente administrativos, que consomem muito mais recuros (terra, água) por unidade produzida, entregando de bandeja a liderança nesta área. Daí o risco de monopólio. E até de desabastecimento em alguns produtos como, por exemplo, a soja, que, não sendo produzida na Europa e não estando aqui aurorizada a utilização das variedades trangénicas corre o risco de faltar no mercado.
Um dia temos que fazer as contas a quanto já nos custou essa casmurrice anti-OGM.
Nuno,
ResponderEliminarUma patente dá um monopólio. Mesmo que existam muitas empresas, só a que tem a patente pode comercializar uma determinada semente.
E uma semente de milho não é como um pesticida que podem existir quase infinitas maneiras de atingir determinado objectivo.
O monopólio, no caso de uma patente, não corresponde à operação natural do mercado - é um benefício administrativo concedido pelo(s) estado(s). Por muita concorrência que exista, se uma empresa patenteia a semente "perfeita", as outras não poderão fazer nada enquanto a patente não cessar.
O problema é ainda pior. Aquilo que acontece é que determinado transgénico que é comprado para o terreno X é mais eficiente do que o tradicional Y, até aqui tudo bem. O pior é quando sementes desse X voam para os terrenos vizinhos, e como são mais eficientes, conseguem sobrepor-se em algumas áreas às sementes Y que esses vizinhos tinham.
ResponderEliminarOu seja, espalham-se como vírus.
Depois o que acontece é que esses vizinhos são processados pela empresa que gere as patentes dessas sementes.
Retire-se a questão das patentes e resolve-se tudo. Ou então melhore-se a legislação das patentes. Porque assim vai dar asneira.
Imaginem uma Microsoft a gerir os transgénicos... ui dá-me arrepios só de pensar...
ResponderEliminarNuno Gaspar,
ResponderEliminar«Sem patentes quem é que vai investigar? O Ludwig?»Nenhum do trabalho de investigação que fiz até hoje foi motivado por patentes ou copyright. Conheço também muitos investigadors, quer na informática quer em biotecnologia, para quem se passa exactamente o mesmo.
Nuno Gaspar,
ResponderEliminar«Todos eles podem estar sujeitos a situações de monopólio em quem patenteia técnicas muito inovadoras e sobre todos se podem tomar medidas para evitar esses monopólios.»Ou se concede patentes ou se evita monopólios. A patente é um monopólio concedido por lei.
Justifica-se em alguns casos nos quais o processo criado se poderia manter secreto não fosse a patente incentivar a sua publicação. Mas no caso da identificação de genes isso não seria um problema.
Para uma ideia melhor acerca deste problema, está aqui uma explicação curta. Penso que a parte final resume bem a situação:
«gene patent ownership is so important a part of biotech companies' stock market valuation that to threaten the concept would cause a market upheaval.»É esta a razão principal para haver patentes sobre genes. Tem pouco a ver com a investigação em si...
“Estatuto” é um termo ambíguo que pode conotar algo arbitrário e meramente convencional. Como o estatuto de doutor honoris causa ou de aposentado. Nesse sentido o estatuto é moralmente irrelevante. E mesmo quando denota algo mais objectivo, como o estatuto de maior de idade…Ambígua e completamente desprovida de sentido é a interpretação que o LK faz.
ResponderEliminarSe há algo perfeitamente definido, balizado e objectivo, e o estatuto dos casos que aqui o LK exemplifica.
O estatuto corresponde à amplitude normativa que rege uma entidade ou um estado (situação). E aí não há nada de ambíguo ou arbitrário.
Ou se é aposentado, ou não é; ou se é doutor “honoris causa”, ou não é. Pior ainda, ou se é maior de idade, ou não é.
Aqui entram várias noções de direito que não vem ao caso invocar. Mas, é importante lembrar as normas podem ser “imperativas” ou “permissivas”. E, é no domínio das normas permissivas que o estatuto se torna mais (visivelmente) objectivo. È que as normas permissivas têm com funcionalidade legitimar o seu destinatário ao exercício de um direito.
Infelizmente, confunde-se, muitas vezes, estatuto com benefício ou ainda com posse ou fruição de determinadas concessões de cariz sócio cultural.
Não vem mal ao mundo que povo entenda as coisas dessa forma. O que é grave, gravíssimo, indesculpável mesmo, é que um professor de “pensamento critico”, enverede por tal trapalhada.
O debate até poderia ser interessante se os intervenientes tivessem bagagem suficiente para discutir, mas no plano correcto: a questão do “direito natural” – “direito positivo”.
Os parcos conhecimentos de alguns especialistas deixam-me espantado, direi melhor: alarmado!
O que aqui vem ao de cima, é a façanha descarada de alguns ateístas que, armados em intelectuais, amarram-se a um determinado termo (neste caso, “estatuto”) e, ora lhe dão o seu sentido objectivo e real, ora o usam em sentido figurado, tudo na mesma conversa e na mesma a linha de raciocínio e ao mesmo.
È assim que os ateístas constroem as seus “muito lógicos” argumentos.
Eu poderia chamar a isso uma infinidade de coisas, mas prefiro chamar-lhe, apenas, “pensamento crítico”.
Porque estou na minha pátria, onde só uma escassa minoria (cerca de 3%) pensa assim, vou a Fátima.
Rezarei, está claro, para que N. S de Fátima ajude alguns inocentes adultos, cujo desenvolvimento estagnou na “idade do armário” (ou dos porquês), a que a idade mental se aproxime da idade cronológica.
Não é fácil, já se vê!!!
Epah, li um comentário do Zéca que quase não tem ofensas, e está cheio de conteúdo. Nem quero acreditar, deve ser efeito da Páscoa.
ResponderEliminarZeca,
ResponderEliminar«Se há algo perfeitamente definido, balizado e objectivo, e o estatuto dos casos que aqui o LK exemplifica.»Concordo que os estatutos podem ser bem definidos. O estatuto de ter rapado o bigode há menos de 24 horas, por exemplo, é bem definido.
A ambiguidade é com o termo em si quando se considera a sua relevância ética. È que qualquer coisa pode ser critério para estatuto, mas nem tudo é eticamente relevante.
«Aqui entram várias noções de direito que não vem ao caso invocar.»Como já disse várias vezes, não convém confundir ética com direito. Senão caímos na asneira de julgar que tudo o que está na lei é necessariamente bom pelo simples facto de estar na lei...
«O que aqui vem ao de cima, é a façanha descarada de alguns ateístas que, armados em intelectuais, amarram-se a um determinado termo (neste caso, “estatuto”)»Não sei se o Zeca leu o post, mas o que proponho aqui é precisamente o contrário. Largar o termo e focar os atributos relevantes.
«Rezarei, está claro, para que N. S de Fátima ajude alguns inocentes adultos,»Segundo consta, em Fátima não é a rezar que se consegue resultados. Tem de se queimar bonequinhos de cera. É que isto da religião é muito diferente da superstição, como qualquer pessoa pode ver em Fátima, entre os crentes a rastejar de joelhos e o pingar da cera derretida.
Olhar Ateu,
ResponderEliminar«Para terminar do meu lado este já longo debate, exemplifico com várias questões éticas :
- Terá o feto os mesmos direitos de uma pessoa ?
- Terá a mulher obrigações éticas para com o feto ?
- Será ético forçar uma mulher a interromper a gravidez ?
- Será ético forçar uma mulher a levar até ao fim uma gravidez indesejada ?
- Terá uma mulher obrigações éticas para com o pai ?»Todas essas questões parece-me questões morais. Sempre que pergunta se algo é aceitável ou não, e espera uma resposta afirmativa ou negativa, então está a lidar com um problema moral. O de avaliar se um acto é aceitável ou inaceitável.
O problema ético é fundamentar as normas que dão essa resposta. Por exemplo, suponha que considera estas posições:
A- O feto tem os mesmos direitos de uma pessoa.
B- O feto não tem os mesmos direitos de uma pessoa.
São duas respostas ao problema moral dos direitos do feto. O problema ético é fundamentá-las ou rejeitá-las por não terem fundamento. Por exemplo, analisar a premissa implícita que um feto, para estes propósitos, pode não ser pessoa. Questionar o que justifica atribuir direitos a algo e, por isso, considerá-lo pessoa. Ou se só pessoas têm direitos. Etc...
CL,
ResponderEliminar«Não podemos alicerçar as nossas decisões sobre o que existe no presente com base no que o objecto da decisão seria no futuro,»Isto parece-me completamente errado. Se eu deixar cair uma pedra na janela tenho de pensar que, daqui a pouco, a pedra vai chegar à rua com grande velocidade e se bate em alguém pode matá-lo. Se eu puser uma bomba num sítio para explodir daí a três horas é o futuro que eu tenho de considerar.
Considera a decisão de retirar a um embrião as células que, mais tarde, se diferenciarão nos olos. O embrião não vê nada, e no presente essas células não lhe fazem falta. Mas deliberadamente tirar essas células e condená-lo à cegueira para o resto da vida parece imoral.
Isto porque as consequências de um acto estão sempre, e necessariamente, no futuro. E não se pode avaliar moralmente um acto ignorando as suas consequências. "Não, sr. juiz, eu só apontei a pistola e puxei o gatilho. Essa coisa da bala furar a cabeça à vítima só ocorreu depois".
«Tomando como exemplo a implicação mais dramática, a vida, entre a continuidade da vida do embrião ou do feto e o risco que ela acarretaria para a vida da gestante, o dilema não se coloca.»A questão aqui é uma de conflitos de direitos. Se alguém estiver a ameaçar a minha vida eu tenho o direito de me proteger. Mas daqui não segue que se altere o "estatuto" moral dessa pessoa para que a minha decisão seja mais cómoda.
O que temos de decidir, como sociedade, é em que situações se justifica, moralmente, intervir num conflito para coagir uma solução ou dissuadir outra.
No caso de um homem que engravida uma mulher e depois diz "isso não é comigo" a sociedade deve intervir e coagí-lo a ajudar no sustento da criança. No caso da mulher que engravida por decisão livre de ter relações sexuais, também se justifica que a sociedade intervenha se ela quiser resolver o problema matando o feto.
A natureza destas intervenções é muito discutivel. Se devem ser multas, mera pressão social, penas de prisão ou assim já nos leva a outros problemas que têm de ser resolvidos. Mas parece-me claro que quem faz filhos acarreta responsabilidades para com eles, mesmo antes de nascerem.
É diferente se uma mulher for violada. Ai podemos dizer que é imoral à mesma matar o feto, que não tem culpa, mas parece também imoral a sociedade coagir uma vitima de violação a levar a gravidez a termo. Por isso neste caso julgo legítimo a sociedade não intervir como juíz neste conflito de direitos entre a mãe e o feto.
Desde que não se infira daqui, erradamente, que o feto não tem direitos por alguma manipulação verbal do seu "estatuto".
LK.
ResponderEliminarA citação correcta do meu comentário seria “ Não podemos alicerçar as nossas decisões sobre o que existe no presente com base no que o objecto da decisão seria no futuro, ainda que muitas vezes as tomemos pensando no que o objecto nos acarretaria no futuro e não no que o futuro acarretaria para o objecto. Apesar da citação amputada, a parte que transcreves também não é refutada pelos exemplos que apresentas, que além do mais me parecem totalmente inadequados.
A pedra ou a bomba que matarão alguém continuarão, no futuro, mesmo depois de terem morto alguém, sendo a pedra e a bomba; o seu futuro não se alterou (salvo o da bomba, que se cumpriu). A decisão de lançar a pedra ou de colocar a bomba não foi tomada em relação às suas consequências futuras para a pedra ou para a bomba, mas em relação às consequências para quem a lançou e colocou, neste caso, os seus objectivos (matar pessoas). Uma decisão e os seus efeitos não são simultâneos, porque no meio está a acção que a consuma, mas essa é uma questão lateral à discussão. O que está em discussão são os fundamentos que tornam uma decisão moralmente aceitável ou legítima, e estes respeitam aos valores que nos permitam tomar uma ou outra decisão. Por isso, o exemplo da bala é totalmente despropositado. E os outros exemplos sobre a conflitualidade de direitos ou sobre obrigações são apenas laterais.
Uma decisão não é fundamentada pelas suas consequências sobre o futuro do objecto acerca do qual tomamos a decisão, mas pelas consequências que a existência ou o desenvolvimento do que é o objecto da decisão nos acarretaria no futuro. No caso de seres em desenvolvimento, que mudam de estado ou de estatuto, como o embrião humano, que num curto prazo passa à condição de feto e adquire o estatuto de pessoa, parece-me legítimo podermos tomar decisões que afectem a sua vida, o seu futuro, extinguindo-a. Daí que me pareça legítimo criar embriões in vitro, quer para implantá-los no útero, viabilizando-os, quer para estudá-los ou para obter partes deles, inviabilizando-os.
Já não me parece legítimo tomar decisões que afectando a vida do embrião (mutilando-o ou manipulando o seu património genético, por exemplo) também afectem, para pior, a vida da pessoa em que ele se transforme (originando uma pessoa mutilada ou com características genéticas diversas, por exemplo). A decisão de extinguir a vida de um embrião, implantado num útero ou numa caixa de Petri, quer seja tomada posteriormente ou anteriormente à sua criação, sobre embriões criados não intencionalmente ou sobre embriões criados intencionalmente, refere-se à vida do embrião, à vida do ser que existe no momento da decisão e que se extingue com ela, não se refere à vida de um outro ser em que aquele se transformasse e que não chegará a existir.
A tua posição de condenação moral do aborto de embriões baseia-se em identificares, incorrectamente, a meu ver, o embrião humano como pessoa, como se a morte do embrião roubasse a vida à pessoa que ele era. A questão, portanto, é: um embrião é uma pessoa ou não é? Para ti, umas vezes parece não ser (quando existe na placa de Petri), outras parece ser (quando existe implantado no útero). Em meu entender, um embrião não é uma pessoa. Daí que me pareça despropositada a tua argumentação em relação aos anos de vida que seriam roubados à pessoa que o embrião não é, mas em que se transformaria. Seres com o mesmo estatuto têm a mesma dignidade, o mesmo valor; os conflitos entre seres deste tipo devem se resolvidos procurando infligir o mal menor ou a defesa da nossa própria vida. Mas seres com estatuto diverso têm dignidade diversa e, portanto, direitos diversos. Não se pode comparar o que é diverso.
Se fosse malicioso, para descredibilizá-la, invocaria a similitude entre a tua posição e a defendida pelas religiões sagradas. Não creio que os fundamentos sejam precisamente os mesmos, mas tu ainda não foste suficientemente preciso (que eu tenha conhecimento) para nos dizeres por que um embrião implantado no útero tem x anos de vida à sua frente, que seria ilegítimo roubar-lhe. A tua posição não parece fundar-se no carácter sagrado da vida do embrião humano, como defendem as igrejas, mas no carácter natural do desenvolvimento do embrião implantado no útero. Aquele desenvolvimento ser natural, contudo, não é condição suficiente para que ocorra, tanto assim é que o aborto voluntário é coisa antiga, apesar do desconhecimento, das técnicas rudimentares e dos riscos para a gestante. Controlar e contrariar a natureza é uma das nossas actividades mais corriqueiras. Muitos dos nossos valores éticos provêm, precisamente, da prevalência dos interesses humanos face à natureza. Estando doentes, uma condição natural, tratamo-nos, matando outros seres vivos, contrariando assim o curso natural das coisas, que poderia conduzir à nossa morte. E assim por diante.
É por esta razão que o estatuto do ser sobre o qual tomamos decisões é importante, porque é nele que reside o problema ético. Não é simples identificar sem controvérsia as características que definem o ser humano que designamos como pessoa; tão pouco é fácil determinar o momento exacto em que um embrião se transforma em feto e em pessoa. Daí que a legitimação do aborto voluntário seja tão controversa e que os seus defensores tomem precauções quanto ao tempo máximo de gestação em ele poderá ser permitido. Ao contrário, sabemos quanto é fácil ocorrerem avaliações erradas ou trapacear quem tem a função de avaliar o tempo de gestação, razões pelas quais à sombra do aborto de embriões são efectuados abortos de fetos. Mas estes são problemas técnicos que já escapam ao problema ético, e são exemplos de como ambos são encarados com alguma leviandade pela sociedade. O problema ético é o de sabermos se um embrião humano tem o estatuto de pessoa e, como tal, se tem os inerentes direitos. Não é um problema legal, como foi também aflorado nalguns comentários, mas um problema ético que é prévio à lei.
Para resolver um problema ético é desnecessário recorrermos a exemplos despropositados. Bastaria, tão só, colocarmos a discussão no domínio das características que nos permitirão atribuir ao embrião o estatuto de pessoa. O assunto é complexo e controverso, razão de tanta polémica mesmo entre os não religiosos, mas merece a pena ser discutido. Se embriões são pessoas, que dizer da pesquisa e investigação sobre células estaminais feitas em embriões?
CL.
CL,
ResponderEliminar«Uma decisão não é fundamentada pelas suas consequências sobre o futuro do objecto acerca do qual tomamos a decisão, mas pelas consequências que a existência ou o desenvolvimento do que é o objecto da decisão nos acarretaria no futuro.»
Acho isto uma distinção eticamente irrelevante. Vamos decidir se montamos uma fábrica, e sabemos que, se o fizermos, vai-se acumular um certo poluente no ambiente e daqui a dez anos aumentar significativamente o número de deformações congénitas.
Esses fetos e embriões e bebés ainda não existem, nem existirão durante os próximos anos. Por isso não são um objecto presente da nossa decisão. Mas essa consequência futura previsível da nossa fábrica é eticamente relevante.
Por isso sou contra esta tua proposta:
«Para resolver um problema ético é desnecessário recorrermos a exemplos despropositados. Bastaria, tão só, colocarmos a discussão no domínio das características que nos permitirão atribuir ao embrião o estatuto de pessoa.»
Isto não me parece mais que uma desculpa para ignorar consequências previsíveis de um acto, alegando que só nos interessa o "estatuto" daquilo que está aqui e agora. E nota que nunca justificas essa afirmação.
A ética visa fundamentar as regras pelas quais avaliamos as nossas acções. A necessidade de o fazer surge do impacto que as nossas acções têm em seres sensíveis. E esse impacto está sempre no futuro da acção
Muitas vezes está no futuro imediato e podemos usar atalhos como esse dos estatutos. Isso funciona quando lidamos com adultos e consequências imediatas. Mas quando lidamos com acções que criam problemas a longo prazo, seja matar um embrião seja poluir o ambiente, o atalho de olhar para o estatuto presente daqueles que serão prejudicados pelo acto deixa de funcionar.
Seja como for, o que devemos considerar é a diferença que o nosso acto faz. Se agirmos desta maneira as coisas serão assim, se agirmos da outra as coisas serão dessa outra forma. É a diferença entre os dois resultados que importa.
LK.
ResponderEliminar«Uma decisão não é fundamentada pelas suas consequências sobre o futuro do objecto acerca do qual tomamos a decisão, mas pelas consequências que a existência ou o desenvolvimento do que é o objecto da decisão nos acarretaria no futuro.»
”Acho isto uma distinção eticamente irrelevante. Vamos decidir se montamos uma fábrica, e sabemos que, se o fizermos, vai-se acumular um certo poluente no ambiente e daqui a dez anos aumentar significativamente o número de deformações congénitas.
Esses fetos e embriões e bebés ainda não existem, nem existirão durante os próximos anos. Por isso não são um objecto presente da nossa decisão. Mas essa consequência futura previsível da nossa fábrica é eticamente relevante”.
Pois, é precisamente isso. Bastará ler com cuidado o que escrevi. Doutro modo, mais não fazes do que corroborar o que escrevi e, simultaneamente, contestá-lo. Ora, não se contesta corroborando.
”Isto não me parece mais que uma desculpa para ignorar consequências previsíveis de um acto, alegando que só nos interessa o "estatuto" daquilo que está aqui e agora. E nota que nunca justificas essa afirmação.
A ética visa fundamentar as regras pelas quais avaliamos as nossas acções. A necessidade de o fazer surge do impacto que as nossas acções têm em seres sensíveis. E esse impacto está sempre no futuro da acção”.
Sim, a ética visa fundamentar a moralidade das nossas acções, e por aí fora. Mas as nossas acções não têm existência no futuro. Para além dos imediatos, poderão também ter efeitos futuros, mas esses efeitos futuros ou consequências tornar-se-ão realidade no que então existir. A morte de um ser elimina o seu futuro; para ele não há se não efeitos imediatos. É o caso do embrião humano (que julgo seria o que estava em discussão). Com a sua morte, acabou o seu presente, e não há seu futuro sobre o qual possamos fazer conjecturas. Porque a vida não se faz de ses.
O que interessa, portanto, é discutir o “estatuto” que atribuímos ao embrião humano. Se o considerarmos uma pessoa, ainda que in utero, teremos de conceder-lhe os inerentes direitos, o mais inalienável dos quais é o direito à vida. Se não o considerarmos, não podemos atribuir-lhe os direitos que concedemos às pessoas. Isto ”funciona quando lidamos com adultos” e também quando lidamos com fetos, com recém-nascidos, com crianças, com adolescentes, e por aí fora. Não me parece controverso. Inaceitável parece-me ser atribuir a ovos e a embriões humanos os direitos que atribuímos às pessoas, tratando-os a todos como se tivessem o mesmo “estatuto”.
Aproveito para fazer duas pequenas observações suplementares.
Uma respeita à tua concepção de que uma decisão é moralmente inaceitável pelo facto de existirem alternativas. Chamo-te a atenção para que a existência de alternativas apenas justifica a tomada de decisões; quando não existem alternativas não se tomam decisões, as coisas pura e simplesmente acontecem como terão de acontecer. E várias (ou todas) de entre as alternativas decisionais possíveis podem ser moralmente inaceitáveis. A aceitabilidade moral de uma decisão tem de ser justificada pelos valores éticos que a fundamentam, não pela existência de alternativas.
Não me parece curial atacar como moralmente inaceitável o aborto voluntário de embriões só pelo facto de existir como alternativa a viabilização da gravidez e o desenvolvimento do embrião. Apresentar como fundamento da imoralidade do aborto voluntário os anos de vida que seriam roubados à pessoa que o embrião não é, e que apenas resultaria do seu desenvolvimento, isso parece-me inconsistente. Se o estatuto do ser abortado não for o de pessoa, com o aborto não roubamos ao ser que eliminamos nada do que fosse devido a uma pessoa, porque nada disso lhe era devido. É por isso, aliás, que apenas o aborto de embriões é moralmente aceitável, ao contrário do aborto de fetos (salvo nos casos da conflitualidade de interesses entre a vida do feto e a da gestante ou dos outros referentes a defeitos genéticos que possam afectar a qualidade de vida futura da pessoa que o feto é). O aborto de fetos em casos de violação, por exemplo, isso, sim, parece-me infanticídio foleiro.
A outra respeita ao carácter humano e social da ética. A ética fundamenta, antes de tudo, a moralidade das acções humanas que tenham implicações para os humanos; constitui, portanto, um conjunto de valores das sociedades humanas. Só por extensão a ética se aplica às acções humanas com implicações para com outros seres. A extensão da ética às implicações das acções humanas para com “seres sensíveis” é apenas uma derivação da sua função primordial. Matar toiros em lide, por exemplo, é imoral para muita gente sensível, mas é-o pelo sofrimento desnecessário infligido ao animal; essa imoralidade ainda não chegou à morte dos toiros no matadouro, com o menor sofrimento possível, para alimentação humana.
Fico-me por aqui, porque o vagar não é muito e também porque esta discussão, devido a temas mais actuais e hilariantes, parece não interessar a mais ninguém.
CL.
CL,
ResponderEliminar«Sim, a ética visa fundamentar a moralidade das nossas acções, e por aí fora. Mas as nossas acções não têm existência no futuro.»
Isto é incorrecto. O propósito de qualquer acção deliberada é precisamente fazer com que o futuro seja este em vez daquele. Por exemplo, o propósito do aborto é destruir aquele feto para que o futuro não inclua mais gravidez, um bébé a chorar, uma criança, um adolescente, etc.
Se as nossas acções não "existissem no futuro" não valia a pena agir. Ficava tudo na mesma.
«A morte de um ser elimina o seu futuro; para ele não há se não efeitos imediatos.»Isto também é errado. O que importa é ver a diferença que a acção faz em relação às alternativas. Ao dizeres que o morto já não conta estás a ignorar um factor crucial. Se não o tivesses morto ele continuaria vivo. Essa diferença é fundamental para avaliar a escolha entre matá-lo ou deixá-lo viver. Para esse ser, uma das alternativas tem muito mais valor.
Viver 70 anos como um ser humano ou ser morto às dez semanas faz uma grande diferença. Uma vida inteira de diferença.
O único problema dessa perspectiva é que ele tornaria o acto de ignorar uma criança de 2 anos a afogar-se na piscina dos bebés menos imoral do que a escolha livre e consciente por parte de uma mulher em não ter filhos.
ResponderEliminarSe a segunda não me parece nada imoral, a primeira parece-me bastante. Mas da perspectiva que apresentaste a segunda situação só pode ser menos moral que a primeira, visto que existe mais do que uma previsível "vítima" da tua inacção.
Aliás, "da inacção", esquece o "tua".
ResponderEliminarPressuponho que não possas dar à luz. :p
João Vasco,
ResponderEliminar«O único problema dessa perspectiva é que ele tornaria o acto de ignorar uma criança de 2 anos a afogar-se na piscina dos bebés menos imoral do que a escolha livre e consciente por parte de uma mulher em não ter filhos.»Não. Como já expliquei antes, a diferença nesse caso é a diferença entre tu deixares morrer uma criança à fome em Àfrica porque não lhe foste levar comida ou tu deixares morrer a criança que se está a afogar à tua frente.
A inexistência de cada um dos filhos que a mulher poderia ter tido, tal como a morte de cada uma das crianças africanas que tu poderias ter salvo, tem uma relação causal muito ténue com a escolha da mulher em não ter filhos ou a tua escolha em não salvar nenhuma criança africana. Há muito mais factores envolvidos, que até impedem que a mulher tenha mais que uma percentagem infima de todos esses filhos possíveis e tu salves mais, por muito que te esforces, do que uma percentagem infima de todas as crianças que morrem à fome.
Mas no caso de matar um feto ou ficar a olhar enquanto o miudo se afoga a relação causal é muito forte e por isso essa consequência deve pesar mais na avaliação da escolha. Ao contrário de cada uma dos milhares de crianças que podiam ter nascido ou podiam ter sido salvas, o feto foi morto e o miudo afogou-se principalmente porque alguém decidiu que assim fosse.
«A inexistência de cada um dos filhos que a mulher poderia ter tido [...] tem uma relação causal muito ténue com a escolha da mulher em não ter filhos »
ResponderEliminarEu diria que não. Eu diria que a inexistência dos filhos decorre da escolha em não os ter.
A relação causal parece-me tudo menos ténue, e se o facto da relação causal ser ténue é o teu argumento para não considerar essa escolha muito imoral (que assumo que considerarias absurdo) esse argumento é muito fraco.
Quando alguém rouba um artigo nos supermercados continente, a relação entre esta acção e os seus prejudicados não é directa e óbvia; por isso algumas pessoas tendem a não considerar tão grave este tipo de roubo; ou a fuga aos impostos; etc...
Mas se uma decisão vai previsivelmente impedir a vida de mais de uma pessoa, então ainda menos ténue é a relação - e nos exemplos anteriores a relação não era suficientemente ténue para eu deixar de considerar tais actos imorais.
Por isso, o teu argumento não justificaa excepção que abres. Se queres ser coerente com aquilo que afirmas tens de achar que a decisão de não ter filhos é significativamente imoral. E que é moralmente correcto ter muitos filhos, assumindo que se possa (que também me parece um absurdo, pois eu diria que é moralmente neutro).
João Vasco,
ResponderEliminar«Eu diria que não. Eu diria que a inexistência dos filhos decorre da escolha em não os ter.»Essa formulação é incorrecta. A mulher nasce com uns 20 mil óvulos, mas a inexistência desses 20 mil filhos não pode decorrer da escolha dela de não ter filhos. É absurdo culpá-la pela inexistência desses todos.
O máximo que podes dizer é que a inexistência de alguns, uma ou duas dúzias no máximo, é consequência da sua decisão. Mas quais?
O que eu defendo é que esta situação é análoga a estarem 20 mil crianças a morrer de fome em Àfrica, tu teres os meios económicos para salvar 12 e não salvares nenhuma. Podemos dizer que por culpa tua houve 12 que morreram. Mas não podemos apontar para nenhumas 12 em particular e dizer que essas morreram por culpa tua. Isso faz muita diferença.
E penso que concordas, porque se não concordares que faz diferença, ou assumes que essas crianças têm um estatuto diferente ou consideras que a tua falha em salvar crianças em àfrica é moralmente equivalente a deixá-las morrer afogadas à tua frente.
«Por isso, o teu argumento não justificaa excepção que abres. Se queres ser coerente com aquilo que afirmas tens de achar que a decisão de não ter filhos é significativamente imoral.»Não. Entre outras coisas (como ser um acto consciente e intencional, por exemplo), considero que uma decisão é imoral na medida em que se possa responsabilizar o agente por um efeito negativo na subjectividade de algum ser. Aquele que mata o feto ou recém-nascido é responsável pela perda, para esse ser, de todo o seu futuro. Aquele que deixa a criança morrer afogada à sua frente é um pouco menos responsável -- foi a àgua que a afogou, primeiramente -- mas também tem alguma responsabilidade pela forte ligação entre a sua decisão e o efeito naquela criança em particular.
Aquele que não salva crianças que estão a morrer algures tem muito pouca responsabilidade porque, para cada uma dessas crianças, a sua morte só se deveu numa pequeníssima parte à decisão daquele de não as salvar.
Isso é o que acontece com a mulher que escolhe não ter filhos.
Um caso interessante seria o da mulher que só tem um óvulo, sabe exactamente quando esse está fértil, e até consigo o único espermatozoide compatível que e sabe que juntando ambos vai ter um filho. Se decidir não o fazer estará a cometer um acto moralmente semelhante ao homem que não quer passar o equivalente a uma gravidez e um parto para salvar a criança inconsciente que, sem sofrer nada, está a morre afogada à sua frente, numa situação em que ninguém notaria a morte dessa criança (nem sofresse por isso). Mas este já é um cenário um bocado mirabolante demais até para os exemplos que costumamos usar :)
LK.
ResponderEliminarEh pá! Com tantos erros e incorrecções que apontas ao que disse, perdi o pio.
Peço-te que penses um pouco mais sobre a existência duma acção. É que ela apenas existe enquanto é cometida, só tem presente e passado, não tem qualquer futuro.
E não confundas embrião com feto. Seja o que for, algo os distingue. E é esse pouco ou muito que os distingue que nos permitirá fundamentar a moralidade da morte intencional de um, o embrião, e a imoralidade da morte intencional de outro, o feto.
Provavelmente ainda não te apercebeste que a propósito da morte de embriões invocas a vida roubada a pessoas. Se persistes na atribuição do “estatuto” de pessoa ao embrião, nada posso fazer para demover-te dessa tua crença. Repara, porém, que para a defesa da tua posição é o “estatuto”, a qualidade que atribuis ao ser, que conta. Como vês, o “estatuto”, afinal, é o que conta.
CL.
CL,
ResponderEliminar«Peço-te que penses um pouco mais sobre a existência duma acção. É que ela apenas existe enquanto é cometida, só tem presente e passado, não tem qualquer futuro.»
Mais uma distinção ontológica sem relevância ética. Mesmo que queiras definir a acção como apenas aquilo que acontece no momento e desligado das suas consequências, e não tenho problema com isso, resta ainda o facto que as consequências da acção se prolongam no futuro e essas não podem ser descuradas quando avaliamos a moralidade da acção, se as consequências eram evidentes ao agente.
«Provavelmente ainda não te apercebeste que a propósito da morte de embriões invocas a vida roubada a pessoas. Se persistes na atribuição do “estatuto” de pessoa ao embrião,»
Não atribuo estatuto algum ao embrião. O meu ponto é que isso é irrelevante.
Algo como eu pode começar embrião e acaba a morrer de velhice. Ou começar embrião e ser morto às dez semanas. A diferença entre as duas alternativas é uma vida humana, independentemente do "estatuto" que queremos dar a qualquer instante desse periodo.
A consequência de decidir matar o embrião é eliminar a esse organismo -- seja porque nome lhe queres chamar -- essa vida inteira.
É por isso que, para a moralidade de matar o embrião, o estatuto é irrelevante. Quando digo que se me tivessem morto às dez semanas tinham-me tirado tudo o que tenho de valioso na minha existência, isto é verdade fosse qual fosse o meu "estatuto" nessa altura.
«Essa formulação é incorrecta. A mulher nasce com uns 20 mil óvulos, mas a inexistência desses 20 mil filhos não pode decorrer da escolha dela de não ter filhos. É absurdo culpá-la pela inexistência desses todos.»
ResponderEliminarTambém me parece.
Quando nós falamos nas consequências de uma acção para julgar a sua moralidade referimo-nos às consequências previsíveis, e não às consequências certas.
Por exemplo, se disparares um tiro a alguém com intenção de matar, é possível que o tiro falhe e que em consequência do susto a pessoa se altere psicologicamente de tal maneira que se torne muito mais feliz.
Ainda assim, apesar dessa possibilidade, nós dizemos que tentar matar é errado pois é previsível que exista uma probabilidade significativa de que essa acção seja levada a "bom" termo e tenha portanto consequências negativas.
Ou seja, quando tu alegas que abortar é errado porque comparas as consequências da decisão de abortar com as de não o fazer, tu estás a falar das consequências "previsíveis" e não das consequências "certas". Porque não tendo acesso a essas seria sempre impossível julgar qualquer acção antes de a praticar.
Quando isto se torna claro, é fácil responder à tua pergunta - quantas pessoas vivem a menos em consequência da decisão da mulher em não ter filhos? O número de filhos que seria previsível que ela tivesse se não tomasse essa decisão. Na nossa sociedade ronda os 1 ou 2.
Quando ao exemplo final que dás parece que estás a equivaler - uma pessoa/um ADN. Se o ADN fosse diferente (daí o espermatoziode compatível), a pessoa seria diferente; mas desde que se saiba qual é o ADN, aquela pessoa é aquela pessoa.
Não, um ovo com o meu ADN não sou eu. Dois gémeos não são pessoas iguais.
Um mesmo ADN pode dar origem a milhões de pessoas diferentes, por isso a tua alegação de que a mãe não mata nenhuma pessoa em particular enquanto o seu óvulo não foi fecundado (e sim uma pessoa em potencial com ADN desconhecido) mas já mata depois da fecundação (uma pessoa em potencial mas com ADN conhecido) não faz sentido.
João Vasco,
ResponderEliminar«Quando isto se torna claro, é fácil responder à tua pergunta - quantas pessoas vivem a menos em consequência da decisão da mulher em não ter filhos? O número de filhos que seria previsível que ela tivesse se não tomasse essa decisão. Na nossa sociedade ronda os 1 ou 2.»
Parece-me que concordo com a tua análise e a tua estimativa. A divergência é na relevância moral.
Considera estes dois cenários:
1- Tu decides não salvar crianças esfomeadas em África e, por isso, estimamos que morrem cerca de uma dúzia delas.
2- Tu decides ir a um infantário esfaquear doze crianças que, estimamos, se não fosse isso iriam viver.
O que eu proponho ser a diferença fundamental aqui não é nem no valor das vidas destas crianças nem no número que tu poderias ter salvo/não morto, mas sim na responsabilidade que te podemos atribuir por aquilo que aconteceu a esta ou aquela criança em concreto (e não o número em abstracto).
No primeiro cenário não podemos apontar nenhuma criança, muito menos uma dúzia, de cuja morte tu sejas claramente responsável. No segundo cenário sim, e é daí que vem a imoralidade do teu acto neste caso, muito maior que no primeiro.
Essa é a diferença que eu proponho entre a mulher decidir não ter filhos e a mulher decidir matar o feto que se está a desenvolver. No primeiro caso não há nenhum desses filhos possíveis cuja inexistência seja claramente da responsabilidade da mulher. Mas no caso do aborto podemos dizer claramente que aquele foi morto porque ela escolheu que fosse morto (com a devida culpa para o médico, etc, claro).
Ludwig:
ResponderEliminarExistem dois problemas com essa distinção.
O primeiro é que mesmo que não consideres que eu não tenho obrigação moral de salvar as crianças africanas do teu exemplo, espero que consideres que é moralmente louvável fazê-lo.
Imagino que acredites que numa sociedade em que a generalidade das pessoas usasse os seus recursos para salvar uma média de 2 crianças, a decisão por parte de uma pessoa de não o fazer teria menos mérito moral que a decisão mais comum de salvar as crianças. Sendo o normal salvar 2 crianças, e tudo o resto igual, quem decidisse salvar 20 fazendo mais sacrifícios que os outros teria uma atitude moralmente muito mais correcta do que aquele que decidisse não salvar ninguém.
De forma análoga, acreditas que uma mulher que tenha 12 ou mais crianças, tem uma atitude moralmente mais correcta? E a que decide ter 4, mas com todas as condições para as criar, esta decisão revela maior virtude que a decisão de ter 2? E a decisão de não ter nenhum? Não revela menos virtude que a generalidade da população?
Eu sei que não vês as mulheres como parteiras, tanto mais virtuosas quanto mais filhos têm; mas realmente é isso que decorre da perspectiva que apresentas.
Por outro lado, não explicaste em que medida é que eu estava errado ao afirmar que fazes condusão entre pessoa e ADN.
Se tu dizes que a mulher que não tem filhos não mata ninguém em particular; porque é que isso não é verdade para a mulher que aborta? Em ambos os casos não se sabe que pessoa será. Se tiveres um óvulo e 1000 espermatozides em sua direcção não fazes ideia que pessoa será. Quando sabes qual o espermatozoide vencedor e já tens um ADN, continuas sem saber. Porque o ADN não é igual a uma pessoa.
Tu dizes que esse ovo previsivelmente será uma pessoa. Concordo. Mas os filhos que uma mulher teria se não decidisse não os ter também seriam.
Tu dizes que ninguém pode apontar a mulher que decidiu não ter filhos como a culpada por essa pessoa não ter existido. Mas o mesmo acontece quanto à mulher que aborta: havia um embrião, um ovo, um feto; mas não se sabia ainda que pessoa seria - um ADN não é uma pessoa.
Onde disse "parteiras" queria dizer "máquinas paridoras".
ResponderEliminarJoão Vasco,
ResponderEliminar«O primeiro é que mesmo que não consideres que eu não tenho obrigação moral de salvar as crianças africanas do teu exemplo, espero que consideres que é moralmente louvável fazê-lo.»
Isso não é problema. É consequência do que eu disse. Nota que se tu vais lá e salvas uma criança temos uma ligação muito forte entre a tua decisão e essa consequência desejável. Daí que seja algo muito louvável.
Agora se não houver ligação evidente entre uma decisão tua e o salvamento de uma criança também não te poderemos louvar por isso. Este factor importa tanto para coisas boas como para coisas más (como é suposto, visto ser a diferença que conta).
«De forma análoga, acreditas que uma mulher que tenha 12 ou mais crianças, tem uma atitude moralmente mais correcta?»
Parece-me que o problema está na tua quantificação demasiado utilitarista de assumir que salvar 4 crianças é duas vezes mais louvável que salvar 2...
Eu acho que é louvável ter filhos e cuidar bem deles. E acho que é louvável ir a Àfrica salvar crianças. Não acho imoral no sentido de ser censurável decidir nem ter filhos nem salvar crianças em África.
Acho que é mais louvável salvar 12 crianças africanas do que salvar 2, sim, mas não acho que se possa dizer que isso é seis vezes mais louvável como tu pareces sugerir. Na verdade, se fosse louvar duas pessoas por salvar crianças em Àfrica, uma tendo salvado 2 e outra tendo salvado 12 penso que louvava ambas da mesma maneira.
Reajo de forma semelhante em relação a pessoas que têm poucos filhos ou mais filhos.
Mas, já agora, há uma diferença importante entre os que não nascem e os que morrem à fome (as analogias são sempre imperfeitas). Os que morrem à fome estão a sofrer, e uma criança a morrer à fome é provavelmente um resultado pior que se essa criança nunca tivesse sido concebida ou nascido (i.e. se vai morrer à fome mais vale abortar, por exemplo).
Esta diferença é pertinente para a tua comparação, porque justifica também porque é que eu louvaria mais quem salva crianças do que quem tem filhos.
Mas é uma diferença quantitativa. Qualitativamente acho que alguém que tem filhos e lhes dá uma vida que valha a pena viver está a fazer algo moralmente louvável (a menos que tenha de matar e estropiar para isso, claro...)
Ludwig:
ResponderEliminarDesculpa, mas quase toda a tua resposta se resume à falácia do espantalho. Eu nunca escrevi que salvar 4 crianças fosse 2 vezes melhor que salvar 2, nem isso estava em discussão.
Assumi que fosse melhor, e pelos vistos concordas.
«Esta diferença é pertinente para a tua comparação, porque justifica também porque é que eu louvaria mais quem salva crianças do que quem tem filhos.»
Sim, mas mesmo que consideres que o facto de salvar 10 vidas é algo melhor que ter 10 filhos, isso não altera o fundamental do meu argumento.
Pois nos termos em que colocaste o problema, em termos de comparar os futuros que decorrem das escolhas, tens mesmo de considerar que a escolha de ter mais filhos é mais virtuosa que a escolha de ter menos. Sendo tudo o resto igual, tens de considerar que a mulher que escolhe ter 4 filhos é mais virtuosa que a mulher que escolhe não os ter - e mesmo que consideres que a diferença não corresponde à diferença entre a pessoa que escolheu salvar 4 vidas, tens de considerar que elas são comparáveis. Assim, tudo o resto igual, é tanto mais louvável uma mulher quantos mais filhos tem.
A intuição ética de quem vê as mulheres como máquinas parideiras pode não ficar chocada com aquilo que decorre da tua perspectiva; mas certamente que tu ficas. Por isso tentas mostrar que uma coisa não decorre da outra, mas isso é tapar o sol com a peneira, pois como vês, decorre.
Não referiste o segundo problema que abordei, aquele de equiparares uma pessoa ao seu ADN.
LK.
ResponderEliminarParece-me que cometes um erro crasso com essa tua crença. Em vez de avaliares a moralidade de uma decisão com base em factos, avalias com base em conjecturas.
Pelo teu raciocínio, se o que interessa é a alternativa, deverias qualificar como imoral o uso do preservativo ou o da pílula contraceptiva e, por maioria de razão, o da pílula abortiva.
Bastará imaginares o número imenso das crianças que o seu uso tem impedido de serem geradas ou de terem nascido, e os anos de vida que assim têm sido roubados, e que não seriam porque havia a alternativa de não usá-los.
Se o "estatuto" não interessa, porque há-de interessar a distinção entre espermatozóide, óvulo, ovo, embrião, feto, nascituro, e por aí fora? E se a imoralidade reside na opção pela alternativa que impede o nascimento de pessoas e assim lhes rouba os anos de vida que teriam pela frente, então o recurso à contracepção é uma imoralidade.
Vê o que o teu pai te teria roubado se tivesse usado a camisinha na noite em que foste concebido. Teria cometido uma imoralidade de todo o tamanho, o malandro. Mas não te fies, porque o sujeito pode ter roubado os anos de vida que outros teus potenciais irmãos não usufruiram.
Não te parece ridículo?
CL.
Dois agradecimentos ao Prof. Ludwig:
ResponderEliminar- A divulgação integral das suas aulas de PC.
- A demonstração de que a discussão da despenalização do aborto não é (ou não tem que ser) uma discussão religiosa.
Esteve bem.
CL,
ResponderEliminarLê os meus comentários ao João Vasco. O problema ético põe-se porque somos responsáveis pelas consequências das nossas acções. Ambos os factores -- responsabilidade e consequência -- são importantes. Actos inconsequentes não têm devem ter valor moral, bem como consequências desencadeadas por entidades que não possam ser responsabilizadas.
Mais, as consequências importam quando importam para algo. Ou seja, as diferentes alternativas têm diferentes valores subjectivos para algum ser em concreto.
Daí que nem os estatutos nem os números em abstracto sejam moralmente relevantes. Os primeiros porque são uma mera etiqueta arbitrária, os últimos porque não são seres capazes de subjectividade.
Assim o que é pertinente numa avaliação moral não é o número de crianças salvas ou mortas ou que não nasceram mas cada uma delas. São as crianças e não o seu número que conta.
É por isso que as crianças que não nasceram ou que não foram salvas em àfrica têm uma peso moral pequeno na mulher que não as teve ou decidiu não ir lá salvar. Porque não se pode responsabilizar a mulher pela inexistência ou morte de nenhuma dessas crianças em concreto. Só por um número em abstrato, mas isso é moralmente irrelevante.
E nota que as consequências são sempre no futuro. As consequencias para a vida daquele ser em estado fetal quando a mãe o decide matar são tão conjecturais como seriam se fosse um recém nascido ou adolescente. Quando se mata um ser temos de especular que lhe estamos a tirar o resto da vida. Mas parece-me uma especulação bem fundamentada.
CL,
ResponderEliminar«Vê o que o teu pai te teria roubado se tivesse usado a camisinha na noite em que foste concebido. Teria cometido uma imoralidade de todo o tamanho, o malandro. Mas não te fies, porque o sujeito pode ter roubado os anos de vida que outros teus potenciais irmãos não usufruiram.
Não te parece ridículo?»
Não é ridículo. É um facto. Se decides ter um filho há uma data de outros que não podes ter.
O ridículo é culpar o meu pai pela inexistência de qualquer um desses meus potenciais irmãos. Isto porque a inexistência de cada um deles deve-se sobretudo à impossibilidade física do meu pai ter mais que uma pequenissima fracção de todos estes filhos possíveis. A decisão do meu pai tem um impacto esperado mínimo em qualquer potencial filho ainda não concebido.
Muito diferente seria se o meu pai tivesse decidido matar-me à nascença. Aí sim podiamos responsabilizá-lo pela inexistência de quase toda a minha vida.
E agora pergunto-te eu. Se o estatuto de uma criança a afogar-se à tua frente é igual ao estatuto das crianças que morrem à fome em Àfrica, tu consideras a tua decisão de não ir a Àfrica alimentar uma criança tão imoral como seria a tua decisão de ficar a olhar sem fazer nada enquanto a criança se afogava?
Presumo que não.
A diferença entre a ética e a moral é que a ética pergunta porquê.
LK.
ResponderEliminarVoltas ao mesmo, andas em circulos, e não é possível responder a questões colocadas sobre conjecturas.
Mas, repara. As consequências de acções nunca são no futuro, são sempre no presente, sobre aquilo que existe. Poderemos conjecturar sobre consequências de acções, mas isso é pouco relevante enquanto essas consequências não acontecem (muito menos se não acontecerem).
Do mesmo modo, podemos conjecturar sobre omissões, sobre o não cometimento de acções, mas não podemos falar sobre acções que não tenham sido cometidas.
Mas, mais importante do que as acções ou as omissões, são os objectos sobre que são exercidas as nossas acções. Fazer tal, ou não fazer, é fazer, ou não fazer, tal a quê. Ora o valor da acção decorre do valor desse quê e do dano que lhe provoca.
Matar um embrião não é matar uma pessoa. Acções sobre embriões não são equiparáveis a acções sobre pessoas, porque embriões não são pessoas. E falarmos de acções que mataram embriões não é comparável a falarmos de omissões que não os mataram. A consequência das primeiras foi a morte de embriões; a das segundas foi a sua vida. Ora, neste último caso, não podes avaliar algo que não aconteceu (a morte). É escusado avaliares acções (a morte de embriões) com base em conjecturas sobre o que elas não produziram (a vida de pessoas).
Todo o resto da conversa sobre crianças salvas ou mortas escapa a esta discussão, porque o objecto dessas acções são crianças, pessoas.
É precisamente pelo "estatuto" do ser, do valor que lhe atribuímos, dos direitos que lhe concedemos, que as nossas acções sobre ele devem ser avaliadas. Não se podem avaliar acções sobre um ser com base nas conjecturas sobre o que a acção não foi, sobre o que seria a sua omissão. Muito menos, quando a acção se exerce sobre um ser e a sua omissão permitiria a sua transformação noutro. O se, o condicional, é parte da conjectura, não do facto.
CL.
CL,
ResponderEliminarA conversa sobre crianças é importante porque em ética não é aceitável ter um rendilhado de soluções ad hoc, cada uma para seu caso, sem um fundamento comum.
Esse é o problema dos estatutos. Pegas numa distinção meramente linguística, que é a que separa o embrião do feto e da criança, e constrois com isso uma norma alegando um certo estatuto que depois dizes não se aplicar noutros casos porque aí temos de inventar normas diferentes. Isso é uma treta de sistema.
Eu vejo a ética como assente em três coisas fundamentais. As consequências, definidas pela diferença entre as opções disponíveis. A subjectividade dos seres que são afectados. E a responsabilidade do agente para com cada um dos afectados.
Penso que com isto consegui resolver os problemas que tu e o João vasco apontaram, como o da moralidade do meu pai me ter tido como filho, deixar morrer afogada uma criança à nossa frente, ter mais ou menos filhos, salvar crianças que morrem à fome em Àfrica e assim por diante.
O sistema do estatuto parece-me um embuste. Não tem qualquer fundamento. Para cada caso inventa-se uma desculpa e pronto.
Esta afirmação:
«Todo o resto da conversa sobre crianças salvas ou mortas escapa a esta discussão, porque o objecto dessas acções são crianças, pessoas.»
é análoga à dos crentes que dizem que o deus deles não pode ser discutido pela ciência. É querer escapar a um problema numa posição tentando impor um limite às criticas que são legítimas.
O objecto da ética é a decisão e o que fazemos com que aconteça porque escolhemos agir assim. Não é legítimo dizer que uns não contam porque têm esta cor, outros porque têm aquela religião ou outros porque têm aquela idade.
LK.
ResponderEliminarOh, pá! "Uns" contarem ou não contarem, depende do que são "uns"!
A diferença pode ser ténue, mas não é redutível a qualquer subtileza semântica. E nada tem de comparável com a cor da pele ou com outras lateralidades que invocas, muito menos com o deus não poder ser discutido pela ciência. É precisamente ao contrário. A ciência ajuda-nos a compreender (e poderá ajudar a compreender ainda melhor, no futuro) que um embrião não é um feto, e que a distinção entre os dois não constitui mera subtileza semântica.
Tu achas que um embrião de oito semanas de gestação (que é a média de uma gravidez de dez semanas) é uma pessoa. Eu não acho. E não se trata de mera opinião pessoal, mas de diferenças qualitativas entre os dois seres que têm em comum um património genético.
Isto não constitui qualquer subtileza semântica. Chamar embrião a um ser com oito semanas de existência e chamar feto ao ser que resultou desse às doze ou catorze semanas de existência tem o seu fundamento. Se algo caracteriza esse ser é a sua mudança qualitativa. Mas se nada de qualitativo acontece, calo-me.
Mesmo que nada de qualitativo aconteça, a avaliação moral deve resultar da qualidade do acto, da violação do direito inalienável de viver, do que esse direito constitui, independentemente de quaisquer conjecturas sobre a quantidade ou a qualidade de que a vida não vivida seria.
Por outro lado, exemplificarmos com a vida que vivemos a avaliação moral do que não aconteceu, do que seria terem-nos tirado a vida quando éramos embrião, não tem qualquer sentido. Neste caso, usamos um facto (a nossa vida como pessoas) para avaliar uma conjectura (a nossa eventual morte no estado de embrião). É ridículo.
CL.
CL,
ResponderEliminar«Tu achas que um embrião de oito semanas de gestação (que é a média de uma gravidez de dez semanas) é uma pessoa.»
Não. Antes de avançarmos é importante que isto fique bem claro, porque me parece estares a confundir a minha posição.
O que eu acho é que é eticamente irrelevante que prefiras o modelo ontológico que descreve o embrião como sendo um estágio de desenvolvimento do mesmo ser, tal como são "feto", "recém-nascido", "criança", "adolescente", etc, ou que prefiras o modelo ontológico que considera o embrião um ser diferente daquele que lhe sucede no desenvolvimento humano.
Porque eu defendo que o que tem relevância ética é a consequência previsível, e propositada, do aborto que é eliminar todas aquelas fases de desenvolvimento nas quais há uma subjectividade capaz de dar valor à sua existência.
Nota também que não me refiro à vida de um ser em abstrato, como acontece antes da concepção, mas à que segue previsivelmente daquele ser em concreto que se está a matar. Isto quer consideres que às 11 semanas é o mesmo ser quer consideres que das 10 para as 11 se metamorfoseou como uma lagarta numa borboleta. O modelo ontológico é irrelevante porque o que está em causa é o acto deliberado de eliminar toda aquela vida que lá estaria das 11 semanas em diante. Aquela em concreto, não uma qualquer de entre muitas possibilidades indistintas e quase todas irrealizáveis.
LK.
ResponderEliminarConsidera um ser (independente do seu estatuto humano, mas humano, para não alargar a discussão a seres de outras espécies) e as alternativas: matá-lo ou deixá-lo viver. 1- Com anomalia genética identificada, que lhe reduzirá o tempo ou a qualidade de vida; 2- com múltiplas e graves deficiências, que lhe causam grande sofrimento (ou que conjecturamos lhe causem, para além do sofrimento que nos causam a nós por assistirmos e de outros efeitos que também nos causam); 3- em coma, mas com actividade eléctrica cerebral detectável, embora sobrevivendo alimentado e ligado às duas máquinas que lhe asseguram a oxigenação e a circulação sanguínea; 4- em coma profundo, sem actividade eléctrica cerebral detectável, sobrevivendo na situação do anterior. Em cada um dos casos, qual a alternativa imoral? Do que deduzo, para ti, dependerá do tempo e da qualidade de vida, a analisar em cada caso; estaríamos em presença duma moral utilitária, casuística, independente da ontologia do ser, mas dependente da nossa conjectura sobre o tempo e a qualidade da sua vida. Para mim, em todos eles, a imoralidade só advém do “estatuto” ontológico: se o ser é ou não é uma pessoa. E clarifico que quanto ao último caso exemplificado entendo não estarmos perante uma pessoa, mas perante um corpo humano. Entendo que a ciência pode ajudar a clarificar a ontologia, para aumentarmos o grau de certeza e reduzirmos ou eliminarmos a conjectura.
Apesar de ser defensor da descriminalização do aborto de embriões, não entendo como defensável o aborto de fetos, nem a eutanásia ou a eugenia (que não confundo com o direito ao suicídio assistido quando essa vontade tiver sido inequivocamente expressa, ainda que anteriormente). E sou defensor do suicídio como inquestionável decisão moralmente legítima duma pessoa sobre a sua própria vida. A ética é um conjunto de fundamentos humanos sobre a moralidade das acções das pessoas sobre as pessoas. Pessoas são pessoas, e não qualquer outra coisa. A ética das acções humanas sobre outros seres, humanos ou não, é um derivado, porque esses outros não têm o estatuto de pessoa nem o consequente valor que lhe atribuímos. Acções feitas são factos, não são conjecturas. Uma acção envolvendo riscos, conjecturas sobre consequências, só tem efeitos se e quando tais riscos se concretizarem. A ética é violada constantemente, suspensa arbitrariamente em muitas situações, e as suas violações em muitos casos não sofrem qualquer sanção moral, e noutros casos a moral nem adquire estatuto legal. Tal como a lógica e outras construções humanas, a ética por vezes é também uma batata. São as contradições com que existimos. A nossa razão ainda não resolveu todos os problemas e dificuldades com que nos deparamos. Oxalá nenhuma máquina inteligente, apenas baseada na lógica e nalgumas condicionantes previamente programadas, venha a fazê-lo. Estaríamos bem lixados.
Esta nossa discussão, infelizmente restrita, ganhará no futuro próximo nova acuidade, com a difusão das manipulações genéticas e da clonização. Veremos que tratos de polé levará a ética ou se teremos de inventar uma nova ética.
CL.