Direitos sim, mas no papel.
A tecnologia é nova mas o conflito é antigo. O Artigo 11º da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia estipula que «Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.»(1) É um bom princípio mas, na prática, é inconveniente para algumas pessoas. Infelizmente, é inconveniente para quem tem poder e para quem tem dinheiro.
Com a Internet podemos exercer a liberdade de opinião e a liberdade de trocar informação. Mas sem a ingerência de quaisquer poderes públicos, este exercício de liberdade pode ameaçar monopólios lucrativos e pôr a descoberto coisas que muitos políticos preferiam deixar entre eles. Por exemplo, a negociação do pacote de reforma das telecomunicações, que vai regular as telecomunicações na Europa.
A emenda 138, agora 46, estabelecia que o acesso à Internet não poderia ser cortado sem uma decisão judicial, de acordo com o direito fundamental à opinião e troca de informação. E fazia-o na secção dos deveres das entidades reguladoras, responsabilizando assim cada país pela protecção destes direitos dos seus cidadãos. A semana passada esta emenda foi aprovada na Comissão para a Indústria, Investigação e Tecnologia com 40 votos a favor e 4 votos contra (2).
Mas em negociações à porta fechada, esta emenda, e várias outras agendadas para discussão em plenário, foram substituídas com a intenção de votar apenas a versão negociada. Em vez de exigir uma decisão judicial para cortar o acesso a alguém, a nova versão exige apenas um “tribunal independente e imparcial”, o que não parece excluir processos meramente administrativos como o que a França está a tentar implementar. Além disso, esta provisão foi movida da secção sobre as responsabilidades do regulador para a secção sobre o âmbito de aplicação da lei, tornando-a ainda mais vaga e ineficaz (3).
Outra sequela da negociata é permitir às operadoras discriminar o tráfego na Internet em função de conteúdos ou serviços (4). Por exemplo, decidir que os seus clientes só podem aceder ao YouTube se pagarem extra ou vedar-lhes o acesso ao Google para que só usem o serviço de pesquisa que paga por isso à operadora. É como deixar que as companhias de telefones decidam com quem podemos falar, a que horas e o que podemos dizer.
É a guerra de sempre. Como os nossos direitos não estão à venda e frustram quem quer poder sobre nós, tanto comerciantes como políticos preferem direitos meramente decorativos. Quando a maioria exerce os seus direitos a minoria perde privilégios, e a Internet permite a todos um exercício eficaz deste direito à expressão, opinião e partilha de informação.
Podermos trocar informação com qualquer pessoa em qualquer ponto do mundo estraga o negócio de vender o acesso à informação e dificulta que moldem a nossa opinião ao que lhes dá jeito. Daí estas magníficas obras de legislação. O nossos direitos são enaltecidos, sacralizados e salvaguardados no papel, belos conceitos abstractos. Mas deixando sempre os buracos necessários para quem tiver equipas de advogados e deputados no bolso continuar a fazer o que quer.
Deputados portugueses no Parlamento Europeu.
Obrigado a todos que me enviaram estas notícias, tanto aqui como por email.
1- Parlamento Europeu, Carta dos direitos fundamentais da União Europeia
2- La quadrature du net, Victory for EU Citizens! Amendment 138 was voted again.
3- Monica Horten, IPTegriti, Telecoms Package Internet sell-out now agreed Via Remixtures.
4- La quadrature du net, Telecoms Package: Towards a bad compromise on net discrimination?