quinta-feira, abril 30, 2009

Direitos sim, mas no papel.

A tecnologia é nova mas o conflito é antigo. O Artigo 11º da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia estipula que «Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.»(1) É um bom princípio mas, na prática, é inconveniente para algumas pessoas. Infelizmente, é inconveniente para quem tem poder e para quem tem dinheiro.

Com a Internet podemos exercer a liberdade de opinião e a liberdade de trocar informação. Mas sem a ingerência de quaisquer poderes públicos, este exercício de liberdade pode ameaçar monopólios lucrativos e pôr a descoberto coisas que muitos políticos preferiam deixar entre eles. Por exemplo, a negociação do pacote de reforma das telecomunicações, que vai regular as telecomunicações na Europa.

A emenda 138, agora 46, estabelecia que o acesso à Internet não poderia ser cortado sem uma decisão judicial, de acordo com o direito fundamental à opinião e troca de informação. E fazia-o na secção dos deveres das entidades reguladoras, responsabilizando assim cada país pela protecção destes direitos dos seus cidadãos. A semana passada esta emenda foi aprovada na Comissão para a Indústria, Investigação e Tecnologia com 40 votos a favor e 4 votos contra (2).

Mas em negociações à porta fechada, esta emenda, e várias outras agendadas para discussão em plenário, foram substituídas com a intenção de votar apenas a versão negociada. Em vez de exigir uma decisão judicial para cortar o acesso a alguém, a nova versão exige apenas um “tribunal independente e imparcial”, o que não parece excluir processos meramente administrativos como o que a França está a tentar implementar. Além disso, esta provisão foi movida da secção sobre as responsabilidades do regulador para a secção sobre o âmbito de aplicação da lei, tornando-a ainda mais vaga e ineficaz (3).

Outra sequela da negociata é permitir às operadoras discriminar o tráfego na Internet em função de conteúdos ou serviços (4). Por exemplo, decidir que os seus clientes só podem aceder ao YouTube se pagarem extra ou vedar-lhes o acesso ao Google para que só usem o serviço de pesquisa que paga por isso à operadora. É como deixar que as companhias de telefones decidam com quem podemos falar, a que horas e o que podemos dizer.

É a guerra de sempre. Como os nossos direitos não estão à venda e frustram quem quer poder sobre nós, tanto comerciantes como políticos preferem direitos meramente decorativos. Quando a maioria exerce os seus direitos a minoria perde privilégios, e a Internet permite a todos um exercício eficaz deste direito à expressão, opinião e partilha de informação.

Podermos trocar informação com qualquer pessoa em qualquer ponto do mundo estraga o negócio de vender o acesso à informação e dificulta que moldem a nossa opinião ao que lhes dá jeito. Daí estas magníficas obras de legislação. O nossos direitos são enaltecidos, sacralizados e salvaguardados no papel, belos conceitos abstractos. Mas deixando sempre os buracos necessários para quem tiver equipas de advogados e deputados no bolso continuar a fazer o que quer.

Deputados portugueses no Parlamento Europeu.

Obrigado a todos que me enviaram estas notícias, tanto aqui como por email.

1- Parlamento Europeu, Carta dos direitos fundamentais da União Europeia
2- La quadrature du net, Victory for EU Citizens! Amendment 138 was voted again.
3- Monica Horten, IPTegriti, Telecoms Package Internet sell-out now agreed Via Remixtures.
4- La quadrature du net, Telecoms Package: Towards a bad compromise on net discrimination?

5 comentários:

  1. ...And the truth will make you mad...

    Obrigado pelo post.

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  2. Como resposta á futura lei que nos pretendem impingir, acabei de puxar do piratebay as discografias de algumas bandas que nunca adquiri nem faço tenções de adquirir.

    Se esta lei for em frente, abdicarei de ligação à internet particular usando-a apenas no meu trabalho.

    Continuo a defender a propriedade intelectual e o direito ao criador de controlar o acesso à sua obra. Mas como disse neste site, valorizo muito mais a liberdade de comunicação, expressão ou contestação (leia-se, debate, troca de Ideias, conversa, contacto).

    Já tinha decidido não mais comentar neste blog. Mas penso que estas notícias são bem graves e todos temos que nos unir para as combater.

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  3. Não se deve centrar este tipo de discussão no "pirate bay" ou em sites semelhantes. É como defender a liberdade da TV a partir dos filmes pornográficos (contra os quais nada me move).

    Os assuntos importantes são

    liberdade na web
    privacidade na web
    não discriminação na web
    patentes de software

    Eu tenho um blog sobre o assunto, mas está em remodelação PROFUNDA. :-)

    Para já é necessário escrever, mandar faxs e emails e até telefonar aos membros das organizações legislativas que falem português, cada de acordo com as suas possibilidades.

    Eu explico melhor e dou dados no meu blog, como tenho vindo a fazer sempre que possível.

    José Simões

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