domingo, outubro 19, 2008

Jornada Fé e Ciência.

Ontem em Braga, a convite da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica, falei sobre «A hipótese de Deus perante a Ciência». Este título que me deram serviu para apontar que o problema não é apenas esta hipótese, pois temos de considerar toda a infinidade de hipóteses acerca de deuses e da falta deles. Nem é um problema que se restrinja a uma qualquer definição de ciência. O que é pertinente à ciência neste assunto, que é a correspondência entre hipóteses e realidade, é pertinente a todo o diálogo racional, chame-se ou não ciência. O problema fundamental é o de justificar a confiança numa hipótese destas – a santíssima trindade, por exemplo – em detrimento de todas as outras.

Como nenhum crente consegue justificar adequadamente que se aceite a sua crença como a única verdadeira, a estratégia de alguns participantes foi ignorar as outras crenças. Falaram muito do diálogo entre fé e ciência como se só houvesse uma fé (a deles) e alguns até disseram explicitamente que eu não devia invocar outras religiões. O Alfredo Dinis alegou que os deuses dos aborígines australianos no meu exemplo eram irrelevantes por serem meramente mitológicos*. Pois essa é precisamente uma das tais hipóteses a considerar. E não apenas em relação às religiões dos outros. O António Fernandez-Rañada disse que eu não podia falar dos deuses egípcios porque o que estava em causa era o Deus cristão, e assim por diante. A coisa acalmou um pouco quando eu mencionei que se estivéssemos a fazer uma jornada de fé e ciência no Irão, a ciência seria a mesma que cá mas a fé seria muito diferente. Não sei é se acalmou por ficarem persuadidos, se foi por medo de ataques bombistas por alguém chamar mitologia ao islão ou se foi simplesmente porque já tinham dito o que tinham a dizer.

Seja como for, gostei bastante de ter lá estado e agradeço este convite. A discussão foi animada, sempre com bom ambiente e com alguns momentos engraçados. O Álvaro Balsas disse que eu tinha definido ciência de forma demasiado restrita quando eu tinha dito várias vezes que não queria definir ciência precisamente para evitar esses problemas. O aspecto importante era o do diálogo racional, a troca de razões que se possa partilhar com os outros. Isso está no fundamento da ciência mas se a define ou não era irrelevante para a conversa. E o Alfredo Dinis disse que a hipótese de Deus não tinha nada que ver com a ciência. Disto queixei-me, a brincar, que me tinham armado uma cilada ao com o título que me deram.

Tive pena que o Desidério não pudesse ter ido. Gostava de o ter conhecido pessoalmente. Mas conheci alguns leitores deste blog, o que me deixa sempre contente. Tenho relutância em perguntar o nome quando alguém me diz que lê o meu blog por receio que o pressione a revelar mais do que gostaria. Há quem prefira navegar e comentar incógnito e respeito essa opção. Mas como um post faz menos pressão deixo aqui a sugestão. Se alguém esteve lá e quer comentar, ou se alguém daqui me encontrar numa coisa destas e quiser dizer o nome ou o pseudónimo que usa nos comentários, é sempre agradável associar uma cara às palavras.

Agradeço também as palavras amáveis dos que me disseram ter gostado da minha intervenção. Eram quase todos ateus, pelo que provavelmente não convenci ninguém que não concordasse comigo logo de inicio, mas a sensação de que o esforço foi apreciado só aumenta o prazer que tenho em discutir estes assuntos.

Finalmente, agradou-me ver o interesse no diálogo. Ao contrário da minha tia Júlia, que me recomendou não discutir nem política nem religião, há crentes interessados em falar sobre o assunto. Isto é bom. Por exemplo, muitos dos comentários da audiência focaram a falibilidade do conhecimento científico. Isto não é novidade para os cientistas, mas se os crentes focarem este problema pode ser que percebam que o seu “método da fé” é ainda mais falível. Tem todos os defeitos humanos que afectam a ciência sem a virtude da verificação independente.

O diálogo entre ciência e as fés é pouco produtivo. A crença convicta não quer ouvir a ciência e o que propuseram dizer à ciência não me convenceu. Agustín Udías, por exemplo, sugeriu que “a fé” podia contrapor a tendência da ciência de dominar o ambiente e tornar-nos administradores mais responsáveis da natureza. Mas quem está à frente de organizações como a Quercus não são padres. São cientistas. E quem defende mais o ambiente é a esquerda ateísta e não a direita religiosa mais preocupada com a exploração de recursos. Em alguns casos precisamente pela fé num fim do mundo iminente.

Mas o diálogo com os crentes é proveitoso. Tudo o que os tire das barricadas das fés e os faça juntar-se à conversa com os demais trará benefícios para todos.

Mais informação sobre a jornada no blog Companhia dos Filósofos.

* Os Bagadjimbiri. São dois dingos irmãos que criaram os órgãos sexuais das pessoas a partir de cogumelos, foram mortos e depois ressuscitados pela mãe e agora vivem no céu como nuvens. O exemplo tem um paralelo interessante com a mitologia cristã, que tem pai-filho em vez de irmãos e uma morte e ressurreição pelo meio.

25 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá Ludwig,
    Tiveste uma comunicação interessante, gostei o teu esforço para argumentar, apesar de pessoalmente considerar que houveram alguns saltos indevidos de lógica (principalmente porque das premissas que apresentas-te não vejo que se siga necessariamente a conclusão final dos 99,9%).
    Do mesmo modo, parece-me que talvez és “Filho de Descartes” (ânsia de certeza absoluta sem margem para dúvidas), onde só o que é justificado é que existe.
    Por isso, “cheira-me” muito a neopositivismo (só é verdadeiro e com sentido o que é justificado empiricamente, sempre com a ânsia de eliminar tudo o que seja metafísica). Mas, onde assenta a ciência? Será possível ciência sem metafísica? Será possível viver sem metafísica?
    Apresentas-te, do mesmo modo, vários deuses. No entanto, não estamos todos a falar do mesmo ser independente dos nomes que podem existir? Normalmente concebe-se Deus como o ser mais perfeito da realidade independente do nome; por, isso falar de deus, alá, ou dos deuses de Bagadjimbiri, etc… não estamos a falar, de facto, no mesmo ser ontológico?
    Dou-lhe os meus parabéns por provar que todos os deuses antropomórficos (criação humana) não existem; no entanto, o que parece que não conseguiu provar foi que o ser mais perfeito da realidade não existe.

    Saudações cordiais,

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  3. Domingos,

    «ânsia de certeza absoluta sem margem para dúvidas»

    Nem por isso. Nunca defendi certezas absolutas nem me parece um objectivo razoável.

    «só é verdadeiro e com sentido o que é justificado empiricamente»

    Estás a confundir o problema epistemológico de justificar uma afirmação com a metafísica da verdade. Se me disseres que tenho 38 objectos na minha mochila eu posso dizer que não tens maneira de saber isso sem precisar de considerar se tenho ou não 38 objectos na minha mochila. Ou seja, mesmo que acertes é à sorte e não tens justificação para dizer que isso é conhecimento.

    Eu só falei da justificação, não da metafísica da verdade.

    « por, isso falar de deus, alá, ou dos deuses de Bagadjimbiri, etc… não estamos a falar, de facto, no mesmo ser ontológico?»

    Pela reacção de cristãos como o Alfredo Dinis, que disse que os Bagadjimbiri eram mera mitologia, não me parece que os considerem o mesmo ser ontológico que o deus deles.

    Seja como for, resta o problema principal de saber se existe tal ser, que atributos tem, e quem é que tem razão nisto.

    «das premissas que apresentas-te não vejo que se siga necessariamente a conclusão final dos 99,9%»

    Tal como qualquer crente numa destas hipóteses rejeita todas as outras por não terem justificação, eu rejeito também a de cada crente (como fazem os outros) pela mesma razão.

    Mas nota que não estou a fazer um argumento metafísico ou ontológico. Simplesmente a salientar que não é sensato confiar em afirmações metafísicas antes de termos justificaçao para confiar nelas.

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  4. Domingos Faria escreveu: …«das premissas que apresentas-te»… e «Apresentas-te, do mesmo modo, vários deuses.»

    Uma vez é gralha (também faço muitas!); mas duas vezes é o quê?

    Para mim é razão para ignorar logo. Poupa-se imanso tempo. (Mas parabéns ao Ludwig pela paciência, sempre útil!)

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  5. Bolas, escrevi "imanso" em vez de "imenso"! Q.E.D. (ignorem-me, ignorem-me!)

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  6. Caro Ludwig,

    Obrigado pela tua contribuição para a Jornada Fé e Ciência. Faço apenas um ou outro comentário ao que dizes aqui, sobretudo ao que me atribuis.

    Disse que um dos erros fundamentais da tua argumentação foi teres tomado uma narração mitológica relativa a uma religião particular, como se fosse uma hipótese empiricamente verificável. Isto tem a ver com muitas narrativas que se encontram em todas as religiões, incluindo a cristã. Ainda bem que não quiseste provar cientificamente que não existiu o paraíso terrestre, nem a maçã que Eva comeu, nem a serpente, para a partir daí concluires que não existe o Espírito Santo e que Cristo não ressuscitou. No entanto deste um enorme salto desta natureza quanto à religião a que te referiste.

    No que se refere à existência de muitas religiões, os cristãos não têm que escolher entre a deles que está absolutamente certa e as de todos e os outros que estão absolutamente errada. Há elementos de verdade em muitas religiões. Não digo que eles existem em todas porque não as conheço todas.

    Quanto à definição dos termos que utilizamos, tenho dificuldade em acreditar que isso é irrelevante para os cientistas. Para que servem então os dicionários de termos científicos? E não se dá mesma a utilização por cientistas de um mesmo termo com sentios diferentes? Como se entendem então eles se não discutem questões de definição?

    Finalmente, a tua confiança na tua demonstração da não existência de Deus, embora tenhas esclarecido que era apenas uma demonstração com efeito pessoal, pareceu-me excessiva, sobretudo para quem reconhece a falibilidade do conhecimento humano, um tema central do texto do Desidério que terei muito gosto em te enviar por mail.

    Um abraço,

    Alfredo Dinis

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  7. Caro Alfredo,

    Obrigado pelo comentário, que me dá a oportunidade de esclarecer alguns mal entendidos. Primeiro, quero salientar que a atribuição de um carácter mitológico ao relato de Adão e Eva, por exemplo, é retrospectiva. Há uns séculos a Igreja iria opor-se (talvez até com violência) a tal sugestão. Isto demonstra que a importância que uma religião dá a um elemento do seu dogma não tem relevância epistemológica.

    E esses 99.9% que eu mencionei não são o meu grau de confiança na inexistência do teu deus (o meu é maior :) mas sim uma estimativa por baixo da fracção de elementos de todas as religiões que nós facilmente concordamos serem mitos e não literalmente verdade. Ou seja, 99.9% daquilo que ao longo da história já se acreditou ser verdade acerca dos deuses nós hoje concordamos ter sido treta.

    A nossa disputa restringe-se aos restantes 0.1%. Coisas como a ressurreição de Jesus, a sua natureza divina, o nascimento de uma virgem, a imaculada conceição de Maria, etc.

    E o meu argumento não é que devemos rejeitar estas hipóteses só porque as outras são falsas. O meu argumento é que devemos rejeitar estas hipóteses porque não podemos justificar qualquer confiança nelas. As justificações invocadas são de carácter pessoal (fé, admiração por quem acreditou também, etc) sem relevância epistemológica e não fazem parte do que podemos partilhar num diálogo racional.

    Por isso considero que quando sugeres que Jesus ressuscitou estás a fazer o mesmo que quando um aborígine sugere que os Bagadjimbiri vivem no céu como nuvens. Admito que ambos tenham uma fé sincera, e não vos julgo por isso (nem para bem nem para mal) mas considero que nenhum de vocês tem uma justificação relevante para afirmar tal coisa. Dizem isso simplesmente porque querem que seja assim mas não sabem se é ou não e nada indica que a realidade seja mesmo assim.


    Um abraço,
    Ludwig

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  8. Alfredo,

    Só uma achega em relação às definições. Definir os termos é importante mas só para sabermos como os usar e para comunicar ideias. Não tem relevância nos objectos que os termos referem.

    Um exemplo recente é o termo "planeta" e como se aplica a Plutão. A alteração da definição do termo não afectou Plutão, que continua a ser exactamente o que sempre foi para os astrónomos, só que agora com uma designação diferente.

    Os astrólogos já estão na situação mais desconfortável porque para eles um planeta tem certos efeitos e outras coisas não só em virtude da definição dos termos.

    O que eu proponho é que definir "deus" como um ser impossível de testar ou definir "deus" como um ser possível de testar não tem qualquer efeito na possibilidade ou impossibilidade de testar a existência de deuses. Afecta apenas aquela palavra quando definida daquela maneira.

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  9. O busilis da questão - em relação à Ressurreição e a outros temas - é que o Ludwig diz mas não prova o que diz. Adjectiva, diz que é falso mas fica por aí. Pára na mera opinião pessoal ou diz "prova tu". É um beco sem saída. Enquanto não conseguir modificar os termos da discussão é sempre o eterno retorno ao mesmo ponto.

    Dirá o Ludwig "vcs é que são os prosélitos, vcs é que têm de justificar". Bom, no blogue do Ludwig o proselitismo parte do autor, por isso o ónus da prova é dele.

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  10. Olá Ludwig,

    Estive em Braga e gostei bastante das Jornadas. Gostei de ouvir as palestras de todos os oradores principais. E para mim a tua foi a melhor. Claro está que a sintonia das minhas ideias com aquilo que apresentaste tem um peso não negligenciável na apreciação.

    Foi uma apresentação clara, focada nos pontos essenciais e calma (i.e. sem ira ou arrogância, o que nestes assuntos é de extrema importância). Já tenho lido várias coisas no blog e já sabia que conseguias manter estas características aqui. A passagem destas características para uma palestra ao vivo não é fácil, e para o debate muito menos. Muitos parabéns. Dá gosto ver as nossas ideias explicadas desta forma.

    Tenho muita pena de não te ter conhecido pessoalmente, mas o tempo não estica e tive ocupado com discussões com pessoas que não concordam tanto comigo. Outras oportunidades virão.

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  11. Caro Ludwig,

    Dizes que “O meu argumento é que devemos rejeitar estas hipóteses porque não podemos justificar qualquer confiança nelas”. O que queres dizer com “não podemos justificar qualquer confiança nelas”? Será que queres dizer que tudo o que não tenha justificação não existe? Ou tudo o que existe tem que ser justificado? Ou só existe o que tiver uma justificação relevante? Toda a realidade ontológica tem que ter “relevância epistemológica”? Não existem muitas coisas na realidade ontológica que nunca vamos conseguir justificar? Mas, só pelo facto de não conseguirmos justificar absolutamente, não se segue que isso não existe…

    Até que ponto será uma boa analogia comparar Jesus ressuscitou com os Bagadjimbiri a viver no céu como nuvens? Será que as implicações e consequências na humanidade foram as mesmas no facto de Jesus ressuscitar e nos Bagadjimbiri viverem no céu como nuvens?

    Dizes que “Nunca defendi certezas absolutas nem me parece um objectivo razoável”, mas achas que é uma “treta” Deus existir. Defendes que não existem certezas absolutas, mas contraditoriamente parece que tens a certeza que Deus (o ser mais perfeito da realidade, independente do nome dele) não existe.

    Tudo o que poderemos falar sobre o ser mais perfeito da realidade é sempre com caris relativo, logo é muito provável o essente humano (devido à sua finitude) revelar muitos erros sobre esse ser perfeito; no entanto, só pelo facto de não conseguirmos chegar a um conhecimento certo, absoluto, e sem margens para dúvidas, não se segue que esse ser perfeito não existe.

    Do mesmo modo, o facto de nunca conseguirmos saber que esse ser existe ou de o inteligirmos perfeitamente, não se segue que de facto ele não existe.

    Mais uma vez parece que o Ludwig é muito reducionista. O Ludwig pretende reduzir todo o ontológico à justificação factual e material a partir do essente humano, eliminando assim toda a metafísica. Certamente, o Ludwig deve se esquecer que sem metafísica nem sequer é possível fazer ciência. Ou ainda tem esperança no neopositivismo?

    Saudações cordiais,

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  12. Caro Ludwig,

    Dizes:

    "O que eu proponho é que definir "deus" como um ser impossível de testar ou definir "deus" como um ser possível de testar não tem qualquer efeito na possibilidade ou impossibilidade de testar a existência de deuses."

    Discordo completamente e se não é evidente para ti que o que dizes não faz sentido e é inaceitável, não creio que valha a pena insistir.

    No que se refere à justificação racional de uma crença, suponho que a racionalidade se reduz para ti à testabilidade empírica, isto é, à metodologia científica num sentido estritamente verificacionista. Continuo a pensar que esta posição positivista não é hoje aceitável. O Desidério já várias vezes se referiu a esta questão. Os cientistas que apenas estudam ciência necessitam de algum distanciamento crítico em relação ao seu trabalho e ao seu discurso. É o que têm feito os maiores cientistas que conhecemos.

    Finalmente, afirmas:

    "quero salientar que a atribuição de um carácter mitológico ao relato de Adão e Eva, por exemplo, é retrospectiva. Há uns séculos a Igreja iria opor-se (talvez até com violência) a tal sugestão. Isto demonstra que a importância que uma religião dá a um elemento do seu dogma não tem relevância epistemológica."

    Seja qual for a interpretação epistemológica que dás ao evoluir da leitura que os católicos fazem da Bíblia - parece-me que exiges que não haja qualquer evolução -, e de que discordo em absoluto, a tua demonstração da inexistência de Deus proposta hoje deverá ter em conta a interpretação do livro do Génesis que é feita pelos católicos hoje e não há quinhentos anos. Isto parece-me evidente.

    Um abraço,

    Alfredo Dinis

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  13. Saudações a todos!

    Estive nas jornadas de Braga e queria começar por agradecer ao Ludwig, tal como o fiz pessoalmente, a excelente apresentação que expressou com tanta clareza as ideias de muitos dos presentes.

    Gostava de deixar um comentário relativamente a uma afirmação do Alfredo Dinis, que ouvi depois repetida por outras pessoas e ainda nos comentários acima:

    "Finalmente, a tua confiança na tua demonstração da não existência de Deus (...)"

    Creio que há aqui uma confusão relativamente ao que é demonstrar uma afirmação. Vejamos então à luz de conceitos lógicos simples:

    A afirmação "Deus não existe" é uma proposição universal sobre uma propriedade do Universo; uma vez que não conhecemos todo o Universo, torna-se muito difícil provar afirmações de carácter universal (já dizia Popper...) Pelo contrário, afirmações como "existe um gato branco e castanho" ou "Deus existe" são afirmações existenciais, mais fáceis de demonstrar porque basta apenas encontrar um exemplo que as confirme, sem ser necessário escrutinar todo o Universo (para a primeira, serviria de demonstração o meu gato, para a segunda parece-me que ainda não foi encontrado um exemplo...)

    Assim, é fácil compreender que o Ludwig não tenha demonstrado, nem tenha tido a intenção (como várias vezes o disse) de demonstrar a inexistência de Deus. De facto não seria honesto exigir isso de uma pessoa, nem mesmo de todo um corpo científico a trabalhar com afinco. O que o Ludwig apresentou foi uma justificação, essa inatacável, de que as "hipóteses de deuses" são muito improváveis, são realmente más hipóteses.

    Menos fácil é, para mim, compreender que se acredite na existência de um Deus que interage com o mundo sem que se tenha encontrado um único exemplo objectivo dessa interacção. São os que acreditam que têm o ónus da prova. No entanto, prescindindo da prova (porque eu acredito que é impossível), aguardo com expectativa que em próximas discussões, sejam apresentadas justificações estruturadas para a existência de Deus e para os benefícios da própria religião.

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  14. "Será que as implicações e consequências na humanidade foram as mesmas no facto de Jesus ressuscitar e nos Bagadjimbiri viverem no céu como nuvens?"

    Caro Domingos Faria,
    tem toda a razão. Não me lembro de ter ouvido falar da Inquisição Bagadjimbiri, nem nas cruzadas Bagadjimbiri, nem na proibição do uso de preservativos pelos Bagadjimbiri, e por aí além.
    Mas diga-me, como é que chega à brilhante conclusão que a ressurreição de Jesus é um "facto"?
    Cristy

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  15. Já dizia Popper: quando a Cristy resolve pensar, o mundo pára embasbacado a olhar.

    É daqueles raros momentos que perdurarão para sempre na história da humanidade.

    O Sol derretará, a Terra evaporará e por toda a Galáxia uma voz ecoará: Párem as estrelas! Párem os sóis de girar! Suspenda-se o movimento de translação! Aquiete-se o movimento de rotação! A Cristy está a pensar!

    E o Universo abre a boca de espanto, num movimento hipertenso de eterno retorno!

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  16. Permitam-me mudar o final:

    E o Universo abre a boca de espanto, num movimento de eterno retorno! E do pensamento da Cristy sai um enorme repolho!

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  17. Caro Alfredo,

    A Joana explicou bem o problema de só rejeitar a hipótese "Deus existe" se a demonstrarmos falsa (obrigado Joana :)

    E se fosse esse o teu critério também não rejeitarias a hipótese "os Bagadjimbiri existem".

    Se me disseres haver num planeta em órbita de Sírius um ser azul em forma de cão que adora pickles eu rejeito essa hipótese. Se me disseres haver fora do espaço e do tempo um ser que criou o universo, engravidou Maria mantendo-a virgem, encarnou em Jesus, morreu e ressuscitou, eu rejeito essa hipótese.

    Em ambos os casos rejeito-as não por poder demonstrá-las falsas mas por não me apresentares razões aceitáveis, relevantes e adequadas para justificar afirmações tão específicas. A partida, a probabilidade de acertares só a adivinhar é tão pequena que o mais certo é estares enganado.

    Isto não é positivismo. Pelo contrário, eu sou realista (neste momento, que estou a acabar de ler o livro do Giere, sou perspectivista. Mas não garanto o que serei para a semana :)

    Mas não é por rejeitar o positivismo que passo a aceitar qualquer afirmação metafísica sem exigir justificação.

    Quanto ao problema da definição, merece um post. Infelizmente, agora tenho que ir dar aulas...

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  18. O debate foi bom. Foi pena não ter havido mais interacção entre os dois convidados, mas a questão linguística também deve ter dificultado a coisa. Penso que um debate com o Alfredo Dinis seria mais aguerrido :)

    Em todo o caso, foi bastante mais interessante do que o debate com o Jónatas, que à meia hora já tinha descambado para a galhofa.

    pedro romano

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  19. O que há de comum entre ateus e crentes? Por que nao procurar o que nos une e juntar as nossas forcas para tentar resolver alguns problemas urgentes na nossa terra, ao invés de ficar discutindo se a ciência ou a religiao tem razao? Nao digo que nao seja uma perda de tempo, mas...

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  20. Caro anónimo,
    não se trata de discutir quem tem razão. Trata-se de opor algo às forças obscurantistas que têm por único fito abusar da fraqueza e da misérias alheias para acumularem riquezas e poderes. Tanto faz se é esta ou aquela igreja, um vidente, um «fenghuista» ou um ayatola.

    Quanto a ateus e crentes juntarem forças para resolverem problemas prementes: estou convencida que isso já acontece a toda a hora e em todos os lugares. Não invalida a necessidade de um debate esclarecedor.

    Cristy

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  21. canção em forma de rap

    ela não quer saber
    quem tem razão
    ela só quer moer
    por profissão

    ela só quer opor algo
    às forças obscurantistas
    ai a tola! ai a tola!
    ela é contra os dentistas
    ai a tola! ai a tola!

    ela só quer juntar forças
    p'ra resolver problemas
    prementes, ai a tola!
    com os dedos dormentes
    ai a tola! ai a tola!

    a toda a hora
    a todo o lugar
    ai a tola!
    ai a tola!

    ela só quer esclarecer
    mas só sabe moer
    convencida, vencida
    de tanto moer!
    ai a tola! ai a tola!

    refrão (outra vez)

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  22. Vê-se mesmo que o Ludwig está preocupado com a possível existência dos Bagadjimbiri...

    tanto é que ele usa o exemplo dos Bagadjimbiri para tentar mostrar que Deus não existe e não o contrário.

    Dá para ver que divindidade preocupa, de facto, o Ludwig :)

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  23. Cristy,

    nunca haverá um debate esclarecedor sobre esta questao. É importante, sem dúvida, que haja o diálogo, e é isso que faco com meu marido - ele ateu e eu católica da Silva. Nem eu quero convencê-lo que ser ateu é bobagem, nem ele que minha fé também o é! Se nós conversamos sobre Deus e as atrocidades que sao feitas em seu nome? Sim, mas falamos também dos muitos que se dizem melhores por nao crerem e fazem exatamente o mesmo que criticam nas religioes ou crencas. Aliás, acreditar na ciência nao é também uma forma de acreditar? Nao seriam as teorias por ela levantandas também uma forma de dogma?

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  24. Anónima,

    «Aliás, acreditar na ciência nao é também uma forma de acreditar? Nao seriam as teorias por ela levantandas também uma forma de dogma?»

    Podemos acreditar na ciência. Mas a ciência não é a crença em si. É o processo que a justifica.

    Essa é uma diferença fundamental. Enquanto que algo como o cristianismo se caracteriza por algumas crenças necessárias (não se pode ser cristão sem acreditar na divindade de Jesus, por exemplo), algo como a biologia carateríza-se pelo método com que estuda as coisas. Ao longo da história da ciência as crenças têm mudado muito; o que permanece é a forma como as testamos, validamos, rejeitamos e substituimos.

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