Valores
O Luís Azevedo Rodrigues escreveu há tempos sobre o trabalho de Vanda Faria dos Santos na investigação, protecção e divulgação de jazidas de dinossáurios:
«Este trabalho é um dos exemplos de investigação que sai da esfera do conhecimento puro e entra na aplicação quotidiana, por intermédio da divulgação do património Natural» (1)
O meu primo Luís Miguel Sequeira tem um post intitulado «Sustentabilidade, não ambientalismo!», e o «Timshel» escreveu que «Se, conforme defendem os ateus, existimos [...] apenas porque a matéria [...] se organizou de uma certa maneira, então a nossa existência é um absurdo, apenas uma forma de existência da matéria, sem qualquer significado particular.»
Os três abordam, de forma diferente, o contraste entre valor intrínseco e valor instrumental. O exemplo do Luís Rodrigues é de sinergia. O conhecimento tem valor por si e pelo uso que lhe damos. Quantos mais tiverem acesso ao conhecimento e quantos mais o usarem mais valor terá em ambos os aspectos. Isto é válido para a informação em geral, por ser um bem imaterial que se pode multiplicar sem limite. É importante ter isto em conta quando se propõe apor-lhe um preço em detrimento do seu valor.
No exemplo do meu primo há um conflito entre o valor intrínseco de algo como uma floresta ou uma população de baleias e o seu valor instrumental para nós. A sustentabilidade visa maximizar este último. Caçar baleias ou cortar árvores de forma a extrair o máximo destes recursos a longo prazo. Mas isto choca com o valor intrínseco destas coisas. A baleia tem valor enquanto baleia, e um valor para si própria, à parte do seu valor como fonte de óleo ou carne. Por isso estou de acordo com o Luís Rodrigues em que o conhecimento tem mais valor quando, além de conhecido por uns, é divulgado e serve para todos apreciarmos melhor a Natureza. Mas discordo do Luís Sequeira. A protecção do ambiente não deve ter por objectivo maximizar o valor instrumental da Natureza em detrimento do que esta vale por si.
E a proposta do «Timshel» é ainda pior. Implica que o valor da nossa vida é só o seu valor instrumental para outro. Se a nossa existência for um produto natural e valer apenas pelo que é então, diz ele, não vale nada. Só pode valer se foi criada por alguém para um propósito seu.
É uma das coisas mais absurdas desta religião. Discordo da premissa que tudo foi criado por um deus omnipotente mas isso é apenas uma questão factual. Se houver evidências nesse sentido mudo de opinião. Agora a ideia que tudo tem valor só em função desse deus é inaceitável. A minha vida tem valor para além do que outros possam ter ou não ter planeado. Tem valor para mim, seja qual for o processo que me criou.
1- Luís Azevedo Rodrigues, 6-2-08 Candidatura Ibérica a Património Mundial da UNESCO - jazidas de dinossáurio
2- Luís Miguel Sequeira, 7-1-08 Sustentabilidade, não ambientalismo!
3- Timshel, 25-2-08, Os calhaus
Ludwig
ResponderEliminarGostei do modo como estabeleceste um paralelo entre estes diferentes pontos de vista.
É liberdade interpretativa da tua parte assumir a religião diz que só por ter sido criado por Deus a coisa ou a criatura tem valor. Não és o único a pensar assim (e possivelmente a maioria dos que assim pensam são religiosos). Não é que não diga que as criaturas de Deus têm valor por serem criaturas de Deus. Simplesmente não fecha aí o ciclo de valor.
É curioso como o ponto de vista ateu pode (e sublinho "pode") justificar uma desvalorização das coisas e dos seres vivo. Como se o acaso não tivesse o seu mérito e o seu valor, indepentemente de ter sido ou não guiado por uma entidade superior. A ressalva que fiz ao "pode" é que tu (ateu empedrenido) não pensas desse modo e há quem leve a coisa para além dos humanos (os nascidos e os por nascer) e ainda as leve para a esfera dos animais.
Um polvo é espantoso quer tenha sido criado por Deus ou pelo acaso. Nada lhe diminui o valor. Só um arroz do dito, e mesmo assim tem valor nutricional. E foi por essas e outras que eu virei para vegetariana.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLudwig, dizes:
ResponderEliminar"Tem valor para mim, seja qual for o processo que me criou"
Porquê? (talvez devesse ter perguntado antes "Para quê?", mas as duas perguntas estão intimamente ligadas)
Timshel,
ResponderEliminarPorque sem minha a vida nada tem valor para mim, e é a minha vida que me permite dar valor às coisas. Posso ter surgido à sorte ou criado num tubo de ensaio que isso não muda.
Abobrinha,
ResponderEliminar«É liberdade interpretativa da tua parte assumir a religião diz que só por ter sido criado por Deus a coisa ou a criatura tem valor.»
Por «esta» religião referia-me à do Timshel. Provavelmente é diferente da tua. Mas isso vocês que se entendam a ver quem tem razão, que a mim tanto faz :)
Tanto faz o carago, seu mau feitio: tu queres é ver-nos à bulha! ;-)
ResponderEliminar"Porque sem minha a vida nada tem valor para mim, e é a minha vida que me permite dar valor às coisas. Posso ter surgido à sorte ou criado num tubo de ensaio que isso não muda."
ResponderEliminarNão sei se percebeu, Ludwig, mas acaba de dar razão ao Timshel. Sem Deus a sua vida não faz sentido. Nem para si nem para ninguém. É igual a um grão de areia. É Deus que lhe dá a dignidade.
Ludwig, dizes:
ResponderEliminar"Porque sem minha a vida nada tem valor para mim, e é a minha vida que me permite dar valor às coisas. Posso ter surgido à sorte ou criado num tubo de ensaio que isso não muda."
Não posso interpretar este comentário literalmente porque então ele seria uma tautologia.
Isto é, o teu comentário poder-se-ia reescrever assim:
"A minha vida tem valor porque existo e é pelo facto de existir que dou valor às coisas. Não interessa saber qual o processo que, em concreto, levou à minha existência."
Ora esta explicação não permite qualquer clarificação. É uma lapalissada, uma evidência que em nada permite avançar.
Ela não diz "porquê" nem "para quê".
Podes dizer que o "porquê" do valor, na medida em que é irrespondível científicamente, não interessa. Mas então coloca-se a questão de saber porque é que tem valor (se é que tem, ou deve ter, algum).
Contudo, com esta resposta ao "porquê" estás a responder ao "para quê". Isto é, ou a vida não tem nenhum valor, e então é inútil perguntar "para quê", ou ela tem um "valor" que é apenas o inerente às leis da biologia e o "para quê" é respondível do seguinte modo:
"é porque é", "é, para as leis da biologia continuarem a ser válidas", isto é, para nada.
Ambas as respostas agnósticas conduzem à injustificação do "para quê". O "para quê" não faz sentido a não ser para reflectir as leis da biologia, a sobrevivência do indíviduo e da espécie, mas elas também são apenas "constatações".
Existe uma terceira hipótese, que é aquela em que acredito, a vida, a minha vida, a tua vida, tem um valor transcendental, ela não existe por acaso, ela não representa o absurdo, ela não é o simples aglomerado de átomos e moléculas que se organizam asim como se podiam ter organizado de modo a formar um grão de areia.
Ela tem um "porquê" que é um "para quê.
Timshel,
ResponderEliminarPor favor. Pode esclarecer-me (se assim o entender)qual é o valor da vida para si?
Caro Mário Miguel
ResponderEliminarO "porquê" da vida, para mim, é o seu "para quê".
O conhecimnto científico não permite explicar o sentido da vida porque ela implica um "para quê".
Ora como qualquer filósofo lhe dirá "do ser nunca pode decorrer o dever ser".
A minha , sublinho a minha, escolha é a de que existe um mandamento, o mandamento do Amor que nos diz que o sentido da vida é amar, é fazer os outros felizes no sentido mais profundo do termo.
Caro Timshel,
ResponderEliminarE porquê que o sentido da vida é amar, é fazer os outros felizes no sentido mais profundo do termo?
Caro Mário Miguel
ResponderEliminarjá te disse
é uma escolha
a vida, tal como existe, não nos dá uma resposta sobre o sentido da vida
"obriga-nos" a existir e depois, quer queiramos, quer não, temos que escolher
essa é a minha escolha
nada nos obriga a fazer essa escolha
talvez seja esse o sentido da vida
Caro Timshel,
ResponderEliminarE porque é que é uma escolha, e não uma obrigação, ou dever, ou outra coisa qualquer?
Aqui falam da vida e do seu sentido como seres humanos (o que tem a sua lógica), mas os Homens são apenas uma espécie entre os milhões que existem e os biliões que existiram.
ResponderEliminarDizer que o sentido da vida é amar é estar a limitar "um pouco" o significado da palavra vida!
a não ser que o sentido de vida de uma pulga ou de uma palmeira seja também o Amor... Se não o for conclui-se que apenas a vida humana tem valor e os outros milhões de vidas não valor nenhum!
Se eu fosse um golfinho ou gorila não ia achar piada nenhuma a esta conclusão...
E se fosse o Peter singer chamaria-lhe especista!
ResponderEliminarAntónio,
ResponderEliminar«É Deus que lhe dá a dignidade»
Não sei o que o António quer dizer com dignidade. Mas pela minha definição, se só tenho a que me foi dada não tenho dignidade nenhuma. Isto não é coisa que se dê ou que se receba.
Pessoalmente acho que a vida faz sentido quer seja devida ao acaso quer à criação divina.
ResponderEliminarA necessidade de pôr Deus na equação da criação faz para mim sentido quando olho para a Natureza e penso que algo de tão maravilhoso e complexo pode ter algo mais por detrás. Mas não digo que TEM que ter origem em algo de não natural. Não posso prová-lo e faz sentido que não o tenha sequer.
Contudo, se não há algo por detrás, se a criação resulta somente do acaso, não se torna menos maravilhosa. Por esse motivo, por esse deslumbramento pela Natureza tem o Homem descoberto as suas leis naturais.
Descobrir como funciona a Natureza não tem o mesmo valor de desencanto que descobrir que não existe o Pai Natal, mas o oposto: quanto mais se sabe da Natureza maior é o espanto. O que pode ou não dar origem a sentimentos mais naturalistas ou religiosos (ou absolutamente nenhuns).
Não estou inteiramente convencida que Deus não seja um modo de escondermos o nosso medo da morte e a nossa ignorância e pequenez perante o Universo. Mas quer Ele exista quer não, quer a minha vida faça ou não sentido para quem me rodeia ou no contexto do mundo, procuro que a minha vida faça sentido. Procuro ser feliz e fazer os outros felizes (descobrir o que isso é, já é mais complicado).
Timshel,
ResponderEliminarEstás a baralhar uma data de coisas.
Primeiro, não é necessário que uma vida tenha valor. A vida de um ser humano, de uma baleia, de um chimpanzé e outros animais capazes de sentir e avaliar a situação em que se encontram tem valor por ser um a vida de um ser capaz de fazer juízos de valor.
Isto ser tautológico não implica que seja inútil. É como dizer que é encarnado qualquer objecto que tenha esta cor.
Se queres saber porquê tens que detalhar a pergunta. Referes-te aos mecanismos neurológicos? À evolução desta capacidade?
Se queres saber para quê estás a tirar conclusões precipitadas. Isso assume que há um propósito, e não há razões para assumir isso.
Não concordo que a minha vida só tenha valor instrumental. Mesmo que não sirva para nada e não haja um «para quê» na minha existência o simples facto de eu ter a capacidade de dar valor permite que a minha vida tenha valor.
"Não sei o que o António quer dizer com dignidade."
ResponderEliminarDignidade é o valor que temos devido à nossa condição de seres racionais e livres.
Mas que Abóbora filosófica... e quase até teológica! :)
ResponderEliminarOra... e que tal uma historinha de encantar Gnomos e Ninfas ao luar?! ;)
Quando Deus terminou a criação do Universo, os anjos gritaram de alegria, tão majestoso e belo era tudo quanto contemplavam extasiados.
Mas o Criador queria ser reconhecido pelo Homem, embora ocultando-se num sítio quase inacessível e onde fosse deveras difícil descobri-lo. Só quem muito desejasse, tudo faria para ir ao seu encontro.
Reuniu então todos os anjos e pediu-lhes que sugerissem um lugar onde ele se pudesse esconder e o Homem tivesse de superar muitos obstáculos até o descobrir.
Uns sugeriram o fundo do mar, outros o cume da mais alta montanha, outros ainda o deserto inóspito e assim por diante.
Deus porém não ficou satisfeito com nenhuma dessas ideias. Afinal, a insaciável curiosidade humana um dia o levaria a explorar todas as paragens recônditas e inóspitas. O desafio tinha de ser mais subtil, além de que ele também não se queria afastar muito da sua criatura, a dádiva suprema do seu amor.
Então, vendo que nenhum anjo lhe dava a solução, revelou o plano arquitectado deste o início dos tempos:
- O lugar mais inacessível é aquele que está tão perto que o Homem jamais começará por procurar aí. E só depois de tudo buscar sem me encontrar, saberá que sempre estive nele, tão perto quanto o respirar ou o pensar.
Por isso se escondeu no coração do Homem, é lá que Ele está!
O Deus oculto... oh yeah! :)
Olha como Rumi o descobriu, pois foi dentro que o viu!
Tentei encontrá-Lo na cruz dos cristãos, mas Ele não estava aí;
fui ao templo dos hindus e aos antigos pagodes,
mas não consegui achar vestígios d'Ele em parte alguma.
Procurei nas montanhas e nos vales,
mas nem nas alturas nem nas profundezas fui capaz de O descobrir.
Fui à Caaba, em Meca, mas Ele também não estava lá.
Interroguei os eruditos e os filósofos,
mas Ele estava muito para além da sua compreensão.
Olhei então para o meu coração e foi aí, onde Ele habita, que O vi;
Não se pode encontrá-Lo em nenhum outro lugar.
Mas a Abóbora no quintal...
Rui leprechaun
(...é verde e angelical! :))
Já se tentou provar (a existência de deus) pelo argumento da causa primeira e não resultou. Já se tentou pelo argumento do desígnio ou causa última e ainda é pior.
ResponderEliminarMistico!,
o que vive no coração é somente um sentimento! Mas é bonito!
Olha o matemático de novo, ora viva!!!
ResponderEliminarAi... o lindo vegetal é que nada nos diz, que jejum de afeição cá prò petiz... ;)
Mas esse sentimento, o fundo sentir maravilhoso é isso mesmo... o Sol Rah-dioso!!!
Só que como explicá-lo directamente? No way, you simply can't!!!
Logo, todas essas lógicas e raciocínios elaborados para tentar provar e demonstrar o inefável falham sempre naquilo que é mais essencial: é que são dirigidos apenas à mente e à razão, não ao puro sentimento e amorosa emoção!
Humm... ou talvez isto sejam argumentos patetas de gentinha ignorante assim... como um Gnomo mirim!
Ora então, como pode uma Abóbora Sininho dar troco a um patego tão parvinho?! ;)
Pois se até uma Flor sente...
Rui leprechaun
(...o jardim, naturalmente! :))