Civismo
O leitor «Bruce Lóse» condenou que se beneficie do trabalho alheio sem dar contrapartidas porque é «o fim do civismo»(1). Mas o civismo, desde viver em cidades às regras da conduta civilizada até à própria civilização serve precisamente para beneficiarmos do trabalho alheio sem custos adicionais.
As contrapartidas pelo benefício são justas quando o benefício total é constante. Um bolo é um bolo quer fique metade para cada um quer fique um com o bolo todo. Neste caso é justo que quem fica com mais compense quem fica com menos. Não pelo benefício em si mas porque, pelas circunstâncias, o seu beneficio é necessariamente em prejuízo do outro.
O comércio é um pouco diferente. Ambas as partes beneficiam trocando bens que lhes interessam menos por outros que lhes interessam mais. É justo que cada parte seja compensada pelo custo do que tem que ceder mas não é cívico exigir contrapartidas pelo beneficio do outro. O dono do restaurante lucra mais se vender mais caro a quem tem mais fome mas esse lucro será à custa dos outros e à custa do benefício total do serviço. Um restaurante civilizado fixa os preços em vez de regatear com cada cliente.
Mas o que mais motiva o civismo são os benefícios sem custos. Mercados, estradas, muralhas, profissões, exércitos. Foram coisas como estas que levaram as pessoas a formar cidades e civilizações. Coisas que uns fazem e beneficiam outros sem custos adicionais. O vizinho usufruir da sombra da minha árvore no quintal dele não é falta de civismo. Falta de civismo é licenciar a sombra das árvores e reduzir o seu beneficio criando custos onde não existiam.
E onde isto se nota mais é na informação. A roda, a metalurgia, o arado, a escrita. A arte e a ciência. Para descobrir que o neutrino tem massa foi preciso cem milhões de dólares e 120 equipas de físicos de todo o mundo. Para sequenciar o genoma humano foi preciso três mil milhões de dólares e milhares de pessoas a trabalhar durante mais de uma década. Mas o produto deste trabalho é livre. Não é falta de civismo nem por os cientistas serem papalvos. É livre porque o beneficio que se tira desta informação é maior quanto mais acessível estiver. Qualquer restrição que se imponha acarreta o custo de restringir e reduz o benefício do trabalho.
Por isso proponho o contrário do «Bruce Lóse». O único problema é distribuir os custos de forma justa. De preferência com contributo voluntário ou, se necessário, imposto. Mas uma vez assegurada a produção é cívico usar o bem da forma que traga mais benefícios. É o que tentamos fazer com a saúde, com a educação, com a defesa, a lei, a segurança, o saneamento básico, o ambiente, e assim por diante.
Há sempre quem queira lucrar restringindo o acesso para poder cobrar mais. Uns dirão que é ganância, outros que é espírito empreendedor. Eu digo apenas que lucrar impondo custos e reduzindo o beneficio é falta de civismo. É o que acontece quando se cobra ao vizinho pela sombra ou pela transmissão de conteúdo digital.
O leitor «- com - dá +» sugeriu acrescentar à Declaração Universal dos Direitos Humanos o direito à cópia. O verdadeiro copyright (1). Concordo com a ideia, mas penso que já lá está.
«Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
[...]
Artigo 27°
«Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.»
Para garantir o civismo é preciso que a protecção dos interesses materiais não custe a liberdade de receber e difundir informação e de usufruir e participar na cultura, nas artes ou no progresso científico.
1- Free ride
Caro Ludi
ResponderEliminarO modo como se financia um compositor e o modo como se financia um médico de investigação não tem de ser o mesmo. E pode muito bem não ser desejável que seja o mesmo.
Dizes que “O único problema é distribuir os custos de forma justa. De preferência com contributo voluntário ou, se necessário, imposto. Mas uma vez assegurada a produção...” Ora, o que está sempre em causa é precisamente como é que distribuis os custos. Quem paga aos criadores de um sofware? Admites que temos de lhes pagar, certo? Eles não podem viver do ar.
Há dois modelos possíveis. Podes pensar assim: bom, por que razão quem não vai usar um software para gerir finanças haveria de pagar ao gajo que o faz? O mais justo é que quem usa o software do homem lhe pague o tempo que investiu para o fazer e o talento. Esta é a ideia actual, à qual te opões — por vezes por uma questão de princípio, como neste post, outras vezes por uma questão puramente pragmática, como em alguns comentários.
O segundo modelo é assim: paga toda a gente, através de impostos ou através dos produtos que compra às grandes companhias, que por sua vez fazem publicidade que por sua vez sustenta o criador. Isto tem a vantagem de dar a ilusão que toda a gente tem o produto de borla, mas na verdade toda a gente o pagou. Incluindo os que nunca o vão usar.
Que argumentos há a favor do segundo modelo? À partida, parece irracional. Apesar de ser verdade que todos contribuímos um pouco para tudo, parece um princípio económico razoável que a posição de partida em termos é que o pagamento deve ser o mais directo possível. Porquê? Porque pessoas diferentes têm diferentes padrões de consumo. Que sentido faz que um surdo de nascença seja obrigado subsidiar a música que não pode ouvir? Seria simpático da parte dele subsidiar se quisesse, dando dinheiro a uma escola de música, ou dando donativos aos músicos. Mas obrigar o homem a pagar, quer através de impostos quer através da publicidade, não parece razoável.
Claro que o princípio da solidariedade deve aplicar-se: quem tem mais recursos deve ajudar quem tem menos — dentro de certos limites. Mas não parece fazer muito sentido pôr toda a gente a pagar toda a música, mesmo que nem sequer goste muito de música. Nem pôr toda a gente a pagar software de desenho gráfico, incluindo os cegos.
Esta é a primeira questão. O pagamento directo é melhor, parece, excepto quando é impraticável.
A segunda questão é que dás precisamente exemplos de iniciativas de grandes tubarões, no qual se gastou milhões de dólares. E depois finge-se que se dá isso de borla ao mundo, mas o mundo já o pagou e pagou caro. Eu não tenho dúvidas, nunca exprimi dúvidas, quanto à viabilidade da tua fantasia para os grandes tubarões: Microsoft, Google, Harvard. Não tenho dúvidas disso. Estas companhias vão prosperar numa economia como a que queres. O meu problema é que isto significa que os criadores terão todos de ser empregados do estado ou dos tubarões. E isso parece-me um preço demasiado alto a pagar.
Se juntarmos este preço ao facto de parecer irracional não ter um sistema em que se procure na medida do possível o pagamento directo de quem usufrui delas, o caso parece feio para o teu lado.
Ludwig
ResponderEliminarImagine que o Estado deixa de lhe pagar o ordenado e o Ludwig passa a ser financiado directamente pelos seus alunos.
Imagine que de repente um dos alunos resolve reivindicar o acesso gratuito à ciência e deixa de lhe pagar as aulas.
Imagine que o Ludwig para ser coerente com o seu pensamento sobre o acesso cívico aos bens culturais e científicos aceita a posição do seu aluno.
Como reagirão racionalmente os outros? Deverão, necessariamente, deixar de pagar, baseados no argumento do aluno não pagante, e o Ludwig caminhará rapidamente para o rendimento zero.
É isto a que leva o seu conceito de civismo e de defesa do livre acesso aos bens culturais e científicos.
O seu sistema de cópia não autorizada e não paga só funciona porque ainda existem pessoas que têm consciência da necessidade dos artistas comerem todos os dias.
Não vou contestar um por um os argumentos do post para não tornar o comentário mais longo do que o seu texto mas nada do que escreve faz sentido.
As coisas são piores do que dizes, Parente. Porque se as pessoas não pagam tão directamente quanto possível o que os criadores criam, se pagam através de impostos ou publicidade, então elas não têm poder para decidir onde se vai usar o dinheiro delas. São ou uns iluminados nas universidades que decidem gastar bilões de dólares para descobrir se há pulgas azuis em Andrómeda; ou são uns homens gananciosos que vivem da publicidade. Mas não são as pessoas individuais que decidem o que apoiam ou deixam de apoiar. Dez mil pessoas podem gostar de um músico, mas não pode ouvir a música dele se um publicitário resolver que não vale a pena pagar-lhe para ele fazer música, ou se uma universidade decidir que a música dele é esquisita que não pode dar-lhe uma bolsa para ele a fazer.
ResponderEliminarClaro que eu sei que estas consequências não são intencionadas pelo Ludi. Mas o importante é explicar como é que estas consequências não se seguem do que ele diz. O Gulag também não era intencionado pelo Marx, mas é o que se seguiu em todos os regimes comunistas.
Desidério,
ResponderEliminar«O modo como se financia um compositor e o modo como se financia um médico de investigação não tem de ser o mesmo.»
Não. Mas também não tem que ser diferente só por ser. Civismo é escolher o modo com a melhor relação custo/benefício quando se considera todos os custos e todos os beneficios.
«O mais justo é que quem usa o software do homem lhe pague o tempo que investiu para o fazer e o talento.»
Isso é justo sim. Mas se o tempo daquele talento custa X, já não é justo que depois de se pagar X se continue a pagar. Não é necessariamente injusto, mas também não é justo. Se justo é pagar X basta que se pague X.
O modelo que eu proponho é o do canalizador. O canalizador pede X pelo seu trabalho em função dos custos do material, do tempo e do talento. Quem quer o trabalho paga-lhe X, e só com esse compromisso é que o canalizador trabalha. E esse X é independente de quantas vezes se vai abrir a torneira ou quantas pessoas vão à casa de banho. Depende apenas daquilo que o canalizador e o comprador acham que vale o trabalho do primeiro.
Os dados que dispomos indicam que isto funciona perfeitamente para a música porque, mesmo com o copyright, o dinheiro recebido pelo licenciamento da cópia não vai para o músico.
O argumento principal a favor deste modelo é o custo imenso de licenciar a cópia digital. Tens que impedir as pessoas de trocar informação que permita especificar certas sequências de números ao mesmo tempo que vendes às pessoas essas sequências de números. Isso é impraticável. É como tentar vender o 17 e impedir o comprador de informar os outros potenciais compradores que estás a vender o 17.
« Mas não parece fazer muito sentido pôr toda a gente a pagar toda a música, mesmo que nem sequer goste muito de música.»
Precisamente. E é isso que o copyright faz. Obriga todos a pagar a música retirando direitos a todos e financiando o policiamento com o dinheiro de todos.
Não sei se estás a pensar no copyright como uma pessoa dizer "vá lá, não copiem" e ninguém copia. Isso tem custos baixos. Mas é pouco realista.
Por isso se queres que um tipo lucre a vender algo que é gratuito -- essas cópias -- tens que impedir todos os outros de usufruir desse bem gratuito. Isso tem custos.
Neste caso além de ter custos financeiros consideráveis tem custos sociais e morais. Torna um hábito comum (partilhar a arte de que se gosta) num crime e atropela o direito a informação, ao usufruto da arte e à comunicação privada.
António Parente,
ResponderEliminarNo seu cenário descurou aquilo que eu disse ser o verdadeiro problema: assegurar a produção do bem.
Imagine que o estado e os alunos me pagavam para eu dar aulas, cobrindo o custo do meu tempo. Agora imagine que os alunos poderiam tirar daí o benefício que quisessem, transmitir essa informação a outros, e que eu até tinha as aulas na internet para quem quisesse aprender a matéria. E imagine que por muito que um aluno enriquecesse com essa informação e por muitas que fossem as pessoas a beneficiar disso eu não recebia mais um cêntimo porque o meu trabalho já estava pago.
Parece-lhe muito estranho este modelo?
Agora imagine o que todos teriamos que pagar, em dinheiro e direitos, para que eu recebesse em função do uso que dão ao que eu ensino. Imagine o que era policiar tudo o que os alunos fazem ao longo da vida, e policiar todas as pessoas que vão às páginas das disciplinas que lecciono, e tudo o que lhes teriamos que proibir de fazer para lhes cobrar os meus rendimentos. E agora imagine esse sistema policial pago dos seus impostos e controlando a sua vida a ver se não vai espreitar às minhas aulaa e verá que lhe sai mais barato pagar-me logo o ordenado e deixar as pessoas fazer o que quiserem com o que aprendem das minhas aulas.
Ludwig
ResponderEliminarNão me parece estranho o seu modelo porque o Estado paga-lhe. Não sei se foi o seu subconsciente a funcionar porque os mecanismos da mente são misteriosos mas não retirou o Estado do circuito dado que, como toda a gente, tem contas para pagar ao longo do mês.
Coloque apenas os estudantes a pagar e o seu modelo cai pela base porque como ambos sabemos os estudantes não gostam de pagar propinas.
Paradoxalmente, as universidades colocam barreiras, ao contrário dos desejos do Ludwig, ao acesso ao conhecimento: começaram a proliferar as plataformas Moodle com passwords de acesso e nos mestrados profissionais são distribuidas senhas para se aceder aos materiais do curso e nos que são distribuídos directamente aos alunos aparecem referidos, explicitamente, os direitos de autor e a proibição de cópia não autorizada.
Sem querer desvalorizar o seu trabalho profissional (peço-lhe para não colocar o que vou escrever a seguir ao nível pessoal), existem meios alternativos de acesso aos materiais que lecciona. Já o mesmo não se pode dizer se a disciplinas fosse "A arte de fabricar ouro em casa": aí duvido que o acesso fosse livre.
Desidério
ResponderEliminarO modelo do Ludwig tem como consequência conduzir-nos ao mundo da minha infância: aos Domingos de manhã, uma volta pelas ruas da vila atrás da banda da sociedade filarmónica, mãos nos bolsos, boné na cabeça e mata-ratos ao canto da boca.
E isso não é necessariamente mau: gosto de ouvir, nos dias em que isso acontece, os músicos amadores tocarem no coreto do Jardim da Estrela enquanto beberrico o café e os meus filhos atiram pedaços de bolo aos patos do lago. É genuíno, é pitoresco e só tenho de pagar o bolo e o café.
(não sei se estou a repetir algum comentário anterior)
ResponderEliminarLudwig, eu entendo a abordagem à "compensação voluntária pelo produto imaterial" e estaria até de acordo com esse raciocínio, não fosse um petit rien onde muitas vezes esbarram as boas ideias:
a natureza humana.
Se é verdade que a ocasião faz o ladrão, a net ficará na história como a maior ocasião de sempre! Essa ideia de que uns podem perfeitamente pagar pelos outros é para mim uma evidência do nascer dos tempos... o problema é assumir ou promover nisso uma regra, dada a experiência que temos da incompatibilidade entre primatas e altruísmo. Quando dizes que os "easy riders" só constituem um problema a partir do instante em que inviabilizam a produção do bem desejado salta-me logo no sistema nervoso todo o acervo museológico dos comportamentos em que o cidadão é, de facto, uma nódoa.
As minhas conclusões:
- A tua proposta presume não apenas o abate do sistema que julgo chamar-se capitalismo, e esta é a parte boa, como exige um reboot ao ecossistema humano, e esta é a parte má.
- Confrontado com este tema, sou muito mais reaccionário e conservador do que pensava.
- Dério, por favor vá lá dizer ao Singer que ainda não estamos prontos.
António Parente,
ResponderEliminar«Não me parece estranho o seu modelo porque o Estado paga-lhe.»
Muito bem. Vamos então retirar o Estado do modelo.
Eu tenho uma sala de 200m2 que quero pintar. Contrato um pintor. Primeiro, o pintor quer que eu me comprometa a remunerá-lo. Sem eu aceitar o orçamento ele não começa a trabalhar. Ele faz o orçamento com base no seu talento (um bom pintor é mais procurado e mais caro) e nos custos de material e tempo. Concordamos o preço, ele pinta, eu pago. Se é caro para eu pagar sózinho posso combinar com outros que vão usufruir da sala e fazemos uma vaquinha. Mas isso já não é com o pintor.
Não lhe interessa se eu vou usar a sala para ver televisão, para guardar mobília, para dar festas com os amigos ou para ter reuniões com empresários e fechar negócios de milhões de euros. O pintor não quer saber quantas pessoas vão usufruir da sala nem que benefícios vão daí tirar. Dá o orçamento e é isso que ele quer receber.
Julgo que este modelo não lhe será estranho.
Estranho seria o pintor primeiro pintar a sala e depois tentar cobrar por cada pessoa que lá entrasse e pelo benefício que daí auferia.
Agora imagine que em vez de decorar as paredes da sala eu quero melhorar o ambiente aqui em casa com uma música nova, diferente do que há por aí já feito. Junto-me com outras pessoas que querem o mesmo e encomendo uma música. É certo que a música pode cobrir mais salas que a tinta do pintor. Nisso o músico tem vantagem. O pintor nunca poderia servir um milhão de clientes duma só pintadela. Por outro lado isto aumenta a concorrência entre os músicos e baixa o preço por cliente. Mas não baixa necessariamente o preço do trabalho do músico. Isso depende apenas da procura do seu produto e do seu talento relativamente aos outros músicos.
O modelo é o mesmo. O músico diz quanto quer pelo trabalho, combina com quem lhe paga e depois faz o trabalho. O que os clientes fazem com a parede ou os sons já não é com ele.
O Estado só terá que intervir se acontecer que ninguém quer pagar ao músico, ou ao pintor, mas mesmo assim muita gente quer que eles componham ou pintem. Nesse caso tem que se pagar colectivamente os custos. Mas isso não deve ser necessário num bem como a música nem justifica o disparate de cobrar por utilização em vez de cobrar pelo trabalho de produzir o bem.
Como sei que tem formação em economia, sugiro que pense desta forma. A cópia é gratuita e vale 0. Copiar toda a gente faz. O trabalho de um músico é único e é algo que muita gente procura. O que faz mais sentido: que o músico receba pela venda das cópias que valem 0 ou pela venda do seu trabalho que só ele pode fazer e muita gente procura?
Bruce,
ResponderEliminar«Se é verdade que a ocasião faz o ladrão, a net ficará na história como a maior ocasião de sempre! Essa ideia de que uns podem perfeitamente pagar pelos outros é para mim uma evidência do nascer dos tempos... o problema é assumir ou promover nisso uma regra, dada a experiência que temos da incompatibilidade entre primatas e altruísmo.»
Não tem nada a ver com altruismo. Isso é uma grande confusão. O tipo que inventou a roda não o fez a pensar "ena, que bem que isto vai fazer a tanta gente". Fê-lo a pensar "porra, como é que eu agora vou levar esta tralha toda para casa?". Estava-se a marimbar para os outros.
É isso que eu proponho aqui. O músico que faça música ou porque gosta de fazer (como eu escrevo no blog porque gosto de o fazer), ou porque alguém lhe quer pagar pelo seu trabalho, ou ambos.
Eu faço o meu trabalho pelos meus interesses. Porque gosto, porque me pagam, porque sustento os filhos, etc. Não é altruismo, nem exijo isso do músico.
Também não o exijo dos fãs que pagam ao músico. Estes vão pagar porque de outra forma o músico não compõe, vai trabalhar para uma padaria e eles ficam sem a música que querem. Tem que ser no interesse de alguém pagar ao músico, porque se ninguém tiver interesse no trabalho dele então também não vale a pena sustentá-lo.
Mas destas actividades todas em proveito próprio surge algo que pode ser usado por todos sem custos adicionais. E o mais racional é que o façam.
Licenciar a roda é um disparate.
Não, Lud. O "altruísmo" é o de pagar por aquilo que sei de antemão que outros não irão pagar. O instante de o fazer é altruísta.
ResponderEliminarBruce,
ResponderEliminarEntão temos uma definição muito diferente de «altruismo». Tenho a impressão que o que tu queres dizer é o que eu chamo «inveja».
Altruismo é um sacrificio feito a bem dos outros. É passar duas semanas no hospital para não deixar o miudo de 4 anos que tem pneumonia ficar lá sem alguém da família. É coisa que muitos fazem mas só em algumas situações.
Agora supõe que o Dennett quer escrever umas ideias novas que ele tem acerca da consciência mas precisa de prescindir de outros rendimentos e pede €10 por cada encomenda adiantada para ter dinheiro para escrever. O produto final vai ser só um pdf que qualquer um pode descarregar.
Eu pagava já os €10. Não era um sacrificio a bem dos outros nem por pena do Dennett, que deve ganhar bem mais que eu, mas porque para mim apoiar o trabalho dele desta forma vale bem os €10. E se daqui a uns dias fosse à página dele e ainda faltasse uma data de gente, eu encomendava de novo. E de novo. Não sei dizer agora ao certo até onde ia, mas se é a diferença entre poder ler esse livro ou ele nunca o escrever eu era capaz de dar €100 ou mais. Não é altruismo. É interesse.
O que importa é quanto o trabalho do Dennett vale para mim. Por um lado porque admiro o trabalho dele só o facto de poder contribuir tem valor. O gozo de saber que eu fui uma das pessoas que tornou possível aquele trabalho vale bem os primeiros €10. E se há risco de o dinheiro não chegar, o trabalho em si vale bastante mais para mim.
E não me importa nada é que tu depois leias o pdf à borla. Não me vou roer de inveja por isso, e até fico contente que o leias. Certamente o Dennett, se escreve uma coisa, também gosta que a leiam.
Recusar-me a pagar e perder um negócio que para mim é bom só para evitar que tu usufruas disso à borla é que me parece estupidez.
António Parente,
ResponderEliminaro modelo do desidério faz-me lembrar a minha infância em que se cobrava imposto para usar isqueiro, chapéu de chuva, ouvir o "transistor". Que saudades de ver as mulheres na praia com fatos de banho de gola alta; sim ! porque nesse tempo havia civismo e ai de quem violasse os "bons costumes"
Para descomprimir o ambiente de "pantufada" que para aqui vai.
ResponderEliminarMúsica produzida unicamente com sons do Windows XP, ver aqui.
No fim do vídeo mostra como foi feita.
Ops! Esqueci de assinar o comentário anterior.
ResponderEliminarMário Miguel.
Ludwig:
ResponderEliminarDesculpa mas não tens razão naquilo que defendes.
Sempre chamei altruismo ao acto que o Bruce Lose descreve como altruista, porque realmente esse acto é altruista OU irracional.
Passo a explicar.
A música custa 10 moedas e só se torna pública quando 10 000 pessoas pagarem.
Tu estarias disposto a pagar 15 moedas pela música.
Qual a atitude racional?
Pagar pela música porque assim ganhas 5 moedas (15-10)?
Não.
Não pagar pela música porque assim ganhas 15 moedas (15-0) quando depois a descarregares gratuitamente.
Em economia tu tens de pensar sempre nas alternativas.
Só faz sentido valer a pena pagar pela música se existissem EXACTAMENTE 10 000 interessados na música, e a tua decisão fosse aquela que determinaria se a música iria ser publicada ou não. Esse seria o único caso em que seria mais racional pagar - assumindo que não há altruismo envolvido.
Mas como a probabilidade de isso acontecer é mínima, o valor esperado dos ganhos decisão de NÃO comprar é muito superior ao valor esperado do ganho da decisão de comprar.
Só explicas a decisão de comprar por altruismo ou irracionalidade. E fico espantado que ainda não tenhas visto isto.
Sempre que falei em altruismo referia-me a isto.
- com - dá +
ResponderEliminarSe lhe lembra isso, lembra mal porque são coisas completamente diferente. Se tiver dificuldade em entender, posso explicar-lhe em detalhe embora não me pareça relevante para a discussão em curso.
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarQuando lhe sugeri, implicitamente, que retirasse o Estado do seu raciocínio referia-me exactamente ao exemplo dos estudantes.
Quanto ao novo exemplo, se encomenda uma música e a paga garante todos os direitos sobre ela. A partir daí o músico desliga-se da sua produção. Outra coisa diferente é um músico produzir um álbum e avaliá-lo em 45 milhões de euros. Uma pessoa só não lhos paga mas se cada um dos potenciais interessados contribuir com um bocadinho daquilo que o autor pensa que é o valor do seu trabalho o mercado funciona. Se ganhar menos de 45 milhões o pessoal está-lhe a dizer "eh pá vales menos do que pensas" mas se ganhar 50 milhões o pessoal diz-lhe "es mesmo bom". O mercado deixa de funcionar a partir do momento em que aparece o pessoal que quer ter o direito ao mesmo trabalho do autor mas sem pagar por ele.
Em relação ao papel do Estado, eu não gostaria de ver o dinheiro dos meus impostos a sustentarem o músico Quim Barreiros, por maior que seja o respeito humano que sinto por ele.
António Parente,
ResponderEliminaré claro que são coisas diferentes, felizmente.
E têm toda a razão nada do que disse é relevante para a discussão em curso.
- com - da +
ResponderEliminarEssa técnica de depreciar as posições "adversárias" é muito conhecida.
Quando falei na sociedade filarmónica quis frisar que o modelo do Prof. Ludwig Krippahl é viável numa sociedade em que a arte assuma uma faceta amadorística, isto é, em que cada um tenha uma profissão principal e desenvolva a sua arte nas horas vagas. Veja o que se passou com Fernando Pessoa: nunca foi escritor a tempo inteiro.
João,
ResponderEliminar«Só faz sentido valer a pena pagar pela música se existissem EXACTAMENTE 10 000 interessados na música, e a tua decisão fosse aquela que determinaria se a música iria ser publicada ou não.»
Estás a simplificar demais. Isto só é válido se eu tiver um oráculo que me permita saber exactamente como todos os outros vão agir. Além disso estás a assumir que não há um benefício em pagar ou prometer pagamento. E isso é uma premissa errada neste caso.
Imagina que estás a ler um livro do teu autor preferido. Agora imagina que tu contribuiste para o autor poder escrever esse livro. Não foi uma recompensa paga à editora da qual ele recebeu uns porcento, mas foi dinheiro que lhe deste a ele antes de começar a escrever o livro para que ele pudesse fazê-lo.
Se és fã do autor provavelmente essa sensação por si vale algumas moedas para ti. Por isso a primeira coisa que tens que considerar neste cenário é que há muitas pessoas que vão querer apoiar o autor com algo. Pode ser uma moeda, meia, dez, depende da pessoa, mas não estão todos a apontar para a borla porque a borla é pior. Priva-os da sensação de ter participado.
Esta quantia não é insignificante porque é isto que a ArtistShare vende e fazem bom dinheiro com o negócio. O fã quer participar e apoiar o seu ídolo.
E se há incerteza o problema é diferente. Se não dão o suficiente não perdes nada em prometer pagamento porque não te chegam a cobrar nada se não houver disco ou livro. Se toda a gente paga só vale a pena pagares o valor que maximiza a relação custo benefício daquela sensação de participar no projecto em vez de ficar de fora. O que podes concluir daqui é que a tendência é ficar longe dos extremos, o que aumenta a probabilidade da tua decisão ser importante.
Por isso começas a ter que considerar os riscos de ficar sem o produto.
O resultado acaba por ser o mesmo que nas eleições. Costumas votar? Nota que pelo teu raciocínio o racional era não sair de casa. Estás a perder tempo e não adianta de nada. Mas há duas coisas importantes a considerar: o valor de ir votar em si, independentemente do resultado, e a probabilidade, se bem que remota, de isso fazer diferença, ou pelo teu voto ou porque o exemplo influencia outros.
Mas é verdade que se não desses qualquer valor ao acto de votar e tivesses um prognóstico perfeito daquilo que todos os outros iam votar o mais certo é nunca votares porque não valia a pena.
Certo António.
ResponderEliminarEntão vamos discutir o modelo do Ludwig !
Que tal começar-mos por admitir, mesmo que provisóriamente como hipótese de trabalho, que é possivel criar um modelo que financie a criação artistica e que dispense o "copywrong".
Não lhe parece que, se for possível, é muito melhor para a sociedade ?
Junte-se nesta aventura criativa e veja se arrasta o Desidério consigo.
Talvez se venha a fazer história neste blog.
A emissora de rádio wfmu situada em new jersey é uma free form radio. Este ano cumpre 50 anos no ar ou no éter. Esta rádio é financiada através dos donativos dos ouvintes. Não tem publicidade nem apoios do estado. ainda por cima tem que pagar milhares de dólares ao equivalente americano da sociedade portuguesa de direitos de autor que se encarrega de distribuir todos esses impostos de forma obscura. A meta este ano para continuarem a fazer o seu trabalho é um milhão de dólares. Estão quase a conseguir. As pessoas que fazem os programas da melhor rádio do mundo não são pagas pelo seu trabalho.
ResponderEliminarAntónio,
ResponderEliminar«Em relação ao papel do Estado, eu não gostaria de ver o dinheiro dos meus impostos a sustentarem o músico Quim Barreiros, por maior que seja o respeito humano que sinto por ele.»
Quem é que acha que paga os salários da ASAE? O Quim Barreiros?
Ludwig Krippahl
ResponderEliminarEu pago uma parte e estou de acordo em pagar. No último Verão fui uma vítima das famosas bolas de berlim vendidas na praia. A partir desse dia tornei-me um feroz defensor da ASAE. É dinheiro bem empregue.
Ludwig,
ResponderEliminarNão é preciso complicar! Julgo que ambos sabemos perfeitamente das diferenças entre "inveja" e "altruísmo". Estamos apenas a interpretar a tua proposta em dois níveis diferentes de optimismo, facilmente conciliáveis caso trabalhasses para um regime comercial em que pura e simplesmente ninguém tem vergonha de não pagar o que deve por lei. Deixo-te de memória uma reflexão de Kafka, o proscrito perfeito do sistema que propões, que na economia dos bens escassos é a génese dos bens preciosos:
"Observo-me porque os outros me observam. Mas se mais ninguém o fizer, eu observo-me ainda mais de perto".
Falta muito deste caminho.
De resto, como leitor do teu blogue preciso urgentemente de um post do Sereníssimo Ladaínha e do seu acólito corcunda e verrugoso Lud Wig Arista.
Bruce,
ResponderEliminar«Estamos apenas a interpretar a tua proposta em dois níveis diferentes de optimismo, facilmente conciliáveis caso trabalhasses para um regime comercial em que pura e simplesmente ninguém tem vergonha de não pagar o que deve por lei.»
Não é verdade. Pelo contrário. O que pagas por lei são os impostos. O resto, no regime comercial, pagas pelo que queres. Queres uma mousse de chocolate baratinha compras os ingredientes e fazes. Não a queres fazer pagas a alguém que a faça. Queres um quadro original e não tens jeito para pintar pagas a quem o pinte. Gostas da música desta banda e queres que eles façam mais um álbum pagas por isso. Em todos os casos pagas se quiseres, a quem quiseres, e se não quiseres vais comprar mais barato ou fazes tu. É assim que o mercado funciona.
Proibir os isqueiros para obrigar o pessoal a comprar fósforos não é mercado. É um imposto disfarçado. O mesmo com a proibição da cópia para obrigar a pagar ao distribuidor.
Mais uma vez, é um erro assumir que a cópia é paga ao criador. Esse tem algo mais valioso para vende: o seu trabalho de criar. Quem precisa de cobrar à cópia é quem só vive de copiar o trabalho dos outros.
Meus caros
ResponderEliminarTenho lido esta discussão na diagonal po falta de tempo, não de interesse, porque está espectacular. Alguém (não me lembro quem) mencionou a falta de dinheiro para comprar CDs e DVDs e livros porque são caros. Isso remeternos-ia para um seminário que houve na Universidade do Porto cujo título era qualquer coisa como se a cultura era cara. Infelizmente não pude ir, mas quem foi concluiu que sim, que era muito cara.
Porque é que então se compra um computador XPTO e se paga internet de banda muito larga para se descarregar programas e música, quando isso daria para muito CD, DVD e livros? Isso tem que ver um pouco com a sensação de que é tudo caro demais (e é!), mas também com um certo sentimento de posse e exibicionismo.
Porque eu posso não conseguir tocar tão bem como o cantor X nem actuar tão bem (ou pelo menos ser paga para isso) como o actor Y), mas o filme torna-se meu quando sou eu que com o meu esforço e o meu engenho saco aquilo da net. Ou isso ou porque sou capaz de ter uma rede social com nerds suficientes para conter um habilidoso qualquer. E saco com a MINHA internet super-rapidíssima que EU pago e que EU arranjei porque EU sou esperta. E que rentabilizo recorrendo a estes esquemas.
Este tipo de esquemas são esquemas de socialização estranhos em si mesmos, porque em vez de o pessoal se juntar a ouvir música dos outros, junta-se a falar da música e dos filmes que os outros fizeram... mas que EU descarreguei porque EU sou esperto. Porque EU sou geek e ser geek até está na moda!
Não sei se repararam, mas há um número de "eu" considerável nesta maneira de pensar. Mas é isso mesmo: há uma apropriação mais profunda que o próprio usufruir do que é criação dos outros.
E ninguém fala mal do Quim Barreiros! O Quim Barreiros é um filósofo, um poeta!
ResponderEliminarLudwig:
ResponderEliminarNão tens razão em duas coisas que dizes.
A primeira é que se justifica pagar (altruismos à parte) porque "não temos certeza de quantos estarão dispostos a pagar e se o nosso contributo será decisivo".
Pois não.
Mas eu levei isso em conta na minha argumentação, caso contrário não teria usado o termo "valor esperado" que como sabes é um termo da estatística.
Mas vou expor este raciocínio com mais calma. Imagina que a probabilidade de existirem em todo o mundo exactamente 9 999 interessados em pagar o disco é de 1%. Suponho que tu concordarás comigo que esta percentagem está estimada por um enorme excesso.
Agora vamos ver os ganhos de cada decisão, ponderados à probabilidade de cada um dos cenários.
Pagar:
Ganho 5 moedas em qualquer cenário.
Ganho esperado: 5 moedas.
Esperar sem pagar:
Ganho 15 moedas em 99% dos cenários, e 0 moedas em 1% dos cenários.
Ganho esperado: 14.85 moedas
(Em ambos os casos não estou a considerar a probabilidade de serem menos de 9 999 visto que o resultado seria igual para ambas)
Nota bem que o problema disto é precisamente a incerteza. Se tu não sabes quantas pessoas estarão dispostas a pagar para contribuir pela obra, então face à ínfima probabilidade de tu fazeres a diferença, a decisão mais racional é mesmo não pagares.
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A segunda coisa que dizes é que não se trata de altruismo porque gostas da sensação de contruibuir para a obra.
Ora isto faz tanto sentido como dizer que o Joel que passa a vida a ajudar os outros é um grande egoísta porque ele tira prazer em sentir que é útil aos outros.
Claro que em última análise todas as motivações são egoístas, visto que é o nosso cérebro que as decide. Mas quando alguém, por tirar prazer em ser útil aos outros, ajuda sem receber mais em troca do que a satisfação de ter ajudado, nós chamamos "altruista" a essa atitude. E é do nosso interesse admirar e louvar tais atitudes, para as encorajarmos (e aumentar a probabilidade de outros tirarem satisfação delas e assim ficarmos todos a ganhar).
Assim, quando alguém opta por um ganho esperado de 5 moedas abdicando do ganho esperado de 14.85 moedas, apenas porque gosta da sensação de contribuir, ele está a abdicar de algo (quase 10 moedas) apenas pela satisfação de contribuir. Isso é altruismo.
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A comparação com o voto é perspicaz.
Curiosamente, a verdade é que "votar" nas actuais circusntâncias não é um acto racional, e há estudos que mostram que pessoas com maior propensão para comportamentos altruistas têm menor probabilidade de se abster nas eleições eh!eh!eh!.
Ainda assim é relativamente diferente o trabalho de perder 1h de manhã para participar em algo que vai ser falado e comentado durante meses, face ao pagamento de X dinheiro, quando se pode ter a música à mesma. A segunda hipótese exige uma dose de altruismo maior que a primeira. Além disso há altruismo e altruismo: é diferente alguém pagar dois ou três produtos por ano, ou pagar por grande parte dos que usa.
Mas nisto tudo, a comparação com o voto foi o argumento melhor que usaste. Ainda assim o essencial mantém-se: para o teu sistema funcionar - isto é mesmo assim! - é necessário que uma percentagem significativa das pessoas tenham comportamentos altruistas.
Podes achar que o teu sistema é funcional porque isso se verifica, mas não deixa de ser verdade que é necessário altruismo.
João,
ResponderEliminarConcordo com quase tudo o que escreveste, excepto com algo que é um bocado irrelevante para esta discussão, que passo a indicar.
«Claro que em última análise todas as motivações são egoístas, visto que é o nosso cérebro que as decide.»
Parece-me que não. Deve-se fundamentalmente à busca da recompensa. É parecido mas não é o mesmo.
«Mas quando alguém, por tirar prazer em ser útil aos outros, ajuda sem receber mais em troca do que a satisfação de ter ajudado»
É falso.
Isso é aparente, porque o "altruísta", recebe em troca tanto ou mais do que dá, mas de outra forma. Pode dar ajuda trabalhado num campo de refugiados, mas recebe
uma recompensa imaterial que o satisfaz de forma a suplantar o "desagrado" do trabalho dado.
Mário Miguel:
ResponderEliminar«Isso é aparente, porque o "altruísta", recebe em troca tanto ou mais do que dá, mas de outra forma. Pode dar ajuda trabalhado num campo de refugiados, mas recebe
uma recompensa imaterial que o satisfaz de forma a suplantar o "desagrado" do trabalho dado.»
Isso é PRECISAMENTE aquilo que eu queria dizer com a minha conversa.
O nosso cérebro age sempre à procura de recompensa. Somos animais.
No entanto, às vezes o cérebro procura recompensas de um tipo "imaterial": podem passar pela admiração alheia, ou mesmo pela satisfação de ter contribuído para a comunidade, para uma obra de arte, etc...
Quando alguém age desta forma: ajuda em troca da satisfação de ajudar (por exemplo), dizemos que age altruisticamente.
Era isto que queria dizer.
João,
ResponderEliminarisso não estava assim tão claro em
«Claro que em última análise todas as motivações são egoístas, visto que é o nosso cérebro que as decide.»
Só a "decisão", não explicaria grande coisa.
No fundo não há altruístas, convenciona-se é que dada atitude ou pessoa é altruísta.
João,
ResponderEliminarO teu modelo assenta em premissas que penso estarem erradas. Considera esta aposta: lanças um dado (d6). Se tirares 3-6 dão-te tanto dinheiro como todo o dinheiro que tu tens. Se tirares 1-2 tens que dar todo o teu dinheiro.
O valor esperado é um lucro de 1/3 do teu dinheiro, mas penso que concordas que uma pessoa prudente não arriscava.
No entanto se a aposta fosse um euro talvez já arriscasses.
Não vamos resolver o problema de definir como as pessoas deviam decidir, mas posso te dizer que a maior parte das conclusões que dizem que as pessoas agem irracionalmente são mera consequência de assumir primeiro que o racional é ____ (preencher a gosto).
No teu caso assumes que racionalidade é maximizar o valor esperado, quando se pode igualmente propôr que é maximizar o pior resultado (jogar pelo seguro) ou maximizar o melhor resultado (go for broke), ou qualquer combinação destas ou outrass estratégias.
Além disso assumes que o valor do dinheiro é directamente proporcional ao número de moedas, o que também é falso. Há também outros factores como o arrependimento, etc.
Essencialmente, tu defines que a racionalidade é maximizar o valor esperado e concluis que votar é irracional, ou pagar ao artista para ele compor, ou comprar um seguro, ou jogar na lotaria, ou gastar dinheiro num alarme ou numa porta blindada, etc. Não me parece um modelo muito útil para prever o que as pessoas vão fazer :)
Além disso penso que não compreendeste bem o tal valor de participar. Não é altruismo. Eu não voto para me sacrificar pelos outros mas porque quero ir lá fazer contar a minha opinião, exercer o meu direito, sentir que ajudei o meu lado a ganhar ou que, se perder, sentir que fiz o que pude e não ficar a pensar que se houvesse menos gente como eu podiamos ter ganho. Nada disso depende de fazer bem aos outros.
Finalmente, eu não estou apenas a especular que a música possa sobreviver sem estes direitos de cópia. Temos evidências disso. Há anos que o tráfego p2p é a maior parte do tráfego na net, oucupa praticamente toda a largura de banda disponível e não é só distribuições de Linux que o pessoal partilha. No entanto a industria do entretenimento está na boa. Os músicos ganham dinheiro, batem-se recordes de bilheteira, os actores ganham dezenas de milhões. Os únicos que estão mal são os que copiam discos. Mas não admira, o produto que oferecem já não vale nada...
Comparativo do Google Trend.
ResponderEliminarIsto em princípio tem pouca validade.
Ver o que eu me refiro aqui.
Caros comentadores,
ResponderEliminaro debate em torno do "copywrong" tem oscilado entre a questão da metafísica da cópia, como o Desidério faz questão de referir, e a viabilidade económica de um modelo de financiamento dos autores.
O Desidério diz que não quer discutir a "metafisica da cópia", parece-lhe muito mais importante saltar logo para trágicas conclusões sócio-politico-económicas de todo e qualquer modelo que venha a ser proposto, faz muita futurologia apocalíptica baseada (ou não) num modelo que ainda está embrionário: quer matar a criança à nascença e, no fim conclui que afinal é a metafísica da livre cópia que está errada.
Se o Desidério não quer discutir a metafísica da cópia então não discuta, mas não venha depois inferir sobre ela num contexto que a transcende em muito. Parece-me ser uma tentativa de julgamento sumário.
Para os outros comentadores que não estão bloqueados neste ciclo vicioso parece-me haver um futuro mais lucrativo.
É de facto necessário separar os dois problemas: a questão do direito à livre cópia e o problema de encontrar o modelo económico mais adequado.
Quando o Ludwig referiu o problema dos Free Riders e o comparou com a tragédia dos comuns identificou (ou intuiu), no meu entender, a questão central da dificuldade em encontrar um modelo de financiamento adequado. Só muito mais tarde é que o percebi, por isso gostaria de retomar esta questão no comentário que irei fazer a seguir.
- com -.
ResponderEliminarA tragédia dos comuns é um problema diferente pois trata-se de um zero sum game. Os outros tirarem proveito do pasto é chato porque sobra menos erva.
A música, tal como as descobertas científicas, a linguagem, a matemática, as receitas, etc. não são um zero sum game. Os benefícios que outros auferem não têm impacto nos custos. Se o objectivo é maximizar os benefícios minimizando os custos, que me parece um objectivo social razoável (o tal civismo) é contraproducente eliminar a possibilidade de ter beneficios sem custos.
- com - dá +
ResponderEliminarO "bloqueio" é mútuo. Não vejo o Ludwig nem o - com - dá + abdicarem das opiniões que emitem. Quando todos pensam estar certos, não há condições para chegar a um consenso. Mas não há nenhum mal nisso. As coisas são como são.
António Parente,
ResponderEliminarA melhor forma de desbloquear é pelas evidências. Eu proponho que o copyright, pelo menos aplicado a actividades pessoais sem fins lucrativos, tem aumentado imenso na última década sem efeitos deletério para a música, literatura ou cinema.
As queixas têm vindo todas dos distribuidores e não dos criadores.
Sugiro a quem só tem ouvido a propaganda das discográficas considerar também outra perspectiva:
http://www.stealthisfilm.com/Part1/
http://www.stealthisfilm.com/Part2/
http://www.goodcopybadcopy.net/
São documentários gratuitos, interessantes, e que mostram alguns detalhes relevantes para compreender a situação como é (em contraste com a situação como pintada pelas discográficas, que confundem o fim do CD com o fim da música).
Ludwig:
ResponderEliminarDuas coisas:
a) Quando esta discussão começou, as discográficas ainda estavam de boa saúde. Eu dizia que era uma questão de geração, que praticamente só a malta "jovem" (e a malta ligada à informática) é que sacava músicas, e que à medida que essa malta fosse crescendo os negócios da música, do cinema, etc... fossem todos "afectados".
Na altura dizias que não, e dizias que não eram só os jovens que sacavam músicas, etc... Mas a primeira parte do cenário chatinho que previa está a verificar-se. Vamos ver depois como vai ser em relação ao cinema.
b) Aquilo que tu disseste é verdade: não importa apenas o valor esperado, mas o risco.
Simplesmente isso é extremamente desadequado para o cenário em jogo. Entre dois cenários em que num deles se ganham 5 moedas com probabilidade 100%, e outro em que ganhas 15 moedas com probabilidade 99% e 0 com probabilidade 1%, ninguém hesita. As pessoas só hesitam se existir algo mais em jogo: motivações que classificamos de altruistas.
Quanto ao facto das pessoas não se comportarem de forma racional, espanta-me que isso seja novidade. O que é curioso é que apesar de tudo, quando assumes que as pessoas são racionais e egoístas, fazes muitas previsões económicas que batem certo. Quase..
Um dia li um texto sobre como era possível a wikipedia, que pela teoria económica tradicional (a tal que assume racionalidade e egoísmo dos agentes) não existiria.
O autor defendia a economia tradicional dizendo que a wikipedia era uma excepção - mencionou o tal 1% mágico do Desidério e disse que a proporção entre contribuidores e utilizadores é muito mais baixa que esse resultado. O moral da história era: no geral, para os negócios, podes assumir os pressupostos antigos. A wikipedia é mesmo uma excepção.
Claro que o senhor podia estar enganado. Mas o que está em jogo é mesmo o altruismo: ou há mais ou menos do que ele pensa. E tu, mesmo que não o admitas explicitamente, estás a partir do pressuposto que há mais. E só partindo desse pressuposto é que é possível acreditar na viabilidade do modelo que propões.
E eu gostaria muito que tivesses razão. O copyright é insustentável e vai acabar. Vamos ver se ele não leva grande parte do cinema e da música atrás.
Exactamente Ludwig,
ResponderEliminarEstamos na teoria dos jogos! Demorei a perceber isso, mas o que é que queres!? :)
E é por aí que, penso, se vai encontrar a solução para os fantasmas do Desidério.
Assim que puder coloco aqui o meu comentário e a minha solução.
João,
ResponderEliminarSe alguém escreve na wikipédia a custo, se é um esforço, e se o faz apenas a bem dos outros que vão ler é altruista.
Se alguém escreve na wikipédia por gosto, porque quer que leiam o que ele escreve e gosta de falar do que sabe, não é altruista.
Por exemplo, o tempo que eu perco com este blog (e tu, e outros comentadores) é um custo que eu invisto para receber a recompensa no gozo que isto me dá. Não é por vocês que o faço. É por mim. Pior ainda, o gozo que isto me dá deriva em grande parte do tempo que vocês aqui perdem. Apesar de fazer isto de borla sou um parasita da vossa atenção a beneficiar às custas do vosso tempo
Apenas não me envergonho porque, espero não estar errado, o sentimento é recíproco :)
Considera esta tabela de custos e benefícios:
A- paga 5 moedas e tem em troca 10 moedas de satisfação por contribuir para a composição da música e 50 moedas de satisfação por ouvir a música.
B- Não paga 5 moedas, tem 50 de satisfação pela música e -10 de arrependimento por ter perdido a oportunidade de ter contribuido para aquela obra de arte que tanto admira.
C- Promete 5 moedas, a música não se faz, não paga nada e tem 10 moedas de satisfação porque pelo menos tentou.
D- não se compromete, a música não se faz, e tem -10 moedas de arrependimento porque se calhar se ele e mais outros fãs tivessem feito um esforço o artista tinha podido gravar o álbum.
Ou seja, se tu entrares em conta que o fã não está a comprar um produto acabado embrulhado em plástico mas a decidir se quer contribuir para ter a música que gosta a tabela é diferente e é obviamente racional prometer o financiamento ao artista.
Sistemas com o da ArtistShare não funcionam por as pessoas serem papalvos mas porque as pessoas querem participar no processo de criar a arte que admiram.
Ludwig:
ResponderEliminarParece-me que isso é uma maneira de dar a volta à questão. As 10 moedas de satisfação por ter contribuído ou as -10 moedas de insatisfação pela "vergonha" são sentimentos altruistas.
Fizeste uma distinção entre altruismo "puro", em que o objectivo da acção é fazer bem aos outros - ponto - e o "altruismo interesseiro" (que não é altruismo, na tua opinião) em que se faz bem aos outros pela satisfação que isso proporciona.
Eu não concordo com essa distinção.
Acho que alguém que ajuda os outros porque isso o faz sentir bem não é um egoísta: é um altruista.
E em última análise acho que só o segundo tipo de altruismo é que existe: quando alguém faz bem aos outros ou procura a satisfação de fazer bem, ou procura fugir da culpa (e consequentes sentimentos desagradáveis) de não o fazer.
Por isso, aquilo que fizeste na tua análise foi pôr sujeitos altruistas, tais que a decisão de pagar faz sentido.
Só que muita gente apenas se preocupa com as 50 moedas da satisfação de ouvir a música e as 5 moedas de preço. As +10/-10 do orgulho/culpa acabam por não existir para muita gente.
A pergunta chave é "quanta?"
João,
ResponderEliminarNão devo ter explicado bem a distinção. Quando eu compro um chocolate sou motivado pela sensação que vou sentir ao comê-lo. Quando dou uma esmola podemos dizer que sou motivado pela sensação de ajudar alguém.
A questão relevante não é se eu sou motivado pelo que sinto (sou sempre) mas se o que sinto é por beneficiar outros ou porque eu gosto de algo.
Dar dinheiro à banda porque se quer fazer bem ao músico é altruismo. Dar dinheiro à banda porque se quer incentivar a música de que se gosta e porque se quer participar nesse processo criativo não é altruismo.
O primeiro estará correlacionado com as necessidades do músico. Um altruista dará mais dinheiro aos músicos mais pobrezitos que mais precisam. Quando dás esmola não dás ao Bill Gates ou aos Radiohead.
O segundo está correlacionado com os interesses de quem paga. O que paga por interesse próprio dá mais dinheiro ao músico de quem gosta porque é isso que lhe dá prazer. Mesmo que o músico seja multi-milionário e haja outro ao lado a passar fome.
É esse interesse que deves incluir no modelo. Comprar o trabalho do músico ao músico de quem se gosta tem uma tabela de custos e recompensas diferente que comprar um disco de plástico a uma empresa anónima. O problema do teu modelo é ser o mesmo nos dois casos.
Caro Ludi e restante malta
ResponderEliminarA mim parece-me uma complicação desnecessária seguir à risca o modelo do Ludi: um autor — que já tem de ser consagrado — diz à malta que só escreve se primeiro lhe pagarem 10 mil euros. Ok, não digo que isso não seja engraçado e tal, e é claro que funciona se o gajo tiver um milhão de fãs. Mas qual é o problema de ele pôr o PDF no site e pedir 10 euros por ele?
É isto que me parece absolutamente inacreditável na posição do Ludi. E isto é o que há de odiento nos Evangelistas da Borla. Porque estão a fazer uma cultura em que um gajo não pode pedir dinheiro pelo que faz, depois de o ter feito e quando as pessoas podem ver se gostam; só pode pedir dinheiro antes de o fazer e quando as pessoas não podem saber se vai ser uma bela treta.
Uma coisa é admitir o seguinte: dado que a percentagem de ladrões na Net é imensa, se o gajo mete o PDF na Net e pede dinheiro, a malta puxa-o mas não paga. OK, quando admitimos isto, começamos a pensar noutros modelos de negócio, como a idiotice de pagar mil dólares para ser “creative partner”, quando se podia pagar apenas 5 euros se não fosse os borlistas que ainda por cima querem arranjar altas justificações metafísicas para a desvontade de financiar aqueles que fazem aquilo de que eles gostam. Mas uma coisa é admitir que só temos de pensar em modelos alternativos por causa dos free riders. Outra coisa é dizer que não, que não há free riders nenhum, estamos no melhor dos mundos, e isto assim é que é bonito. Não é. Bonito seria se todas as pessoas que fazem download de um software e gostam dele e o usam fossem ao site do homem, clicassem no botão da PayPal e dessem 5 dólares ao tipo. Só que praticamente ninguém faz isso. Não percebo o que há de tão maravilhoso nisto que mereça ser saudado. É uma bosta e das grandes.
Desidério:
ResponderEliminarNão concordo com essa observação.
Actualmente quando vamos ao cinema temos de "confiar" que o filme seja bom.
A cultura do p2p a ese nível dá mais escolha ao consumidor: ele pode ver primeiro e pagar depois.
No sistema actual a maior parte do consumo artístico/cultural envolve uma boa dose de confiança no autor. No sistema que o Ludwig propõe as coisas não seriam muito diferentes a este nível.
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Ludwig:
Há muitas formas diferentes de ser altruista. Mas só não seria altruismo estar a pagar a um artista se realmente houvesse o risco de a decisão de não pagar ter como consequência a impossibilidade de usufruir do bem - mas este é irrelevante.
Quando tu falas na sensação de financiar o último disco dos Radiohead não para os ajudar, mas para promover a arte deles (mesmo que vá ter o mesmo acesso a esta arte), então já estamos a falar numa forma de altruismo.
É um altruismo mais para o mecenas que para o caridoso, mas não deixa de ser altruismo.
Mas se discordas da palavra, chama-lhe outra coisa qualquer. Mas entende que quando eu me referia ao altruismo falava disto.
E esta é a grande diferença: tu acreditas que muitas pessoas vão pagar aos artistas para terem esta "sensação" de participar em algo. Ora eu conheço muita gente que joga computador, e que nunca andou a dar dinheiro aos programadores para "dar a algo em que acreditam". Idem aspas no cinama, etc...
Basicamente, creio que esse tipo de motivações e sentimentos influenciam as decisões de compra muito menos do que aquilo que acreditas.
E acho que é esse o cerne da nossa divergência.
E gostaria muito de estar errado.
Discográficas unidas contra ISP irlandês, ver aqui.
ResponderEliminarREM lançam álbum no iLike, ver aqui.