O facto empírico
Para mostrar como estão errados os «defensores da cópia gratuita» o Desidério apresenta uma argumentação cuidadosa:
«Os factos empíricos são estes. Quando oferecemos algo de graça na Internet e pedimos um donativo voluntário, só 1% aproximadamente dos consumidores paga. O mesmo acontece quando oferecemos um serviço como o Flickr, e depois pedimos dinheiro para ter certas funcionalidades complementares.»(1)
Normalmente, poucos pagam algo que é oferecido de graça. É, por isso, um modelo de negócio pouco comum. Mas é também um facto empírico que os Radiohead ofereceram o álbum In Rainbows de graça e 38% das pessoas que o descarregaram pagaram. Voluntariamente. Talvez a relação entre um fã e o artista que ele admira não seja meramente comercial. Mas vamos prosseguir com os factos empíricos que o Desidério escolheu e assumir que o fã compra música como quem compra desodorizante ou batatas.
O Flickr oferece gratuitamente espaço para guardar fotografias permitindo acrescentar até 100 MB de fotos por mês. Por $25 ao ano o upload é ilimitado. A Worten oferece gratuitamente folhetos com dezenas de páginas a cores impresso em papel brilhante. Se quisermos comprar alguma coisa temos que pagar. O Desidério confunde a publicidade com o negócio. Uma vez montada a infra-estrutura é mais barato dar 100 MB de largura de banda mensal que pôr panfletos nas caixas do correio.
O Desidério então deduz que isto «Significa que para um criador poder viver de uma coisa dessas tem de atingir milhões de pessoas — para que o que 1% delas paga seja suficiente para viver disso. Logo, tais negócios só são viáveis para as grandes empresas: Google, Yahoo, Microsoft... não há assim tantas no mundo todo. É por isso que não há empresas pequenas, com apenas um engenheiro, a oferecer tais serviços.»
Se é preciso ter dezenas de milhares de clientes depende do negócio. E isso não é a razão pela qual a Internet é dominada por empresas grandes. A razão é que a Internet é um só sitio. Se centenas de milhões de pessoas podem usar qualquer serviço não há maneira de haver milhares de pequenas empresas a oferecer a mesma coisa. Na Internet não há as barreiras geográficas que permitem cada mercearia ter as suas poucas centenas de fregueses.
O Desidério afirma que «os defensores da cópia gratuita [... não] reagem à argumentação cuidadosa porque independentemente do que seja a realidade, querem manter o sonho.» Na verdade, por muito cuidado que se tenha no argumento, quando se baralha tudo e se selecciona apenas alguns “factos empíricos” pouco relevantes acaba por não ser persuasivo.
O facto empírico mais importante é que a cópia é gratuita. Não é algo que se defenda ou se oponha. É a realidade. O CD de plástico vale uns cêntimos e os números que lá estão não valem nada. A criação dessas sequências de números é um serviço que pode ser vendido mas a cópia vale menos que os panfletos da Worten. Subsidiar a cópia com proibições e licenças é impraticável e inútil.
O Desidério tem razão que «hoje em dia, na maior parte da Internet falsamente gratuita, quase toda a largura de banda é consumida com publicidade.» A maior parte da largura de banda é consumida com tráfego p2p e esses ficheiros de música ou vídeo são panfletos. No Brasil as bandas de tecnobrega dão cópias dos seus CDs aos «piratas» para que eles as copiem e vendam nas ruas. As bandas não recebem nada por isso. São panfletos que trazem pessoas aos concertos. Na ArtistShare os artistas vendem a possibilidade de figurar nos créditos do álbum, edições limitadas, participação no processo criativo. Bandas mais famosas conjugam a vontade dos fãs em contribuir com o custo irrisório de distribuir ficheiros e ganham milhões a oferecer coisas de borla. E tudo isto sem serem professores universitários.
Eu não defendo que a cópia seja gratuita. Isso já ela é. O que eu defendo é que não seja proibida. A cópia não tem valor, não é comerciável e não vale a pena regulá-la. O custo de proibi-la é enorme, quer o custo financeiro de policiar as comunicações como o custo de restringir direitos pessoais. E não vale a pena. Há muita coisa que o artista pode vender e que o fã quer comprar e que não depende de cobrar pela cópia.
1- Desidério Murcho, 5-3-08, O Eldorado Digital
Caro Ludi
ResponderEliminarO caso dos Radiohead não é estatisticamente relevante, nem economicamente relevante.
Não é estatisticamente relevante porque é um só caso. Ao passo que os exemplos de criadores que põem o produto do seu trabalho de borla na Internet e pedem que lhes paguem é muito elevado. E as pessoas não pagam, excepto 1% de pessoas.
Não é economicamente relevante porque, como é evidente, se as pessoas podem ter algo de borla, não vão pagar. Geralmente, não se preocupam com a sustentabilidade económica do criador.
O que está em causa, Ludi, é o modo como se financia os criadores. É falacioso argumentar por analogia que uma criação posta na Internet é como um folheto distribuído de borla para fazer as pessoas ir comprar outra coisa. Porque isto é misturar modelos diferentes de negócio. Aquilo que um criador quer é tornar economicamente viável a sua actividade criadora. Há várias maneiras de o fazer, e é sofístico excluir dessas maneiras a tradicional: cada pessoa que usufrui de uma cópia do que ele fez, contribui com uma pequena parte para que ele possa criar. É sofístico argumentar que as pessoas estão a pagar a cópia; o que elas a pagar é a actividade criadora, estão a torná-la possível.
Ora, o importante é compreender que os modelos alternativos que propões não beneficiam os pequenos criadores nem permitem a concorrência. É por isso que na Internet só há grandes companhias — e não por a Internet ser só um sítio. Isto é economicamente falso. Caso não existisse a mentalidade borlista na Internet quaisquer dois ou três engenheiros talentos poderiam viver concorrendo com os grandes tubarões. Mas assim não podem — porque o truque que ajuda esses grandes tubarões a ser tubarões é a oferta (falsamente) gratuita de serviços; isto significa que estes negócios só são rentáveis se tivermos milhões de clientes. Se isto não fosse assim, qualquer criador seria economicamente viável tendo apenas mil clientes. E desse modo teríamos mais concorrência, mais escolha, mais produtos, mais criatividade.
Desidério,
ResponderEliminarTu afirmaste que é «pura e simplesmente falso que um músico ou um escritor possa viver do seu trabalho se o produto desse trabalho puder ser copiado livremente». O facto é que o trabalho de muita gente pode ser copiado livremente, eles vivem disso, e até já te dei vários exemplos de quem se aproveita precisamente dessa possibilidade de copiar o seu trabalho livremente para ganhar com isso.
Não sei o que queres dizer com estatisticamente relevante, mas parece-me mais relevantes do que a tua afirmação desprovida de dados concretos.
Suspeito que só vais aceitar que é possível o artista viver sem proibir a cópia para uso pessoal se eu recolher uns milhares de nomes, moradas e extractos bancários. E mesmo assim não sei.
Por outro lado tu não dás nada. Vamos supor que só 1% das pessoas que ouvem uma música a compram. Será isso tão diferente do modelo corrente, com a rádio, tv, discos emprestados e mp3 descarregados na internet? Não me parece.
E não propões como implementar o teu sistema. Eu mostro exemplos de modelos alternativos em que a cópia é meramente publicitária e o que se vende é o trabalho de criar, aquilo que não pode ser copiado facilmente.
Tu nem sequer mencionas como se pode impedir a cópia quando tanta gente tem pendisks, leitores de vários giga, ligações de banda larga e um disco de 200Gb custa €50 e dá para guardar centenas de filmes ou muitos milhares de músicas.
E não explicas como é que o único impacto de dezenas de milhões de pessoas a partilhar ficheiros foi uma queda de uns 10-20% nas vendas de CDs, enquanto os rendimentos dos concertos, bilhetes de cinema e afins continuam a aumentar.
«O que está em causa, Ludi, é o modo como se financia os criadores.»
E eu discordo que se financie quem quer que seja proibindo os outros de trocar bits, monitorizando comunicações, revistando as mochilas dos miudos nas escolas e bisbilhotando dentro de cada pendisk e leitor de mp3. E a menos que se faça algo do género vai ter que se financiar os criadores ou deixando-os vender no mercado o que têm de especial ou dando subsidios como fazemos com muitas outras profissões.
Penso que está na altura de apresentares uma proposta concreta para ver se é melhor...
«Ora, o importante é compreender que os modelos alternativos que propões não beneficiam os pequenos criadores nem permitem a concorrência. É por isso que na Internet só há grandes companhias»
ResponderEliminarAo contrário da industria discográfica e da distribuição de filmes, que como sabemos é dominada por uma multidão de pequenas firmas, negócios familiares e criadores a trabalhar em liberdade e por conta própria, todos donos da sua obra e ninguém a ter que ceder direitos exclusivos a firmas grandes...
Penso que a única coisa que posso concordar contigo nisto, até agora, foi quando admitiste não perceber muito do assunto :)
Caro Ludi
ResponderEliminarComeçando pelo fim: o que está em causa é que no teu modelo económico se reproduz na Internet precisamente o que já havia antes da Internet, que é o quase monopólio das grandes companhias. O que tens dificuldade em compreender é que se reproduz esse modelo na Internet por causa das cópias gratuitas indiscriminadas. Caso contrário poderias ter pequenos criadores a viver directamente do seu trabalho.
Quanto à tua primeira resposta, já sublinhei o fundamental antes. E o fundamental é o seguinte: há uma grande diferença entre 1) lamentar a cópia indiscriminada e encontrar modelos económicos que a compensem; e 2) aplaudi-la como se isso fosse um futuro digital brilhante. Eu só estou a atacar 2, que é a tua posição. A tua posição nunca foi 1. És um Evangelista do Novo Mundo Digital, e por isso tu entendes, como todos o seguinte: “bute pôr tudo à borla na Net!” E eu estou a chamar-te a atenção para uma coisa simples: o preço a pagar por isso é demasiado alto. Não é o tipo de Internet que tu e eu queremos, Ludi. É uma palhaçada dominada pelas grandes companhias, usando a Internet como hoje se usa os outdoors e a televisão aberta: para poluir o mundo com publicidade a tolices.
Não tenho dados concretos, científicos, para te apresentar. Tenho a experiência de mais de dez anos na Internet, e a observação assistemática que faço das coisas. Não colecciono cuidadosamente o que parece dar-me razão, para depois o apresentar triunfantemente como “prova”. Mas a verdade é que não precisamos de nada disto. Porque podemos mover a discussão numa direcção puramente conceptual, deixando a outros a determinação dos factos empíricos relevantes. A esta questão tu podes responder:
Aceitas ou não que, caso seja verdade empiricamente que, regra geral, só 1% das pessoas paga na Internet o que pode ter de borla, isso é mau para a independência económica dos pequenos criadores, se as cópias gratuitas indiscriminadas se tornarem a regra?
Esta não é uma pergunta mal intencionada, não é uma pergunta sofística, e não depende de dados empíricos. Mas se responderes a esta pergunta podemos compreender melhor a tua posição. Por exemplo, podes responder que aceitas que é mau, mas que não acreditas que os dados empíricos estejam correctos. Só que os teus posts ao longo de meses mostram outra coisa. Não podes é jogar nos dois campos. Tens de clarificar as coisas. Se não, nunca mais te pago por ler o teu blog! :-)
Desidério,
ResponderEliminar«O que tens dificuldade em compreender é que se reproduz esse modelo na Internet por causa das cópias gratuitas indiscriminadas. Caso contrário poderias ter pequenos criadores a viver directamente do seu trabalho.»
Isso é falso. O monopólio fora da Internet é consequência directa do copyright, que concede a algumas firmas grandes o monopólio sobre obras de muitos milhares de criadores.
Os criadores independentes a viver do seu trabalho surgem na Internet precisamente porque recorrem a outros modelos de financiamento. O opensource, o creative commons com licenças comerciais, ArtistShare, SliceThePie, etc. Esses vivem mesmo do seu trabalho e não da cobrança à cópia. Por isso não precisam do monopólio.
«Aceitas ou não que, caso seja verdade empiricamente que, regra geral, só 1% das pessoas paga na Internet o que pode ter de borla, isso é mau para a independência económica dos pequenos criadores, se as cópias gratuitas indiscriminadas se tornarem a regra?»
Claro que não. Isso não tem nada a ver.
Supõe que eu escrevo um livro e 10,000 pessoas pagam-me para isso. É completamente irrelevante para a minha situação económica se os que lêm o livro à borla são zero, mil, ou cem milhões. Não faz qualquer diferença.
Tu estás a ver isto mal. Não é a proporção que interessa mas o número. E não é mau. Dado que X pessoas compram o meu livro, e n*X pessoas o lêm à borla, eu prefiro que X seja alto mas também prefiro que n seja alto. Não perco nada com isso e sempre dá uma certa satisfação saber que o pessoal lê o que eu escrevo.
A minha posição é esta: um artista profissional deve ser capaz de persuadir um número suficiente de pessoas a suportar o seu trabalho para que possa viver só disso. Não é muito. Se cada pessoa lhe der o equivalente a um dia de ordenado por ano basta ter 365 apoiantes. Se uma hora de ordenado por ano basta ter 3000.
O artista que não conseguir isso lá terá que ser amador. Não pode haver trabalho para todos independentemente do mérito.
E o número de pessoas que gozam da arte sem pagar é irrelevante porque isso não tira nada ao artista.
Se a sociedade achar necessário subsidiar os artistas menos talentosos que não conseguem ter fãs então que lhes dê o dinheiro directamente. Esta coisa de proibir cópias e licenciar direitos e assim é treta. Sai muito caro, 95% do dinheiro acaba no distribuidor, e ficamos todos a perder. Inclusivé o artista, que desta forma nem com 30,000 fãs consegue ter um rendimento porque o dinheiro fica todo no intermediário.
Tretas
ResponderEliminarA cópia pirata, por recópia, não é gratuita, é roubada. Só é gratuita a que é ofertada (pelos proprietários dos direitos de cópia concedidos pelos criadores e intérpretes, que também são pagos com parte das receitas dessa concessão).
Roubar cópias por recópia é de custo baixíssimo e fácil e cómodo de realizar. Policiar e reprimir esse roubo tem custos elevados e é de difícil realização. Isto não faz com que não se deva policiar e reprimir o roubo, nem que se deva legitimá-lo, aplaudi-lo ou incentivá-lo; apenas torna o roubo aliciante e fá-lo proliferar (pela impunidade).
A transgressão da legitimidade do negócio, pelo roubo impune, irá provavelmente fazer com que autores, intérpretes e editores repensem as modalidades do negócio, de modo a defenderem os seus legítimos direitos. O direito de cópia concessionado, por isso, poderá vir a tornar-se obsoleto, mas não deverá ser posto em causa em nome do direito ao roubo.
Tretas
Tu não sabes o significado das palavras: confundes custo zero para o ladrão com oferenda do proprietário. E tens mentalidade de funcionário, o que é pior: o chefe manda, o funcionário obedece. Se fosse teu chefe (de repartição), despedia-te por um tempo, para vires para aqui sobreviver à custa das tuas tretas (destas ou doutras da tua lavra). Se a experiência te corresse mal, por compaixão, readmitia-te.
Será que com o recurso à experiência aprenderias que tens andado para aqui a espalhar tretas sobre o roubo de direitos alheios? Aprenderias que a falácia e o sofisma são péssimos instrumentos argumentativos? Aprenderias que a nossa opinião não deve ser tida como verdade e, muito menos, imposta aos outros? Aprenderias que é mau andar a defender a violação dos direitos alheios?
Tretas
Tu tens-te como deus ou um dos seus iluminados profetas, embora não dês por isso. És tão fundamentalista como aqueles que aqui pretendes desmascarar. Estes ainda acreditam numa verdade alheia e pretendem espalhá-la; tu tens a tua verdade e pretendes impô-la.
Deixa aos coitados dos criadores, autores, intérpretes e editores a liberdade de decidirem as modalidades do seu negócio. Deixa-te de defender a legitimidade do roubo, só porque é fácil, é barato e fica impune.
Olha que ir às putas e não pagar também é fácil, é barato e costuma ficar impune (se o chulo não te apanhar). Cresce, Tretas.
Caro Ludi
ResponderEliminar“A minha posição é esta: um artista profissional deve ser capaz de persuadir um número suficiente de pessoas a suportar o seu trabalho para que possa viver só disso. Não é muito.”
O problema é que a maneira mais simples de as pessoas suportarem o trabalho de um criador é pagar-lhe directamente um montante pela cópia. Raios, Ludi. Estás a ser completamente cabeça dura. O que pode haver mais simples para um criador de software do que pôr o seu programa na Net, pedir 10 dólares e viver disso? Basta ter mil clientes por ano, e ganha 10 mil dólares por ano. Mas isto não funciona se a malta for lá sacar o programa e não lho pagar, pois não?
Precisamente porque isto não funciona, as pessoas estão a tentar encontrar outros modelos económicos que sustentem os pequenos criadores. E não há. Ou eles ficam na dependência das grandes companhias ou trabalham para o estado ou ficam dependentes da publicidade que por sua vez é controlada pelas grandes companhias — ou são amadores. Mesmo que tenham um número suficiente de pessoas a usar o seu trabalho, um número que seria suficiente para ele viver SE as pessoas pagassem.
Repara no absurdo que defendes: toca a copiar de borla! Mas depois vamos pagar aos artistas de outra maneira, porque somos todos gente boa preocupada com a sobrevivência deles. Se estamos preocupados com a sobrevivência deles, a maneira mais prática, é pagar quando usamos uma cópia do que eles fizeram. E não pagar-lhes indirectamente clicando em publicidade, ou pagando esquemas marados tão marados que ninguém entende como funciona.
Diz-me claramente: fazes um programa fantástico que 10 mil pessoas vão usar todos os dias nos seus computadores. Como é que vais ganhar dinheiro com isso se toda a gente copiar à borla da internet? Tenho uma ideia: metes publicidade disfarçadamente no teu programa, para que as pessoas paguem indirectamente. Oops... esqueci-me que isso já foi tentado, chama-se adware, e foi a bronca que se viu.
Caro Anónimo,
ResponderEliminarSe eu te roubar as calças ficas sem elas.
Se eu usar umas calças iguais à tuas não é bem a mesma coisa. No mínimo, passas menos frio.
Já agora, porquê o anonimato? Entrar de repente numa conversa a tratar por tu e a insultar como se nos já conhecessemos há tempos mas sem sequer dizer o nome? Será uma ideia de educação na linha da que tens de roubo?
Desidério,
ResponderEliminar«O problema é que a maneira mais simples de as pessoas suportarem o trabalho de um criador é pagar-lhe directamente um montante pela cópia.»
Isto é como dizer que a maneria mais simples de pagar ao canalizador é cada vez que alguém abre a torneira, ou pagar ao mecânico por quilómetro que usamos o carro que ele arranjou. Não é nada prático.
A ideia de fazer um trabalho, pô-lo á disposição de todos e *depois* pedir dinheiro não é nada prática. O razoável é pedir dinheiro pelo trabalho *antes* de o fazer.
«Diz-me claramente: fazes um programa fantástico que 10 mil pessoas vão usar todos os dias nos seus computadores. Como é que vais ganhar dinheiro com isso se toda a gente copiar à borla da internet?»
Vamos ver o caso geral. Faço um trabalho e 10 mil pessoas ficam servidas e satisfeitas com o meu trabalho. Como é que depois vou receber? Não vou. Assobia tudo e dizem que não é com eles, e com razão, visto que ninguém me encomendou o serviço.
O que tenho que fazer é pedir dinheiro pelo meu trabalho e assegurar que me pagam *antes* de o fazer. Porque depois de feito é tarde demais. Hás de ver que o canalizador, o mecânico, o electricista, o professor e toda a gente em geral só trabalha quando há um compromisso prévio com quem lhes paga.
Se eu quero ganhar dinheiro com programador tenho primeiro que compreender que não estou a produzir um bem material. Estou a vender um serviço: o serviço de criar informação útil. Mas não posso vender a informação como se fossem batatas.
Estou a fazer um serviço análogo ao do físico que determina a massa de uma partícula ou de um matemático que demonstra o teorema. Nenhum deles pode contar com a venda dessa informação aos clientes como fonte de rendimento. O que podem vender é o trabalho.
Por isso seria essa a minha opção. Punha na net: estou a pensar fazer um programa porreiro com estas funcionalidades. Se comprometerem no total €5000 eu faço o trabalho. Como qualquer prestador de serviços, primeiro o orçamento e depois o serviço se o orçamento for aceite. Ao contrário é claro que funciona mal.
Hahahaha! O Anónimo sentiu-se atacado pessoalmente, tadinho.
ResponderEliminarOu é um adolescente revoltado ou é dono de uma editora.
Ludwig,
ResponderEliminarUma nota fora do contexto.
«[...]e a insultar como se nos já conhecessemos há tempos»
Um tipo, quando se conhece há tempos,
já pode insultar. Tá engraçado:)
Tretas
ResponderEliminarPorquê o anonimato? Mas que pergunta tão tola, ó Tretas. Porque é uma opção que me é disponibilizada para botar comentário. Se não gostas da participação de anónimos, retira essa opção da página.
Na Internet só se entra de repente. Não há meio de se entrar devagarinho. E não é necessário pedir licença.
O tratamento por tu é o mais comum na língua portuguesa, ou também não sabias? Poderia usar Você, V. Ex.ª, Vossa Senhoria, Vossemecê e outros que tais, mas usei o tu, porque prefiro. É proibido? É sinónimo de qualquer desconsideração?
Insultar-te é afirmar que utilizas sofismas e falácias como instrumentos argumentativos e que escreves tretas? Essa também é boa, ó Tretas. Conhecermo-nos não é condição para insultos, e criticar as tuas tretas não é insulto. Tu não distingues o sarcasmo do insulto, o que é uma paupérrima interpretação da língua. Não queres ser objecto de sarcasmo? Não dês azo.
Faltou me perguntares porque te trato por Tretas. Mas digo-te. O teu nome de registo é complicado de escrever; teria dificuldade em separar a pessoa que ele designa das tretas que ela escreve, correndo o risco de insultá-la; não sei se o dono do blog é a mesma pessoa que aqui escreve tantas tretas (ou se esta será outra que o habita). Assim, tentei separá-las. Tretas ficou melhor para designar o treteiro que aqui bota as tretas. Porque nem tudo o que aqui é botado são tretas. Mas quando tens uma ideia fixa e a tens como verdade, então, sai treta pela certa, ó Tretas.
Vejamos a substância da tua resposta: o roubo das calças. O exemplo que apresentas é péssimo como analogia; é mais um dos teus sofismas, porque o cu tem pouco a ver com as calças. Mas, para usares umas calças iguais, como fizeste, ó Tretas? Foi obra do acaso elas te aparecerem (na linha do acaso como fenómeno sem causa, outra treta que aqui botaste)? Fizeste magia (ah, magia não, que assim não seria fenómeno sem causa). Roubaste-as a outro? Compraste-as? Copiaste-lhes o modelo e confeccionaste-as ou mandaste confeccioná-las? Tens de escolher a hipótese, ó Tretas, porque isso de te aparecerem umas calças iguais para usares só porque podes usá-las ou quereres usá-las é fraco argumento. Argumenta que depois respondo-te. A palermices não vale a pena.
É argumento tão fraco quanto o argumento de que o pessoal pode roubar uma cópia de um trabalho da Amália (por exemplo) só porque pode ouvi-la. É que para ouvir basta não ser surdo; para ouvir a Amália, basta ouvir e gostar ou querer ouvir a Amália; para fazer isso há várias hipóteses: ouvir na rádio ou na TV, pedir um CD ou vinilo emprestado ou recebê-los como oferta, comprar o CD ou o vinilo, ou, então, descarregar via Internet uma cópia que alguém recopiou e lá colocou violando os direitos de autor. E quem recopia sem autorização, violando o contrato de concessão que o autor celebrou com o editor, está roubando um produto alheio e comete um crime. Obter sem ser por dádiva do proprietário legítimo, só se for por compra, por troca contra dinheiro ou outra mercadoria; fora disto, sem pagar, é roubo. E tão culpado é o ladrão como o receptador, quem rouba por recópia pirata de cópia legítima como quem obtém voluntariamente a recópia pirata. Isto não há volta a dar-lhe, ó Tretas. Um fado cantado pela Amália não apareceu na Internet por obra e graça do divino espírito santo nem pelo teu celebrado acaso.
Podes ter muito boas opiniões sobre o que os autores, criadores, intérpretes e editores deveriam fazer, sobre as modalidades em que deveriam estabelecer os seus negócios. É um teu direito teres opiniões, inclusivamente sobre isso. Já não é um direito que te assista violares os direitos que lhes assistem a eles. Defenderes a opinião de que eles não têm tais direitos quando estes constam dos contratos que celebraram ou de que a violação desses direitos não deveria ser punida é uma autêntica treta. Aliás, é elucidativo do teu modo autoritário de pensar: os direitos dos outros são apenas aqueles que tu lhes reconheces. A gente sabe que o direito é mera convenção e que a sua força advém da aceitação das regras que o constituem ou da sua imposição pela força; e também se sabe que em determinadas fases da vida das sociedades a verdadeira força está na ponta da espingarda. Estarás tu nessa fase, ó Tretas? Argumentando como o fazes, com tanto sofisma, até parece estares. Nesse caso, seria escusado argumentares.
E sobre isto dos produtos digitais há tanto para dizer que era bem melhor questionares as restrições (ilegítimas, porque provêm do abuso conferido por domínio monopolista do mercado) que os produtores e editores colocam ao seu uso pelos compradores de cópias legítimas do que te pores aqui a argumentar (mal) contra direitos legítimos ou a fazeres a apologia do roubo do produto alheio. Deriva para aí, que esse campo é muito mais promissor. A recópia pirata acabará por difundir-se, não porque constitua qualquer direito legítimo, mas devido aos factores já apontados; os criadores, autores, intérpretes e editores encontrarão outras formas de defender o seu negócio e o direito de cópia concessionado acabará por cair na obsolescência.
E deixa-te de tretas, ó Tretas. Vê se abandonas aquela do canalizador, porque é ainda pior do que esta das calças. Se contrataste o canalizador numa determinada modalidade de pagamento do produto do seu trabalho, por que haveria ele de poder cobrar-te pelo número de utilizações ou de utilizadores? Mas, se não te pões a pau, com a redução do número de canalizadores que para aí vai, um dia ainda te vês confrontado com uma modalidade de negócio desse tipo; não porque queiras, mas porque o canalizador, abusando da sua posição de força, te impõe.
Anónimo,
ResponderEliminarO problema não é o anonimato em si. O problema é usares o anonimato para essa peixeirada que me parece nunca farias se fosse às claras ou cara a cara. Não é o insulto que me incomoda. É o conflicto entre sentir que devo dar atenção a quem comenta aqui e sentir que há casos que não o merecem.
Desta ganhou o primeiro...
A ideia de copiar como roubar é absurda. Se eu uso umas calças iguais às tuas é porque copiei a ideia, sim. Mas isso também explica porque uso uma lingua igual à tua, porque ambos usamos calças, e electricidade, e matemática, e porque passamos anos na escola. A copiar ideias de outros.
É o que nós fazemos melhor e a razão porque somos a única especie com uma civilização e tanta tecnologia. Porque copiamos ideias.
Não é um direito legítimo de quem tem uma ideia e decide divulga-la proibir os outros de usufruirem dela.
«É argumento tão fraco quanto o argumento de que o pessoal pode roubar uma cópia de um trabalho da Amália (por exemplo) só porque pode ouvi-la.»
Nota que roubar uma cópia e copiar são coisas diferentes. Se tens um CD em casa e eu vou aí e levo-o roubei uma cópia. Se tens um CD e eu descarrego da net um ficheiro com a mesma sequência de bits não te roubei nada. Nem que tenhas sido tu a inventar essa sequência de bits, porque continuas a tê-la.
O teu argumento assenta nas premissas que copiar é roubar e que o autor de uma obra tem o direito de decidir o que os outros podem fazer com informação acerca da obra (bytes não são musica, são dados acerca da música). Discordo de ambas, por isso para que a conversa prossiga temos que recuar e examinar as razões para isto.
Eu proponho que copiar não é roubar porque não priva ninguém de nada. Quando aprendeste a falar copiando os teus pais eles não ficaram mudos.
E proponho que quando um autor divulga uma ideia, seja para que fim for, fica sem qualquer direito de restringir a informação que se troca acerca dessa ideia, porque tal restrição seria censura e ninguém tem esse direito só porque teve uma ideia.
Mário,
ResponderEliminarAcho que faz mais sentido insultar uma pessoa que se conhece. É que o insulto de um desconhecido não faz efeito :)
Ó anónimo,
ResponderEliminar"A gente sabe que o direito é mera convenção e que a sua força advém da aceitação das regras que o constituem ou da sua imposição pela força; e também se sabe que em determinadas fases da vida das sociedades a verdadeira força está na ponta da espingarda"
Exactamente, o direito é mera convenção e esta não tem força porque não é aceite.
Mesmo os ingénuos ou hipócritas que a defendem estão a violá-la a toda a hora.
Estarás tu disposto a impô-la à força da bala?
Tretas
ResponderEliminarPeixeirada é desmascarar as tuas tretas? Insultos é apelidar-te de treteiro? E isto não faria às claras ou cara a cara? Porquê, ó Tretas? Amedrontavas-me, era? Tremo de medo só de ouvir estes ameaços, ó Tretas. Mas se te sentes insultado, não respondas. E podes apagar os comentários, como já fizeste com um acerca da tua treta do acaso. Está bem assim, Tretas?
Usamos muitas coisas e pagamos por isso; e pelo uso de outras não pagamos, por muitas razões, a principal das quais é por terem sido criadas para usarmos graciosamente ou porque com o tempo os seus criadores abdicaram dos seus direitos. É direito dos criadores serem proprietários do que criam, podendo ofertá-lo ou trocá-lo. Ninguém pode decidir pelos legítimos proprietários. A não ser que estejamos no reino da ausência de propriedade. Reino perigoso, porque, às tantas, os donos desse reino poderão querer que deixemos de ser proprietários de nós próprios.
Não copiamos ideias, tal como não copiamos outras coisas. A maioria das coisas fazemo-la por aprendizagem e por imitação, não por cópia. Uma boa parte das coisas boas foi legada à humanidade por criadores altruístas, outra não, e por esta pagamos. Mas o que está em causa com a recópia pirata não são ideias, são outros produtos do trabalho alheio de variadas qualidades. E isto tu confundes deliberadamente, ó Tretas.
Quando roubas um CD roubas o disco de plástico, ou suporte, e o seu conteúdo. Quando descarregas da Internet o conteúdo de um CD estás roubando o conteúdo, como é óbvio. Melhor, neste caso, és receptador de um conteúdo roubado, que alguém recopiou e colocou na Internet. A recópia pirata não rouba a matriz da cópia legítima, nem esta própria; ao recopiar o conteúdo da cópia legítima, rouba os proventos que o criador, o autor, os intérpretes e o editor esperavam obter com a venda da cópia legítima, cujo conteúdo foi produzido intencionalmente para ser vendido. Quem obtém aquele conteúdo sem ser por compra de cópia legítima ou por dádiva de um seu comprador que já não pretenda usufruir dele, está roubando os proventos do criador, do autor, dos intérpretes e do editor. Não há volta a dar a isto, ó Tretas.
A questão colocada pelos direitos de cópia não é acerca do que os outros podem fazer com a informação que é o conteúdo da obra, do uso legítimo que lhe dão. O conteúdo dum livro é para ser lido, pelo comprador ou por outrem. O conteúdo de um fado cantado pela Amália, é para ser ouvido, não é para ser recopiado. E o conteúdo dum fado cantado pela Amália não é bytes, como tu sofisticamente pretendes caracterizar o produto: são os sons da sua voz de timbre inconfundível, cantando versos do Valério ou de muitos outros sob o acompanhamento dos trinados da guitarra do Fontes e de outros. Este é um produto inconfundível que não pode ser copiado, apenas imitado (e mal); nem pode ser roubado, porque ninguém rouba ou que é parte do ser dos outros. Pode ser guardado em memória, qualquer que seja o tipo apto, e reproduzido.
Quando a artista actuou num concerto, os ouvintes tiveram de pagar. Foi essa a forma pela qual ela vendeu o produto do seu trabalho. Quem discordou do pagamento ficou privado da audição do seu trabalho. Quando o concerto foi gravado ou a artista foi para estúdio gravar um álbum, ela vendeu o produto do seu trabalho sob a forma de direitos sobre uma parte dos proventos das vendas das cópias concessionadas. Quem usufrui do produto sem ser através da compra ou da oferta de cópias concessionadas (ou quem as compra, as recopia coloca na Internet e quem as daqui recopia) foge ao pagamento dos proventos que a artista obtinha com a venda daquelas cópias, violando os direitos do criador e do editor. E isto é independente da opinião que tenhamos sobre a forma como ela vende o produto do seu trabalho ou sobre como deveria vendê-lo. Como o faz é um direito seu; cerceá-lo não é um direito nosso.
Bits e bytes são apenas uma forma de codificação da captação daquele produto, cuja descodificação o reproduz, tal como o foram os sulcos gravados num rolo de cera ou num disco de vinilo. Quem recopia da Internet não vai ouvir bits nem bytes; nem uns bits e bytes codificados à balda, nem criados por si; vai ouvir variações da potência sonora com determinadas características actuando sobre os seus tímpanos e para seu deleite, que alguém produziu. É um completo sofisma reduzir um conteúdo à forma como ele se encontra codificado e memorizado.
Poderá chegar o tempo em que sejamos todos criadores e não precisemos de usufruir de criações alheias; e poderá chegar o tempo em que ouçamos bits e bytes (por implantes de chips descodificadores no cérebro, não?). Por enquanto estamos ainda no tempo de termos de usufruir das criações alheias, retribuindo-as, e também no tempo de coisas mais prosaicas como sejam tímpanos para ouvir variações analógicas da potência sonora das cantorias, das músicas e doutras coisas que tais.
De há umas poucas centenas de anos para cá, a humanidade conheceu um surto de desenvolvimento de ritmo sem paralelo. Esse desenvolvimento não se ficou a dever ao altruísmo. Ficou a dever-se, mais do que ao desenvolvimento da ciência (feita por criadores pagos através de outras modalidades, nomeadamente, por venda do seu trabalho), ao desenvolvimento da tecnologia e dos seus produtos e ao reconhecimento do direito dos criadores sobre os produtos que criavam, através dos direitos de patente. Não tem sido a cópia, nem a imitação, que tem proporcionado o desenvolvimento económico e social, mas a competição para criar produtos similares com melhores preços e características ou para criar produtos inovadores. Isto só foi possível por reconhecimento da propriedade intelectual e dos direitos de cópia. Não tem havido borlas para ninguém, ó Tretas.
Defender que os criadores não sejam proprietários do que criam, nem que não tenham o direito de ofertar ou de vender o que produzem constitui um retrocesso em relação ao que foi já conquistado. Pode ser uma utopia ingénua julgar que o progresso se alcança sem custos e abolindo os direitos de propriedade. Já houve utopias semelhantes, que não trouxeram qualquer progresso e se revelaram autênticas tragédias totalitárias. Esse teu espírito de burocrata iluminado, detentor da verdade e pretendendo impô-la aos outros, tem semelhanças com o de outros burocratas iluminados de triste memória. Não é por ingenuidade, certamente, mas pela mania da autoridade que decorre de te julgares detentor da verdade, tal como eles. Tem cuidado contigo, ó Tretas, porque as tretas que aqui botas são inimigas da liberdade. Cresce e amadurece, ó Tretas.
Caro Anónimo,
ResponderEliminarA peixeirada é esse tipo de coisas como «Cresce e amadurece, ó Tretas» que não contribui para o diálogo. E não me parece que faças isso quando falas com as pessoas porque senão não estarias aqui a dialogar anonimamente. Mas fica à vontade. Só me incomoda porque dá mais trabalho a desenterrar os teus argumentos do meio desse tipo de coisa.
Há várias premissas erradas no teu raciocínio. Primeiro, esqueces que o fundamental do roubo é subtrair a alguém aquilo que essa pessoa tinha. Copiar e imitar (qual é a diferença?) não são roubar porque não subtraiem nada ao dono.
Outra confusão é:
«Quando a artista actuou num concerto, os ouvintes tiveram de pagar. Foi essa a forma pela qual ela vendeu o produto do seu trabalho.»
Isto é errado. Ninguém levou para casa as vibrações do ar que a artista produziu. Nem faz sentido ver isso como um produto vendável. O que os ouvintes pagaram foi um serviço, não um produto.
Por um lado dizes:
« Quando descarregas da Internet o conteúdo de um CD estás roubando o conteúdo, como é óbvio.»
Mas depois:
« O conteúdo de um fado cantado pela Amália, é para ser ouvido, não é para ser recopiado. E o conteúdo dum fado cantado pela Amália não é bytes»
Mas o que se descarrega da Internet é bytes. Só bytes. Não há músicas na internet. Por isso se «É um completo sofisma reduzir um conteúdo à forma como ele se encontra codificado e memorizado» é um sofisma dizer de quem copiou bytes que roubou um conteúdo.
Tretas
ResponderEliminarÀs tantas, com as palermices que dizes, fazes-me perder a pachorra para te ler. Isto está a ficar mais confrangedor do que supus. São tretas, atrás de tretas. Pensei que fosses capaz de bem melhor, à medida que a conversa fosse avançando. Como uma tua outra qualidade é a casmurrice, em vez de dares o braço a torcer, contorces-te todo para te ires atolando cada vez mais. Exprimo o que sinto assim: irra, pá (para não usar outra interjeição mais forte e não me acusares de má educação)!
Roubar não é apenas subtrair um objecto ao seu legítimo proprietário. Também a paternidade ou a autoria das ideias pode ser roubada; o mesmo com as identidades, com os direitos, com os proventos esperados, etc., etc. E, assim, também um conteúdo pode ser roubado, no caso, por recópia não autorizada. O que é recopiado é um conteúdo, seja qual a forma sob que se apresente, que tem um proprietário legítimo; e quem se apropria ilegitimamente de um produto alheio comete um roubo. Com tal roubo, o ladrão sonega ao proprietário proventos que deveria ter pago como preço para aceder ao produto.
Isto, que é claro como a água límpida, para ti é muito turvo. E quanto mais remexes mais turvo te vai ficando. Daí que sem o menor rebuço apelides de erradas afirmações alheias correctas e simples de compreender, e que apresentes como verdades mais umas das tuas tretas. Pois é Tretas, o que se descarrega pela Internet não são bytes, são conteúdos codificados. O veículo para a circulação dos conteúdos são os tais bytes ou palavras de bits, correspondentes a sequências de estados altos ou baixos em relação a um determinado potencial eléctrico. Os bits e os bytes não se ouvem, não se vêem, não se lêem, o que se ouve, vê ou lê são os conteúdos que eles veiculam.
Quando vais sacar da Internet (salvo seja, porque tu, apesar das tretas, não desces tão baixo) um fado da Amália, vais sacar uma caterva de bytes ou vais sacar o fado da Amália? Queres outros exemplos mais simples? Quando envias por morse, via telégrafo ou rádio, uma comunicação, o que o destinatário recebeu foram sequências de sinais eléctricos curtos e longos ou a tua comunicação? Quando aqui comunicamos, o que eu te digo e tu me respondes são bits e bytes ou são as palavras e as frases que podemos ler e que constituem as nossas intervenções? Quando assaltas um mensageiro e lhe retiras a mensagem de que era portador, roubaste o mensageiro ou a mensagem? Com que então não há músicas na Internet? Nem músicas, nem palavras, nem imagens, nada, só bytes… Chiça, Tretas, que é demais!
“Ninguém levou para casa as vibrações do ar que a artista produziu. Nem faz sentido ver isso como um produto vendável. O que os ouvintes pagaram foi um serviço, não um produto”. Eis a tua última treta nesta troca de galhardetes (que presumo tenha dado origem a algumas outras no teu último post, que ainda não li com atenção). É por estas e por outras que começo a duvidar das tuas capacidades. É claro que ninguém mete ao bolso as vibrações sonoras duma cantoria; recebe-as nos ouvidos e assim se deleita (ou incomoda). Mas, vais a um concerto ou ver uma fita e não sentes os efeitos do que ali foi produzido? Nem levas para casa nada, nadinha? Aquilo não te provocou boas sensações, gozo, prazer? E varre-se-te logo tudo da memória, esqueces no imediato as sensações boas que os espectáculos te produziram? Estás lixado, Tretas. Não vás ao médico, não!
“O que os ouvintes pagaram foi um serviço, não um produto”. Então, produtos são apenas os objectos ou são tudo o que é feito, produzido, e, no caso que nos interessa, produzido pelo trabalho humano? Aquilo que habitualmente designamos por serviço, isto é, o trabalho feito numa coisa ou num objecto pré existente (o corte do nosso cabelo pelo barbeiro, a graxa e o lustre do engraxador nos nossos sapatos, a massagem nas nossas costas doridas, a cirurgia no nosso corpo, as palestras que proferimos, a reparação da nossa torneira pelo canalizador, etc., etc.) que não se materializa num objecto autónomo não é um produto? Então, é o quê, se não for um produto do trabalho humano? É um serviço do acaso (o tal efeito sem causa)? Oh Tretas, pá! Tem dó, está bem?
Os serviços pagam-se, admites, mas apenas uma vez. Aqueles cuja produção pode ser memorizada e repetida, e que sob esta forma são disponibilizados como mercadoria aos fruidores interessados, esses não ”faz sentido ver isso como um produto vendável”. Vê tu bem do que seríamos privados se as obras produzidas em estúdio, ou do que seriam privados os desafortunados que não arranjaram ingresso ou não puderam estar presentes num concerto, se aqueles produtos não pudessem ser constituídos como mercadorias e comercializados em vinilos, em CDs, etc. Foi o que aconteceu no passado, por limitações técnicas. Seria a uma situação parecida, não por limitações técnicas, mas por recusa dos criadores, que as tuas ideias conduziriam.
Não irá acontecer, certamente, porque cada um tratará de defender-se, e os proventos para os criadores acabarão por surgir, nem que seja através da publicidade (que é o que já hoje acontece com os proventos dos craques da bola, que já não vivem das receitas geradas pelos ingressos no espectáculo). Se for assim que o pessoal da recópia pirata ache melhor, um dia destes temos o Mário Laginha ou os Chutos com blusões e sapatos da Nike, a juntar aos anúncios da Superbock! Se já há jornais à borla, porque não hão-de haver músicas e fitas? Viva a ilusão da borla!
Não pretendo ser maleducado, muito menos insultar-te, Tretas, mas parece-me que te aflige já não apenas a queda para a utopia ingénua, para o autoritarismo burocrata e para o recurso ao sofisma. Não, se não for ignorância (sempre reparável), a coisa parecesse-se mais com uma certa falta de plasticidade nas ligações neuronais. Se assim for, aí é que tu estarás mesmo lixado, Tretas, porque não há serviço nem objecto que te safe da maleita.
Se tiver pachorra para ler o teu último post, comentarei, para te fazer ver a diferença entre trabalho humano e produto do trabalho humano, entre o que se vende e como se vende, e como se paga, e sobre o que poderá ser o futuro dos produtores de trabalho humano, que não irá, certamente, ser a venda de trabalho contra salário (a forma típica do capitalismo, a que as tuas ideias reduziriam os criadores como vendedores de serviços à hora), mas a venda de produtos do seu trabalho.
Aguenta-te à bronca, ó Tretas.
Anónimo,
ResponderEliminarnão tens uma versão mais simples dessa tua argumentação, ... assim ... digamos para tótós ?
Anónimo,
ResponderEliminar«Às tantas, com as palermices que dizes, fazes-me perder a pachorra para te ler.»
Peço imensa desculpa.
«Roubar não é apenas subtrair um objecto ao seu legítimo proprietário. Também a paternidade ou a autoria das ideias pode ser roubada; o mesmo com as identidades, com os direitos, com os proventos esperados, etc., etc.»
Deve ter sido distração, mas esqueceste de explicar como se pode roubar essas coisas sem as subtrair ao seu legítimo proprietário... Estás a falar do caso em que a pessoa ainda tem os seus direitos e proventos mas mesmo assim lhos roubaram? Não me parece fazer sentido...
«Se tiver pachorra para ler o teu último post, comentarei,»
Aguardo com antecipação mas, vê lá, se for grande o sacrifício deixa estar. Não te esqueças que ninguém te está a pagar pelo que aqui tens produzido.
Tretas
ResponderEliminarNão tenho pachorra para retorquir-te. A verdade foi revelada: apenas os objectos são produtos; o que se descarrega da internet são bytes (embora um criador esteja a milhas de saber o que isso é); os direitos de cada um foram já por ti definidos; o que cada um deve fazer com o seu trabalho e os produtos do seu trabalho também; etc., etc. Quando assim é, nada resta para argumentar e todos os esforços são infrutíferos.
Dou-te um conselho, Tretas: despede-te de funcionário e tenta ser criador. Depois contas à gente. Se fores um caso de sucesso, bem podes pregar uma nova teoria da economia política: a dádiva mútua como instrumento de resolução dos problemas da humanidade. Terás uma nova fundamentação para o comunismo: o Homem altruísta não é uma miragem.
Mas dá-te apenas com exemplo, não tentes impor o teu sucesso aos desgraçados que o não queiram, porque isso seria totalitarismo. Tem cuidado, Tretas, porque o terreno em que te moves, as tretas que aqui botas e as falsas analogias, os sofismas e as falácias com que argumentas conduzem-te a conclusões falsas e perigosas: restringem a liberdade das gentes.
Cresce e amadurece, ó Tretas.