quarta-feira, março 12, 2008

Produtos e serviços.

O agricultor produz bens materiais. Pode ensacar batatas e vendê-las ao quilo. O trabalho do jardineiro dá beleza ao jardim e a beleza não se pode vender ao pacote. Por isso rentabilizam o seu esforço de formas diferentes. O agricultor trabalha, recolhe o produto do seu trabalho e depois vende-o. O jardineiro não pode vender o produto do seu trabalho por isso vende o trabalho em si. O agricultor vende produtos, o jardineiro vende serviços. O sistema de distribuição que ainda prevalece por força da lei cria a ilusão que o músico, o realizador ou o escritor são agricultores. Mas são jardineiros.

Nós estamos habituados a comprar arte aos pacotes por limitação do método de distribuição. Quando vamos ao cinema ou a um concerto estamos claramente a pagar um serviço. Não trazemos nada para casa excepto as pipocas. Mas a ideia que temos é que comprar música ou filmes ou literatura é comprar discos de plástico ou maços de papel. Fica assim na mente a imagem do artista como alguém que produz os suportes e a ideia de que devemos pagar ao criador de arte como pagamos ao criador de batatas. Ao quilo, à saca, à peça. A ideia é errada.

Os autores vendem um serviço, mesmo quando nós compramos o produto. É o distribuidor que paga o serviço ao autor e nos vende o produto. Os livros, os CDs, os DVDs. O autor é muitas vezes pago com uma percentagem da venda dos produtos mas isso é um detalhe. Está a ser pago pelo serviço que prestou, e não da melhor forma.

Se eu quero ganhar dinheiro com o meu jardim e contrato um jardineiro ele faz um orçamento e é isso que tenho que pagar. Não vai na conversa de ficar com 5% do preço dos bilhetes que eu cobrar. Não havendo direitos de exclusividade sobre esta ou aquela forma de combinar begónias com gladíolos o jardineiro é livre de me mandar às couves se eu não lhe pagar o que ele quer. Com os autores é diferente porque o copyright, que por cá ironicamente chamam direitos de autor, permite ao distribuidor ficar com direitos exclusivos sobre a obra. Este monopólio cria um sistema onde poucas grandes empresas dominam a distribuição limitando as escolhas dos autores. Cerca de 70% do mercado mundial de discos é dominado por quatro empresas discográficas(1). Nesta situação são os distribuidores que ditam as condições.

Muita gente tem a ideia que o copyright foi implementado para resolver o problema do público ler livros de graça ou ouvir música à borla. Por isso têm a impressão que permitir tal coisa seria o fim do autor. Como é que alguém pode ganhar dinheiro como jardineiro se qualquer pessoa pode olhar para um jardim sem pagar, perguntam incrédulos. E é óbvio, dizem, que quem passeia num jardim bonito sem pagar ao jardineiro está a roubar a beleza do jardim.

É verdade que o copyright do século XIX veio remediar uma injustiça que afectava o autor mas não tinha nada a ver com ouvir música de graça. O problema é que o copyright original era um monopólio concedido aos impressores de livros. Inicialmente para o rei controlar o que era impresso e, mais tarde, como forma de regular os preços e o comércio. Ao fim de uns séculos os autores conseguiram uma fatia do negócio mas, na prática, a fatia é reduzida. O Peter Jackson ganhou uma batelada de dinheiro mas os muitos artistas que criaram a trilogia do Senhor dos Anéis, os actores, os cenógrafos, os duplos, os designers, os alfaiates e programadores, ganharam entre todos menos de um décimo do dinheiro arrecadado, e isto incluindo todos os gastos em material. Em média, o monopólio sobre a cópia não beneficia o artista. O efeito, como qualquer monopólio, é tornar uns poucos muito ricos à custa dos outros todos.

Não estou a condenar quem enriquece nem me oponho a que prestem serviços em troca de uma participação nos lucros. Isso deixo ao critério de cada um. Mas discordo que a cobrança à cópia seja uma forma natural ou mesmo prática de remunerar quem presta um serviço. Discordo que seja justa ou benéfica para incentivar a criatividade artística. E é especialmente nefasta quando precisa de leis para vender como se fosse um bem material algo tão abstracto como uma sequência de números.

Corrigido a 13-3-08 graças ao Bruno Lucas que me avisou do erro no nome do Peter Jackson.

1- Wikipedia, Record Label

35 comentários:

  1. Caro Ludwig,
    Quer dizer que eu posso, à vontade, pegar nos seus textos e fazer deles o que me aprouver, inclusivé, assinar o meu nome nos seus textos. Repare um pormenor que, creio, altera o sentido do que o Ludwig defende: Imagine um músico que toca saxofone. O seu produto é um serviço. E o saxofone que ele comprou com imposto de bem de luxo, é um serviço? Não existe diferença substancial entre o mundo físico e o mundo virtual. A diferença é que no mundo virtual, o Ludwig, ao piratear, está ingenuamente a encher os bolsos aos grandes monopolistas dos produtos, quando, se pagasse aos mais pequenos, os grandes não seriam assim tão grandes, não se perderiam direitos dos trabalhadores, enfim.... os grandes como não seriam tão grandes e tão poucos a ser tão grandes, a exploração seria obviamente menor e eu escusar de ser googlês, por exemplo, para poder criar livremente. Creio que é isto que está em causa. De resto há um aspecto em que concordo com o Ludwig: a quem não sabe bem as borlas???
    Abraço
    Rolando Almeida

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  2. Parabéns Ludi, excelente post.

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  3. Caro Rolando,

    "Quer dizer que eu posso, à vontade, pegar nos seus textos e fazer deles o que me aprouver, inclusivé, assinar o meu nome nos seus textos."

    Isso seria desonesto.

    Nunca vi o Ludwig a defender que a autoria das canções dos músicos não é deles. Isso é que é o Direito do Autor -- o direito de ser reconhecido pelo que fez.

    O Direito à Cópia é outra coisa bastante diferente.

    Quando pegas num texto de outrém e o assinas como teu, estás a ser desonesto.

    Mas o Ludwig certamente que não te impedirá de copiares os textos dele, os compilares num livro e que vendas esse livro, desde que não os anuncies como textos teus. E também te garanto que não te vai exigir uma percentagem do lucro das vendas...

    Dá para perceber a diferença?

    A partir do momento em que o Ludwig expõe o que produz na Internet deixou de ter controlo sobre o que os outros fazem com isso. Não é do interesse dele andar a vasculhar todos os blogs que existem a ver se alguém copiou os textos dele e depois exigir a cobrança de royalties por isso. É um desperdício de tempo e recursos... nesse tempo pode muito bem produzir outro texto, que só ele pode produzir, e colocá-lo no blog dele.

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  4. Rolando,

    «Quer dizer que eu posso, à vontade, pegar nos seus textos e fazer deles o que me aprouver, inclusivé, assinar o meu nome nos seus textos.»

    Um problema, que o «ardoRic» já apontou, é que estaria a mentir. Mas isso seria entre si e quem estivesse a enganar.

    O problema para mim seria a implicação que tinha sido eu a copiar o texto e a fazer-me passar por autor. Isso penso que era uma calúnia e uma injustiça, e acho que o autor tem o direito que não lhe façam uma coisa dessas.

    «Não existe diferença substancial entre o mundo físico e o mundo virtual.»

    Penso que está enganado. Proponho uma experiência. Pegue num saxofone e numa equação diferencial. Agora tente copiá-los e distribui-los por milhares de pessoas. Tente também vendê-los.

    «o Ludwig, ao piratear, está ingenuamente a encher os bolsos aos grandes monopolistas dos produtos,»

    Não me parece que esteja eu a ser ingénuo... Quem é que acha que anda a processar as pessoas que partilham ficheiros? O músico que toca saxofone ou as associações de discográficas?

    Não faz sentido que desrespeitar o monopólio beneficie apenas os monopolistas.

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  5. A teoria dos monopolistas e monopólios é demagógica, é uma espécie de cassete.

    Em Janeiro deste ano li no WSJ (reservado a assinantes) que a EMI tinha rescindido contratos com músicos devido aos prejuízos com as cópias ilegais. A pirataria prejudica os pequenos músicos, já que quando é necessário cortar custos não é a Madonna que é despedida.

    Viu-se isso também em Portugal com a saída de uma das principais multinacionais. O mercado ficou livre do "monopólio". Os músicos e o público beneficiou? Absolutamente nada.

    Para que a cópia funcione a nível planetário é necessário que as multinacionais seleccionem os talentos e os promovam. Sem isso os piratas ficam desorientados. Podem copiar os artistas que já conhecem mas quanto aos novos terão de transferir gigas e gigas até que encontrem algum com qualidade.

    Em conclusão: ao contrário do que o Ludwig diz, o sistema de cópia ilegal só funciona com a actual estrutura de mercado.

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  6. O sr Silva ou o condomínio do lote G1 podem pagar ao jardineiro pelo seu serviço. Não é assim tão complicado concordarem todos - embora quem conheça os condomínios saiba que não é também assim tão simples....

    Mas no caso do músico, seria necessário vários milhares de pessoas concordarem em pagar esse serviço. E elas teriam a consciência que a decisão de pagar de cada uma delas não teria impacto significativo na probabilidade de usufruirem desse serviço - teriam a mesma probabilidade de usufruir quer pagassem quer não.

    No caso do cinema ainda pior.


    A tua analogia com o jardineiro é boa, mas creio que são estes os dois factores que põe em causa. Pelo menos é com base neles que eu tenho tido mais dúvidas a respeito daquilo que defendes.

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  7. «A tua analogia com o jardineiro é boa, mas creio que são estes os dois factores que a põem em causa. »

    Fica a correcção.

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  8. "Pegue num saxofone e numa equação diferencial.Agora tente copiá-los e distribui-los por milhares de pessoas."

    a) dados os meios adequados, é precisamente isso que fazemos aos saxofones: produzimo-los em massa. Quem tem uma máquina de prototipagem produz centenas de peças metalicas em pouco tempo, quem tem uma banca fá-las em um ano. A diferença aqui é o meio da cópia: quase toda a gente pode aceder a um computador, pouca gente tem máquinas de prototipagem.

    b) a sequência "abstracta" de notas na partitura não é apenas a sequência abstracta. Estão lá os anos que o indivíduo passou a ir ao conservatório estudar, as passagens de comboio que pagou para dar o salto de casa até às aulas às terças e sábados, o instrumento musical que a custo pagou e onde passou horas a fio durante anos a estudar, a sua biblioteca pessoal com partituras e obras de musicologia, mais a literatura de cujas referencias nos deliciamos a ver mais tarde em algumas das suas obras, numa ou outra citação bem esgalhada... enfim: o que nos parece muito abstracto é apenas algo que sobrevém num plano muito concreto. É como a mente - precisa de uma estrutura física.

    Abraço

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  9. ... por "estrutura física" não se entende apenas o suporte analógico ou digital - o disco ou fita -, mas toda a série causal ou conjunto de condições que concorre para produzir a entidade "abstracta".

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  10. Vitor,

    E se toda a gente pudesse ter uma máquina de prototipagem em casa, impedias que fizessem o saxofone?

    Quando alguém vende algo, em principio vende algo que só ele pode produzir.

    Quando uma empresa que vende saxofones vende um saxofone, as pessoas compram porque não lhes é fácil fazer um saxofone. A empresa que os vende tem os meios técnicos para o fazer, e as pessoas que os compram, não. O mesmo se passa com o agricultor: ele tem uma horta e nós não.

    Se toda a gente tivesse uma horta e pudesse produzir as batatas, o agricultor tinha de arranjar outra coisa para vender. Mas estava errado que viesse uma lei dizer que só este ou aquele agricultor é que podem produzir batatas nas suas hortas, e é isso que se está a fazer com o conteúdo digital e a cópia: está-se a dar uma horta a toda a gente a dizer-lhes que se cultivarem batatas estão a infringir a lei e são ladrões.

    O que o Ludwig propõe, e eu concordo com a visão dele, é que no caso de toda a gente poder produzir saxofones, o produtor de saxofones deixava de vender o saxofone em si e passava a vender os seus conhecimentos para encontrar novas formas de desenhar um saxofone.

    Tinha era de ser ao contrário, tal como se faz com a jardinagem e afins. O produtor de saxofones diz que tem uma ideia brilhante para um novo tipo de saxofones com um som espectacular. Antes de se dar ao trabalho de aperfeiçoar essa ideia e concretizar, anuncia a sua intenção e pede o que achar justo pedir pelo que vai produzir. Se conta estar três meses em desenvolvimento pede o equivalente a 3 meses de salário mais alguns custos que possa ter... digamos 10000€.

    Quando já tiver o compromisso de que os 10000€ são pagos, põe-se ao trabalho, desenvolve o novo saxofone. Quantas pessoas depois usam o seu modelo de saxofone já não é com ele, mas ele pode dar palestras a ensinar pessoas a fazer aquele modelo de saxofone (analogia:concertos), e nessas palestras cobrar a entrada.

    O que está a acontecer neste momento é uma elevada resistência a que haja uma nova relação entre artista e fãs. Essa resistência está, obviamente, a ser colocada por quem mais vai perder com esta alteração, as labels.

    O mal aqui é só que as pessoas que mais ganhariam com esta nova relação, os fãs e ouvintes ocasionais de músicas, estão a acreditar na patranha e na propaganda das labels...

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  11. João,

    «Mas no caso do músico, seria necessário vários milhares de pessoas concordarem em pagar esse serviço.»

    Depende do que é esse serviço e do que as pessoas estão dispostas a pagar.

    Se esse serviço é compor vinte músicas, pagar a músicos que tocem os instrumentos e gravar um àlbum num estúdio e cada um quer pagar €10 apenas, então sim, é preciso milhares de pessoas. Mas nota que não é difícil para muitos músicos pôr milhares de pessoas a pagar €10 por um concerto, por isso não vejo que isto seja inviável.

    Mas há outros serviços. Supõe que eu sou um cantor e só quero a pauta com a música. Supõe que só preciso de um ritmo engraçado para o refrão, ou que quero uma música nova para o aniversário dos miudos. Com o copyright isto é inviável, com a necessidade de ceder direitos exclusivos e essa treta toda. Mas sem o copyright isto seria tão natural como contratar um decorador ou um cozinheiro ou um jardineiro. O músico podia prestar muitos serviços de acordo com as suas capacidades.

    É o mesmo que acontece com os programadores no software livre. Em vez de andar a vender licenças e a ter tudo controlado pelas empresas com mais advogados, no software livre vende-se serviços de acordo com as necessidades e possibilidades dos clientes.

    O problema que tu apontas é perfeitamente ultrapassável sem copyright, é em parte causado pelo copyright, e não me parece ser um dever da sociedade resolvê-lo cedendo os direitos que o copyright exige que todos cedam.

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  12. Bl,

    «Steve Jackson ou Peter Jackson?»

    Tem toda a razão... vou já corrigir. Obrigado.

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  13. Vitor,

    Os anos de treino, o estudo, os transportes e o esforço prévio aplicam-se mais aos matemáticos, biólogos e historiadores que à maioria dos músicos. Não é por isso que vamos cobrar à cópia pela data de nascimento do D. Afonso Henriques, a multiplicação ou a teoria da evolução.

    A questão relevante é identificar o que deve ser remunerado. Não são as ondas de compressão no ar nem as tabelas com esses valores em decibéis nem o número de timpanos que vibram com essas frequências. O que deve ser remumerado é precisamente o que o artista faz. É o acto de criar, de compor, de cantar, de escrever.

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  14. «Mas nota que não é difícil para muitos músicos pôr milhares de pessoas a pagar €10 por um concerto, por isso não vejo que isto seja inviável.»

    É possível que seja. Para grande parte da música que se faz hoje, é possível que seja.

    Se não for, nem sequer no caso do cinema, então terás toda a razão.

    Mas se isso é viável ou não parece-me que é A questão.


    Se eu for optimista digo: tanta gente paga tanto para ir aos concertos, deve ser fácil patrocinar os músicos que fazem músicas apelativas.


    Mas será que isso é assim para os músicos menos conhecidos? Será que sem as editoras a poderem lucrar significativamente, poderia haver a publicidade que levasse as pessoas massivamente aos concertos? E no caso dos filmes de cinema?

    Os músicos já hoje podem prescindir das editoras e pôr a sua música livre. Se isso é vantajoso para eles, porque não o fazem?

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  15. Um bom exemplo de um músico que vive da venda directa da sua obra é o Jonathan Coulton
    http://www.jonathancoulton.com/primer/info

    Através da distribuição gratuita de músicas (uma por semana durante um ano), fidelizou um público que agora está mais que disposto a pagar para ir aos concertos dele ou a contribuir financeiramente para que continue a fazer músicas.

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  16. Já agora, oiçam o Tom Cruise crazy:
    http://www.jonathancoulton.com/primer/listen

    Ou qualquer outra, for that matter.
    A qualidade vale dinheiro, e as pessoas estõa dispostas a pagar por ela. Apenas os mediocres têm que temer o fim do copyright.

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  17. E o Coulton também refere no seu blog o artigo do Kevin Kelly 1000 true fans.

    Este penso que responde bem às dúvidas do João Vasco, e não são só os funcionários públicos como eu a dizê-lo. :)

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  18. João,

    No caso do cinema, a trilogia do Senhor dos Anéis custou cerca de 400 milhões de dólares, incluindo publicidade. Só nos cinemas, sem contar com os brinquedos, t-shirts e afins, rendeu três mil milhões de dólares.

    Mesmo assumindo que sem o copyright ninguém ia comprar os DVDs (acho uma premissa errada), mesmo assim ganhavam à vontade dez vezes o investimento inicial.

    O problema, como diz o Miguel, é para os mediocres. E para os intermediários supérfluos.

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  19. Desculpa Ludwig, mas não resisto :)
    http://www.jonathancoulton.com/songdetails/Re%20Your%20Brains

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  20. Ludwig,

    Preciso sinceramente que alguém me explique o conceito de "fã" e de "autor" para poder continuar a acompanhar esta intifada. Isto começa a parecer as minhas discussões com a minha mulher que só acabam quando um de nós se farta e diz:

    - Desculpa, Bruce. Tens razão.

    E o post começa com uma argolada: O agricultor produz bens materiais. Pode ensacar batatas e vendê-las ao quilo.
    Pelo que me tem sido dado perceber do sector primário, até isto é completamente contrário ao que defendes. Os agricultores não vendem batata nenhuma se não se organizarem em grupos de agricultores e, nos dias de sorte, vendem batatas às cadeias de distribuição em regime de consignação. Quer isto dizer que os produtos ficam expostos na prateleira, os que são vendidos benza-os Deus, os que não são voltam à fonte por remunerar e com custos acrescidos. A compensação não procede da batata ensacada mas da batata vendida, e o vício de forma deste "diferendo" é que a literatura, a música e a jardinagem são batatas em qualquer modelo económico.
    (ganhei este apreço pelo combate à imprecisão com o Velociraptor desiderius, o maior predador de falácias da Amazónia)

    E não digo mais porque estou em absoluta concordância com o que tem dito o meu bom amigo João Vasco.

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  21. Miguel,

    Genial :)

    Bruce,

    O problema que apontas é comum na venda de produtos, e afecta igualmente os músicos pela «produtificação» da sua actividade.

    Quanto a definições:

    Autor: exprime uma ideia nova ou de forma inovadora.

    Fã: disposto a remunerar o trabalho do autor que admira mesmo quando o produto desse trabalho circula livremente.

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  22. Claro, Lud.

    Mas o que te propões demonstrar é que há produção sem produtos?

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  23. Bruce,

    O que proponho é que a remuneração de um serviço que não gera bens materiais comercializáveis deve seguir mecanismos diferentes daquela que os gera. O barbeiro deve receber por cortar o cabelo e não pelo cabelo que fica no chão.

    Se planeias seguir algum argumento esmiuçando a semântica de "produto" e "produzir", deixa estar, não te incomodes :)

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  24. Lud, não sigo o teu blogue para me incomodar, lamento se dou essa ideia.

    Acontece que a semântica da "produção" não é aquela que tu imaginas, mas a que existe na economia. A não ser, claro, que os escritores e os músicos estejam ungidos de uma particularidade fatal para a sua sobrevivência que é a exposição aos formatos digitalizáveis... e neste caso terias que reconhecer honestamente que o suporte imaterial "não comercializável" que representa a internet é para eles uma desgraça bíblica e não um maná.

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  25. Bruce,

    Todos os ramos da ciência, da educação, da comunicação social, da recreação e hobbies, do activismo e muitos outros beneficiaram da possibilidade de trocar ideias e as suas expressões de forma instantânea e gratuita.

    Ainda ninguém explicou porque raio a actividade criativa dos músicos há de ser ao contrário e prejudicada pela redução no custo da comunicação.

    É verdade que se um músico quer ser bem pago tem que oferecer o seu trabalho a muitas pessoas. Mas é mesmo isso que esta tecnologia permite.

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  26. Caro Ludi

    Ironia das ironias: Jonathan Coulton comete a heresia de vender cópias das suas musiquinhas por 1 dólar! E 70 dólares por todas as musiquinhas juntas.

    Ora bem, o que quer isto dizer? Quer dizer que o que defendes é incoerente. Claro, ele dá as músicas de borla — porque isso é uma maneira de fazer publicidade. Nunca me viste argumentar contra isto. Mas a única maneira que ele tem de viver é... vender cópias das tretas que ele faz. Claro, é a maneira mais prática de o fazer. Mas, segundo o teu ponto de vista, isto é um Pecado Metafísico, porque as cópias não se podem comprar nem vender. E isto é treta. Claro que podem. Os teus próprios exemplos o demonstram.

    Então o que está em causa? Está em causa a incoerência de dizer isto: Está muito bem pôr cópias da música dele à venda desde que as pessoas possam também tê-las de borla. É que das duas uma: ou é um Pecado Metafísico ele vender cópias da música dele, ou não é. E se é, o gajo é um sacana porque está a vender uma treta que eu posso ter de borla. Se não é, quem faz o dowload de borla é um free-rider e o teu sistema económico encoraja os free-riders, que podem curtir a música deste Chico porque várias outras pessoas sensatas a pagaram. Que raio de beleza pode haver nisto? Sobretudo quando se sabe o tipo de rácio que existe entre quem paga e quem vai a cavalo na borla, isto não tem beleza nenhuma. É meia-dúzia de pessoas com coração e bem-intencionadas a pagar a vida a um gajo que depois alegra as noites tristes dos borlistas.

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  27. Desidério,

    «Ironia das ironias: Jonathan Coulton comete a heresia de vender cópias das suas musiquinhas por 1 dólar! E 70 dólares por todas as musiquinhas juntas.

    Ora bem, o que quer isto dizer? Quer dizer que o que defendes é incoerente.»


    Parece-me que estou a explicar isto muito mal. A heresia não é dar dinheiro em troca de ficheiros. Se o fã quer dar dinheiro, pois está no seu direito. E o facto é que o Coulton tem as músicas à borla e mesmo assim as vende. Porque há gente que quer incentivá-lo a criar. A tal coisa que tu insistes só pode acontecer se o pessoal for obrigado por lei.

    A heresia não é permitir a venda. A heresia é proibir a cópia. Isso é que está errado. E isso ele não faz.

    «Então o que está em causa? Está em causa a incoerência de dizer isto: Está muito bem pôr cópias da música dele à venda desde que as pessoas possam também tê-las de borla.»

    Não é nada disso...

    Eu não considero imoral que uma pessoa venda uma equação diferencial a outra. Se a transação é voluntária pois que se entendam.

    O que considero imoral é que uma pessoa proiba outra de reproduzir uma equação diferencial. Isto não deve ser muito dificil de entender, espero eu. A proibição e o acto voluntário têm um impacto diferente.

    Neste caso o que está em jogo é proibir que se reproduza as descrições numéricas destas coisas. É isso que eu oponho. E a quem diz que essa proibição é absolutamente necessária para que alguém dê dinheiro aos músicos está aqui mais um exemplo do contrário. Não é preciso proibir nada. Se as pessoas acham que vale a pena incentivar um artista reconhecem que é no seu interesse fazê-lo e fazem-no. Não precisam que a lei os obrigue a isso.

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  28. Caro Ludi

    A tua posição é incoerente porque tens uma Metafísica sobre o Disparate de Vender Cópias que São Meras Sequências de Números. A tua posição não seria incoerente, como eu já disse várias vezes, se te limitasses a ter uma posição pragmática e dissesses assim: “Bom, catano, não dá para proibir as cópias sem pagamento aos autores porque a malta copia de qualquer maneira. Então, mais vale deixar isso ao Deus-dará e pedir humildemente aos fãs que, por favor, se não for muito incómodo, ajudem lá com uns robots e umas bananas para meter no site e, já agora, até podem, se quiserem claro, e se não for assim muito incómodo, pagar pelas músicas que eu fiz, mas vejam lá, se não quiserem pagar, fiquem à vontade, é só irem ao Bittorrent e copiem, não se façam rogados.”

    Méne, se isto não é incoerência é o quê? O homem vende as músicas dele, só tem apontadores para sites que vendem as músicas dele, não tem um só apontador para o bittorrent onde qualquer tanso pode ir buscar as músicas dele. E vive do facto de uma pequena percentagem que ouve a música dele estar disposto a pagar quando podia ouvir de borla.

    Repara, Ludi, tu podias fazer uma analogia boa, já que usas tantas tão más: os jornais nos EUA. Uma pessoa mete a moeda, abre e pode tirar os exemplares que quiser. Como as pessoas são mais ou menos educadas, tiram só um. E mesmo que alguns palhaços tirem mais de um, isso sai mais barato do que estar a pagar a uma pessoa para estar ali a vender os jornais. Por analogia, tu podias dizer: na internet é igual. A gente mete o software ou a música ou o livro ali e pede o cacau. Quem for espertalhão claro que pode levá-lo sem pagar e não vale a pena estar a perder tempo a tentar apanhar essa gente. De qualquer maneira, haverá sempre gente honesta que vai pagar, sustentando assim o criador.

    Isto é mais ou menos razoável. Mas tem vários problemas.

    Primeiro, é incoerente com a tua posição metafísica. É apenas uma posição pragmática, que aceito. Mas não aceito sem protestar: este sistema é uma tanga. É como a tanga da televisão aberta: tem vantagens, mas tem muitas mais desvantagens.

    Segundo, só é possível se um número suficiente de pessoas pagar, e resta saber se isso é possível sistematicamente com pequenos criadores. No caso do software, que já anda nisto do freeware há anos, já se viu que não. A malta usa, não paga e o gajo que o faz fica a ver navios, enche a página de publicidade do Google e pede por favor uns trocos para beber a bica. Patético.

    Terceiro, mesmo que funcione, e já que gostas tanto da Metafísica do Valor, profundamente injusto. É injusto porque tens duas pessoas que usufruem por igual do software ou da música ou do livro. Uma delas, pagou porque por princípio apoia o trabalho dos criadores e a razão para apoiar aquele em particular é precisamente o facto de usar cópias do seu trabalho. E a outra mete-se com Metafísicas da Treta, fala das Cópias que São Números Inefáveis, e não paga. E eu digo que isto é treta e que tu estás a incentivar a treta. Seria muito diferente dizeres: em vez de andarmos a fazer campanhas contra os piratas, mais valia explicar cuidadosamente às pessoas a diferença entre pagar à EMI e pagar directamente a um criador — mas PAGUEM aos criadores, por favor. O trabalho de criação não é de borla, apesar de o parecer porque podemos copiá-lo de borla. A cópia é de borla, mas a criação não e a maneira mais simples de pagarmos a criação é pagar as cópias da criação tão directamente quanto possível ao próprio criador. Mas paguem: se usam, se gostam, se apreciam, paguem.

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  29. Desidério,

    Continuas a confundir o acto voluntário de vender com a proibição de distribuir.

    Eu não sou contra o psicólogo vender uma hora de conversa ou o músico vender uma sequência de números. Eu sou é contra proibir conversas de borla para financiar o psicólogo ou proibir a partilha de sequÊncias de números para financiar o músico.

    Enquanto continuares a insistir nessa coisa vais espalhar muita palha e trucidar o boneco, mas não vai adiantar de muito para a nossa conversa...

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  30. Quanto ao problema metafísico de ser injusto um beneficiar de algo que outro pagou, volto a perguntar: quanto é que é justo pagares pelo conhecimento de que lavar as mãos reduz as probabilidades de apanhares doenças? Qual deve ser a taxa por lavadela?

    Essa ideia de pagar mesmo que não haja custos só porque é "justo" pagar pelo benefício parece-me um absurdo e incompatível com a civilização.

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  31. Ludwig:

    Até agora quem seguiu o teu modelo deu-se bem.
    Mas isso não é assim tão espantoso: são excepções, e deram-se bem por sê-lo. É tão espantoso que alguém opte por esse modelo, que não só existe bastante publicidade, como as pessoas com a preferência ideológica pela cópia livre vão sentir-se mais tentadas a dar apoio do que se isso fosse prática comum.

    Em que é que me baseio para defender esta teoria? Além da minha ideia intiutiva de como a realidade funciona, no facto da maioria dos músicos ter preferido evitar esse modelo de negócio - o que é um bom indício de que não seria bom para eles se fosse prática comum.

    Mas posso estar enganado. Pode ser que esse modelo funcione bem para a música. Quanto a isto já esgotámos os argumentos e só o tempo o dirá.

    (mas quanto à outra discussão, por e-mail, ainda te responderei, quando tiver um pouco mais tempo.)

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  32. Ludwig,
    Acho que o seu argumento é valido, pois segundo percebi o problema é apenas aqueles casos em que as editoras fecham servidores como o Napster que permitem que pessoas troquem músicas sem ninguém ganhar dinheiro com isso. Na verdade, estes casos são complicados de gerir de acordo com o regulamento dos direitos de auto (ou copyright como preferir). Vejamos, se eu compro um CD do Júlio Iglesias e depois faço uma cópia para andar no carro porque tenho medo que me roubem o carro e assim eu perca o original, ninguém me pode acusar de pirataria. Fiz um cópia única e exclusivamente para uso pessoal, a partir de um original que comprei. Noutro caso mais complexo, eu posso fazer uma cópia e oferece-la a um amigo. Por razões óbvias este caso é mais bicudo, mas tendo em conta que não fiz dinheiro, e a autoria do trabalho original está claramente identificada, em termos de respeito pelo esforço e trabalho do autor não fiz nada de mal. Pode-se argumentar que impedi a compra de mais um CD, mas a verdade é que se não o pudesse copiar, provavelmente não o tinha oferecido.

    O grande problema está no seguinte. Ora eu andei pelos concerto dos Iglesias a gravar músicas dele ao vivo. Compilo as minhas preferidas num CD, faço uma capa bonita e começo a vende-lo. Ora, as musicas que escolhi acabam também por ser as preferidas de várias pessoas no mundo, e ao fim de uns anos eu estou multimilionário por vender um produto que não fui eu que criei. Imagine o Ludwig, que alguém compilava os seus textos, os vendia, e fazia uma fortuna com eles, e você continuava pobretanas. Obviamente, se foi esse terceiro que tomou a iniciativa de distribuir os seus textos, então deve receber parte dos lucros,mas tendo em conta que sem as capacidades literários do Ludwig não havia fortuna para ninguém, então o Ludwig também deveria receber parte desse dinheiro

    E acho que é precisamente aqui que a sua analogia com o jardineiro falha. Primeiro, ninguém consegue pegar no jardim e distribui-lo de forma exactamente igual por todo o mundo. Segundo, o jardineiro ao fazer o jardim inicialmente está a criar algo que dependerá sempre dele para se manter igual. O Jardineiro terá sempre que lá estar para manter o jardim vivo. Já um musico, uma vez gravada a música ninguém "precisa" dele para distribuir a música inalterada, e como tal é fácil que o musico morra de fome, mesmo que haja alguém a fazer milhões a vender a criação dele. Ou seja, embora o seu argumento esteja certo, a sua analogia é muito pobre e leva a que as pessoas confundam conceitos. Porque efectivamente o problema é quando a música é distribuída sem lucro para ninguém, o que obviamente prejudica principalmente as editoras que ganham dinheiro com a distribuição. É preciso saber é, os programas de partilha de ficheiros levam mesmo a a uma diminuição de vendas? É que eu pelo menos só uso esses programas para ter acesso a músicas que de outra forma não compraria!

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  33. André,

    «O grande problema está no seguinte. Ora eu andei pelos concerto dos Iglesias a gravar músicas dele ao vivo. Compilo as minhas preferidas num CD, faço uma capa bonita e começo a vende-lo.«

    O problema aqui não é a cópia mas regular a comercialização da obra. Se dou explicações, cobro dinheiro e não pago os impostos estou a cometer um ilicito, mas o ilicito não é dar explicações. É não pagar impostos pelo dinheiro que ganho.

    O problema que o André aponta pode ser resolvido sem proibir a cópia regulando apenas o dinheiro ganho com essa obra.

    «E acho que é precisamente aqui que a sua analogia com o jardineiro falha. Primeiro, ninguém consegue pegar no jardim e distribui-lo de forma exactamente igual por todo o mundo.»

    Ninguém consegue pegar numa música e distribui-la de forma exactamente igual. Qualquer codificação digital é uma descrição aproximada.

    E qualquer um pode tirar uma carrada de fotografias digitais do jardim, ou mesmo criar um modelo 3D e oferecer uma visita virtual (a tecnologia para isso está a melhorar rapidamente).

    Seja como for, o jardineiro não é uma analogia. É um exemplo de um prestador de serviços. E para esse a possibilidade de prestar o mesmo serviço, de uma vez, a milhões de pessoas é uma vantagem, não uma desvantagem.

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