sábado, março 29, 2008

Treta da Semana: Avaliar os professores.

A avaliação dos professores do ensino básico e secundário pareceu-me uma boa ideia. O princípio faz sentido e concordei com muito do que o Luís Grave Rodrigues escreveu sobre este processo (1). Mas o último post do Luís fez-me mudar de opinião. A propósito do incidente do telemóvel, o Luís pergunta «que raio de incompetência social, pessoal e profissional levou aquela professora a deixar-se enredar naquela cena absolutamente estúpida» (2). Uns meses a tentar ensinar Francês àquela turma deve ter ajudado. Mas a pergunta mais importante não me parecia essa. Era ao contrário. Que competência social, pessoal e profissional bastaria para fazer aqueles miúdos aprender Francês? Quando puxei esta ponta desmanchou-se a ideia que este processo iria melhorar a educação.

Para que melhore o sucesso escolar a avaliação tem que reflectir a competência dos professores, dela devem resultar melhores professores e isto deve melhorar o desempenho dos alunos. Aceitei a ideia inicialmente porque no ensino superior parece-me natural que avaliar os professores dê melhores professores e melhor ensino. Mas ensinar adultos que querem aprender é diferente de ensinar crianças que os pais não educam, e este processo de avaliação tem mais problemas ainda.

A avaliação é uma treta. O desempenho dos alunos tem «uma ponderação de apenas 6,5%». Os restantes 93,5% são a estimativa subjectiva do coordenador do departamento curricular e da direcção executiva (3). Com cento e cinquenta mil professores e milhão e meio de alunos deviam poder estimar o desempenho dos docentes pelo percurso académico dos alunos. Não seria perfeito, mas seria objectivo, transparente e aperfeiçoável. Um professor cujos alunos reprovassem todos nos anos seguintes com outros docentes não se safava por ser amigo do coordenador (ou por ser o coordenador).

Mas talvez me engane e os coordenadores avaliem a «qualidade científico-pedagógica» dos colegas de forma objectiva, imparcial e fiável. Mesmo assim não adianta porque isto só afecta a progressão na carreira. Segundo percebo, não vão despedir ninguém por causa disto. E mesmo que despedissem fazia pouca diferença. Em 2007 ficaram cinquenta mil professores por colocar. Parece muito mas é apenas um terço dos que já estão colocados. Ou seja, de 200 mil no total só ficam de fora os 25% (supostamente) menos qualificados. Não me parece que haja aqui muitos professores bons para substituir os maus admitidos, mesmo que este processo substituísse alguém.

Mas supondo que a avaliação era correcta e se melhorava a qualidade dos professores. Resta ainda estimar o efeito no sucesso dos alunos. A matéria do ensino básico e secundário é muito pouco exigente. Os alunos com motivação beneficiariam de um programa mais interessante mas um professor com mais «qualidade científico-pedagógica» faz pouca diferença se vão aprender a mesma treta. E os alunos que lá estão contra vontade, e que até têm orgulho de não aprender, são indiferentes à «qualidade científico-pedagógica» do professor.

E são crianças. Certamente que um professor de quem os alunos gostem vai ter algum efeito positivo (mais por isso que pela sua «qualidade científico-pedagógica»), mas por muito bom que seja é o exemplo dos pais que as crianças tendem a seguir. É dos pais a responsabilidade de lhes ensinar a dar valor à educação. É claro que sendo os pais o problema principal a solução é mais difícil. Há mais pais que professores, e votos são votos. E a menos que multem os pais quando os filhos reprovam há pouco que se possa fazer. Por isso faz-se o que é costume em política. Implementar mal uma solução incorrecta para o problema errado.

1- Random Precision, pesquisa por "não desista!"
2- Luís G. Rodrigues, 25-3-08, «Dá-me o telemóvel. JÁ!»
3- Ministério da Educação, Avaliação do desempenho de professores - Perguntas e respostas

12 comentários:

  1. Caro Ludwig,
    faltou-lhe um argumento pesado, mas é natural que o tenha faltado. É o mais silencioso, mas provavelmente o mais mordaz e que produz efeitos mais nefastos no sistema educativo e, em consequência, social. Estou a falar da falta de qualidade dos programas de ensino dos ensinos básicos e secundário (so ensino superior, só conheço os programas da minha área, são muito maus, mas os problemas que aí se colocam são outros). Para ser objectivo e prático, recomendo ao Ludwig o seguinte: pegue num ou dois programas de um qualquer ano, porc exemplo, Português e Matemática que são de formação geral, leia-os e pense o que é que eles possuem de motivação e exigência para os alunos??? A diferença no sistema curricular e exigência é tudo, sabe porquê? Porque um aluno português pode passar o ano inteiro a beber cervejolas e ainda consegue boas notas. E esta é a realidade. Os que chumabam, cada vez menos, têm uma quantidade de oportunidades (que mais são facilidades) para concluirem os seus cursos. O Ludwig que está no ensino superior deve saber como lhe chegam os alunos às mãos e como saem até das universidades. Para terminar: ao longos dos anos em que tenho sido professor do secundário, tenho conhecido alguns rebeldes que quando iniciam a sua vida laboral fora da escola até são responsáveis. Sabe porquê? Porque só são rebeldes no único local onde lhes é permitido serem rebeldes, na escola.
    Agora a pergunta final: como se pretende avaliar professores num ambiente destes? Só pode resultar em subjectividade, compadrio, etc... e tal...
    Abraço
    Rolando Almeida

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  2. Caro Rolando,

    Não me pronunciei sobre os programas do básico e secundário porque o único que conheço (por alto) é o da primeira classe :)

    Mas concordo que um dos problemas é esse. Deve-se dar as mesmas oportunidades a todas as crianças, mas não se deve esperar de todos os mesmos resultados.

    Mas penso que a esse nível de ensino o problema principal não é esse. Um adolescente interessado facilmente aprende coisas se tiver acesso à informação.

    Penso que o problema principal é os pais assumirem que a educação das crianças é responsabilidade do Estado. Muita gente se esquece de ensinar os filhos. E nem interessa o quê, desde que eles aprendam a aprender...

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  3. O problema do Luís, ao qual eu já espondí, é ser PS ferranho. É paradoxal que um gajo que se considera céptico em todas as outras circunstâncias e é um fã do Dawkins aja como um fanático quando se trata do PS, mas a mente humana nunca deixará de nos fascinar.
    Karin

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  4. Ludwig

    Tenho isto a dizer acerca do assunto. Não sou nada meiga, e nem sequer arranhei a superfície. Porque nem convém!

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  5. Eu sou um gajo com massas.

    E com influencia.

    Se calhar sou um deputado, ou um dirigente de partido, ou um administrador de uma grande empresa.

    Tenho uma série de filhos que, nem que seja pelo imperativo biológico, quero que se safem bem na vida.

    Tenho também a noção que já não vivemos na idade média, logo, que os putos não vão necessáriamente desenrascar-se só por serem meus filhos.

    Se forem excepcionalmente estúpidos ( e sê-lo-ão provávelmente porque há essa coisa chamada de inbreeding, principalmente em sociedades pequeninas como a do nosso rectângulo) e preguiçosos (e sê-lo-ão provávelmente porque nasceram com o c* virado para a lua), terão sempre alguma dificuldade em se impor numa sociedade cada vez mais competitiva.

    Por outro lado, as massas, essa malta chunga, cada vez têm mais acesso a informação, mais dinheiro, mais tempo livre.

    E ainda por cima existe essa coisa absurda da escolaridade obrigatória, que impede os canalhas de irem trabalhar para as minhas fábricas mal larguem as fraldas

    Como é que eu resolvo isto, sem dar cabo das aparências?

    Eureka!

    Ponho o sistema totalmente disfuncional. Colocam-se os piores a ensinar, os piores a gerir escolas, os piores a fazer programas, os piores a mandar nos ministérios, que a coisa apodrece de certeza.

    E como ponho lá esses piores sem dar nas vistas? Fácil e testado outra vez. Incentivo a cunha, a mediocridade, o carneirismo.

    Depois, basta meter os meus fedelhos no ensino privado (e não qualquer um, mas daqueles que só se entra com cunhas). Mais tarde, mando-os estudar para uma uni da Inglaterra ou dos States.

    Tenho assim a garantia que o ambiente que os meus filhos vão encontrar na sua vida adulta lhes é muito favorável, porque terão uma educação e uma disciplina muito acima da média, por mais burros e preguiçosos que sejam.


    E aí será fácil justificar a sua nomeação para administrador/deputado/ministro.

    P.S: Não creio que exista uma cabala para dar cabo do ensino, do tipo de uma dúzia de barrigudos engravatados a fumar charutos à volta de uma mesa, mas parece-me que essa motivação pessoal, esse "drive" fortíssimo que nós todos temos em procurar que os nossos descendentes directos tenham as melhores condições para sobreviver faz com que os que mandam não sejam nada imparciais nesta matéria.

    Até porque, se eu tivesse dinheiro suficiente, punha os meus putos a estudar numa escola privada e mandava-os para o MIT.

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  6. Miguel

    A tua teoria é excelente (e o que é mais assustador é que é credível). Mas eu acho que isto é mesmo nacional-porreirismo. É o proverbial deixa andar e fazer número para os da "Europa" verem! E uma mediocridade sem fim! Daí o meu post dos reis no quintal: é esta mediocridade e mesquinhez pequenina vezes muitas escolas que abafa quem quer fazer coisas e ensinar.

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  7. OS programas são maus, os professores são maus (nã todos que eu conheço alguns muito bons) e os alunos não tem qualquer noção de educação ou de disciplina porque é uma coisa que hoje em dia se ensina pouco em casa

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  8. Eu gosto de ser avaliado, permite-me subir na minha carreira. Esta avaliação pode ter muitas falhas, mas é uma motivação para fazer melhor para quem estiver motivado a fazer melhor, claro que os professores (à semelhança dos alunos) se não estiverem motivados para fazer melhor não o fazem. No sistema actual em que os professores sobem na carreira apenas por estarem lá, é muito bem vindo qualquer sistema de avaliação. Pode estar muita outra coisa mal, mas não haver avaliação é uma delas, eu pelo menos acho injusto eu ser avaliado (às vezes de forma incorrecta) e outros não o serem de todo.

    Ninguem vai fazer um sistema perfeito à primeira, por isso faz-se como se faz em todo o lado, mete-se em produção, e corrige-se os defects à medida que forem aparecendo num periodo de roll-out.

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  9. Bizarro,

    Supõe que na tua empresa a progressão era por tempo. Todos progrediam lentamente mas ao mesmo ritmo.

    Agora imagina que surgia um plano de avaliação em que os amigos dos seus superiores subiam mais depressa e os outros encravavam.

    Era uma melhoria?

    Eu acho que nem todos os sistemas de avaliação são melhores que nenhum sistema de avaliação...

    Além disso já havia sistema de avaliação. Havia pontuações pelo serviço, cursos de formação e cenas assim. Não havia é um avaliador a decidir com base nos seus critérios pessoais.

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  10. Ludwig

    Cursos??? Agora tiveste piada! Como disseram os meus professores da Faculdade, que a dada altura acumulavam a avaliação aqui do "je" e dos meus professores, não se chumbam professores. Mesmo quando uma boa parte deles parecia um burro a olhar para um palácio (e isto é porque nem entrei na parte em que eles metiam as patinhas nos computadores).

    Isso eram programas Foco e outros que tal. Refira-se que estou a exagerar agora um niquinho, porque vi professores meus de liceu a fazerem boa figura e mesmo excitados por estarem de volta à Faculdade a aprenderem coisas novas. Mas que incentivo tinham eles para se sairem bem e aprenderem alguma coisinha se os "colegas" do lado não faziam nenhum e tinham o mesmo resultado? Tenta aplicar um pouco de pensamento crítico a isso.

    Eu sinceramente não quero saber desta avaliação. É bu(r)rocrática, é vaga, é estúpida. Mas é consistente com tudo o que os professores aturaram até agora. E (repito) só reclamaram quando lhes foram ao bolso! Só por isso já valeu a avaliação.

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  11. Ludwig

    "Agora imagina que surgia um plano de avaliação em que os amigos dos seus superiores subiam mais depressa e os outros encravavam."

    Isso já acontece na maioria das escolas (admito que não seja em todas): os professores com mais tempo e/ou filhos de algo ficam com as melhores turmas. Escolhem os alunos, de modo a não se chatearem muito e poderem ensinar na sua paz e no seu sossego. O que eu compreendo, mas não resolve: agudiza e eterniza o problema.

    Vão ser estes a ter melhores resultados na avaliação, mas já são estes os beneficiados.

    Isto para já nem falar de amigos de amigos que são colocados nas DRE anos e anos sem ter a chatice de ensinar. Ou no sindicato.

    Esta avaliação dos professores é uma treta (eu nunca disse o contrário). Mas há muitas tretas muito maiores!

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  12. Ludwig,

    não tenho ideia que este sistema de avaliação apenas permita subir na carreira quem tiver amigos, mas também na minha empresa quem tiver amigos sobe mais depressa, a diferença é que são todos avaliados. Neste caso, se este sistema de avaliação apenas premiar as cunhas, caberia aos professores injustiçados opor-se aos professores que beneficiaram, reportando o defeito, e no ano seguinte faria-se uma melhoria ou até várias melhorias.

    Mas agora pergunto-te outra coisa,
    imagina que na tua empresa, as pessoas saiam às duas da tarde, existiam periodos de interrupção lectiva, e subias na carreira apesar do que fazias e não com base no que fazias. Seria um motim tentar aplicar um sistema de avaliação que retirasse estas regalias.

    O ensino universitário é completamente diferente dos outros ensinos, no ensino universitário os professores tem objectivos de inovar e já são sujeitos a muitos tipos de avaliação dos seus pares e até dos alunos que escolhem as universidades com base na reputação. Eu tenho alguns amigos que são professores do ensino preparatorio e secundário e que rica vida tem eles. Eu não me importaria com isso se houvesse qualidade no ensino, mas não há, e neste caso tem que haver algo que obrigue maior dedicação, metam a avaliação, se não funcionar muda-se, se passados anos não funcionar retira-se, acho que pior do que estamos é impossivel.

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