segunda-feira, março 31, 2008

Miscelânea Criacionista: A Segunda Lei.

O «Mats» afirma que «Ainda há evolucionistas que não concordam com o facto de que a teoria da evolução vai contra a 2ª lei da Termodinâmica»(1) e cita vários “evolucionistas” a afirmar que tudo tem que estar de acordo com a 2ª lei da termodinâmica. Ironicamente, a única coisa nesta discussão que contraria a termodinâmica é o abracadabra criacionista.

Das citações do «Mats», a mais recente tem 32 anos. Talvez os criacionistas imaginem que os cientistas tenham passado três décadas sentados nas mãos. Ou talvez pensem que o que está escrito nunca pode mudar. Mas o que tem mais graça é citar trabalhos que mostram o contrário do que eles propõem. Por exemplo, cita o «Prémio Nobel Ilya Prigogine»:

«The point is that in a non-isolated [open] system there exists a possibility for formation of ordered, low-entropy structures at sufficiently low temperatures. This ordering principle is responsible for the appearance of ordered structures such as crystals as well as for the phenomena of phase transitions. Unfortunately this principle cannot explain the formation of biological structures.
[I. Prigogine, G. Nicolis and A. Babloyants, Physics Today 25(11):23 (1972)]»


É verdade. A formação dos cristais processa-se perto do equilíbrio termodinâmico. Moléculas de sacarose vão se agregando ao cristal enquanto outras se libertam e vagueiam pelo chá. É um processo reversível que pode criar ou desfazer o cristal conforme as condições. Com bastante açúcar, arrefece-se o chá e o cristal cresce. Aquece-se e o cristal dissolve-se. É um processo espontâneo que aumenta a ordemlocalmente mas não explica bem os seres vivos porque sistemas longe do equilíbrio termodinâmico funcionam de maneira diferente.

Um laser, um tornado, um oscilador químico (2) ou um ser vivo dependem de processos irreversíveis. Ao contrário do cristal, em que há um equilíbrio dinâmico entre a formação e dissolução, um remoinho ou um ser vivo são sistemas em “desequilibro”. Vivemos a caminho da morte. Não ficamos ora mais novos ora mais velhos conforme a temperatura. Estes processos são diferentes dos que formam os cristais. Mas em ambos os casos verifica-se a segunda lei da termodinâmica. Se assim não fosse já não seria uma lei da termodinâmica.

O irónico é que o artigo citado explica precisamente isso. Os criacionistas é que se “esquecem” de citar a parte onde os autores dizem «The functional order maintained within living systems seems to defy the Second Law; nonequilibrium thermodynamics describes how such systems come to terms with entropy.» Prigogine ganhou o prémio Nobel precisamente por explicar a termodinâmica destes sistemas, entre eles os seres vivos. Ou seja, por explicar detalhadamente como isto da evolução contradizer a termodinâmica é um disparate. Cito agora eu, do discurso proferido por Sig Claesson na entrega do Nobel a Prigogine:

«O método que Prigogine usou para estudar a estabilidade de estruturas dissipativas é de grande interesse geral. Torna possível o estudo dos problemas mais variados, como problemas de tráfego nas cidades, a estabilidade de comunidades de insectos, o desenvolvimento de estruturas biológicas ordenadas e o crescimento de células cancerosas, para mencionar apenas alguns exemplos»(4)

O «Mats» afirma que «A 2ª Lei ainda é um problema não resolvido, no que toca à teoria da evolução. Não é um problema inventado pelos criacionistas, mas pela própria ciência.» Isto é falso. A 2ª Lei é uma descrição resumida de algo que observamos na Natureza. Globalmente, a desordem aumenta. A termodinâmica explica porquê e como localmente pode acontecer o contrário. Em conjunto com a teoria da evolução e as outras partes da ciência isto dá-nos ferramentas para compreender um universo cheio de coisas intrigantes. As peças encaixam tão bem que mesmo em artigos com trinta anos é preciso mutilar as citações para dar a impressão do contrário.

Problema é a hipótese de um deus ter criado tudo por magia em seis dias há poucos milhares de anos. Isso viola a 2ª Lei, viola o que sabemos acerca da formação e idade do universo, da Terra e da vida, viola até o bom senso. E em vez de explicar cria um enigma maior. As coisas já são suficientemente complicadas sem andarmos a inventar bruxarias que não explicam nada.

1- Mats, 30-3-08, A 2ª Lei da Termodinâmica – 2
2- Wikipedia, Belousov-Zhabotinsky reaction
3- Wikipedia, Ilya Prigogine
4- Nobelprize.org, The Nobel Prize in Chemistry 1977, Presentation Speech

domingo, março 30, 2008

Caro doutor pedro,

Muito obrigado pelo seu simpático email e por se ter lembrado de mim mesmo não me conhecendo de lado nenhum. Ao ler a sua mensagem surgiram-me algumas dúvidas. Vejo que obtém resultados 100% garantidos com a sua mediuminidade. É uma versão mais pequena da mediunidade? Não faz mal. Presumo que o tamanho não seja importante.

Também não percebo quando diz que resolve problemas como amor, sorte nas candidaturas e desporto. Está a pensar em quem não quer ser amado, está farto de ser aceite e precisa de partir uma perna para faltar ao jogo no Domingo?

E, já agora, isso do «Aproxima e afasta pessoas amadas, com rapidez total» não fará mal ao pescoço?

Muito obrigado pela sua atenção.

«doutor pedro
espiritualista medium naturopata

O mais importante da mediuminidade e espiritualidade è obter resultados, rapidos e garantidos a 100%. Dotado de poderes, ajuda a resolver problemas dificeis ou graves em pouco dias, tais como: Amor, insucessos, depressões, negocios, injustiças, casamento, impotência sexual, maus olhados, doenças Espirituais, sorte nas candidaturas, desporto. Exames e protecção contra perigos como acidentes em todas as circonstâncias. Aproxima e afasta pessoas amadas, com rapidez total. Se quer prender uma vida nova e pôr fim a tudo o que o preocupa, nâo perca tempo, contacte o dr pedro e ele tratará o seu problema com eficácia e honestidade. Faz emagrecer ou engordar ajuda para ter filho (engravidar).

consulta á distancia e pessoalmente de segunda a sabado, das 9 ás 21 horas»

sábado, março 29, 2008

Treta da Semana: Avaliar os professores.

A avaliação dos professores do ensino básico e secundário pareceu-me uma boa ideia. O princípio faz sentido e concordei com muito do que o Luís Grave Rodrigues escreveu sobre este processo (1). Mas o último post do Luís fez-me mudar de opinião. A propósito do incidente do telemóvel, o Luís pergunta «que raio de incompetência social, pessoal e profissional levou aquela professora a deixar-se enredar naquela cena absolutamente estúpida» (2). Uns meses a tentar ensinar Francês àquela turma deve ter ajudado. Mas a pergunta mais importante não me parecia essa. Era ao contrário. Que competência social, pessoal e profissional bastaria para fazer aqueles miúdos aprender Francês? Quando puxei esta ponta desmanchou-se a ideia que este processo iria melhorar a educação.

Para que melhore o sucesso escolar a avaliação tem que reflectir a competência dos professores, dela devem resultar melhores professores e isto deve melhorar o desempenho dos alunos. Aceitei a ideia inicialmente porque no ensino superior parece-me natural que avaliar os professores dê melhores professores e melhor ensino. Mas ensinar adultos que querem aprender é diferente de ensinar crianças que os pais não educam, e este processo de avaliação tem mais problemas ainda.

A avaliação é uma treta. O desempenho dos alunos tem «uma ponderação de apenas 6,5%». Os restantes 93,5% são a estimativa subjectiva do coordenador do departamento curricular e da direcção executiva (3). Com cento e cinquenta mil professores e milhão e meio de alunos deviam poder estimar o desempenho dos docentes pelo percurso académico dos alunos. Não seria perfeito, mas seria objectivo, transparente e aperfeiçoável. Um professor cujos alunos reprovassem todos nos anos seguintes com outros docentes não se safava por ser amigo do coordenador (ou por ser o coordenador).

Mas talvez me engane e os coordenadores avaliem a «qualidade científico-pedagógica» dos colegas de forma objectiva, imparcial e fiável. Mesmo assim não adianta porque isto só afecta a progressão na carreira. Segundo percebo, não vão despedir ninguém por causa disto. E mesmo que despedissem fazia pouca diferença. Em 2007 ficaram cinquenta mil professores por colocar. Parece muito mas é apenas um terço dos que já estão colocados. Ou seja, de 200 mil no total só ficam de fora os 25% (supostamente) menos qualificados. Não me parece que haja aqui muitos professores bons para substituir os maus admitidos, mesmo que este processo substituísse alguém.

Mas supondo que a avaliação era correcta e se melhorava a qualidade dos professores. Resta ainda estimar o efeito no sucesso dos alunos. A matéria do ensino básico e secundário é muito pouco exigente. Os alunos com motivação beneficiariam de um programa mais interessante mas um professor com mais «qualidade científico-pedagógica» faz pouca diferença se vão aprender a mesma treta. E os alunos que lá estão contra vontade, e que até têm orgulho de não aprender, são indiferentes à «qualidade científico-pedagógica» do professor.

E são crianças. Certamente que um professor de quem os alunos gostem vai ter algum efeito positivo (mais por isso que pela sua «qualidade científico-pedagógica»), mas por muito bom que seja é o exemplo dos pais que as crianças tendem a seguir. É dos pais a responsabilidade de lhes ensinar a dar valor à educação. É claro que sendo os pais o problema principal a solução é mais difícil. Há mais pais que professores, e votos são votos. E a menos que multem os pais quando os filhos reprovam há pouco que se possa fazer. Por isso faz-se o que é costume em política. Implementar mal uma solução incorrecta para o problema errado.

1- Random Precision, pesquisa por "não desista!"
2- Luís G. Rodrigues, 25-3-08, «Dá-me o telemóvel. JÁ!»
3- Ministério da Educação, Avaliação do desempenho de professores - Perguntas e respostas

sexta-feira, março 28, 2008

Debater ou não debater.

Em Abril do ano passado a Rampant Films pediu entrevistas ao Richard Dawkins, ao P.Z. Myers e à Eugenie Scott para o filme «Crossroads: The Intersection of Science and Religion», aparentemente um documentário sobre ciência e criacionismo. Uns meses mais tarde esta produtora anunciou a participação destes biólogos no filme «Expelled», uma propaganda criacionista acerca de como a ciência proíbe qualquer menção de deuses (1). Do «Crossroads» nunca mais se ouviu. E a sacanice continuou, acompanhada de ironia.

A semana passada Myers foi expulso do cinema onde ia ver o filme «Expelled», no qual participara enganado. A audiência era por convite pedido na página do filme. O P.Z. Myers deu o nome na página, marcou lá que levava mais 3 pessoas e recebeu os quatro convites. Mas quando estava na fila para entrar um segurança mandou-o sair imediatamente do cinema. O engraçado neste episódio vergonhoso é que os 3 acompanhantes eram a mulher e a filha de Myers e o Richard Dawkins (2). Como não pediam os nomes dos acompanhantes o produtor não sabia que o Dawkins ia lá estar e quase lhe dá uma coisa má quando, na sessão de perguntas, o Dawkins se levanta e pergunta porque expulsaram Myers (3).

Seguiram-se desculpas esfarrapadas, tretas e muita gargalhada à custa da maldade mesquinha destes criacionistas. Imaginem o Deus do antigo testamento, que transforma a mulher em sal, arrasa cidades ou inunda o planeta inteiro só porque lhe apetece. Agora imaginem o mesmo personagem mas sem os poderes...

É por coisas como esta que a Palmira considera «que não é boa ideia debates que põem ao mesmo nível evolucionismo e criacionismo como [...] o que acontecerá em Braga para o mês que vem no âmbito das XX Jornadas Teológicas e em que o Ludwig debaterá com Jónatas Machado» (4). Sim... mas não...

A hipótese que um deus criou os seres vivos é uma hipótese científica. Pode-se debater, já se debateu, e foi mesmo por isso que a ciência a rejeitou em benefício de uma hipótese melhor. É isso que eu vou debater em Braga. É importante explicar a teoria da evolução, como ela encaixa na ciência moderna e o que ela esclarece acerca de detalhes que nem se imaginava nos tempos da outra hipótese. E estão ao mesmo nível. É verdade que as evidências contrariam a primeira e que, por isso, a segunda se desenvolveu e é uma explicação muito melhor. Mas são duas tentativas legítimas de descrever a realidade e merecem o mesmo tratamento. Merecem ser confrontadas com o que observamos, independentemente do que queremos que seja verdade.

Este criacionismo moderno do Jónatas Machado é diferente. Não é explicação nem hipótese nem admite alternativas. É fé. É o desejo irrecusável que aquela crença seja verdade. Isso concordo que não vale a pena debater, e estou ciente que o debate vai ser assimétrico. Para o criacionismo moderno vale tudo na defesa da fé.

1- P.Z. Myers, 22-8-07, I'm gonna be a ☆ MOVIE STAR ☆
2- P.Z. Myers, 20-3-08, Expelled!
3- Richard Dawkins, 23-3-08, Lying for Jesus?
4- Palmira Silva, 22-3-08, O regresso de Adão – II

quinta-feira, março 27, 2008

O custo da informação.

Ontem aprendi uma coisa interessante com um comentador anónimo. O contexto da conversa é o custo de disponibilizar a informação digital. O comentador tinha afirmado que sai mais caro distribuir um jornal digitalmente que imprimi-lo em papel.

« O custo anual do papel, da impressão e da distribuição de um jornal em papel representa menos de 1% do custo total de um jornal. Na verdade é mais barato que o custo anual dos servidores/serviços técnicos para manter os mesmos conteúdos online.
[...]
Sou director de sistemas de informação de um portal nacional. [...] Não sei quanto o Público paga ao seu ISP/Datacenter mas nós pagamos cerca de 13 mil euros por mês e a isto há que acrescentar as licenças anuais da Microsoft para os nossos 21 servidores.»


Admito que me surpreendeu o custo de um site destes mas, em retrospectiva, percebo que é razoável. É preciso pessoas, equipamento e software para gerir os serviços e conteúdos. A confusão é julgar que este é o custo de distribuir a informação. Não é. O mesmo comentador critica assim uma das minhas sugestões:

«Colocar um pdf em p2p?! Essa é uma proposta válida para um site de um jornal?!»

É uma opção eficiente e eficaz de distribuir ficheiros. Na Pirate Bay (2) podem encontrar torrents (3) de muitas séries de televisão. Tipicamente, cada episódio está disponível no dia seguinte à sua exibição, tem 350 Mb e demora menos de uma hora a descarregar (segundo ouvi dizer, é claro...). Recentemente, a Canadian Broadcasting Company decidiu distribuir por P2P um programa do horário nobre (4). A distribuição é rápida e praticamente gratuita. Mas mesmo com servidores próprios o custo de disponibilizar os ficheiros pdf de um jornal é muito reduzido. Só que o objectivo do Público não é disponibilizar o jornal a quem o quiser ler.

Em parte, o objectivo do Público é atrair leitores pelo aspecto, conteúdo e funcionalidade do site, e isso tem que ser pago. Mas é o negócio normal da imprensa. Mostram-nos algo que nos interessa para vender a nossa atenção a quem nos quer vender coisas. Mas, além disso, também querem cobrar o acesso à informação. E isso exige um sistema de subscrição com acesso restrito, bases de dados de subscritores, serviços de pagamento online, formas diferentes de mostrar o conteúdo conforme o visitante é subscritor ou não e assim por diante. Isso não é barato.

O comentador anónimo recomenda que «Mantenham-se - os autores do blog - a falar de ciência porque de TI... santa ignorância». Se por “TI” quer dizer os preços destes serviços admito-me ignorante, e só não sou mais graças à informação que este comentador deu. Mas da tecnologia sei o suficiente para perceber que os custos do site do Público não são pela largura de banda. O YouTube sim, gasta um milhão de dólares por dia a enviar um terabyte de dados a cada segundo (6). Ao Público bastaria dez euros para enviar tantos exemplares em formato digital quantos os que vende em papel.

Uma grande diferença entre a venda do suporte material e a venda do conteúdo digital é que a primeira cobra na cópia o custo de a fabricar e a última cobra na cópia o custo de não deixar copiar.

1- A moedinha.
2- The Pirate Bay, TV shows
3- Wikipedia BitTorrent (protocol)
4- CBC, CBC to BitTorrent Canada's Next Great Prime Minister
5- Público
6- Wikipedia, YouTube

quarta-feira, março 26, 2008

Miscelânea Criacionista: O Propósito.

Um aspecto fascinante dos seres vivos é o propósito aparente das suas formas. Uma pedra não parece servir um propósito mas um pássaro parece ter sido criado para voar. Isto pede uma explicação. Queremos compreender os processos que criaram esta aparência de propósito. O «Mats» perguntou «Como é que o Ludwig sabe que o propósito é uma “aparência” e não uma realidade?»(1). Que é aparente salta à vista. Se é real ou não é uma boa pergunta.

Algo pode ter propósito por ter sido criado para servir um propósito do seu criador, como os martelos e os automóveis. Ou pode ter os seus próprios propósitos, como nós e alguns dos outros animais. Algumas religiões assumem que só os humanos podem ter propósitos próprios porque os restantes animais não têm “alma”, mas isso é treta para outra altura. Agora quero focar o propósito da criação, a premissa central do criacionismo. O pássaro parece ter sido criado com o propósito de voar, dirá o criacionista, porque foi criado de propósito por um deus omnipotente. A pergunta do «Mats» dá para os dois lados, mas eu já sei como é que ele responde. Leu num livro. E este não é o único defeito na sua hipótese.

Primeiro, a hipótese do deus omnipotente torna impossível compreender o mecanismo que deu ao pássaro essa aparência de propósito que nos intriga. Os detalhes ficam debaixo do tapete do milagre divino. Segundo, que propósito servirá o pássaro para um deus omnipotente? Nós agimos com propósito porque queremos resolver problemas. Levamos o guarda-chuva para não nos molharmos e fazemos o jantar para o comer. Ora um deus omnipotente não tem problemas para resolver. Por definição, está sempre tudo como ele quer. Não se percebe para que raio lhe serve um pássaro. Mais um mistério debaixo do tapete.

Com o criacionismo não sabemos o como nem percebemos o porquê, mas vamos assumir que o propósito real do pássaro é o seu propósito aparente. Deus criou os pássaros para voar, os peixes para nadar, os caracóis para rastejar lentamente e assim por diante. Como explicação é fraquinha porque cada caso tem a sua. E tem problemas. O pinguim é um pássaro que nada e não voa. Há peixes voadores, peixes com pulmão, 350,000 espécies de escaravelho (conhecidas), parasitas, varejeiras. O tapete já tem altos e não se vê ordem nisto. O que esta bicharada tem em comum é que todos propagam as suas características às gerações futuras. Será este o Propósito da vida? Porquê? E porquê asas, escamas, dentes, ferrões, cérebros, pólen e tanta tralha se o propósito é só a replicação? Para isso basta simples moléculas orgânicas. Não há tapete que tape tanto mistério...

A alternativa é supor que a propagação faz parte do mecanismo que cria a aparência de propósito em vez de ser o propósito em si. A herança com modificações, de geração em geração, favorece as combinações vantajosas à propagação. Isto tira o mecanismo de debaixo do tapete, explica porque todas as espécies propagam as suas características e explica a diversidade dos seres vivos. Esclarece também o mistério do propósito aparente. O pássaro parece feito de propósito porque seria muita coincidência ter tantas características a contribuir de forma coordenada para o voo. Mas não é coincidência. São milhões de anos de selecção natural que criaram o pássaro quase como se tivesse sido criado por um ser inteligente para o propósito de voar.

Resolve também o problema dos propósitos do tal deus e do propósito original. Os primeiros replicadores não tinham, nem aparentavam, propósito. Eram moléculas orgânicas simples que apenas se copiavam. Em vez de postular um propósito vindo sabe-se lá como e sabe-se lá porquê, com esta hipótese a aparência de propósito e, eventualmente, os propósitos de seres como nós, emergem de um processo sem propósito. E de forma compreensível, sem mistério ou milagre. Já não é preciso o tapete.

Respondendo à pergunta do «Mats», eu sei que o propósito aparente dos seres vivos é só aparência porque é a melhor explicação. A teoria da evolução explica os detalhes e encaixa bem no que sabemos. A alternativa criacionista só tenta disfarçar a ignorância dizendo, de forma rebuscada, que é assim porque um deus quis.

1- Mats, 23-3-08, Ludwig Krippahl - A origem da evolução – 4

segunda-feira, março 24, 2008

A moedinha.

Continuando a nossa conversa sobre o copyright, o Desidério mostrou-se preocupado com vários problemas imaginários. Preocupa-se com a Wikipedia porque se uma enciclopédia usa «o trabalho de outras pessoas [...] então esses criadores devem ser pagos» (1). É fácil perceber o erro se perguntarmos quem deve pagar pelo contributo voluntário dos autores da Wikipedia. Em geral, quem tem o dever de pagar a prestação de um serviço? Obviamente, quem se comprometeu a pagá-lo. Mais ninguém.

Se um mecânico afina o tubo de escape do meu carro* para que fique mais silencioso não são os moradores do bairro que devem pagar por usufruírem do silêncio. Nem sou eu que devo pagar só porque o carro é meu. Deve pagar quem combinou o arranjo. E se o mecânico fez o serviço porque lhe apeteceu ninguém tem obrigação de lho pagar. É o que se passa na Wikipedia. Ninguém tem a obrigação de remunerar contributos voluntários, usufrua ou não deles.

Por confundir o usufruto com o dever de remunerar o Desidério não percebe os Creative Commons e preocupa-se com o efeito pernicioso desta “mentalidade”. «Esta campanha protege os criadores do quê, exactamente? De nada. Qualquer pessoa pode dar o que quiser, para isso não precisa de protecção legal. E as leis existentes já impedem o aproveitamento comercial do que as pessoas criam, sem o seu consentimento. O movimento Creative Commons não tem por objectivo proteger os criadores, mas antes espalhar uma mentalidade na Internet: a mentalidade de que é feio pedir dinheiro pelo trabalho criativo.»

Vou contar o que me aconteceu. Se eu quisesse “proteger” estes textos plastificava-os e guardava-os numa gaveta. Se os publico é porque quero que os leiam, e isso não torna ninguém responsável por me pagar. Só que a lei “protege-me” os textos por omissão. Assim que os escrevo é ilícito publicá-los, traduzi-los, imprimi-los ou gravá-los sem me pedir licença. Mas o que escrevo é só Português e opiniões. O primeiro é de todos e as últimas de quem quiser. Por isso eu queria mandar a lei passear e pôr este material no domínio público. Fui ao site da Creative Commons buscar o ícone e descobri que «A dedicação ao Domínio Público não se aplica à jurisdição Portuguesa.»(2)

Estes malvados estiveram a estudar as leis e agora atrevem-se a dizer-me o que eu preciso saber. De graça. Deve ser um plano maquiavélico para me convencer que não tenho a obrigação de pagar por coisas que não encomendei. Em contraste, escrevi um email ao Gabinete do Direito de Autor (3) a perguntar como disponibilizar os meus textos sem restrições. Talvez por receberem ordenado dos meus impostos falta-lhes a tal mentalidade e já lá vai mais de um ano sem resposta. Eu quero que o que escrevo não seja propriedade. Quero que seja como a regra de três simples ou os sonetos de Camões. Mas a lei exige que eu morra, espere cinquenta anos e depois logo se vê se não aumentaram o prazo entretanto.

O Desidério acrescenta que «O que precisamos é de uma campanha como o Fair Trade (4), mas para o mundo digital.» Isto teria piada se não fosse tão triste. Há desgraçados a apanhar café ou a cortar cana de açúcar de sol a sol para não morrer à fome. Ganham uma miséria enquanto os donos das plantações fazem fortuna, mas se protestam ou se demitem morrem mesmo à fome. Estes precisam que alguém os ajude a renegociar essa transacção injusta. O autor no “mundo digital” dificilmente terá o mesmo problema.

Se eu quiser ser blogger profissional recuso-me a escrever por menos de dois mil euros por mês. E se não me pagarem não escrevo. Tenho o poder de impor as minhas condições. É claro que não me vão pagar. Perder tempo com estas tretas à borla já é ela por ela; a pagar não vale mesmo a pena. Mas não há nada de injusto nisso. Eu decido quanto quero receber e vocês decidem se estão dispostos a pagar. Até agora houve consenso quanto ao valor justo, mas se um dia não houver nem eu vou morrer à fome nem vocês têm a obrigação de pagar só porque eu quero.

Não é uma mentalidade nova. Sempre foi assim. Se não encomendo o sermão posso ouvi-lo, mas não tenho que o pagar. Comércio justo é os autores pedirem o que entenderem pelo seu trabalho e serem pagos por quem se comprometer fazê-lo. O profissional dá um orçamento e faz o trabalho quando se comprometem pagar-lhe. Tocar primeiro e depois andar a passar o chapéu pode dar algum mas é uma coisa diferente.

* Este é um exemplo para ilustrar a regra. Não é um argumento por analogia.

1- Desidério Murcho, 22-3-08, Eldorado II
2- Creative Commons, Public Domain (Não sei se o conteúdo da página depende do país de onde estão a aceder).
3- http://www.gda.pt/
4- Fair Trade

sábado, março 22, 2008

A origem da evolução.

O «Timshel» perguntou «porque é que a matéria tem condições que permitem a vida?» Esta pergunta é menos interessante do que parece. A vida não é fundamentalmente diferente do resto da matéria, da física e das reacções químicas. E a distinção entre vivo e não vivo é arbitrária. Chamamos vivo ao que se reproduz, resiste activamente a alterações do ambiente, desenvolve-se, metaboliza e assim por diante, mas não há consenso acerca dos atributos essenciais. Uma formiga obreira não se reproduz. Muitos seres vivos sobrevivem à congelação mas enquanto congelados não cumprem os requisitos da vida. A vida, por estranho que pareça, é uma categoria pouco interessante.

Mas tem uma propriedade interessante. Não é a reprodução. Essa explica a origem da vida mas muitas moléculas conseguem reproduzir-se sem vida. Nem é a complexidade por si. Um furacão é mais complexo que qualquer animal, se examinarmos ambos com o mesmo detalhe. O mais interessante nos seres vivos é a aparência de propósito. As bactérias fogem de substâncias nocivas e dirigem-se para os nutrientes. As plantas crescem para onde há mais sol. Os esquilos escolhem os melhores caminhos por entre os ramos. Todos os seres vivos se desenvolvem e agem como se tivessem um propósito. E nisto partilho o interesse do «Timshel». Mesmo o aparente propósito da bactéria exige explicação.

O criacionismo é inútil porque parte do princípio que foi tudo criado com propósito, vontade, e até inteligência. Precisamente os atributos que mais carecem de explicação. Pior que inútil, o criacionismo moderno atrapalha. O «Mats» dá vários exemplos de confusões e falsidades, como afirmar que «só seres inteligentes são capazes de [...] criar vida a partir de matéria morta.»(1) Se cai uma bactéria no meio de cultura em poucas horas temos milhares de milhões de bactérias, todas criadas dos nutrientes por bactérias sem inteligência. Observamos que são seres vivos que tornam a matéria morta em matéria viva, mas é evidente que não precisam inteligência para isso.

E fazem-no por processos naturais, sem intervenção divina. E estes processos tornam algo mais simples em algo muito mais complexo. Um ser humano desenvolve-se da união de duas células microscópicas, criando todo o tecido vivo que o compõe a partir de matéria inanimada e aumentando muitas vezes a sua complexidade. E nem precisa pensar nisso.

O «Mats» afirma também que «O facto de que a população varia através dos tempos não explica como é que essa população surgiu inicialmente.» Claro que explica. Explica que essa população, com essas características, surgiu da evolução de outra população, com outras características. E nós sabemos que a complexidade pode aumentar por processos naturais. Uma bolota dá uma floresta de carvalhos. Um óvulo e um espermatozóide dão um piloto de Fórmula 1. Por isso sabemos que a população anterior, cuja evolução deu nesta, podia ser uma população de organismos mais simples, mais elementares. Menos carentes de explicação.

A origem da evolução não carece de uma explicação para a origem da vida. As primeiras coisas que evoluíram eram populações de moléculas orgânicas simples, sem vida e desprovidas daquele aparente propósito que vemos nos seres vivos. A evolução começou com reacções químicas vulgares. Mas a herança de características levou à acumulação preferencial dos atributos que favoreciam a sua própria propagação. Evitar substâncias nocivas. Procurar nutrientes. Crescer para o lado com mais sol. Encontrar o melhor caminho.

Este mecanismo explica a vida. A complexidade, o metabolismo, a reprodução. Explica porque é que os seres vivos aparentam desenvolver-se e agir com propósito, e até explica porque é que alguns têm mesmo propósito. É uma consequência do processo de selecção gradual das características que melhor se propagam pela população. E, respondendo ao «Timshel», para que a matéria o permita basta a química.

Aos criacionistas modernos não interessa a pergunta. Não querem saber como surgiu o propósito, a inteligência, a vontade. A vida. Querem apenas que a resposta seja o deus deles. «Mats» escreve que «Se ao menos os darwinistas lêssem e acreditassem no primeiro verso da Bíblia, eles haveriam de entender o porquê do naturalismo ser uma hipótese nao-científica falhada». Ciência, para o «Mats», é acreditar na bíblia dele.

1- Mats, 21-3-08, Resposta ao Ludwig Krippahl - Origem da Vida – 2

sexta-feira, março 21, 2008

Treta da Semana: A Lua Cheia Pascal.

Jesus foi crucificado durante a festa judaica da pesach, quando Deus matou os primogénitos egípcios mas poupou os judeus. É celebrada no mês de nisan, que Deus comandou ser o primeiro mês do ano (Êxodo, 12). Este corresponde ao ciclo lunar que inclui o equinócio da primavera, e é por isso que o Domingo de Páscoa cristão é o primeiro Domingo a seguir à primeira Lua Cheia depois do equinócio da primavera. Aquilo de ser o primeiro mês do ano foi só uma brincadeira que os judeus levam a sério mas que os cristãos não ligam.

O resultado é que os judeus, os cristãos ocidentais e os cristãos ortodoxos celebram todos a páscoa na mesma data. Mais ou menos. Este ano os judeus celebram a 20 de Abril, os ortodoxos a 27 de Abril e os cristãos ocidentais a 23 de Março. É que isso de escolher a primeira Lua Cheia a seguir ao equinócio da primavera tem que se lhe diga.

O calendário judaico tradicional era determinado por observação. Por exemplo, cada mês começava quando se via a primeira fatia da Lua logo após a Lua Nova (1). Os cristãos acharam isso incómodo, especialmente nos dias de frio, e decidiram calcular quando deviam ocorrer estes acontecimentos astronómicos. O equinócio, decidiram, é a 21 de Março. Se calha a 20, como calhou este ano, paciência. O Sol e a Terra que se entendam porque são eles que estão errados. A Igreja não falha. A Lua Cheia Pascal (2) segue o mesmo princípio. Está calculada e pronto. A tabela não dá certo, mas não são os doutos teólogos que vão corrigir os cálculos só porque a Lua está ali quando tinha a obrigação de estar acolá.

E há mais. Os ortodoxos e os cristãos ocidentais usam calendários diferentes, o Gregoriano aqui e o Juliano a oriente. Mas ambos consideram que o equinócio calha a 21 de Março, cada um no seu calendário, pelo que a páscoa dos ortodoxos normalmente calha em datas diferentes da dos ocidentais (3). Além disso os ortodoxos seguem a regra adicional de adiar a páscoa se esta coincide ou precede o primeiro dia da pesach judaica (4).

Cada vez me parece mais que a religião é a arte de levar as coisas tão a sério que se tornam ridículas. Bom fim de semana, e boa páscoa quando calhar.

1- Wikipedia, Hebrew Calendar
2- Wikipedia, Paschal Full Moon
3- Wikipedia, Easter
4- Wikipedia, Computus

quarta-feira, março 19, 2008

Arthur C. Clarke

faleceu esta semana, com 90 anos de idade. Mais uma pessoa a quem devo uma boa parte da minha juventude. Não só pelos livros. O programa dele foi a primeira vez que me lembro de notar que as coisas misteriosas ainda são mais interessantes quando as compreendemos (1).

BBC, Writer Arthur C Clarke dies at 90

1- Wikipedia, Arthur C. Clarke's Mysterious World

Sonhos.

O Desidério tinha um sonho que um dia a Internet ia cumprir o seu verdadeiro propósito. Vender informação. O Desidério chama-lhe trabalho, «Qualquer autor de um livro, de um software, de uma música, poderia vender directamente o seu trabalho na Internet»(1), mas o que ele quer dizer é vender informação acerca do trabalho, porque a única coisa que circula na Internet é informação. O Desidério sonhou também que foi «a mentalidade borlista que cedo matou o sonho que era a Internet».

Em 1969 o governo dos E.U.A. financiou um projecto para uma rede distribuída de comunicações. Na década que se seguiu várias universidades, e universitários, desenvolveram esta rede para partilhar informação e poder de cálculo. À borla. Os protocolos para controlar as transmissões e endereçamento, o correio electrónico, o primeiro software para usar a rede, foi tudo partilhado à borla e criado para poder partilhar informação à borla. Mais tarde pessoas como Tim Berners-Lee disponibilizaram, à borla, a especificação do HTML e do HTTP. Não foi a Internet que criou a “mentalidade borlista”. Foi a “mentalidade borlista” que criou a Internet.

Esta “mentalidade borlista” é muito antiga. Vem da noção intuitiva de ser justo cobrar pelo nosso esforço mas não pelo benefício que não nos custa dar. Por isso a informação tende a ser gratuita. Conversamos de borla. Se perguntamos as horas não esperamos que nos peçam dinheiro em troca. E se alguém, desesperado, me pergunta onde é o hospital mais próximo ninguém considerará justo que eu queira “dividir o benefício” desta informação regateando o preço. É justo que uma transacção beneficie ambas as partes, mas só se ambas as partes têm custos.

Se eu pedir ao Desidério um artigo a explicar o que são argumentos dedutivos e indutivos é justo que eu pague as despesas em livros e deslocações à biblioteca, que pague o seu trabalho e tempo e que lhe pague extra para que o Desidério também beneficie do seu investimento. Mas esta é a noção crucial. É justo que o Desidério beneficie porque investe esforço e tempo e não apenas porque eu tiro proveito disso. Porque se o Desidério já tem o artigo na gaveta e eu peço para ler fico desagradavelmente surpreendido se ele me cobrar por isso. O meu benefício é o mesmo mas ele não investe nada e só quer lucrar à custa da minha necessidade. E isso todos sentimos ser abuso.

O antigo sistema de cobrança à cópia funcionava porque a cópia exigia esforço. Quem vende livros merece lucrar com esse trabalho. Aceitamos que um livro de capa rija seja mais caro e dê mais lucro que um livro de bolso porque custa mais a fazer. Mas sentimo-nos enganados se o editor cobra o triplo por uma edição rasca só porque a história é popular. Isso é ganhar dinheiro à nossa custa sem qualquer esforço que o justifique.

É por isso que não me sinto um papalvo por lerem o que eu escrevo sem me pagar, ou por ter doado dinheiro à Wikipedia. Fi-lo por interesse próprio e agora que está feito não me custa nada o benefício que outros possam ter. E é por isso que sinto que me tomam por papalvo quando me pedem dinheiro para aceder a informação que já está disponível e que já não custa nada deixar-me aceder. Nem que seja um euro, prefiro dizer obrigado por nada e virar costas.

Não defendo que seja imoral vender ficheiros pela Internet, mas quem tentar lucrar com isto vai ter a mesma dificuldade que se vendesse informação na rua ou licenças para ler livros. A metáfora do bonequinho para cada ficheiro, como vemos na Internet e no Windows Explorer, engana alguns com a sensação que os ficheiros são coisas e não mera informação. Mas engana poucos. Rapidamente a maioria nota que está a pagar por nada e que pode replicar essa informação e beneficiar outros sem custos. O melhor, dentro ou fora da Internet, é vender directamente o trabalho em vez de tentar vender o acesso à informação.

Porque esta “mentalidade borlista” não foi uma mania que surgiu com a Internet. Está connosco desde que há linguagem. É a ideia que a informação, por beneficiar sem custos, deve ser partilhada. É a ideia que cobrar por informação é abusivo. É a ideia que nos deu a Internet. É a ideia que motiva o artista, que nunca cria arte sem querer transmitir algo aos outros. Nem em sonhos faz sentido incentivar a criatividade e aproveitar a Internet contrariando esta ideia.

1- Desidério Murcho, 5-3-08, O Eldorado digital

XX Jornadas Teológicas

Vou estar em Braga a 23 de Abril para um debate com o Jónatas Machado. O título é estranho, «Razão da Criação ou Fé na Evolução». É como razão da bruxaria ou fé no antibiótico. Mas deve ser um debate interessante.

Cartaz Jornadas

terça-feira, março 18, 2008

Evolução e origem.

O «Mats» escreveu uma «Resposta ao Ludwig Krippahl»(1) que responde pouco e confunde muito. Mas uma das confusões é interessante:

«“Origem da vida”?! Devo dar os parabéns ao Ludwig porque ele, ao contrário de muitos outros darwinistas, sabe que a origem da vida está umbilicalmente ligada à teoria da evolução. O problema para o Ludwig é que a pesquisa sobre a origem da vida está totalmente “aos papéis”. Não há concordância entre os darwinistas sob como a vida surgiu na Terra.»

Muitos separam a teoria da evolução e a origem da vida porque o fundamento da teoria da evolução não depende de qualquer hipótese específica acerca da origem da vida. As características de uma população variam ao longo do tempo pela forma como afectam a reprodução, pela forma como surgem ou se propagam entre os indivíduos. Os detalhes podem ser complexos mas a ideia central, que a população muda ao longo do tempo por mecanismos compreensíveis, aplica-se qualquer que seja a origem da população. Podem ser moléculas de ARN, mamutes ou algoritmos genéticos. Pode ser uma população de vírus com origem natural ou criada num laboratório de armas biológicas.

Mas há uma relação entre a teoria da evolução e a origem da vida, só que é ao contrário do que os criacionistas julgam. Não é a teoria da evolução que exige uma origem particular para a vida. É a origem da vida que se explica com a teoria da evolução. Os seres a que chamamos vivos não têm nenhuma substância mágica, élan vital ou alma que os distinga dos restantes. Classificamo-los como vivos pela sua complexidade funcional. Reproduzem-se, metabolizam, desenvolvem-se, etc. Mas para evoluir basta reprodução com herança e modificação. Os vírus evoluem e não são considerados seres vivos, por exemplo. É a teoria da evolução que nos permite explicar como moléculas simples, em condições que catalizavam a sua síntese, gradualmente se organizaram em sistemas mais complexos até haver algo a que chamamos vivo.

Os criacionistas aldrabam a resposta. O objectivo é compreender os processos que deram origem a esta complexidade e isto não se resolve apontando para um livro antigo e dizendo foi o meu deus. Mesmo que fosse o que queremos saber é como, não apenas quem. E isso o criacionismo nem tenta explicar.

O “darwinismo” também não resolve o problema. A teoria de Darwin não explica como a argila pode catalizar a polimerização do ARN nem a formação de membranas lipídicas. Felizmente, o “darwinismo” está para a biologia como o “newtonismo” para a física. São teorias com mais de um século. Por muito boas que sejam, a ciência estava mal se não tivesse progredido entretanto. Estava quase tão mal como o criacionismo.

Esta pesquisa não anda “aos papéis”. O problema é que é difícil. Há mais de quatro mil milhões de anos terão surgido sistemas químicos que, apesar de simples, eram capazes de replicar moléculas. A partir daí a evolução tomou conta do processo. Mas há vários candidatos para esses primeiros sistemas (2). Não é um mistério, não faltam hipóteses plausíveis e não há necessidade de pedir aos deuses que nos resolvam o problema. A dificuldade é testar estas hipóteses para determinar qual ou quais estão mais correctas. Ao fim de quatro mil milhões de anos há muito poucos vestígios destas reacções químicas.

É como qualquer questão histórica. Podemos afirmar com confiança que Dom Afonso Henriques andava a pé ou a cavalo. Não precisamos de postular um deus que o carregasse de um lado para o outro. Mas não temos informação suficiente para descrever em detalhe todas as botas e todos os cavalos que o primeiro rei de Portugal usou. Isto não é andar aos papéis. Andar aos papéis, literalmente, é desistir, chamar-lhe mistério, e acreditar piamente num livro qualquer.

Ontem o João Vasco recomendou-me este video, mesmo a calhar. É uma explicação simples e bem conseguida. Só tem o defeito de dar a entender que o processo químico e a evolução são coisas diferentes. Isso não é correcto. Assim que as primeiras moléculas se começaram a copiar estavam presentes todos os ingredientes necessários para a evolução. A vida surgiu pela evolução de sistemas químicos não vivos.



1- Mats, 13-3-08, Resposta ao Ludwig Krippahl – 1
2- Wikipedia, Origin of Life, Current Models

domingo, março 16, 2008

Alternativa

O Desidério é contra a «cópia gratuita indiscriminada»(1). Vou assumir que é contra por ser indiscriminada. Ser contra por ser gratuita é como ser contra a água ser molhada. E vou assumir que a oposição do Desidério implica que ele quer que se faça alguma coisa quanto a isto. Esta premissa é mais arriscada. Inicialmente, o que estava em causa para o Desidério era apenas «a sustentabilidade económica dos criadores»(2), o que sugeria um problema a resolver. Mas agora o «que está em causa é unicamente saber se o tipo de mundo que teremos caso se copie tudo indiscriminadamente é realmente melhor do que o que temos hoje»(1). Isto admite eliminar qualquer restrição legal ao uso pessoal das obras e depois cavaquear sobre a moralidade de copiar ficheiros, usar mini saia ou de mentir aos pais. Coisas que podemos julgar melhor ou pior mas que concordamos não ter nada que ver com as leis. Enquanto o Desidério não esclarecer o que está em causa vou assumir que ele não só acha mal como acha que a lei deve intervir contra a «cópia gratuita indiscriminada».

Uma questão é como. Dois adolescentes, um com o portátil e outro com o leitor de mp3, copiam em cinco minutos música para seis meses. O alegado prejuízo é apenas o que teriam hipoteticamente comprado se não pudessem copiar. O orçamento do adolescente médio garante ser muito pouco. E num país democrático não se consegue apanhar mais que uma ínfima fracção dos infractores. Por isso só é possível dissuadir aplicando penas desproporcionais ao crime.

Outro problema é definir o ilícito. Vamos supor ser a cópia integral deste texto, mas sendo legítimo citar frases ou pequenos excertos. Se uma centena de pessoas disponibiliza trechos deste texto é trivial reconstruir o texto integral apenas com informação legitimamente disponível. Para impedir isto tem se considerar ilícito o uso coordenado de informação que é lícito obter. É lícito ler cada parte deste texto mas ilícito lê-lo todo. É um cenário lucrativo para os advogados mas indesejável se queremos leis respeitadas, úteis, ou simplesmente que façam sentido.

Um problema fundamental é o conceito de cópia. Copio um desenho do Desidério se, olhando, faço um desenho parecido. Mas uma lista de equações especificando cada traço não é uma cópia do desenho. É uma descrição. Enquanto a cópia requer uma semelhança ao original nada restringe a relação entre a descrição e a coisa descrita. Isto é óbvio quando descrevemos tudo com sequências de números. Qualquer sequência de números pode descrever o desenho do Desidério ou qualquer outra coisa se interpretada de forma adequada. Neste contexto restringir cópias é, na verdade, proibir descrições, algo muito mais abrangente, difícil de especificar e que interfere com a nossa liberdade de expressão. Não é justo proibir-me de descrever o desenho do Desidério só para que ele venda mais cópias.

Se o Desidério propõe uma sociedade em que se paga ao artista voluntariamente pelo usufruto da arte então concordo. É melhor que a nossa. Mas é tão repelente uma sociedade que obrigue esse pagamento com policiamento constante, castigos desproporcionais, leis impossíveis de definir claramente e a censura de qualquer informação que possa permitir o usufruto gratuito que a sua única virtude é ser inviável. Isto deixa-me descansado quanto a conseguirem mas deixa-me preocupado sempre que se propõem tentar.

E é curioso o exemplo que o Desidério deu. Um jardineiro é contratado para arranjar um jardim em mau estado. O Desidério propõe que o justo é que todos daquela vizinhança contribuam para pagar ao jardineiro(1). É discutível que o rico deva pagar o mesmo que o pobre ou que quem passeia no jardim todos os dias pague o mesmo que quem só sai de casa para trabalhar. Nem é viável medir o usufruto de cada um para impor a cobrança adequada. Por isso parece-me mais justo e razoável que o jardineiro seja pago por aqueles que estiverem dispostos a fazê-lo, independentemente de quantos depois beneficiem.

Mas o mais revelador é que o jardineiro faz o seu trabalho e é pago sem qualquer concessão de direitos exclusivos, sem que o jardim ou a forma dos arbustos fique propriedade sua e sem impedir ninguém de entrar no jardim e usufruir dele gratuitamente. É exactamente o que eu proponho. Parece que até o Desidério percebe que não há alternativa viável.

1- Desidério Murcho, 13-3-08, O jardineiro digital
2- Desidério Murcho, 1-3-08, Regresso a zero

sábado, março 15, 2008

Treta da Semana: O Santo Pano de Lirey.

Em 1357 a viúva do cavaleiro Geoffroi de Charny apresentou em Lirey o sudário que teria coberto o corpo de Jesus. Consta que o falecido marido o encontrara algures mas esqueceu-se de dizer onde. Muita gente acreditou. Afinal, era um pano branco onde se via a imagem esbatida de um homem com barba. Que outra coisa poderia ser senão o pano que cobriu o corpo do Salvador antes da Ressurreição?

Em 1389 o bispo Pierre D’Arcis denunciou-o como fraude, cumprindo o seu papel eclesiástico de desmancha prazeres. Numa carta a Clemente VII explicou que o seu predecessor, Henri de Poitiers, tinha investigado o caso e conversado até com o autor da pintura. A impressão no pano era também inconsistente com o relato bíblico. Face a isto, Clemente VII proibiu que se anunciasse o pano como «o verdadeiro sudário», mas concedeu indulgências aos peregrinos que o fossem venerar. O velho princípio religioso do vamos lá ver se a coisa pega. Foi assim que começou a ilustre carreira do Santo Sudário, também chamado Sudário de Turim para o distinguir do Sudário de Oviedo, não se fosse confundir o pano que cobriu o corpo de Jesus com o outro pano que cobriu o corpo de Jesus.

Em 1988 amostras do tecido foram datadas por C14 em três laboratórios independentes. Os resultados, concordantes, foram que o tecido tinha sido criado entre 1260 e 1390. Pela altura em que fora «encontrado». A posição oficial da Igreja Católica foi, nessa altura, que este não podia ser o sudário de Jesus mas que ainda assim era uma imagem capaz de fazer milagres e merecedora de veneração (1).

O Papa João Paulo II disse que «O Sudário é um desafio à nossa inteligência»(2). O desafio do sudário é modesto. A datação é conclusiva e concorda com a data em que o pano surgiu. Os pigmentos e a figura representada são o esperado numa pintura medieval de estilo gótico, e incompatíveis com a hipótese de ser uma impressão deixada por um corpo. E a criação de relíquias religiosas era um negócio muito lucrativo na altura. A primeira função deste sudário até foi vender curas milagrosas.(3)

A sua função hoje em dia é pouco diferente. O Papa João Paulo II disse que «para o crente, o que conta acima de tudo é que o Sudário é um espelho do Evangelho»(2), mas é óbvio que para o crente também conta se aquilo é o pano que cobriu Jesus ou se é uma pintura encomendada para enganar crédulos. O desafio à inteligência é o mesmo que com Clemente VII. Afirmar que o importante é venerar o simbolismo religioso, sabendo que se fosse só um pano pintado ninguém queria saber daquilo para nada. Obscurecer os factos para que permaneça tudo um grande mistério aos olhos do crente (4). E insinuar, sem se comprometer, que a relíquia é mesmo aquilo que pretende ser:

«Não sendo uma questão de fé, a Igreja não tem competencia específica para se pronunciar acerca destas questões. Ela confia aos cientistas a tarefa de conginuar a investigar, para que se possa encontrar respostas satisfatórias para as questões levantadas por este Sudário que, de acordo com a tradição, cobriu o corpo do nosso Redentor depois de ele ter sido retirado da cruz.»

Há muita treta à volta deste tal sudário, mas não é a única relíquia que Jesus terá deixado. Além de dois sudários, da cruz pregos e madeira q.b. e a lança que lhe espetaram quando morreu temos também uma esponja, os seus dentes de leite, o umbigo (5) e, o meu favorito, o Santo Prepúcio.

1- NY Times, 14-10-1988Church Says Shroud of Turin Isn't Authentic
2- João Paulo II, 24-5-1998,Address of his holiness Pope John Paul II
3- SciFiDimensions, 8-2000, The Joe Nickell Files: The Shroud of Turin
4- Site oficial do sudário de Turim, A difficult piece
5- Wikipedia, Relics attributed to Jesus

Sou eu assim sem você.

Recebi isto hoje por email. Não sei se viola algum copyright. Mas se violar é bem feito.

sexta-feira, março 14, 2008

Analogias e exemplos.

Eu costumo dar exemplos quando escrevo. Talvez pelo hábito das aulas, parece-me que tornam a exposição mais clara do que falar apenas em abstracto. Infelizmente, há quem confunda argumentos que contém exemplos com argumentos por analogia. Até agora não dei importância a isso. Mas o Desidério sabe com certeza a diferença e se isto lhe fez confusão o problema é mais sério. Se não deixo clara a estrutura do meu argumento também não se vai perceber o conteúdo. Por isso acho melhor esclarecer. Vou começar, como gosto, por dar exemplos. Mas espero desta vez deixar claro que não estou a argumentar por analogia. Considerem estes dois argumentos:

A árvore é um ser vivo. Tem metabolismo e reproduz-se. O ser humano também. Nisto são semelhantes. Ora se são semelhantes nestas coisas e a árvore cresce podemos concluir que o ser humano também cresce.

A Ana gosta de Mozart, chocolate e de fazer ski. O João também. Como têm estes gostos semelhantes e a Ana gosta de gelados provavelmente o João também gostará.

Estes argumentos estabelecem uma semelhança entre dois casos e inferem da semelhança de certos atributos que os dois casos serão também semelhantes noutro. A premissa implícita é que serem semelhantes numas coisas implica que serão na outra. É esta premissa implícita que os torna argumentos por analogia. Considerem agora estas variantes:

Todos os seres vivos crescem. (A árvore, por exemplo, é um ser vivo. Tem metabolismo, reproduz-se, e cresce.) O ser humano também é um ser vivo e, por isso, o ser humano também cresce.

As pessoas que crescem juntas, como a Ana e o João, tendem a partilhar muitos gostos. (Por exemplo, a Ana e o João gostam de Mozart, chocolate e de fazer ski.) Por isso se a Ana gosta de gelados provavelmente o João também gostará.

Estes argumentos partem de uma afirmação geral, como todos os seres vivos crescem, e da premissa que este é um caso particular, como o ser humano é vivo, e inferem daí o que a regra implica. O ser humano cresce. Coloquei entre parênteses os exemplos para mostrar que não são essenciais à inferência; a árvore apenas ajuda a perceber a premissa. O argumento é simplesmente que os seres vivos crescem e o ser humano é vivo por isso cresce. É muito diferente de um argumento por analogia onde se infere uma semelhança por haver outras semelhanças.

A confusão do Desidério foi esta:

«O outro argumento é o do jardineiro. O Ludwig está sempre a argumentar por analogia a favor do seu ponto de vista, mas as suas analogias raramente são procedentes.» (1)

No meu argumento (2) propus que a melhor forma de remunerar a prestação de serviços difere da melhor forma de remunerar a produção de bens materiais. Como esta premissa é muito abstracta dei o exemplo do agricultor e do jardineiro. Propus também que o autor é um prestador de serviços e não um produtor de bens materiais, e destas duas premissas concluí que não é boa ideia remunerar o autor à peça ou ao quilo. A analogia entre o autor e o jardineiro não é relevante para a inferência. Apenas ilustra a premissa. Este não é um argumento por analogia e é fácil ver que sem o agricultor e o jardineiro a estrutura do argumento é mesma. Mesmas premissas, mesma inferência, mesma conclusão.

Há mais coisas a dizer acerca do post do Desidério, e também do post convidado do Álvaro Santos Pereira (3). Mas isso fica para um próximo episódio. Talvez entretanto eles releiam o que eu escrevi e reconsiderem.

1- Desidério Murcho, 13-3-08,O jardineiro digital
2- Produtos e serviços
3- Álvaro Santos Pereira, 12-3-08, A utopia do custo zero

Direitos e nem tanto.

Num post intitulado «Não somos escravos de ninguém»* o Ricardo Pinho escreve que eu sou contra os direitos de autor «porque não é possível dizer respeitar os direitos de autor, quando sendo os direitos de autor morais e patrimonais, se o Ludwig não reconhece as suas características. Portanto deve estar a chamar «direitos de autor» a outra coisa qualquer.»(1) Tem alguma razão.

A Constituição dá vários exemplos de direitos. À integridade moral, a não ser torturado, à identidade, ao desenvolvimento, à privacidade. Uma característica saliente destes direitos é que não se pode vendê-los ou trocá-los. São direitos, não são mercadoria. Infelizmente, também chamamos “direitos” a uma coisa diferente. Posso comprar à câmara municipal o “direito” de conduzir um táxi ou de abrir um bar na praia. E para ter o “direito” de vender discos da Amália tenho que pagar uma licença a alguém. Não me interessa a papelada necessária para vender livros ou abrir uma pastelaria nem se é preciso pagar ao Estado, à SPA ou ao Ricardo. Mas importa que o comércio de licenças não viole direitos.

Por exemplo, eu defendo que o autor tem o direito de divulgar a sua obra como bem entender. Um direito mesmo, como o direito de votar, de escolher a sua religião ou de não ser torturado. Por isso deve ser nula qualquer clausula contratual que retire este direito ao autor, tal como se o contrato o obrigasse a converter-se ao Judaísmo ou a votar sempre no PSD. O copyright como o temos é uma violação deste direito do autor, tal como permitir a venda de votos violaria o direito de voto. Por isso aceito uma lei que regule o comércio obrigando o vendedor a pagar ao autor mas rejeito qualquer lei que permita ao vendedor comprar “direitos” exclusivos violando os direitos do autor.

Também me preocupa a violação dos direitos de terceiros. A venda em segunda mão, os gravadores de cassetes, as licenças de software, o «buraco analógico», que soa mal e é ainda pior (2), e os esforços para cortar o acesso a quem partilhar certos ficheiros revelam uma mudança de mentalidade no sentido de favorecer os interesses económicos em detrimento dos direitos pessoais. Em parte pelo poder político dos distribuidores mas também pela confusão entre o licenciamento e o direito à propriedade. O Ricardo escreve:

«Os direitos de autor não servem para proibir mais do que o direito à propriedade privada serve para eu só deixar entrar em minha casa quem eu autorizar. Ou vender a casa. Ou alugar a casa.»

Isto confunde o direito com a propriedade. O direito de quem faz omeletes de ser dono das omeletes que fez é um direito igual para todos e ninguém pode ser privado dele. Mas, por isso, a propriedade tem que se restringir a objectos específicos. O Ricardo tem a omelete dele e eu tenho a minha. Não é direito à propriedade o Ricardo ser dono da categoria abstracta “omelete” e mais ninguém poder juntar ovos na frigideira. Isso é dar exclusivamente ao Ricardo um direito que devia ser de todos.

Eu reconheço o direito à propriedade. O Ricardo tem o direito de ter o computador dele e os CDs dele, e eu o direito de ter os meus. O Ricardo tem o direito de ser dono daquilo que cria, seja omeletes ou filmes, e eu daquilo que eu crio. Mas o que o Ricardo exige é algo muito diferente. Ele quer o direito de restringir as sequências de bits no meu computador e nos computadores de todas as pessoas do mundo. Isso não é direito à propriedade. Isso ou é insanidade ou é abuso.

Para concluir num tom mais leve, quero agradecer e retribuir o elogio do Ricardo, segundo o qual sou «um argumentador com graça». Também me fartei de rir quando o Ricardo escreveu, naquele tom sério do bom humorista, que

«Passados 50 anos após a morte do autor, as obram passam a domínio público. É tempo para o autor e os seus herdeiros serem recompensados pelo seu trabalho.»

O direito de ser recompensado depois de morto. Se calhar esta discussão é tão difícil porque, na verdade, o copyright é uma fé religiosa...

*O título alude à construção das pirâmides, um exemplo que eu dei de uma obra que exigiu o contributo de muita gente e que já não se faz. Em Hollywood basta meia dúzia de figurantes e um gordo de chicote para guardar milhares de escravos munidos de ferramentas para partir pedra, mas os historiadores pensam que no antigo Egipto a realidade ia dificultar esta solução. O consenso é que as pirâmides foram construídas por trabalhadores remunerados. Daí a minha escolha do exemplo e mais um infeliz mal-entendido.

1- Ricardo Pinho, 12-3-08, Não somos escravos de ninguém
2- Eric Bangeman, 18-12-05, "Analog hole" legislation introduced

quinta-feira, março 13, 2008

A falência intelectual da evolução e o desmascarar da fraude naturalista.

Por Constâncio Ladaínha, Gertrudista e estudioso da Criação.

Fui motivado a intervir novamente neste blogue pelos brilhantes comentários do Dr. Perspectiva, tão hábil substituto do Dr. Jónatas Machado neste foro. Os dois têm desmontado as fantasias Darwinistas do Ludwig. Uma verdadeira «sova intelectual», com a devida vénia ao autor da expressão. Admito não partilhar totalmente da doutrina destes senhores, nem eles imunes ao flagelo do trinitarismo, pois descura o papel de Gertrudes na criação da vida. A criação da vida pelo Deus Pai sem a intervenção da Pessoa da Mãe Divina é um conceito teologicamente incoerente e até pecaminoso (vide Genesis 38:9). Mas apesar desta pequena divergência quero aqui aplaudir e salientar a argumentação do Dr. Perspectiva.

Talvez seja desnecessário. A sua forma sucinta de revelar pontos de vista sempre inovadores leva-nos todos a seguir os seus comentários, sem desprestigio para o esforço do Ludwig, quiçá mais atentamente que os textos do autor do blogue. Ainda assim, quero destacar este argumento que refuta a alegada evolução da resistência a antibióticos nas bactérias. Primeiro, sabemos que «As mutações e a selecção natural, supostamente as forças motoras da evolução, apenas conduzem, a prazo, à perda de funcionalidade nos sistemas.» O Ludwig tentou fugir a isto alegando que a enzima que destrói a penicilina evoluiu de outra, adquirindo uma funcionalidade diferente. O Dr. Perspectiva aponta vários problemas graves com esta alegação.

Primeiro, «A betalactamase é o resultado da modificação de uma proteína pré-existente». Esta é uma fraqueza inescapável do naturalismo. Para explicar porque brilham as estrelas os astrónomos têm que assumir a pré-existência de estrelas. Para explicar o vulcanismo os geólogos têm que assumir a pré-existência de vulcões. E para explicar como um gene se duplica e leva à evolução de um gene novo os Darwinistas têm que assumir a pré-existência de genes. Assim se vê porque a teologia é a rainha das ciências. Nós, crentes, não precisamos de assumir que Deus criou tudo isto. Sabemos que foi assim e pronto.

O Dr. Perspectiva continua. «Em 1982 mais de 90% de todas as infecções de staphylococcus eram resistentes à penicilina, 0% em 1952. A razão para este aumento foi a rápida difusão do plasmido beta-lactamase. A rapidez do processo mostra que o mesmo nada tem que ver com a evolução.»(3) O truque dos Darwinistas é dizer que a evolução é a variação nas características de uma população e que isto é precisamente um caso observável de evolução. Mas isso é inaceitável. Não podem ser eles a formular a teoria e também a decidir o significado dos termos. Isso é querer ter sempre razão, prerrogativa da minha estimada esposa. O que é correcto, se são os Darwinistas a formular a teoria, é nós refutarmo-la decidindo que «evolução» quer dizer algo como «evolução de partículas para pessoas», por exemplo.

O Dr. Perspectiva também usa contra o Darwinismo os próprios argumentos Darwinistas. É brilhante. Senão vejamos: «Os antibióticos são produzidos naturalmente por fungos e bactérias [...] Sem defesas inatas, as bactérias não se poderiam proteger e rapidamente se extinguiriam. [...O]s microorganismo[s] que produzem beta-lactamase ganham resistência a todos os antibióticos contendo um anel de β-lactam [...] A beta-lactamase é produzida por um conjunto de genes nos R-plasmidos, que podem ser transmitidos a outras bactérias.»(3) Trata-se pois de um produto natural de um gene que pode ser herdado e transmitido e que confere uma vantagem reprodutiva. Tem que ter sido criado por Deus porque tal coisa nunca poderia evoluir naturalmente por um processo de mutação, herança e selecção natural.

Finalmente, o golpe de misericórdia. «Quando um antibiótico chega ao periplasma bacteriano, o mesmo pode ser desactivado por via de modificação, isolamento ou destruição, o que não resulta de uma séria de mutações aleatórias, mas sim de um complexo mecanismo fisiológico inato extremamente complexo. Quando uma determinada bactéria adquiriu resistência a um antibiótico é mais correcto dizer que a mesma perdeu sensibilidade a esse antibiótico»(3). A resistência aos antibióticos é um mecanismo complexo desenhado por Deus. Ao mesmo tempo, a aquisição desta resistência é apenas a perda de uma característica e não demonstra a evolução de mecanismos complexos. Os Darwinistas foram enganados:

«Quem enganou o Ludwig? A Bíblia tem a resposta: Santanás, que é mentiroso e homicida desde o princípio.»(3)

Amén, e louvado seja.

quarta-feira, março 12, 2008

Produtos e serviços.

O agricultor produz bens materiais. Pode ensacar batatas e vendê-las ao quilo. O trabalho do jardineiro dá beleza ao jardim e a beleza não se pode vender ao pacote. Por isso rentabilizam o seu esforço de formas diferentes. O agricultor trabalha, recolhe o produto do seu trabalho e depois vende-o. O jardineiro não pode vender o produto do seu trabalho por isso vende o trabalho em si. O agricultor vende produtos, o jardineiro vende serviços. O sistema de distribuição que ainda prevalece por força da lei cria a ilusão que o músico, o realizador ou o escritor são agricultores. Mas são jardineiros.

Nós estamos habituados a comprar arte aos pacotes por limitação do método de distribuição. Quando vamos ao cinema ou a um concerto estamos claramente a pagar um serviço. Não trazemos nada para casa excepto as pipocas. Mas a ideia que temos é que comprar música ou filmes ou literatura é comprar discos de plástico ou maços de papel. Fica assim na mente a imagem do artista como alguém que produz os suportes e a ideia de que devemos pagar ao criador de arte como pagamos ao criador de batatas. Ao quilo, à saca, à peça. A ideia é errada.

Os autores vendem um serviço, mesmo quando nós compramos o produto. É o distribuidor que paga o serviço ao autor e nos vende o produto. Os livros, os CDs, os DVDs. O autor é muitas vezes pago com uma percentagem da venda dos produtos mas isso é um detalhe. Está a ser pago pelo serviço que prestou, e não da melhor forma.

Se eu quero ganhar dinheiro com o meu jardim e contrato um jardineiro ele faz um orçamento e é isso que tenho que pagar. Não vai na conversa de ficar com 5% do preço dos bilhetes que eu cobrar. Não havendo direitos de exclusividade sobre esta ou aquela forma de combinar begónias com gladíolos o jardineiro é livre de me mandar às couves se eu não lhe pagar o que ele quer. Com os autores é diferente porque o copyright, que por cá ironicamente chamam direitos de autor, permite ao distribuidor ficar com direitos exclusivos sobre a obra. Este monopólio cria um sistema onde poucas grandes empresas dominam a distribuição limitando as escolhas dos autores. Cerca de 70% do mercado mundial de discos é dominado por quatro empresas discográficas(1). Nesta situação são os distribuidores que ditam as condições.

Muita gente tem a ideia que o copyright foi implementado para resolver o problema do público ler livros de graça ou ouvir música à borla. Por isso têm a impressão que permitir tal coisa seria o fim do autor. Como é que alguém pode ganhar dinheiro como jardineiro se qualquer pessoa pode olhar para um jardim sem pagar, perguntam incrédulos. E é óbvio, dizem, que quem passeia num jardim bonito sem pagar ao jardineiro está a roubar a beleza do jardim.

É verdade que o copyright do século XIX veio remediar uma injustiça que afectava o autor mas não tinha nada a ver com ouvir música de graça. O problema é que o copyright original era um monopólio concedido aos impressores de livros. Inicialmente para o rei controlar o que era impresso e, mais tarde, como forma de regular os preços e o comércio. Ao fim de uns séculos os autores conseguiram uma fatia do negócio mas, na prática, a fatia é reduzida. O Peter Jackson ganhou uma batelada de dinheiro mas os muitos artistas que criaram a trilogia do Senhor dos Anéis, os actores, os cenógrafos, os duplos, os designers, os alfaiates e programadores, ganharam entre todos menos de um décimo do dinheiro arrecadado, e isto incluindo todos os gastos em material. Em média, o monopólio sobre a cópia não beneficia o artista. O efeito, como qualquer monopólio, é tornar uns poucos muito ricos à custa dos outros todos.

Não estou a condenar quem enriquece nem me oponho a que prestem serviços em troca de uma participação nos lucros. Isso deixo ao critério de cada um. Mas discordo que a cobrança à cópia seja uma forma natural ou mesmo prática de remunerar quem presta um serviço. Discordo que seja justa ou benéfica para incentivar a criatividade artística. E é especialmente nefasta quando precisa de leis para vender como se fosse um bem material algo tão abstracto como uma sequência de números.

Corrigido a 13-3-08 graças ao Bruno Lucas que me avisou do erro no nome do Peter Jackson.

1- Wikipedia, Record Label

terça-feira, março 11, 2008

Valores

O Luís Azevedo Rodrigues escreveu há tempos sobre o trabalho de Vanda Faria dos Santos na investigação, protecção e divulgação de jazidas de dinossáurios:

«Este trabalho é um dos exemplos de investigação que sai da esfera do conhecimento puro e entra na aplicação quotidiana, por intermédio da divulgação do património Natural» (1)

O meu primo Luís Miguel Sequeira tem um post intitulado «Sustentabilidade, não ambientalismo!», e o «Timshel» escreveu que «Se, conforme defendem os ateus, existimos [...] apenas porque a matéria [...] se organizou de uma certa maneira, então a nossa existência é um absurdo, apenas uma forma de existência da matéria, sem qualquer significado particular.»

Os três abordam, de forma diferente, o contraste entre valor intrínseco e valor instrumental. O exemplo do Luís Rodrigues é de sinergia. O conhecimento tem valor por si e pelo uso que lhe damos. Quantos mais tiverem acesso ao conhecimento e quantos mais o usarem mais valor terá em ambos os aspectos. Isto é válido para a informação em geral, por ser um bem imaterial que se pode multiplicar sem limite. É importante ter isto em conta quando se propõe apor-lhe um preço em detrimento do seu valor.

No exemplo do meu primo há um conflito entre o valor intrínseco de algo como uma floresta ou uma população de baleias e o seu valor instrumental para nós. A sustentabilidade visa maximizar este último. Caçar baleias ou cortar árvores de forma a extrair o máximo destes recursos a longo prazo. Mas isto choca com o valor intrínseco destas coisas. A baleia tem valor enquanto baleia, e um valor para si própria, à parte do seu valor como fonte de óleo ou carne. Por isso estou de acordo com o Luís Rodrigues em que o conhecimento tem mais valor quando, além de conhecido por uns, é divulgado e serve para todos apreciarmos melhor a Natureza. Mas discordo do Luís Sequeira. A protecção do ambiente não deve ter por objectivo maximizar o valor instrumental da Natureza em detrimento do que esta vale por si.

E a proposta do «Timshel» é ainda pior. Implica que o valor da nossa vida é só o seu valor instrumental para outro. Se a nossa existência for um produto natural e valer apenas pelo que é então, diz ele, não vale nada. Só pode valer se foi criada por alguém para um propósito seu.

É uma das coisas mais absurdas desta religião. Discordo da premissa que tudo foi criado por um deus omnipotente mas isso é apenas uma questão factual. Se houver evidências nesse sentido mudo de opinião. Agora a ideia que tudo tem valor só em função desse deus é inaceitável. A minha vida tem valor para além do que outros possam ter ou não ter planeado. Tem valor para mim, seja qual for o processo que me criou.

1- Luís Azevedo Rodrigues, 6-2-08 Candidatura Ibérica a Património Mundial da UNESCO - jazidas de dinossáurio
2- Luís Miguel Sequeira, 7-1-08 Sustentabilidade, não ambientalismo!
3- Timshel, 25-2-08, Os calhaus

segunda-feira, março 10, 2008

Se calhar é melhor acrescentar mais um.

A propósito do último post, um padre da República de Burquina Faso foi expulso de um jogo da Copa Clericus, na Cidade do Vaticano, por atirar a camisola ao árbitro. A sua expulsão levou à eliminação da equipa do Colégio do Apóstolo Paulo.

Dirigentes desportivos tinham esperanças que o torneio entre membros do clero ajudasse a limpar a reputação de violência que tem manchado o futebol italiano. Isto porque os dirigentes desportivos costumam ir á bola ao Domingo e conhecem mal os padres.

BBC, Priest sent off in unholy row

New and improved.

O Papa Gregório I, o Grande, enumerou no século VI os sete pecados mortais que todos conhecemos e admiramos. Lascívia, gula, essas coisas. Mas são pecados ultrapassados, e a Igreja Católica decidiu modernizar o leque de actos condenáveis pelo sofrimento eterno. O Bispo Gianfranco Girotti, Regente da Penitenciária Apostólica, disse:

«Ofende-se Deus não só por roubar, blasfemar ou desejar a mulher do próximo, mas também por destruir o ambiente, levar a cabo experiências científicas moralmente questionáveis ou por permitir manipulações genéticas que alteram o ADN ou comprometem embriões» (1)

Acrescentou que a «acumulação excessiva de riqueza» também é um pecado mortal. Presumo que a Igreja Católica esteja isenta e que se possa pagar por este pecado com indulgências em cheque ou numerário.

1- Fox News, Vatican Adds Seven New Deadly Sins Including Abortion, Contraception and Drug-Dealing

domingo, março 09, 2008

Exemplos.

Com esta coisa do copyright tenho andado a descurar muita outra treta. Vou ver se mudo de tema próximos dias. Deixo aqui algumas referências para quem ainda não sabe como se pode criar arte sem proibir todos os outros de copiar ficheiros.

Filmes de borla:
Steal this film, Part 1
Steal this film, Part 2
Good copy, bad copy

Artigos à borla:
Publisher experiments with free online books
Music Industry Rocked on Multiple Fronts
1000 True Fans

Artigos à borla do Miguel Caetano, que não trabalha à borla mas tem um blog que é à borla. Deve ser magia...

NIN: Trent Reznor arrecada 750 mil dólares em menos de dois dias
SliceThePie lança primeiro álbum financiado pelos fãs
You Cross My Path dos Charlatans saiu hoje e também é grátis

Já agora, leiam o Remixtures regularmente. É à borla.

Finalmente, deixo a prova cabal de como a partilha de ficheiros está a matar a industria do cinema. Se isto continua assim os desgraçados acabam afogados em papel.

Vendas bilhetes MPAA


Os dados são da MPAA.

O facto empírico

Para mostrar como estão errados os «defensores da cópia gratuita» o Desidério apresenta uma argumentação cuidadosa:

«Os factos empíricos são estes. Quando oferecemos algo de graça na Internet e pedimos um donativo voluntário, só 1% aproximadamente dos consumidores paga. O mesmo acontece quando oferecemos um serviço como o Flickr, e depois pedimos dinheiro para ter certas funcionalidades complementares.»(1)

Normalmente, poucos pagam algo que é oferecido de graça. É, por isso, um modelo de negócio pouco comum. Mas é também um facto empírico que os Radiohead ofereceram o álbum In Rainbows de graça e 38% das pessoas que o descarregaram pagaram. Voluntariamente. Talvez a relação entre um fã e o artista que ele admira não seja meramente comercial. Mas vamos prosseguir com os factos empíricos que o Desidério escolheu e assumir que o fã compra música como quem compra desodorizante ou batatas.

O Flickr oferece gratuitamente espaço para guardar fotografias permitindo acrescentar até 100 MB de fotos por mês. Por $25 ao ano o upload é ilimitado. A Worten oferece gratuitamente folhetos com dezenas de páginas a cores impresso em papel brilhante. Se quisermos comprar alguma coisa temos que pagar. O Desidério confunde a publicidade com o negócio. Uma vez montada a infra-estrutura é mais barato dar 100 MB de largura de banda mensal que pôr panfletos nas caixas do correio.

O Desidério então deduz que isto «Significa que para um criador poder viver de uma coisa dessas tem de atingir milhões de pessoas — para que o que 1% delas paga seja suficiente para viver disso. Logo, tais negócios só são viáveis para as grandes empresas: Google, Yahoo, Microsoft... não há assim tantas no mundo todo. É por isso que não há empresas pequenas, com apenas um engenheiro, a oferecer tais serviços.»

Se é preciso ter dezenas de milhares de clientes depende do negócio. E isso não é a razão pela qual a Internet é dominada por empresas grandes. A razão é que a Internet é um só sitio. Se centenas de milhões de pessoas podem usar qualquer serviço não há maneira de haver milhares de pequenas empresas a oferecer a mesma coisa. Na Internet não há as barreiras geográficas que permitem cada mercearia ter as suas poucas centenas de fregueses.

O Desidério afirma que «os defensores da cópia gratuita [... não] reagem à argumentação cuidadosa porque independentemente do que seja a realidade, querem manter o sonho.» Na verdade, por muito cuidado que se tenha no argumento, quando se baralha tudo e se selecciona apenas alguns “factos empíricos” pouco relevantes acaba por não ser persuasivo.

O facto empírico mais importante é que a cópia é gratuita. Não é algo que se defenda ou se oponha. É a realidade. O CD de plástico vale uns cêntimos e os números que lá estão não valem nada. A criação dessas sequências de números é um serviço que pode ser vendido mas a cópia vale menos que os panfletos da Worten. Subsidiar a cópia com proibições e licenças é impraticável e inútil.

O Desidério tem razão que «hoje em dia, na maior parte da Internet falsamente gratuita, quase toda a largura de banda é consumida com publicidade.» A maior parte da largura de banda é consumida com tráfego p2p e esses ficheiros de música ou vídeo são panfletos. No Brasil as bandas de tecnobrega dão cópias dos seus CDs aos «piratas» para que eles as copiem e vendam nas ruas. As bandas não recebem nada por isso. São panfletos que trazem pessoas aos concertos. Na ArtistShare os artistas vendem a possibilidade de figurar nos créditos do álbum, edições limitadas, participação no processo criativo. Bandas mais famosas conjugam a vontade dos fãs em contribuir com o custo irrisório de distribuir ficheiros e ganham milhões a oferecer coisas de borla. E tudo isto sem serem professores universitários.

Eu não defendo que a cópia seja gratuita. Isso já ela é. O que eu defendo é que não seja proibida. A cópia não tem valor, não é comerciável e não vale a pena regulá-la. O custo de proibi-la é enorme, quer o custo financeiro de policiar as comunicações como o custo de restringir direitos pessoais. E não vale a pena. Há muita coisa que o artista pode vender e que o fã quer comprar e que não depende de cobrar pela cópia.

1- Desidério Murcho, 5-3-08, O Eldorado Digital

sábado, março 08, 2008

Treta da Semana: Esfrega, esfrega.

O Metropolitano de Lisboa implementou há uns anos um sistema de bilhetes electrónicos. Encosta-se o cartão ao sensor, espera-se cerca de meio segundo e as portas abrem. O sensor está colocado de forma a não ser preciso abrandar o passo. Estica-se o braço, continua-se a andar e quando se chega às portas já estão abertas. Mas muitas pessoas, habituadas à luz acender logo que se liga o interruptor, estranham o meio segundo que demora a identificar e validar o cartão. Então esfregam o cartão no sensor interrompendo a comunicação até apitar a mensagem de cartão inválido. Depois repetem a esfregadela até o cartão ser, eventualmente, validado.

Se informassem as pessoas isto não acontecia mas este mecanismo de aprendizagem intuitiva é revelador. Como as portas não abrem logo que é esperado infere que não basta lá pôr o cartão. Esfregar dá erro mas é melhor que nada, pelo que recomenda continuar a esfregar. As portas eventualmente abrem confirmando a conclusão: o sistema funciona mal mas esfregar resolve o problema. Percebe-se assim o grande sucesso da medicina alternativa, das promessas e rezas aos deuses, dos conselhos astrológicos e assim por diante. Esperar para ver se a coisa se resolve sozinha é contra-intuitivo. E assume-se que o sucesso é por causa do que se fez e não apesar do que se fez.

Também é contra-intuitivo que seja mais seguro um sistema que todos sabem como funciona. A Holanda gastou dois mil milhões de dólares num sistema de bilhetes electrónicos para os transportes públicos usando a tecnologia proprietária da Mifare. Só a empresa sabe os detalhes dos cartões e sistemas de controlo e alguém deve ter pensado que isso é mais seguro. Mas a um ano de ser completamente implementado alguns alunos universitários já descobriram vários buracos, incluindo uma forma de reutilizar indefinidamente os bilhetes já gastos (1).

O problema é que a tecnologia proprietária esconde apenas as fraquezas do sistema. Por exemplo, o chip usado nos passes na Holanda tem um sistema secreto de encriptação para impedir que se altere os dados indevidamente. Mas uma análise do chip revelou que as chaves de encriptação têm apenas 48 bits, permitindo descobrir a chave correcta em poucos dias (2).

Na Polónia, em Lodz, um miúdo de 14 anos construiu um controlo remoto para as linhas do eléctrico. Estas são controladas por infra-vermelhos seguindo também a filosofia de segurança do «esperemos que ninguém descubra como fizemos isto». O resultado foi uma dúzia de feridos e o miúdo no tribunal em vez de prenderem o idiota que desenhou o sistema (3).

A minha intenção com este post era revelar semelhante incompetência na implementação dos bilhetes electrónicos em Portugal. Bolas. Por cá escolheram o Calypso, um sistema aberto no qual qualquer empresa pode participar e que assenta em algoritmos de encriptação públicos, revistos e testados. O chip GTML2 no cartão Lisboa Viva, por exemplo, tem uma segurança certificada ao nível bancário, o que é raro em cartões para transportes públicos.

Tenho que admitir que isto foi bem feito. A única falha que posso apontar ao Metropolitano de Lisboa é não terem investido num upgrade aos utilizadores. Aquele esfrega esfrega quando um tipo está com pressa dá cá uns nervos...

1- Dutch Public Transit Card Broken
2 Lost Mifare obscurity raises concerns over security of OV-Chipkaart
3- Schoolboy hacks into city's tram system

sexta-feira, março 07, 2008

Deuses e reis.

O leitor «– com – dá +» disse que as religiões não são más nem boas, «são construções humanas [...] e como tal esse atributo não se aplica». A tortura, a educação gratuita, a ditadura e a vacinação são construções humanas. Penso que não é por isso que o atributo deixa de se aplicar. Mas concordo que as religiões não são criadas ou escolhidas com a intenção de fazer mal. A religião é má noutro sentido. É má como a monarquia.

Dar o poder absoluto a uma pessoa pode ser bom se for uma pessoa mesmo boa. Pode até ser melhor que a democracia que temos, com promessas vãs, sacanices e demagogia. Mas escolher um líder pelo seu alegado pai dá quase sempre mau resultado. Não quer dizer que os monarcas sejam más pessoas nem sequer que as monarquias que temos hoje sejam más. Mas as monarquias modernas só não são más porque são monarquias light. O rei acena, anda de bicicleta e manda calar políticos estrangeiros impertinentes, mas de resto fica no seu cantinho e não incomoda ninguém.

É o mesmo com as religiões. Escolher um conjunto de dogmas só porque sim também dificilmente dá alguma coisa de jeito. E a crença num grande chefe absoluto é contrária aos ideais de igualdade de direitos, liberdade opinião e representatividade, seja deus ou rei. Mas se não as levarem a sério, se o rei e o deus forem só para vista, a religião e a monarquia tornam-se quase inofensivas.

Estas semelhanças não são coincidência. A história mostra bem a progressão do chefe venerado ao rei que é deus até ao deus que é rei. E devemos tratar a religião como a monarquia. É um direito de cada um acreditar nisto, se quiser. É um dever de todos respeitar quem acredita, não os discriminando pelas suas opiniões. E é uma obrigação da sociedade impedir que se implemente estas coisas a sério.

quinta-feira, março 06, 2008

Civismo

O leitor «Bruce Lóse» condenou que se beneficie do trabalho alheio sem dar contrapartidas porque é «o fim do civismo»(1). Mas o civismo, desde viver em cidades às regras da conduta civilizada até à própria civilização serve precisamente para beneficiarmos do trabalho alheio sem custos adicionais.

As contrapartidas pelo benefício são justas quando o benefício total é constante. Um bolo é um bolo quer fique metade para cada um quer fique um com o bolo todo. Neste caso é justo que quem fica com mais compense quem fica com menos. Não pelo benefício em si mas porque, pelas circunstâncias, o seu beneficio é necessariamente em prejuízo do outro.

O comércio é um pouco diferente. Ambas as partes beneficiam trocando bens que lhes interessam menos por outros que lhes interessam mais. É justo que cada parte seja compensada pelo custo do que tem que ceder mas não é cívico exigir contrapartidas pelo beneficio do outro. O dono do restaurante lucra mais se vender mais caro a quem tem mais fome mas esse lucro será à custa dos outros e à custa do benefício total do serviço. Um restaurante civilizado fixa os preços em vez de regatear com cada cliente.

Mas o que mais motiva o civismo são os benefícios sem custos. Mercados, estradas, muralhas, profissões, exércitos. Foram coisas como estas que levaram as pessoas a formar cidades e civilizações. Coisas que uns fazem e beneficiam outros sem custos adicionais. O vizinho usufruir da sombra da minha árvore no quintal dele não é falta de civismo. Falta de civismo é licenciar a sombra das árvores e reduzir o seu beneficio criando custos onde não existiam.

E onde isto se nota mais é na informação. A roda, a metalurgia, o arado, a escrita. A arte e a ciência. Para descobrir que o neutrino tem massa foi preciso cem milhões de dólares e 120 equipas de físicos de todo o mundo. Para sequenciar o genoma humano foi preciso três mil milhões de dólares e milhares de pessoas a trabalhar durante mais de uma década. Mas o produto deste trabalho é livre. Não é falta de civismo nem por os cientistas serem papalvos. É livre porque o beneficio que se tira desta informação é maior quanto mais acessível estiver. Qualquer restrição que se imponha acarreta o custo de restringir e reduz o benefício do trabalho.

Por isso proponho o contrário do «Bruce Lóse». O único problema é distribuir os custos de forma justa. De preferência com contributo voluntário ou, se necessário, imposto. Mas uma vez assegurada a produção é cívico usar o bem da forma que traga mais benefícios. É o que tentamos fazer com a saúde, com a educação, com a defesa, a lei, a segurança, o saneamento básico, o ambiente, e assim por diante.

Há sempre quem queira lucrar restringindo o acesso para poder cobrar mais. Uns dirão que é ganância, outros que é espírito empreendedor. Eu digo apenas que lucrar impondo custos e reduzindo o beneficio é falta de civismo. É o que acontece quando se cobra ao vizinho pela sombra ou pela transmissão de conteúdo digital.

O leitor «- com - dá +» sugeriu acrescentar à Declaração Universal dos Direitos Humanos o direito à cópia. O verdadeiro copyright (1). Concordo com a ideia, mas penso que já lá está.

«Artigo 19°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
[...]
Artigo 27°
«Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.»


Para garantir o civismo é preciso que a protecção dos interesses materiais não custe a liberdade de receber e difundir informação e de usufruir e participar na cultura, nas artes ou no progresso científico.

1- Free ride

quarta-feira, março 05, 2008

Gary Gygax

Faleceu ontem, com 69 anos. Perdi muitas horas, tardes e noites por causa dele. Onde quer que estejas, Gary, espero que haja pelo menos um d20. E a ver se os meus putos crescem depressa que tenho saudades das masmorras em papel quadriculado...

A má notícia aqui.

terça-feira, março 04, 2008

Free Ride.

O problema dos free riders é a subprodução de um bem público porque alguns beneficiários não contribuem. Já falei nisto uma vez (1) mas alguns mal entendidos continuam a atravancar a discussão. O João Vasco deu um exemplo em que cem mil pessoas estão interessadas em pagar um álbum, o artista precisa apenas que mil pessoas o façam mas nem 1% quer fazê-lo ficando todos à espera que alguém pague primeiro (2). Isto é um problema de free riding mas causa alguma confusão.

Alguns confundem o problema com o free ride em si. O Desidério perguntou «que raio de sentido faz que 1% das pessoas paguem para todos os outros?»(3). Se pagam voluntariamente e por interesse próprio faz todo o sentido. Robert Koch dedicou muito tempo e esforço a desenvolver uma metodologia para identificar micróbios patogénicos. Hoje andamos à boleia deste trabalho que foi pago por uma fracção ínfima dos milhares de milhões de pessoas que beneficiaram dele.

O free ride só é problema se impedir a produção de um bem desejado. O João Vasco assume que nem 1% dos interessados quer pagar. O Desidério diz que «só 1% das pessoas que podem consumir um produto sem o pagar estão dispostas a pagar. Por isso com 20 mil fãs só terás 200 papalvos dispostos a pagar». Ambos apresentam cenários pouco realistas. É improvável que em cem mil interessados nem mil se comprometam a pagar e a inferência do Desidério assume que é «fã» todo aquele que «pode consumir o produto».

Vamos supor que um músico profissional precisa de €50.000 por álbum, metade para ele e metade para a gravação e produção, que a música produzida fica disponível gratuitamente e que o músico não tem outras fontes de rendimento. Evita-se o problema do free riding se 5.000 pessoas derem €10 cada para ele criar o álbum. A julgar pelo preço dos concertos e pelo número de pessoas que assistem (4) não me parece que um artista mesmo de fama modesta tenha problemas em encontrar quem o financie. Não há problema de free riding para todos os músicos que tenham mais que 5.000 pessoas dispostas a dar o preço de um CD para que eles possam criar um álbum. Mesmo que o copyright garantisse a «sustentabilidade económica» daqueles a quem nem 5.000 pessoas querem pagar era uma justificação fraca para uma lei que se intromete tanto na nossa vida privada.

Uma objecção do Desidério é que isto faz dos que pagam uns «papalvos». Não concordo. Pagam por interesse e sabendo o que compram. Um investigador publica a estrutura de uma proteína e uma empresa farmacêutica usa-a para criar um antibiótico que salva milhões de pessoas e traz uma fortuna à empresa. Parece-me incorrecto chamar papalvo ao investigador que faz o que gosta e cujo trabalho beneficia tantos só porque alguém beneficiou sem lhe pagar. E duvido que o Desidério se recuse a emprestar um CD a um amigo para evitar ser «papalvo». Penso que este argumento de papalvos é apenas um efeito da propaganda do copyright que tem interesse em criar problemas onde não existem.

E é curioso propor o copyright como solução para o hipotético problema de ficar sem música por não haver contributo suficiente para a sua criação. O bem que interessa é a música que todos possam ouvir e que todos possam usar livremente para criar mais música. O copyright elimina o mais benéfico deste bem criando custos artificiais, restringindo o acesso e proibindo durante décadas a reutilização criativa da obra. Isto é tratar a dor de cabeça à martelada.

Finalmente, os dados que temos contradizem o modelo pessimista. Há anos que a partilha de ficheiros é o tráfego principal na Internet e os fabricantes de CDs queixam-se muito. Mas o resto da indústria vai bem. Os músicos ganham cada vez mais dinheiro em concertos, há cada vez mais músicos a deixar de precisar de copyright, surgem novas formas de criar música que transgridem ou abandonam por completo o copyright e a música como arte criativa parece estar melhor por isso.

O copyright é que está moribundo. Para uma geração inteira partilhar o que se gosta é perfeitamente aceitável. Com IPods de 40Gb nem fechando a Internet acabam com a partilha. E quando esta geração começar a votar o copyright desaparece. A discussão dos méritos e deméritos do copyright é interessante mas a questão relevante na prática é como financiar a arte sem isso. O “se” já está resolvido há anos.

1- A treta do copyright: a tragédia dos comuns e os free riders.
2- O que está em causa.
3- Um modelo novo velho.
4- A.P. , 28-12-06, Rolling Stones among biggest 2006 tours

segunda-feira, março 03, 2008

Um modelo novo velho.

A discussão do último post está animada mas confusa, por isso retomo já o tema. O Desidério afirma que é «pura e simplesmente falso que um músico ou um escritor possa viver do seu trabalho se o produto desse trabalho puder ser copiado livremente»(1) mas não explica porque são só os músicos e escritores e não os físicos, astrónomos, matemáticos, designers de moda (2) e assim por diante. Em todas estas profissões o produto pode ser copiado mas o trabalho de o criar é um bem escasso. A música ou a demonstração do teorema podem ser distribuídas na Internet mas poucos conseguem compor músicas ou demonstrar teoremas. Não precisam do copyright para vender o seu trabalho.

A ArtistShare é exemplo de um modelo alternativo. «Since 2003, ArtistShare has been allowing fans to fund the projects of their favorite artists in exchange for access to the creative process, LTD Edition recordings, VIP access to recording sessions and even credit listing on the CD.» (3) Enquanto houver copyright eles também aproveitam mas não dependem da lei para tornar escasso o que é abundante. O que eles vendem já é naturalmente escasso. A participação na criação, o apoio ao artista, as edições exclusivas, o reconhecimento e assim por diante. Os participantes compram o trabalho do artista e as cópias são um brinde. O álbum Sky Blue da Maria Schneider teve participantes a contribuir entre dez dólares e dezoito mil dólares, que foi o que pagou um fã para ficar como produtor executivo do álbum e ainda acompanhou a Maria à cerimónia de entrega do Grammy (4).

A indústria promove o mito que o copyright incentiva a criação. Muita gente acredita. Mas o copyright serve para financiar a produção e distribuição de cópias. Como a reprodução em massa era dispendiosa quem fazia as cópias exigiu direitos exclusivos para proteger o seu investimento. No modelo do século XX os músicos cedem direitos ao distribuidor e em troca este leva a música a mais pessoas, trazendo mais pessoas aos concertos onde os músicos ganham dinheiro (4). O modelo do século XXI é diferente:

«In addition to the personal gratification, Schneider's "Sky Blue" ArtistShare project has generated nearly $200,000 from the participants, with 15% going to the company, the balance (about $170,000) to her. Contrast that with a commercial recording she made before her association with ArtistShare.
"It cost me $30,000 and the record company bought it for $10,000. It earned another $7,000 in royalties, but I was still out $13,000, and I'd given up half my publishing.»
(4)

O software livre é outro exemplo. Os programas são distribuídos livremente, incluindo o código fonte, e podem ser usados e modificados por todos. Mas há sempre necessidade de analisar problemas, seleccionar soluções, configurar aplicações, adaptar código e desenvolver funcionalidades novas. Uma vez feito, isto pode ser copiado livremente. Mas o programador já vendeu o trabalho de o fazer. Este trabalho é um bem escasso e sempre procurado pelo valor da inovação.

Este modelo é mal compreendido por causa da propaganda e por causa dos hábitos de consumo que o copyright criou. O consumidor adquire de uma empresa impessoal um produto acabado igual a muitos outros. Só tem licença para usufruir desse produto como está e não pode modificá-lo. Desta perspectiva o criador parece uma longínqua fonte de cópias alimentada pelo licenciamento, como se o seu valor fosse o valor da cópia.

O valor do autor está na capacidade de inovar. Neste modelo o consumidor torna-se num participante que contribui directamente para o trabalho de criar. Em conjunto, artistas e apreciadores criam algo livre de ser usado por outros artistas e outros apreciadores. Isto é mais racional que licenciar discos de plástico, cobrar por cópias que qualquer um pode fazer e sequestrar obras durante décadas. Foi a financiar o trabalho deixando livre o produto que criámos o electromagnetismo, a Internet, o GPS, as linguagens de programação, o hábito de lavar as mãos, a Constituição e muitas outras coisas. Coisas que mesmo os mais vocais opositores de usar à borla o trabalho dos outros usam todos os dias sem dar um cêntimo. O que está justo. Também não pago ao estofador cada vez que me sento no sofá.

A música e a literatura precisavam do copyright porque dependiam de um meio dispendioso de distribuição. Agora já não. Já podem voltar ao velho modelo que partilhavam com tantas outras formas de criatividade.

1- Desidério Murcho, 1-3-08, Regresso a zero
2- TechDirt, More Research Shows How The Fashion Industry Is Helped By The Lack Of Intellectual Property Rights
3- ArtistShare, About
4- LA Times, 10-2-08, ArtistShare makes fans a part of the inner circle
5- Miguel Caetano, 1-2-07, Os músicos vivem dos concertos e não da música