segunda-feira, abril 20, 2009

Roto e nu.

Rita Lobo Xavier, professora de direito na Universidade Católica, escreveu recentemente no Público que «era fundamental aprender a reconhecer e a rejeitar os argumentos inválidos»(1). Um argumento é inválido quando a conclusão fica por justificar mesmo que se aceite as premissas. E a própria Rita Lobo Xavier dá um exemplo.

Partindo das premissas que «só enquanto homens ou mulheres [os seres humanos] devem ser protegidos contra as discriminações em função da raça, do sexo ou das preferências sexuais» e que «Os homens e as mulheres com preferências sexuais por pessoas do mesmo sexo não são impedidos de casar por causa da sua orientação sexual», conclui que «Não existe aqui qualquer discriminação: pelo contrário, a lei trata os homens e as mulheres como tal, independentemente das suas preferências sexuais.»

É fácil ver que o argumento não é válido. Vamos assumir que as premissas são ambas verdadeiras. Que homens e mulheres não devem ser discriminados, enquanto homens e mulheres, nem em função do sexo nem da orientação sexual. E vamos assumir que esta lei não discrimina quanto à orientação sexual. Daí não se pode concluir que não exista qualquer discriminação porque é possível discriminar o sexo sem discriminar a orientação sexual. E a lei que temos discrimina explicitamente o sexo dos nubentes. Só deixará de existir “qualquer discriminação” daquelas enunciadas quando a lei não impedir casamentos por motivo do sexo dos nubentes, tal como já acontece com a raça ou o credo. Também estes já foram motivo de impedimento legal, mas já não são.

E um argumento ser válido significa apenas que se aceita a conclusão caso se aceite as premissas. Como isto, por si, não obriga a aceitar as premissas, mesmo um argumento válido pode ser rejeitado. É outro problema do argumento que Rita Lobo Xavier apresenta. A primeira premissa diz que se deve evitar discriminar alguém somente enquanto homem ou mulher. Eu rejeito esta premissa. É enquanto pessoas que não devemos ser discriminados porque é por sermos pessoas que a discriminação é má. Sermos homens ou mulheres não tem nada a ver com isso. E rejeito também a premissa que esta lei não discrimina pela preferência sexual. Não o faz explicitamente, mas ao discriminar os nubentes quanto ao sexo acaba por discriminar também preferências sexuais, proibindo todos os homossexuais de casar de acordo com as suas preferências.

E além daquilo que o argumento enuncia explicitamente, também o que fica por dizer pode levar à sua rejeição. Por exemplo, «Este ambiente de argumentação manipulada contribui para que se encare com grande leviandade as consequências da adulteração do casamento civil». Em rigor, isto é apenas uma afirmação e não um argumento explícito. Mas, implicitamente, a afirmação assenta em duas premissas omitidas. Que permitir o casamento homossexual adultera o casamento civil e que advêm daí consequências que não devem ser encaradas com leviandade. Nenhuma das premissas se aproveita.

O casamento é a união de duas pessoas. Essa união, entre essas duas pessoas, não se adultera por causa do sexo de outras duas pessoas que, algures, se unam pelo mesmo processo. Nem há consequências de monta. Neste momento, dois homens casarem-se em Badajoz não tem quaisquer consequências para o meu casamento. Não vejo que mal advenha se um dia fizerem o mesmo em Elvas. O perigo de apoiar argumentos ou afirmações em premissas escondidas que não sejam consensuais é dar a sensação de defender um preconceito que se sabe indefensável. O leitor estranha que se invoque consequências sérias sem que sejam evidentes nem se explique quais são.

À parte destes pequenos detalhes, estou inteiramente de acordo com o artigo. É mesmo fundamental sermos capazes de rejeitar argumentos inválidos, assentes em premissas dúbias ou cujo suporte se esconda da vista por saber-se inadequado.

1- Rita Lobo Xavier, Público, 15-4-09, Argumentação inválida e manipulação. Não encontrei o texto disponível no site do jornal, mas está em vários sitios, como aqui. Obrigado a quem me enviou o email com o artigo.

20 comentários:

  1. É touché, meu caro amigo :).

    Comentário contendo as palavras "ateístas", "depravados", "imundos", "cambada", e chamando a atenção em como o autor do post é um "imbecil", incapaz de discutir as coisas a um nível "civilizado", e mais umas tantas disseminações em como a raça humana ficaria melhor sem esta "corja" em 3, 2, 1....

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  2. pinochet!

    Não fosse a discriminação sexual e tinhas feito a barba a essa senhora :)

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  3. Então os insultos ? e a informação codificada no DNA ?

    Ai ai ai!

    É por isso que este país não vai para a frente. Já não há empenho?

    Parece que os únicos que seguiram os avisados conselhos do senhor presidente da republica para aumentar a produtividade foram os assaltantes e os artista do car-jacking.

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  4. É pacifico admitir que a grande repulsa pelo casamento homossexual tem uma fundamentação religiosa.

    Agora o que eu não compreendo é a sanha contra o casamento só.

    Segundo a I.Católica o segundo casamento dum católica a prática homossexual, excepto se com menino, é caminho garantido para o inferno.

    Casados ou em união de facto as alminhas dos gays só param no inferno. Que diferença faz se se casam ou não ?

    Assim como não adianta pescoço a uma boa católica que já fez um aborto usar ou não preservativo, tomar ou não a pílula ou ir a umas festas swing.

    Já está condenada às penas infernais. E mais pecado menos pecado pouca diferença faz.

    Portanto, dentro do espirito de caridade cristã, e já que eles vão passar TODA a eternidade no inferno, onde certamente mafarricos lhes vão introduzir nos esfincteres pecadores carvões em brasa, porque negar-lhes o prazer do casamento ?

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  5. Mário Miguel20/04/09, 18:30

    Ludwig,

    Na essência estou de acordo contigo, embora haja algo que parece estar errado no que dizes. Cada um deve poder escolher com quem quer casar: homens com homens, mulheres com mulheres, etc...

    No entanto acho efectivamente que há descriminação no caso do casamento ente pessoas do mesmo sexo, embora a questão aqui e que se usa muitas vezes o conceito discriminação com carácter pejorativo, sendo que ele pode não ter esse carácter. Por exemplo: acho que se deve descriminar os utilizadores de cadeiras de rodas, tendo o estado para com eles uma atitude discriminatória "positiva", dando-lhes direitos que a um cidadão que não esteja nessas condições não usufruiria, tendo como objectivo a compensação dessa deficiência para minimizar a desvantagem por ela criada, descriminado, por exemplo, locais de estacionamento mais próximos dos elevadores, etc... Etc... Eu acho que a falácia aqui é mesmo o uso da expressão, e que há e deve haver discriminação. A forma da discriminação é que tem que ser vista com cuidado. E a tanga é que ela é usada das duas maneiras num mesmo contexto/discurso aldrabando todo o raciocínio toldando o leitor, e este mecanismo é bem utilizado por quem quer passar a banhada que não tem justificação, como isso do casamento dos homossexuais não ter justificação. Necessidades diferentes em muitos casos só podem ser resolvidos com discriminação. Por isto acho que cometes uma ligeira imprecisão, impelido com a vontade de refutar uma tanga, que acho que te tirou discernimento neste ponto em particular.

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  6. Mário,

    Eu não tinha intenção de me opor a todas as formas de discriminação. No final de cada semestre cometo-a às centenas discriminando entre os alunos que tiveram positiva e aqueles que vou rever no ano seguinte.

    Mas a discriminação sexual raramente é justificável*, e nunca me parece justificável na lei. Tanto que a Constituição a proibe expressamente.

    *Salvo excepções como dador de esperma

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  7. Mário Miguel20/04/09, 19:43

    Ludwig,

    A mim também não me parece justificável a lei, a questão era mesmo, e unicamente, sobre o conceito de discriminação.

    Efectivamente, o casamento sempre foi assim, entre sexos diferentes, pede-se uma mudança de paradigma (que concordo), nessa mudança a pedido parece-me haver a tal discriminação implícita que me parece justificável, só isso. Devem poder casar.

    «Mas a discriminação sexual raramente é justificável»Aí sim? Entra na casa de banho das senhoras, vais ver com és descriminado :) Aqui há discriminação, não há? Vais ao uma Ladies Nights e também és discriminado :P Haverá mais exemplos em que as normas discriminam em função do sexo.
    Mas o que queria dizer é a confusão que acho que há com a expressão, que serve para aldrabar.

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  8. Sim, acho que o conceito de "discriminação" não tem implícito nenhum juízo moral.

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  9. Mário Miguel20/04/09, 23:02

    Baraba,

    Isso dizes tu, mas ambos sabemos que cada vez que essa expressão e dita tem em 99% das vezes um carácter depreciativo, mas pode não o ser, e com isso a senhora do artigo faz a voltita para torcer a ideia para levar a água ao seu moinho.

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  10. "O casamento é a união de duas pessoas."

    Isso é a sua opinião, que felizmente vale o que vale, e que está em contradição com a declaração universal dos direitos do homem, que se refere aos esposos como "homem e mulher". Este é o único artigo em que tal acontece, nos outros é sempre usada a palavra "indivíduo", ou "pessoa".

    Artigo 16.º

    1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.

    Pedro Silva

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  11. Pedro Silva,

    O artigo 2 é explícito:

    «Artigo 2.º
    Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades
    proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de
    raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, ...»


    Isto em conjunto com o artigo 16º que citou permite concluir que homem e mulher têm direitos iguais no casamento, "sem distinção alguma" de sexo. Qua aliás o artígo 16º também menciona.

    Isto é perfeitamente consistente com a ideia que o homem e a mulher têm o mesmo direito de casar com a pessoa X, seja qual for o sexo da pessoa X. O que contradiz é a distinção dos direitos dos nubentes de acordo com o seu sexo.

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  12. A igreja nem as uniões de facto aceita bem quanto mais casamentos entre pessoas do mesmo sexo, e adotar UI UI que crianças depravadas que poderiam sair, a lógica é retorcida , porque implica que o comportamento dos pais não deve ser repetido por que é anormal LOLLL, como se neste momento 99% dos homossexuais não fossem o resultado de casamentos hetero LOLLL

    enfim, é um regabofe de disparates todos recheados de preconceitos da própria sexualidade e não dos sentimentos.

    é pornografia no pior, eu imagino o que um padre imagina, e fico feliz.....

    quando se vai permitir as pessoas serem todas cidadãos independentemente das suas opções privadas e íntimas ?
    é o rescaldo da obsessão da confissão : )))

    mete um pouco de nojo toda esta fixação no privado, enfim, haja bom gosto

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  13. A Igreja é atrasada mental. Eu quase não fui baptizado porque era filho do segundo casamento do meu pai, por exemplo. E não, não acho que tenha "progredido" muito desde então.

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  14. ...como se neste momento 99% dos homossexuais não fossem o resultado de casamentos hetero LOLLLNão se sabe, nuvens. Pode haver aí muito homossexual de armário escondido na pele de algum pai ressabiado e punitivo, convencido da sua imundície por uma ideologia da idade da pedra.

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  15. Aliás, de vez em quando até penso que o Zetuga é um deles...

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  16. Ludwig, não queria ler o que o que o artigo não quer dizer. Não há absolutamente nenhuma discriminação no casamento tal como foi criado e entendido desde sempre.

    Não há discriminação de sexo, porque toda a gente, homens e mulheres, se podem casar. Mas o casamento está reservado para um homem e uma mulher, como está bastante explícito no artigo 16, senão porquê as palavras homem e mulher, e não apenas "pessoa", como nos outros artigos? Pode explicar isto?

    Além disso, segundo a sua ideia de casamento, está a discriminar os polígamos. Se eu tenho necessidade de ter várias mulheres, nasci assim não tenho culpa, e quero-me casar com várias, pelas vantagens todas que representa esse casamento, a sua concepção de casamento não me permite, estou a ser discriminado, segundo o artigo 2º, certo? Tretas.

    Pedro Silva

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  17. Pedro Silva,

    «Ludwig, não queria ler o que o que o artigo não quer dizer. Não há absolutamente nenhuma discriminação no casamento tal como foi criado e entendido desde sempre.»

    Imagine que na lei de casamento de certo país dizia que todos os adultos podem casar, mas que só podem casar com pessoas da sua raça. Ou da mesma religião. Nesse caso considerava que havia discriminação?

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  18. Raça é uma definição humana para justificar uma diferença de tom de pele. Claro que dizer que duas pessoas não se podem casar porque são de cores diferentes é discriminação.

    Mas as diferenças entre um homem e uma mulher são de outra ordem de grandeza, são biológicas, possibilitam ou impossibilitam ter filhos, e esse foi um factor decisivo desde sempre no casamento.

    Eu não me posso casar com 10 mulheres, acha que estou a ser discriminado? Não me posso casar com a minha irmã, acha que estou a ser discriminado? Não me posso casar com o meu cão, acha que estou a ser discriminado?

    Se o casamento não é suposto ser entre um homem e uma mulher, como sempre foi, porquê é que há-de ser válida a sua definição de casamento, que diz que pode ser entre dois homens, mas não mais do que isso? Isso mostra bem o que é o seu pensamento crítico, uma treta paga pelos nossos impostos.

    Pedro Silva

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