Treta da semana: a esponja do O.B.
O Orlando Braga escreveu que «O que, no fundo, nos separa de uma esponja — e ao contrário do que têm defendido os naturalistas e ateístas — não são propriamente os genes, mas antes a Forma entendida no sentido platónico, ou a Essência entendida no sentido aristotélico.» Isto porque «As esponjas têm entre 18.000 e 30.000 genes, aproximadamente o mesmo número dos genes do ser humano [e] os genes [...] têm uma estrutura idêntica.»(1).
“Estrutura idêntica” é um termo vago, como é costume na tretofilia. Pode referir as semelhanças na sequência e organização dos genes, esperadas pelo parentesco entre os seres vivos. Pode ser a argolada de dizer que os genes da esponja são iguais aos nossos. Ou pode ser qualquer coisa pelo meio, fugindo da inteligibilidade para não admitir que não sabe o que diz.
E o número de genes não permite tirar estas conclusões. Os genes interagem, pelo que a complexidade do genoma depende das combinações de genes. A cada gene que se acrescenta duplica-se as combinações possíveis de genes activos em simultâneo. Com mais dez genes há mil vezes mais combinações e entre 18 mil e 30 mil a diferença é inimaginável. Mas nesta imensidão de possibilidades a evolução acumula muita redundância. A evolução elimina rapidamente o que prejudica a reprodução mas deixa acumular o resto como a tralha na dispensa da avó.* Isto resulta em muitos genes e muita variedade. Há seis mil milhões de pessoas com combinações diferentes de genes todas igualmente humanas. E em cada um de nós há milhões de células do sistema imunitário com genes diferentes, que combinam aleatoriamente trechos de ADN para criar os genes dos anticorpos.
Além disso a nossa estrutura celular e o nosso metabolismo são quase iguais aos da esponja. A maior parte da maquinaria bioquímica é a mesma e a maior parte das diferenças genéticas deve-se a mutações que alteraram os genes mas deixam igual o funcionamento. A tal redundância que se espera de uma evolução por processos naturais, sem inteligência. E o último antepassado comum a nós e à esponja viveu há pouco mais de seiscentos milhões de anos. É um sexto do tempo da vida na Terra e uma fracção ainda mais modesta das gerações, porque a maior parte do tempo foi com antepassados unicelulares e gerações mais curtas.
Alega o Orlando que «Lá se vai o “gradualismo darwinista” por água abaixo» e «o que interessa saber é onde estavam os genes da esponja — que são idênticos aos do ser humano e de outros animais — antes de a esponja aparecer no nosso planeta.» Refere-se a genes encontrados na esponja que são semelhantes, não idênticos, a genes activos em células nervosas ou epiteliais, células que a esponja não tem (2). O que a teoria da evolução prevê é que esses genes, como todos os outros, descendam de genes de antepassados por duplicação e acumulação de alterações. O antepassado comum a nós e à esponja tinha genes parecidos que a esponja herdou adaptados ao seu modo de vida e nós ao nosso. E esse antepassado comum terá herdado os seus genes dos seus antepassados, também por duplicação e modificação de genes pré existentes. Um processo que começou com moléculas simples, formadas por processos naturais, e que dispensa quaisquer milagres.
Saltando alguns disparates, como dizer que os biólogos consideram que a vida humana vale o mesmo que a da esponja, passo ao que parece ser o ponto principal do Orlando. «A questão de saber como é que uma idêntica disposição genética gera seres tão diferentes, é totalmente ocultada ou esquecida pelos naturalistas». É falso. A regulação genética do desenvolvimento é uma área de investigação intensa, com dezenas de milhares de artigos publicados* e um trabalho notável na descoberta destes mecanismos. Gradientes de concentração de algumas moléculas controlam a actividade de genes específicos, que por sua vez geram novos gradientes que se cruzam em sinfonias químicas tão complexas que pequenas diferenças genéticas podem gerar uma grande diversidade anatómica.
Também a interacção de genes com o ambiente amplia as diferenças genéticas. Uma esponja cresce bem numa caixa com água se lhe dermos oxigénio e nutrientes. Mas se um mamífero crescer sem estímulos sensoriais não se desenvolve correctamente. E não é preciso muitas diferenças genéticas para tornar o organismo mais sensível ao ambiente em que se desenvolve e, com isso, gerar coisas tão diferentes como o cérebro humano e uma esponja.
O Orlando quer substituir o conhecimento detalhado da evolução, do desenvolvimento e da regulação dos genes por um simples “o que nos separa de uma esponja é a Forma platónica ou a Essência aristotélica”. Coisa que não diz nada, não esclarece e não explica. É como deitar fora a medicina para ficar só com “a doença é um problema de saúde”.
É preciso opor estas flatulências verbais não só porque enganam com uma ilusão de sabedoria fácil mas também porque a proliferação destas tretas não prejudica apenas os iludidos.
*Mais sobre isto no post sobre as cebolas.
**Procurando por “developmental biology” na PubMed devolve 38825 artigos, e “developmental genetics” 2653. Com as apas.
1- Orlando Braga, Aumenta o desespero dos naturalistas e ateístas
2- Science News, Sponge genes surprise.
acho que existe um ramo humoristico que está crescendo exponencialmente nos ultimos anos: como NÃO entender a teoria da evolução.
ResponderEliminaresse cara estaria no top 5. facil.
Completamente off topic:
ResponderEliminarCavaco e Sócrates vão ser medalhados por SS Bento XVI.
Afinal aquilo do casamento gay nem foi tão grave assim...
Rayssa:
ResponderEliminarO mais grave é que me parece que em muitos casos não há má fé. É mesmo dificuldade em compreender princípios básicos. Muitas pessoas da área das letras não tem os conhecimentos básicos em ciência para entender a T.E., o que é uma teoria científica e etc.
Olha que o cerebro do Orlando não deve estar muito longe da esponja. Acho que vais ter de rever o post nesse aspecto.
ResponderEliminar" A tal redundância que se espera de uma evolução por processos naturais, sem inteligência"
ResponderEliminarSem intencionalidade e ou consciencia, sem inteligencia parece-me disputavel.
A não ser que consideres as soluções naturais, pre-neuronais, como não sendo inteligencia por definição. E inteligencia é a capacidade de adaptação geral para alem das soluções evolutivas. Que não são soluções, são realmente apenas "achados".
ResponderEliminarÉ bem possivel que a nossa inteligencia seja composta por algoritmos geneticos. A diferença, em termos de avaliação exterior, esta em que nos reservamo-nos o direito de planear para o futuro. Construimos cenarios.
Quem afirma que o ser humano é composto de 97,86% de água e trata este pseudo-facto como um argumento deve ser morto a tiro. Antes que a sua doença mental contagie o resto da população. É uma questão de saúde pública.
ResponderEliminarEsponja > absorvente > OB
ResponderEliminarÉ preciso opor estas flatulências verbais não só porque enganam com uma ilusão de sabedoria fácil mas também porque a proliferação destas tretas não prejudica apenas os iludidos.
ResponderEliminarÉ exactamente isto que os não-naturalistas fazem neste blog.
LUDWIG; NÃO FUI EU QUEM ESCREVEU ISTO:
ResponderEliminar"Daurian
Esse tal de Licorne Negro é mais uma roupagem do Luciano Henrique.
O cara tem tantas...
O indivíduo que originou tudo é esse aí:
www.lucianohenrique.com
Se eu fosse voces, escreveria para a faculdade onde o dito cujo ensina e questionaria a diretoria da perda de tempo que é esses posts que ele escreve. Eles o estão pagando para nada, ao que parece. "
ESTE É O PRIMEIRO COMENTÁRIO QUE FAÇO NESTE POST. QUANDO SOU EU QUE ESCREVO AQUI; O MEU PERFIL DIRECCIONANDO PARA O MEU BLOGUE FICA DISPONÍVEL. Obrigado pela atenção a esse pormenor!
Se algum dia alguém quiser responder a algo assinado por "Jairo Entrecosto"; sugiro que pesquise antes o perfil.
Jairo,
ResponderEliminarJá marquei o outro com spam antes de apagar. A ver se os filtros do Blogger aprendem e passam a fazer isso automaticamente...
Mats,
ResponderEliminar«É exactamente isto que os não-naturalistas fazem neste blog.»
Podes então recapitular a explicação não-naturalista que nos dá mais detalhe, mais compreensão dos pormenores, melhor encaixe com o conjunto das observações e melhor capacidade de prever novas observações do que os modelos científicos 100% naturais?
É que as alternativas não naturalistas que tenho visto aqui ou mutilam o nosso conhecimento com disparates como o criacionismo ou apenas acrescentam "porque deus quis" aos resultados da ciência...
João,
ResponderEliminarPor "inteligência" quero dizer o do costume, como no dicionário "Conjunto de todas as faculdades intelectuais (memória, imaginação, juízo, raciocínio, abstracção! e concepção!)." Não precisa ser neurónios (talvez haja outra forma de o fazer) nem basta neurónios (um nemátodo tem neurónios mas não é inteligente porque não tem intelecto).
No contexto em que usei o termo, referia-me principalmente às capacidades de definir objectivos e de antecipar as consequências das escolhas.
"Não precisa ser neurónios (talvez haja outra forma de o fazer)"
ResponderEliminarAparentemente podes ter inteligencia em cima de silicone. Não podes é ter intencionalidade. Capacidade de fazer planos ou definir objectivos é algo que ainda não tens nos computadores.
Por isso acho que é util distinguir a capacidade de raciocinar, tirar informação de dados, chegar a resultados, etc, daquelas que envolvem intencionalidade.
Ha uma distinção que me tem passado por baixo dos olhos que é inteligencia tipo fraco e inteligencia tipo forte, para a ultima.
Dizes que inteligencia so ha uma, a com intencionalidade e masi nenhuma?
Ludwig,
ResponderEliminar«É exactamente isto que os não-naturalistas fazem neste blog.»
Podes então recapitular a explicação não-naturalista que nos dá mais detalhe, mais compreensão dos pormenores, melhor encaixe com o conjunto das observações e melhor capacidade de prever novas observações do que os modelos científicos 100% naturais?
Não sei o que são "modelos científicos 100% naturais". Sei o que são modelos científicos mas não sei o que é "100% natural".
Existem modelos que tentam usar explicações 100% naturalistas, e existem os modelos científicos que podem usar explicações naturais e sobrenaturais.
É que as alternativas não naturalistas que tenho visto aqui ou mutilam o nosso conhecimento com disparates como o criacionismo ou apenas acrescentam "porque deus quis" aos resultados da ciência...
As alternativas às explicações naturalistas têm funcionado muito bem ao longo dos séculos, como se pode ver com o trabalho dos não-naturalistas Newton, Pascal, Mendel, Maxwell, Faraday, Lineus e muitos outros.
Se as explicações científicas sempre funcionaram bem sem o naturalismo associado a ele, então o facto de podermos ter "mais detalhe, mais compreensão dos pormenores, melhor encaixe com o conjunto das observações e melhor capacidade de prever novas observações" não se deve ao naturalismo.
Portanto, é importante "opor estas flatulências verbais [Naturalismo] não só porque enganam com uma ilusão de sabedoria fácil mas também porque a proliferação destas tretas não prejudica apenas os iludidos."
Mats,
ResponderEliminar"Sei o que são modelos científicos"
:D
Mats:
ResponderEliminar"As alternativas às explicações naturalistas têm funcionado muito bem ao longo dos séculos, como se pode ver com o trabalho dos não-naturalistas Newton, Pascal, Mendel, Maxwell, Faraday, Lineus e muitos outros. "
Aliás todos famosos por teorias não-naturalistas, como a duendologia da gravidade, a taxonomia das fadas ou a explicação da electricidade pelos gnomos microscopicos.
Mats... Não vez como esses teus memes são mais aleijadinhos que uma colonia de leprosos instalada em cima de um campo de minas?
Mats,
ResponderEliminar«Não sei o que são "modelos científicos 100% naturais»
São os que só contém elementos da natureza e não postulam milagres, bichos papões, pais natal ou deuses.
«As alternativas às explicações naturalistas têm funcionado muito bem ao longo dos séculos, como se pode ver com o trabalho dos não-naturalistas Newton, Pascal, Mendel, Maxwell, Faraday, Lineus e muitos outros.»
Se reparares bem, o que hoje celebramos nesses senhores não é as suas superstições mas os seus contributos para a ciência, isentos de qualquer vestígio de tretas sobrenaturais.
«Se as explicações científicas sempre funcionaram bem sem o naturalismo associado a ele, então o facto de podermos ter "mais detalhe, mais compreensão dos pormenores, melhor encaixe com o conjunto das observações e melhor capacidade de prever novas observações" não se deve ao naturalismo.»
Se assim fosse, era uma conclusão razoável. No entanto, a condição não se verifica. Pelo contrário, as explicações científicas funcionaram sempre melhor depois de eliminados os elementos sobrenaturais. Tinham-nos originalmente, é certo, fruto da cultura de outros tempos. Mas sempre que se conseguia melhorar algo nessas explicações, a melhoria incluia eliminar elementos sobrenaturais.
O naturalismo não é uma peça essencial da ciência, concordo. Se o universo fosse diferente poderiamos ter de rejeitar essa ideia. Mas neste universo, desprovido de deuses, fadas e essa bicheza toda, o naturalismo é uma consequência inevitável de adaptar as nossas crenças ao que observamos da realidade.
Ludi,
ResponderEliminarPor momentos assustei-me com o título do Post...Mas depois constatei que ainda não foi desta que perdeste o juizo ;-)
beijos
Joaninha,
ResponderEliminarPor momentos também me perguntei se seria um artigo sobre produtos de higiene feminina. Afinal era sobre outras esponjas. :)
Mats,
ResponderEliminar«As alternativas às explicações naturalistas têm funcionado muito bem ao longo dos séculos, como se pode ver com o trabalho dos não-naturalistas Newton, Pascal, Mendel, Maxwell, Faraday, Lineus e muitos outros.»
Vejamos o caso do Newton, que é o q conheço melhor. A sua lei da gravidade, as três leis do movimento, cálculo integral e diferencial, permitiram entre MUITAS outras coisas a viagem à lua. Já as suas teorias sobre interpretação bíblica (era anti-trindade por exemplo), e sobre alquimia (acreditava e procurou descobrir a "pedra filosofal"), são praticamente desconhecidas. E permitiram fazer o quê exactamente? Eu arriscaria um "nada", mas é capaz de haver algum teólogo que valorize o trabalho bíblico dele. A alquimia é certo q não deu em nada.
Todos esses grandes senhores foram condicionados pelo conhecimento e pelas superstições da época. Se a química moderna já existisse certamente Newton não se meteria na alquimia. Assim o John Maynard Keynes chamou-lhe "não o primeiro da idade da razão, mas o último dos mágicos". E certamente que nenhum deles chegou às suas descobertas atribuindo as causas das coisas a vontades arbitrárias de entidades sobrenaturais. Se Newton tivesse concluído que a maçã cai "pq deus assim quer", não teria chegado a lado nenhum. Esses senhores podiam não ter visões exclusivamente "naturalistas" do mundo, mas as suas descobertas são naturalistas, e foram descobertas e provadas por meios naturalistas.
mas se levamos isto a um nível de análise genética
ResponderEliminarDNA studies incorporating both
siliceous and calcareous sponges found that the calcareous sponges were more closely related to
eumetazoans a nós portanto do que ás suas primas com o mesmo
body plan
than to demosponges, albeit often without strong statistical support (Cavalier-Smith
et al. 1996; Collins 1998; Borchiellini et al. 2001; Peterson and Eernisse 2001).
the Pax6 gene as
a master control gene for eye morphogenesis
However, in the more primitive cnidarians
and sponges no bona fide Pax6 gene has been
found.
ou seja estava no plano de deus construir um gene que originaria olhos nos seus adoradores
Pax6
orthologs have been found in all bilaterean animals
analyzed, and for many we have shown that they
can substitute for the Pax6 homolog eyeless (ey) in
Drosophila.
Jellyfish and corals have four Pax genes: A,
B, C and D only. In the jellyfish Tripedalia which has
highly developed eyes the PaxB gene was found to
be capable of inducing ectopic eyes in Drosophila by
Kozmic et al.
The PaxB gene of Tripedalia might be
a precursor of Pax6 since it has a homeobox similar
to Pax6 and a pairedbox more closely related to
Pax2, the next “relative” of Pax6
é um raciocínio interessante
e o Newton previu o apocalipse para 2060
ResponderEliminarem termos humanos é capaz de acertar
eu já não devo estar cá
se algum de vocês estiver mande-me um mail para o inferno
exões embaralhados exon shuffling
evolution of multicellularity was accompanied by the assembly of numerous novel extracellular matrix
proteins and extracellular signalling proteins that are absolutely essential for multicellularity
Genetica 118: 217–231, 2003.
© 2003 Kluwer Academic Publishers
estes são de graça e nisso são interessantes