Má ideia...
A Quercus estima que os incêndios deste ano, até 15 de Agosto, possam ter libertado um milhão de toneladas de CO2(1), e diz que este valor «corresponde aproximadamente às emissões de 29 milhões de automóveis a fazerem o percurso da autoestrada Lisboa-Porto»(2). A quantidade de CO2 pode ser a mesma, mas a comparação parece-me infeliz.
O carbono emitido por uma floresta que arde pode ser recuperado reflorestando essa área. A floresta é essencialmente um reservatório de carbono, preso na biomassa, e aumentar a biomassa da floresta reduz o CO2 na atmosfera. Isto depende de uma boa política de reflorestação, mas a emissão de CO2 nos incêndios florestais é reversível em dez ou vinte anos. Com os combustíveis fósseis é diferente. O petróleo demora milhões de anos para se formar, o que à nossa escala equivale a nunca. Por isso, enquanto cada árvore ardida pode ser replantada, cada barril de petróleo que queimamos é dano permanente.
E há uma diferença de magnitude. Portugal emite cerca de 75 milhões de toneladas de CO2 por ano(2). Se quiséssemos recuperar esta quantidade de CO2 plantando florestas seria preciso plantar setenta e cinco vezes a área de floresta ardida este ano. E repetir a façanha todos os anos.
Por isso acho infeliz esta comparação com os automóveis. Os incêndios são um problema grave. Também pelo CO2 mas, mais ainda, pelos efeitos na biodiversidade e ecossistema, esses muitas vezes irreversíveis. E compreendo que os ambientalistas queiram chamar a atenção para a gravidade do problema. Mas 29 milhões de carros a viajar de Lisboa ao Porto não é muito, relativamente. Portugal tem mais de seis milhões de veículos a motor, dois milhões dos quais são veículos comerciais (3). Provavelmente, em menos de quinze dias ultrapassam em CO2 todos os incêndios do ano.
O efeito desta comparação acaba por ser o contrário do pretendido. Os incêndios florestais são algo que a maioria vê como problema ou responsabilidade dos outros. A maioria não tem florestas, não é bombeiro e não ateia fogos. Mas quase todos andam de carro. Quase todos decidimos, diariamente, entre andar mais a pé e de transportes públicos ou levar o carro para o trabalho, compramos coisas vindas de países distantes, usamos aquecedores, elevadores e ar condicionado.
A comparação dos incêndios com os 29 milhões de carros dá a ideia de que, por muito que tentemos diminuir as emissões de CO2, basta um idiota com uma caixa de fósforos para estragar milhões de vezes o que poupámos. O que não é verdade. Se queriam consciencializar as pessoas fizeram a notícia ao contrário. O importante aqui não é que a floresta ardida equivale a 29 milhões de viagens de carro. O importante é que a cada cinco dias da nossa vidinha normal queimamos o equivalente a todos os incêndios do ano. E queimamos combustíveis fósseis que, ao contrário das florestas, nunca mais vamos poder recuperar.
1- Público, Incêndios: Emissões de dióxido de carbono podem ter atingido 1,1 milhões de toneladas
2- Público, Incêndios já emitiram o mesmo CO2 que 29 milhões de carros de Lisboa ao Porto
3- Automotor, Portugal com parque automóvel superior ao Japão em 2012 (esquecem-se de dizer no título que é per capita...)
Ludi,
ResponderEliminarRegra geral sou uma pessoa muito contida nos meus comentários aqui, até porque acho sempre que perder a compostura não adianta e não é minimamente productivo.
Tocaste no entanto numa daquelas instituições que me deixa com os dentes de fora...A Quercus...Porque não quero ofender ninguém, acredito que em todas as instituições existem pessoas verdadeiramente bem intencionadas, calo-me.
Pois é eu também tenho ódiozinhos de estimação, este é um deles...
Os incendios são um drama, não pelo CO2, mas por todas as coisas que dizes aqui e por outras que, para aqueles que tem florestas tem um peso grande. Ardeu-nos este ano uma mata com carvalhos centenários...É doloroso ver aquele espetaculo, não só pela pelos efeitos na biodiversidade e ecossistema, mas porque era uma mata onde o meu avô brincou quando era pequenino, onde o meu pai brincou e onde eu brinquei e onde os meus sobrinhos ainda chegaram a brincar...
A mata é limpa todos os anos, tanto o Pinhal como o Carvalhal tem acessos, tem corta fogo, e todas essas coisas e mais algumas...Resolveu? Nem por isso.
beijos...
Belíssimo post!
ResponderEliminarGostei particularmente do argumento entre algo que podemos recuperar e algo que é irrecuperável. Bem visto. Talvez fosse interessante enviares o link do teu Post, ou o texto, à Quercus. Não como crítica pela crítica, mas como contributo de alguém que está atento.
Abraço
A má ideia da Quercus nem é essa que apontas, a meu ver. Essa é má, já de si, e concordo em geral contigo, Ludwig.
ResponderEliminarMas o pior deste ambientalismo de treta é reduzir todas as questões ambientais a um número, como se se pudesse quantificar a maldade que o ser humano faz à "mãe natureza" através desta variável na moda que é o CO2.
Aquilo que me coça a irritação não é apontar o quão terrível é um incêndio. É claro que é terrível. Mas não é pelo CO2, pelo menos primordialmente, prima facie. A quantidade de habitats, de ambientes ecológicos que são literalmente incinerados à inexistência, com toda a diversidade a sofrer ano após ano, são muito mais óbvios e criminosos. A perda da Peneda Gerês seria um crime abominável, assim como a destruição do ecossistema de S. Pedro do Sul, entre tantos outros.
Mas estes movimentos esvaziam todo o assunto ao desviarem a atenção para o CO2, e basicamente equiparando o condutor de automóveis a um incinerário... é de uma estupidez atroz. Ironicamente, foi numa viagem que fiz na A24 à noite, que, detectando um incêndio, informei os serviços florestais através do 117... talvez não tenha sido o primeiro.
OT, mas parece que o Irão acaba de chamar P*ta à Carla Bruni. Mesmo dando de barato alguma evidência que eu desconheça que comprove esse fact(óide), de a senhora realmente professorar a profissão mais velha do mundo, gostaria de saber a opinião dos presentes comentadores mais moralistas sobre a mesma profissão o que pensam da senhora, da reacção do Irão, etc.
ResponderEliminarEntenda-se que o Irão faz este insulto após uma carta aberta de Bruni a apelar à libertação de Sakineh Mohammadi Ahstiani, condenada à morte por adultério.
perspicaz! lucido. adorei.
ResponderEliminarA treta de quantificar em números simples o que é complexo não é apanágio dos ambientalistas, muito pelo contrário.
ResponderEliminarA maior parte dos ambientalistas em Portugal, membros de movimentos inspirados por pessoas como o Ribeiro Telles, o Soromenho Marques, o Joanaz de Melo, ou o Palmeirim (e não velhas dos gatos como nalguns países…), são pessoas que não vão em tretas pseudo- ou anti-científicas. (Sim, há exceções.)
Por outro lado, tive oportunidade de ser contratado pela CMLx quande esteve cá o Al Gore (esse tretas bem intencionado) para “produzir textos” de cariz ambientalista e para cada uma das milhentas sugestões que compilei — coisas que cada um pode fazer no dia-a-dia para reduzir o seu impacto ambiental sem grandes perdas no conforto, afinal — era suposto dizer quantas “toneladas de carbono” poupava. Fiquei com vontade de dizer à senhora arquitecta (sim, essa!) que se quer publi-reportagens fachavor dirigir-se ao outro guiché…
Também tenho ideia que os da Quercus não são fãs de reduzir tudo ao CO2. Até me parece que a maioria das intervenções deles são motivadas por outras razões (preservação dos habitats, da fauna e flora, etc)
ResponderEliminarNestas coisas é difícil ver o que foi a posição da Quercus e o que foi política editorial do Público ou escolha do jornalista...
"ou escolha do jornalista"
ResponderEliminarround up the usual suspects ;-)
Cristy,
ResponderEliminar«round up the usual suspects ;-)»
E são. Não só pelo peso das evidências, mas também porque me parece que os cursos de jornalismo por cá ensinam o pessoal a escrever notícias sem lhes dar o mínimo de bases acerca dos temas que vão abordar. O jornalista que escreve sobre ambiente, política, tecnologia, bioquímica ou o que calhar percebe apenas de jornalismo. O que não dá resultados muito bons...
Penso eu de que :)
Zarolho, o Ribeiro Telles é de outros tempos. Para exemplificar, o homem ainda é monárquico...
ResponderEliminarTambém tenho ideia que os da Quercus não são fãs de reduzir tudo ao CO2. Até me parece que a maioria das intervenções deles são motivadas por outras razões (preservação dos habitats, da fauna e flora, etc)
ResponderEliminarTalvez Ludwig. Mas parece-me que é uma moda relativamente recente (dez anos) que está a pegar agora em Portugal...
vocemecê anda a chatear-se por pouco
ResponderEliminarna sua idade isso é mau
chatearmo-nos com o nº de genes numa esponja
com as cabeças duras que abundam no mundo
ou com a quercus faz mal au coeur
já agora 200mil hectares a 4 tones nº baixo tendo em conta que a floresta tem mais de 100 tones de biomassa por ha
mas admitindo combustão de 4% do carbono
originaria 12 tones de CO2 por hectare
2.400.000 tones no mínimo contando com matos e pastos
insignificante
260 a 280 megatones de plásticos são produzidos por ano
60% são descartáveis
cabem uns 4 milhões de tones de plásticos ou mais
aos portugas 400kg por português
de resto o meu trabalho na internet e o restante está a terminar
ResponderEliminarpelo que não necessitarei de escrever como catarse
vou juntar-me a 600 mil e gozar um estipêndio
à custa dos meus impostos
como infelizmente terei de consumir internet
pois consumo tudo o que pago
virei chateá-los ocasionalmente
até pode ser, que ponha vírgulas
ah esquecia-me de vez em quando talvez venha com um IP
extra
SEU BARBA (ISTO é para os 14 comentários)~
ResponderEliminarZarolho, o Ribeiro Telles é de outros tempos. que é um homem de quem eu nunca gostei por ser um extremista (e por causa da família dele, irracional mas acontece)que torce as verdades a seu favor
como a maioria,de resto
foi bastante importante como voz ecologista em portugal
Para exemplificar, o homem ainda é monárquico...há muito boa má gente que mais nova é monárquico
é como ser Barba Rija ou ARQUITECTO paisagista ou outro
dá status
31/08/10 12:27
Barba Rija disse...
Também tenho ideia que os da Quercus não são fãs de reduzir tudo ao CO2.
não mas também utilizar expressões comuns
dá credibilidade
Até me parece que a maioria das intervenções deles são motivadas por outras razões (preservação dos habitats, da fauna e flora, etc)
que é coisa que não existe, toda a paisagem portuguesa foi humanizada
lentamente e com muitas espécies autóctones
áreas grandes do país voltam ao "normal" de há 200 anos
Talvez Ludens... Mas parece-me que é uma moda relativamente recente
não é já em 91 apareciam conceitos iguais e similares
estão mais difundidos agora
o que está a pegar agora em Portugal
são os juízos de valor
Os menos sofisticados, como aquele acabadinho de imbecil ...as expressões com sentido para quem as produz
e a territorialidade de espaços in(existentes?)
dono dominus alto senhor
é uma neo-teologia seu barbas
Ó senhor "obrigado pela atenção", quando eu falei de Ribeiro Telles ser "de outro tempo", não o fiz como insulto, mas como observação do facto de ser de uma geração que já é, para todos os efeitos, inactiva no seu activismo ecológico. Eu já assisti a duas palestras do senhor Telles e gostei de ambas, e acho que tivesse Lisboa construído aquilo que o senhor Telles visionado, Lisboa seria um lugar muito mais interessante.
ResponderEliminarQuanto à tua acusação de neo-teologia... concordo com ela. É, cada vez mais, uma religião. E isto deve-se, a meu ver, à imensa "interactividade" que todos os ramos da ecologia têm entre si, criando uma rede muito difícil de compreender em termos reducionistas. Cria-se então uma linguagem "holística", que é baseada num sentimento de síntese, numa intuição de que devemos mudar tudo na vida, e portanto criar uma ideologia, uma filosofia de vida totalmente diferente.
O problema é que esta tentativa ideológica de criar uma síntese "naturalista", "ecológica", "sustentável", "bio-tudo-e-mais-alguma-coisa" não é um esforço concertado de uma soma de estudos rigorosos reducionistas, que realmente consigam perceber se determinadas acções são boas ou não, mas sim um esforço baseado num "espírito", num "feeling". Um feeling de que isto está "bué de mal", que a civilização é "má" e que devemos retornar a uma "harmonia" com a natureza.
Caricaturando, esta gente tem na cabeça uma visão do mundo igual ao Avatar, e tão extrema e ridícula como no filme (e como o próprio realizador, enfim).
Tão mauzinho, as utopias vendem-se tão bem
ResponderEliminarE as harmonias naturais e os bons selvagens livres de vícios vêm de longe
e é
"obrigado pela vossa atenção"
é o que se põe no fim das sessões de Power Point's
não devia ter dedicado tanto tempo à resposta seu Barbas
vocemecê (felizmente) não é a minha pessoa
livre de laços temporais
salve-se homem
large a net, instrumento do demo