segunda-feira, março 15, 2010

Downloads ilegais? Afinal...

A Sociedad General de Autores y Editores (SGAE), a SPA espanhola, processou Jesus Guerra por ter um site de links para a rede de partilha eDonkey2k*. Ao fim de dez meses o juiz decidiu que Jesus Guerra não violou a lei de direitos de autor. Nisto a decisão esteve de acordo com vários antecedentes em Espanha, pois estes sites disponibilizam apenas identificadores dos ficheiros e não armazenam conteúdos protegidos. Escreveu o juiz:

«O sistema de ligações descrito, desenvolvido pelo acusado neste caso, não supõe nem distribuição, nem reprodução nem comunicação pública. […] A actividade do acusado serviu para criar um índice que auxilia e orienta os utilizadores para aceder a redes de troca de ficheiros P2P […]. Mas, no sistema de protecção regulado pela Lei de Propriedade Intelectual, adaptado à norma comunitária, não há provisão alguma que proíba favorecer, permitir ou orientar os utilizadores de redes Internet […] que procurem obras que posteriormente venham a ser objecto de troca através de redes P2P»

Adiantou também que o sistema de ligações é a «base da própria Internet»**, e que aquele tipo de ligação que Jesus Guerra disponibilizava podia-se encontrar pelo Google também. Mas esta decisão foi mais longe. O juiz pronunciou-se também acerca das redes P2P.

Apontou que as redes de P2P em si, «como meras redes de transmissão de dados entre utilizadores particulares da Internet, não violam qualquer direito protegido pela Lei de Propriedade Intelectual.» Além disso, contém muitos ficheiros que não estão protegidos ou cuja protecção não está mandatada à SGAE, e que para determinar se há algum ilícito era preciso que a SGAE apontasse casos concretos de violação dos direitos a seu cargo, coisa que não fez.

Mais importante que isto, o juiz apontou que a partilha de ficheiros não constitui uma utilização lucrativa nem colectiva da obra, pois o acto da transmissão ocorre entre os computadores de cidadãos privados sem retribuição financeira, e que qualquer eventual violação de direitos autorais terá de ocorrer posteriormente, pelo uso que os intervenientes derem aos ficheiros que descarregaram. O acesso à obra também é por vias legais, pois a rede em si não é ilegal, e os ficheiros são gravados em discos, DVDs ou CDs que, precisamente por poderem ser usados para gravar obras protegidas, são vendidos sujeitos a uma taxa que reverte para as sociedades como a SGAE. Ou seja, quando compraram o disco ou DVD onde gravam o que copiam da rede, os utilizadores já compensaram os detentores de direitos de acordo com o exigido pela lei. Na verdade, é uma pretensão pouco razoável a das editoras, esta de termos de pagar uma taxa pela possibilidade de gravarmos material protegido mas, ao mesmo tempo, a lei proibir-nos de o fazer.

Finalmente, o juiz salientou que numa rede de partilha de ficheiros a troca pode ser entre duas pessoas, só de partes de ficheiros, de uma parte entre várias pessoas ou até uma pessoa apagar o ficheiro assim que o descarrega e não o enviar a ninguém. Em alguns casos isto pode violar a lei de propriedade intelectual mas não se pode assumir à partida que uma pessoa que tenha descarregado um ficheiro por meio de uma rede P2P seja culpada de violar direitos de autor. E rematou impondo as custas do processo à SGAE.

Em Espanha a SGAE tem tentado isto já várias vezes, com pouco sucesso. Mas desta vez apanharam um juiz que percebe razoavelmente bem como funciona uma rede P2P e tramaram-se bem.

Mais informação:
O cantinho do Jesus, com o texto integral da sentença.
Peopleware, Espanha – Juiz decreta p2p é legal. Obrigado ao sxzoeyjbrhg pelo link.
TorrentFreak: File-Sharing and Link Sites Declared Legal in Spain, e El Mundo: Un juez de Barcelona confirma la legalidad del P2P en España. Obrigado pelo email com os links.

* Ao escrever isto reparei que tenho saudades do eMule. O Rapidshare é muito mais rápido, mas não tem o mesmo charme...
** Não é... é a base da Web, não da Internet. Mas pronto, não se vai exigir que o juiz saiba isso, até porque de resto revelou perceber bem o que se passava.

E, já agora, a minha série de posts sobre a legalidade dos downloads por cá:
Ilegais? Porquê?
Ilegais? Porquê? – actualização
Ilegais? Porquê? – (in)conclusão.
Ilegais? Porquê? – Desta é que foi. Mais ou menos...

3 comentários:

  1. Fui surpreendido por esta notícia há poucos instantes.
    Fiquei contente, pois claro.
    Porém, ao ler o veredicto, não pude deixar de recordar as negociações falhadas entre a Indústria da música (SGAE, Promusicae, etc.) e os ISPs de Espanha, em Junho de 2009, ao ler esta passagem:
    "Asimismo, respecto del límite de la copia privada es preciso añadir que el art.31.2 en su redacción vigente que trae causa de la Directiva Sociedad de la Información exige que la copia privada se haga a partir de obras a las que haya accedido legalmente, poniendo asi el acento en la nota de licìtud o legalidad del acceso y no en la licitud o legalidad de la fuente.
    En el marco de las redes P2P, resulta dudoso y complejo el examen en cada caso de la legalidad de la fuente. Pero esto no es la exigencia de la Ley de Propiedad Intelectual, que habla de legalidad del acceso y no de la fuente, de tal manera que la mayoría de los usuarios de estas redes acceden legalmente a la obra, por cuanto han celebrado un contrato lícito y válido a cambio de un precio con un prestador de servicios de la red."

    O acesso é, de facto, legal... mas isto passa a responsabilidade para o ISP. Portanto este terá o dever de policiar a web. Logo... as negociações podem regressar e a "3 Strikes Law" tem agora margem para ser viável.
    Alternativamente, o ISP começa a aplicar taxas directas aos clientes pelo potencial acesso a produtos protegidos por direitos de autor... e é o recomeçar de tudo, outra vez!
    Os precedentes estão instalados. O download é legal, e o ISP é responsabilizado. Chatice.

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  2. AlfmaniaK,

    Não vejo que isso passe a responsabilidade ao ISP. O que o juiz diz é que ao seguir um link e descarregar algo o utilizador não está a cometer uma ilegalidade por esse acto em si. Se entrar num servidor privado, se roubar um CD da loja ou algo assim, então está a obter uma cópia de forma ilícita. Mas se está a usar a ligação dele, está dentro da lei.

    Imagina que eu te pedia um CD pelos correios. Eu não estou a fazer nada de ilegal, nem os CTT. Se tu em vez de comprar o CD legitimamente o roubares, então tu cometeste um ilícito, e és uma fonte ilícita para esse CD, mas nem eu nem os CTT estamos a violar a lei.

    É o que me parece, pelo menos, mas estas coisas podem ser torcidas e retorcidas à vontade dos lobbies.

    Seja como for, acho que o futuro destas leis depende de passarem despercebidas. Agora que começam a fazer-se notar e o eleitorado se apercebe penso que terão os dias contados. E quanto mais exigirem, mais apressam o fim.

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  3. Esta matéria sempre me deixou chateado.
    Sim, chateado. Primeiro pq não dou créditos à SPA. Nem entendo o que defende. A menos que toda a porcaria lá registada seja considerada OBRA. Obro muita coisa e ninguém quer nem dado pq dizem que cheira mal. Não quero pagar nada à SPA pq não lhe devo nada. Não conheço as regras de distribuição dos dinheiros recolhidos e como se baseia para entregar a massa aos associados. Será pelas vendas fundamentadas com facturas legais?Será pelos apregoados discos de ouro e platina apresentados em programas televisivos? Conseguidos através dos selos adquiridos pelas editoras (ex: compram 30.000 selos e apenas produzem 1.000 CDs 500 o autor oferecer aos amigos e os outros restantes serem distribuidos por estações de rádio e a outra metade ser vendida a meia dúzia de comerciantes do ramo?

    Alguém q me explique o negócio.

    Quero tocar música minha em público e como não sou sócio da SPA nem mando para lá as minhas ditas obras, não quero pagar impostos que não devo.
    Há alguem autor registado na SPA que tenha pago os direitos autorais aos inventores dos instrumentos e das harmonias. Alguém paga ao inventor da escala actual para poder compor?

    A arte é uma realização pessoal. Se nos pagam livremente pelo que fazemos... tanto melhor.

    Um filho não se faz com esforço. Uma música faz-se também por prazer.

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