Treta da semana: equiparação.
Segundo alerta a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), os autores portugueses estão a passar sérias dificuldades. Por causa de dívidas ao fisco, cerca de mil associados da SPA têm os seus rendimentos penhorados até que saldem as contas com o Estado. Segundo José Jorge Letria, presidente da SPA, «Não queremos que as dívidas dos autores sejam perdoadas nem que tenham qualquer regime de excepção; pedimos apenas que os autores que vivem exclusivamente dos rendimentos autorais possam ser equiparados a trabalhadores por conta de outrem de modo a não verem a totalidade dos seus rendimentos penhorados» (1). Em vez disso, querem saldar as dívidas ao fisco mais suavemente pagando apenas um sexto dos seus rendimentos, como é habitual no caso de trabalhadores por conta de outrem.
Julgo que José Jorge Letria se serve de uma certa liberdade literária quando afirma não quererem «qualquer regime de excepção». Isto porque o Estatuto de Benefícios Fiscais estipula que «Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica [...] são considerados no englobamento, para efeitos de IRS, apenas por 50% do seu valor». Presumo que queira equiparar os autores a trabalhadores por conta de outrem mas sem abdicar desta redução de 50% no IRS. Não será tanto uma equiparação mas uma equiparacinha.
Seria pouco razoável. Um trabalhador por conta de outrem dificilmente foge ao fisco e, se o fizer, será com a cumplicidade do patrão. Eu já recebo o meu ordenado sem o terço que cabe ao Estado. E a julgar pelo que me devolvem todos os anos a fatia que tiram cada mês é maior que a devida. Além disso, quem trabalha por conta de outrem não pode dispensar o ordenado todo. Há um limite para quanto se pode exigir que alguém trabalhe num dia.
A um autor que recebe rendimentos pelo trabalho que outrora fez – até setenta anos de outrora – e, apesar de só pagar metade do IRS, ainda assim foge das suas obrigações fiscais, talvez não seja demais pedir que arranje um emprego até saldar as suas dívidas e poder voltar a viver dos rendimentos. Porque os rendimentos que estão aqui em causa ele recebe-os até se ficar a dormir o dia todo.
Não quero menosprezar a situação dramática em que alguns destes autores provavelmente se encontram. Mas há muita gente a sofrer com a crise e não se justifica que os associados da SPA tenham mais benefícios que outro trabalhador por conta própria, apenas porque são “autores” e em prejuízo de todos os que pagam os seus impostos.
Até porque todos somos autores de alguma coisa. A expressão artística faz parte da nossa cultura, é rara a profissão em que nunca se usa sequer um pingo de criatividade, e é muito rara a pessoa que nunca escreveu uma carta, nunca contou uma história aos filhos e nunca dançou ou desenhou. Mas uma florista, um barbeiro ou uma professora não são “autores”, para a SPA, porque aquilo que criam não dá dinheiro aos distribuidores. Por isso pagam o IRS pelo que ganham, se trabalham por conta de outrem não podem fugir ao fisco e se trabalham por conta própria a SPA não quer saber deles.
E, ao que parece, a preocupação do José Jorge Letria com os seus associados não chega para pagar os trinta (ou quarenta) milhões de euros que a SPA já cobrou e lhes ficou a dever (3). Pode parecer estranho que uma sociedade de cobrança fique sem dinheiro para pagar o que cobra. Mas só até se ver um pouco do que se passa lá dentro. Os quase dois milhões de euros de indemnização por despedimento ilícito que têm de pagar a Catarina Rebello, filha do ex-presidente da SPA, dão uma ideia que as coisas por lá não são tão simples como cobrar e pagar (4). Mas, quando há muito dinheiro a mexer, as coisas nunca são simples.
Os “autores” são prestadores de serviços como quaisquer outros. Como médicos, electricistas, decoradores, cientistas e cabeleireiros, o seu trabalho tem valor porque fazem coisas que nem todos conseguem. E, como tal, deviam receber pelo trabalho que fazem, quando o fazem e conforme o fazem. Infelizmente para a maioria, nos últimos séculos esse serviço que prestam pôde ser vendido com lucro em livros e rodelas de plástico. Isto fez criar leis que permitem aos distribuidores comprar direitos exclusivos sobre o trabalho dos autores e, em vez de lhes pagar pelo trabalho, ir-lhes pagando só em função do lucro que têm. Com as SPAs pelo meio a fazer sabe-se lá o quê ao dinheiro.
Hoje esse modelo não faz sentido. Com a tecnologia moderna vender música ao pacote é como vender matemática, anedotas ou ciência. A distribuição de informação é gratuita e o mercado que houver para isso será residual. O mais valioso voltará a ser o serviço de criar e não o de distribuir. E é isso que a lei deve reflectir. Se não fosse esta lei conferir monopólios aos distribuidores a SPA não teria de pedinchar para equipararem os autores a trabalhadores por conta de outrem. Porque se os tratassem como qualquer profissional qualificado poderiam receber um ordenado pelo seu trabalho sem terem de vender os seus direitos.
1- Agência Financeira, 10-3-10, Fisco: mais de mil autores têm rendimentos penhorados. Obrigado pelo email com o link.
2- Portal Gestão, EBI, Artigo 58º
3- Público, 1-4-09, Declaração de voto alerta que SPA já não tem dinheiro para pagar aos autores
4- Expresso, 20-12-08, SPA paga 2 milhões a antiga funcionária
Ludwig:
ResponderEliminarEstou a ver posts a dobrar ou estou num paradigma diferente?
Bem visto. Nem tinha reparado. Devo ter carregado duas vezes no publish depressa demais, ou algo assim...
ResponderEliminarObrigado pelo aviso.
Era bom que eu, enquanto designer, fosse recebendo royalties pelos designs que estão em uso.
ResponderEliminarKrippmeister,
ResponderEliminarReceber royalties é sempre bom. E era bom para muita gente, desde carpinteiros a floristas e professores.
Mas penso que o pior nem é isso. Se te pagam para fazer um trabalho, está pago o trabalho. O problema é que, com esta lei, se te pagam para fazer um trabalho ficas proibido de fazer o mesmo trabalho noutro lado. Eu não recebo royalties cada vez que usam o que ensino, mas posso-me ir embora e dar as mesmas aulas noutro sítio ou usá-las para fazer algo derivado, ligeiramente diferente.
Tu já ficaste proibido de usar o que fizeste. Esse é o problema principal do autor que trabalha por conta de outrem (não receber royalties é o que acontece a toda a gente anyway...)
Ludwig:
ResponderEliminarTambem propoes acabar com a autoria? Isto é, se o autor não detem o direito do que se pode fazer com a sua obra, como mantem o direito de lhe ser auferida a criação?
BEm sei que parecem coisas não relacionadas e soa a argumentum ad religium, mas pensa assim:
Se considerares que há algo na obra que pode ser inequivocamente atribuido ao autor, de que modo podes considerar legitimo tirar-lhe a propriedade economica mantendo a intelectual? Ou de que modo podes dizer que não há propriedade intelectual se identificas um criador?
Se isto são jogos de palavras, não estou a ver a falácia. Sinceramente. Porque poder podes. Basta escrever: "Podes manter a propriedade intelectual, mas ela não é negociável". Mas ao admitires essa propriedade ou atributo, estas a atribui-la a alguém. Estas a torna-la identificada com o sujeito criador. Parece-me que daqui segue facilmente ao autor o direito de controlar a copia. A não ser que não se queira e que ele o saiba antes de criar e divulgar. Pode nessa altura decidir não o fazer.
Ja agora, se tiveres tempo, comenta-me isto:
ResponderEliminarhttp://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/03/porque-e-que-os-liberais-e-ateus-sao.html
João,
ResponderEliminarEu não proponho acabar com a autoria. Eu reconheço que Einstein foi o autor da teoria da relatividade, e quero que reconheçam que eu fui o autor deste post.
O que proponho é acabar com o poder legal de proibir as pessoas -- incluindo os autores -- de usarem informação que foi voluntariamente publicada. A lei não deve reconhecer a ninguém o direito de usar a teoria da relatividade ou este post como quiser. Independentemente dos desejos dos herdeiros de Einstein ou da minha ambição de ganhar dinheiro com isto.
«Se considerares que há algo na obra que pode ser inequivocamente atribuido ao autor, de que modo podes considerar legitimo tirar-lhe a propriedade economica mantendo a intelectual?»
A autoria da obra pode ser inequivocamente atribuida ao autor. Mas não é algo que seja passível de propriedade. Não é algo que se compre ou venda. Se vires bem, mesmo na lei que temos a autoria não pode ser transmitida. Eu não posso vender a autoria do meu texto a ninguém.
O que pode ser vendido é o direito legal de proibir o acesso ou o uso, e isso não se justifica. Originalmente não era um direito de propriedade (era um monopólio provisório sobre a distribuição, e ainda é provisório, ao contrário da propriedade), e hoje nem esse monopólio faz sentido conferir.
Por isso defendo que todos os autores sejam reconhecidos como tal, exactamente como já fazemos (a autoria é pessoal e intransmissível, não é propriedade nem transaccionável). Defendo que qualquer pessoa tenha o direito à sua privacidade e a decidir voluntariamente o que quer tornar público e o que quer reservar para si. Deve ser punida, por exemplo, a publicação de um diário, cartas ou qualquer obra sem que o autor autorize essa divulgação.
Mas assim que alguém decide publicar algo que criou, seja um arranjo de flores, uma combinação de roupas, uma receita, uma expressão matemática, uma jogada de xadrez ou futebol, uma música ou um conto, então deixa de poder restringir aos outros o direito de usar essa informação pública.
Se queremos incentivar essa divulgação então podemos conceder alguns benefícios em troca. Por exemplo, o direito de comparticipar nos lucros de qualquer exploração económica dessa obra. Mas não faz sentido incentivar uns à custa de direitos tão importantes dos outros, como o direito de acesso e participação na cultura, o direito de trocar informação, o direito à privacidade, etc.
Ludwig:
ResponderEliminarOk. A unica parte deste argumento que se mantem de pe é a de que enquanto este modelo tiver a funcionar não deves aceitar copias piratas. Porque não foi nessas condições que o autor aceitou divulgar a obra.
Não queres aceitar essas condições, não usufruas. A copia pode ser identificada com o autor e facilmente reconhecida como tal enquanto isso.
A comparação com a ciencia não se aplica. Enquanto aceitares que a ciencia é descoberta e a arte invenção, por muito tenue que seja a diferença (e eu aceito que é).
"Mas assim que alguém decide publicar algo que criou, seja um arranjo de flores, uma combinação de roupas, uma receita, uma expressão matemática, uma jogada de xadrez ou futebol, uma música ou um conto, então deixa de poder restringir aos outros o direito de usar essa informação pública."
ResponderEliminarComo ja te disse creio que so a aplicação real do modelo podera dizer exactamente se isso é funcional ou não. Mas enquanto isso assim não for, ficas sem razão para dizer que o que foi tornado publico enquanto divulgação passa a ser publico enquanto propriedade. Não ha defesa aqui para o que fazem no momento presente sites pirata.
Ja para não falar da questão de a lei deve ser cumprida apenas quado estamos de acordo com ela.
«A unica parte deste argumento que se mantem de pe é a de que enquanto este modelo tiver a funcionar não deves aceitar copias piratas. Porque não foi nessas condições que o autor aceitou divulgar a obra.»
ResponderEliminarNão me importa. Eu não lhe prometi nada, não lhe devo nada.
Se leres esta frase, eu, como autor da frase, exijo que me pagues 200€ porque essa é a minha condição para divulgar esta frase.
Leste a frase anterior? Quanto é que me vais pagar?
Um ponto importante aqui é que o facto de alguém divulgar a sua obra não lhe dá poderes infinitos para exigir coisas dos outros. Pode exigir o que quiser *antes* de a divulgar, e recusar-se a divulgá-la se não cumprirem as suas exigências. Por exemplo, posso exigir-te 200€ pelo próximo post e não o publicar enquanto não prometeres dar-me o dinheiro. E, se prometes, então deves.
Mas não posso exigir dinheiro de toda a gente só por ler algo que publiquei. Se publiquei foi porque quis.
«A comparação com a ciencia não se aplica. Enquanto aceitares que a ciencia é descoberta e a arte invenção, por muito tenue que seja a diferença»
Não aceito que haja diferença significativa. Einstein não andou por aí a virar pedras até descobrir numa escrito "E=m.c^2". Defendes que Einstein não é o autor da teoria da relatividade?
E compor músicas e escrever livros também é descobrir sequências num espaço finito de possibilidades, tal como as jogadas de xadrez.
Finalmente, tens os outros exemplos todos do cozinheiro, do professor, do barbeiro, carpinteiro, canalizador, etc que criam coisas novas e não recebem pelos direitos de autor -- simplesmente porque o que fazem não é comercializado à cópia por intermediários.
Esse é o ponto fundamental. Estes "direitos de autor" são função apenas de um modelo de negócio que hoje está ultrapassado.
Ludwig:
ResponderEliminar"Se leres esta frase, eu, como autor da frase, exijo que me pagues 200€ porque essa é a minha condição para divulgar esta frase.
Leste a frase anterior? Quanto é que me vais pagar?"
Suponho que sabes que existe uma maneira previa de saber que conteudo esta protegido por copyright ou não. Não resolve o problema de se ir contra as regras actuais so porque achas que existe um modelo melhor.
E achas mesmo que E=mc2 é uma invenção? Não achas que a relação dela com a realidade a tornam mais parte de um modelo da realidade de que uma mensagem de um sugeito? Modelo esse que apesar de ser um de muitos possiveis tem a caracteristica de ser um dos que melhor consegue fazer aquilo que se propoe: descrever e prever. A arte inclui uma variedade muito maior de escolhas que isoladamente produzem pouca diferença no produto final. A liberdade artistica não existe na ciencia porque tem o limite de ter de ser real. (e a razão pela qual os artistas se dão ao luxo de fazer tanta bodega, mas isso é outra coisa).
João,
ResponderEliminar«Suponho que sabes que existe uma maneira previa de saber que conteudo esta protegido por copyright ou não.»
Tudo o que escreves está protegido por copyright. E a maneira prévia de o saber é consultar a legislação. Quando lês algo que eu escrevo, nem que seja um email, deves saber que está protegido por copyright.
«E achas mesmo que E=mc2 é uma invenção?»
Sim. Que isso descreve correctamente uma relação entre massa e energia pode ser considerado uma descoberta, pois é um facto que depende da forma como o universo funciona. Mas a expressão em si é inventada.
Senão, imagina que eu escrevia E=mc^3. Isto obviamente não é uma descoberta, porque não corresponde à realidade. É uma invenção. Mas por que raio há de merecer mais protecção jurídica só por não corresponder à realidade? Se eu pintar um pôr do sol com realismo fotográfico, e for mesmo aquele pôr do sol, fico sem direitos de autor porque apenas descobri a configuração de tinta que representa correctamente o pôr do sol?
E as fotografias? Sabes que também têm copyright, e é só apontar a máquina e carregar no botão.
Proponho que isto reforça a minha posição. Os direitos exclusivos de cópia e acesso, todo este sistema legal de licenciamento, tem por objecto a distribuição. E apenas isso. É tudo feito de maneira a dar dinheiro a uns intermediários, e por isso o critério de aplicabilidade é ditado principalmente pelos interesses económicos desses.
«A liberdade artistica não existe na ciencia porque tem o limite de ter de ser real.»
Só quando a ciência acerta. Do flogisto ao éter luminífero, do sistema solar de Ptolomeu ao modelo do bolod de passas para o átomo, da física Newtoniana aos quatro elementos de Aristóteles, foi tudo invenção...
Ludwig,
ResponderEliminarConfesso que não percebi muito bem a sua proposta. Propõe que o autor seja pago pela sua criação antes de a divulgar e depois disso nunca mais?
Se é isso, vejo vários problemas.
Quem é que está disposto a pagar por um produto que não conhece e portanto não sabe se é bom ou não, se vale ou não o valor pedido?
Acha ilegítimo que o autor seja compensado pela crescente valorização da sua obra ou penalizado pela sua perda de qualidade?
Na prática quem pagaria ao autor? Os futuros consumidores da sua obra, eliminando os intermediários?
Ou seja, eu escrevo um livro. Anuncio o facto no jornal e digo que o divulgarei quando tiver obtido 20 Euros de um nº x de leitores interessados em lê-lo e só depois é que o divulgo?
Esclareça-me, por favor, que estou em estado de grande confusão.
Vicente,
ResponderEliminarProponho que o autor seja pago pelo seu trabalho. Essa é a forma mais razoável, e é assim que muitos autores trabalham. Há muita gente que é contratada para fazer trabalho criativo, cujo copyright depois reverte para a empresa que os contrata. Um problema desta lei é que, dessa forma, o autor fica privado de poder usar a sua própria criação em seu proveito (por exemplo, criando obras derivadas).
«Quem é que está disposto a pagar por um produto que não conhece e portanto não sabe se é bom ou não, se vale ou não o valor pedido?»
É uma boa pergunta. Em qualquer profissão.
Mas primeiro lembre-se que se trata de um serviço, e não um produto. O compositor e o poeta não criam um produto como um saco de batatas. Prestam um serviço como faz um médico, professor, ou matemático.
É verdade que ninguém vai contratar um tipo qualquer só porque diz que se ajeita a fazer operações ao coração ou que tem umas luzes de como projectar uma casa. Só se contrata um médico ou arquitecto, ou qualquer profissional qualificado, depois desse profissional ter passado vários anos a trabalhar de graça -- ou até pagando -- enquanto se formava, fazia exames e mostrava ser competente.
Eu proponho que não é preciso ter legislação a proibir carradas de coisas só para os músicos ou escritores se safarem disso. Quem quer ser escritor, músico ou artista, terá também de passar uns tempos a trabalhar por sua conta até mostrar o que vale.
Mas se valer, e se tiver fãs, então facilmente os convence a pagar para o próximo álbum ou o próximo livro. E a partir daí torna-se um profissional.
Isto só dá para fazer agora que os custos de distribuição são irrisórios. Mas neste momento é o mais razoável. Como em qualquer outra profissão, há um periodo de formação em que se mostra o que se vale, seguido do exercício da profissão em que se é pago pelo trabalho que se faz (e não o trabalho que se fez há 50, 60 ou 70 anos atrás...).
«Acha ilegítimo que o autor seja compensado pela crescente valorização da sua obra ou penalizado pela sua perda de qualidade?»
Não por si. Por isso não sou contra uma lei, por exemplo, que dê aos autores o direito de receber uma parte dos lucros provenientes da exploração económica da sua obra.
Mas se para o penalizar ou premiar pelo que acontece à obra nas décadas seguintes ao autor ter feito o seu trabalho é preciso proibir toda a gente de copiar ficheiros, bisbilhotar comunicações e afins, então que se lixe isso. Paga-se ao autor pelo seu trabalho, e se o trabalho for muito mal feito leva-se o tipo a tribunal.
E se contratar um pintor para me pintar a casa e ao fim de uma semana já não gostar da cor também não vejo porque o deva penalizar, ou dar-lhe mais dinheiro se afinal vi que gosto ainda mais do que pensava inicialmente. Por isso também não vejo grande necessidade de ir além do pagamento acordado quando alguém vende o seu trabalho.
«Na prática quem pagaria ao autor?»
O consumidor. Se querem um novo álbum, um novo livro, etc, pagam para o autor fazer. Se não querem pagar, então o autor que arranje outra profissão...
"Tudo o que escreves está protegido por copyright. "
ResponderEliminarOk, mas a questão é onde é que estava o preço publicado para a leitura da tua frase. E não te des ao trabalho de responder se achas que a questão não é pertinente, porque eu definitivamente não acho.
"«E achas mesmo que E=mc2 é uma invenção?»
Sim"
Se para ti invenção e descoberta são a mesma, e eu acho que o vincente deve poder exclarecer isso melhor que eu, uma coisa que eu proponho-te que penses é se a importancia de E=mc2 vem da estetica ou do poder preditivo que tem. É aí que esta a diferença. Enquanto for a que melhor o faz não precisa de ter o valor protegido. A arte não tem essa limitação. Ha mais escolha. Essa diferença é mais que quantitativa. Não precisas, nem podes por copyright na formula. Porque pretende-se que ela é o melhor que ha para descrever a natureza que é a mesma para todos. A arte é do autor. A peça é unica. Dentro das escolhas que o autor fez, dentro da corrente em que se insere.
"Mas por que raio há de merecer mais protecção jurídica só por não corresponder à realidade?"
Porque à realidade so pode ser uma. E vale precisamente por isso. Não existem milhentas equaçoes em que cada um escolhe as que gosta.
E a realidade não pertence a ninguem. Se pretendes que a autoridade maxima para avaliar a ciencia seja a experiencia do real e não uma escolha de um sujeito é porque uma tende para ser tão objectiva quanto possivel e outra será sempre relativa ao sujeito. São as escolhas do autor. Não têm valor intrinseco para alem da apreciação do proprio e dos que recebam a mensagem e a apreciem. É a diferença entre o codigo do prespectiva e o teu. Se inventares um codigo, acho que tens o direito de o pantetar, porque é o teu. Quem quiser pode fazer outro. Há escolha. Queres escolher um que ja existe, paga a quem teve o trabalho de o criar e pensar nas melhores escolhas. Se o codigo for o que tu e eu conhecemos no DNA, não há escolhas. O Codigo emerge das propriedades quimicas das moleculas e não envolve escolhas, convenções ou intencionalidade.
"for mesmo aquele pôr do sol, fico sem direitos de autor porque apenas descobri a configuração de tinta que representa correctamente o pôr do sol?"
A escolha da perspetiva, contraste, luminusidade, profundidade de campo é sempre tua. Proponho que se alguem fizer as mesmas escolhas à mesma hora no mesmo sitio na mesma epoca do ano é uma coicidencia negligenciavel. Se copiarem as tuas escolhas é copia. É copia tem de pagar. E depois há a produção. Porque has de produzir se não tiveres o direito às escolhas que são apenas tuas? O conhecimento sobre a tecnica proponho que seja do mundo. Mas acho que isso é outra conversa. A tecnica ninguem quer para si por uma questão de conhecimeto. O que se quer é mostrar que se a sabe usar.
ResponderEliminar"E as fotografias? Sabes que também têm copyright, e é só apontar a máquina e carregar no botão."
Ja respondi acima.
"É tudo feito de maneira a dar dinheiro a uns intermediários, "
Acho que tudo tem de ter intermedarios. Até a bioquimica esta cheia deles. SE neste momento eles são sobrevalorizados nao implica que não tenham a sua utilidade. Por outro lado são eles que cobrem o risco de pagar a produção de algo que depois ninguem quer. Se achas que é facil enriquecer assim estas enganado. Ha imensas companhias que não saiem da cepa torta. E algumas até têm orgulho nisso.
"Do flogisto ao éter luminífero, do sistema solar de Ptolomeu ao modelo do bolod de passas para o átomo, da física Newtoniana aos quatro elementos de Aristóteles, foi tudo invenção..."
Não. Só é invenção no sentido em que veio do grande caos de hipoteses que o cerebro formulou criando sinpases à grande. Mas depois, essa dava origem aos circuitos que melhor conseguiam prever a realidade. Naquela altura. Há ate quem considere que ciencia é sempre ciencia, ultrapassda ou não. Eu não estou de acordo. Ciencia é o que corresponde à melhor descrição possivel num dado momento e ao conhecimento que se tem de como extrair mais informação da realidade, nesse mesmo momento.
Agora deixo-te responder ao Vincente.
Na SPA, quando usam o termo "autores", referem-se aos que pura e simplesmente chulam os autores?
ResponderEliminarJoão,
ResponderEliminar«Ok, mas a questão é onde é que estava o preço publicado para a leitura da tua frase.»
Queres dizer que não se deve descarregar ficheiros da net se pedirem dinheiro por eles? Tudo bem... mas normalmente vêm sem preço também. Se é essa a questão, está resolvida.
«eu proponho-te que penses é se a importancia de E=mc2 vem da estetica ou do poder preditivo que tem.»
E eu proponho que a autoria de algo não é eliminada só porque esse algo é útil em vez de bonito. Tenho aqui vários manuais de química sem grande valor literário ou estético mas não concordo que se prive quem os escreveu de se afirmar como seu autor.
Esse argumento é irrelevante.
«Porque à realidade so pode ser uma. E vale precisamente por isso. Não existem milhentas equaçoes em que cada um escolhe as que gosta.»
OK. Eu escrevo o seguinte polinómio:
33x+12x^2+831x^3+12x^4
Devo ter copyright sobre isto só porque estes parâmetros foram escolhidos ao meu gosto?
«Ciencia é o que corresponde à melhor descrição possivel num dado momento e ao conhecimento que se tem de como extrair mais informação da realidade, nesse mesmo momento.»
Tudo bem. Mas não é por uma descrição ser correcta que invalida a sua autoria. Ou lhe tira mérito.
Pedro A.C.,
ResponderEliminarDe acordo com os estatutos, penso que a SPA representa toda a gente que tenha direitos destes, quer seja autor quer seja editor ou simplesmente beneficiário.
"Queres dizer que não se deve descarregar ficheiros da net se pedirem dinheiro por eles? Tudo bem... mas normalmente vêm sem preço também. Se é essa a questão, está resolvida"
ResponderEliminarAchas? So se não souberes o que é uma copia, mas esse trabalho para me certificar que podiamos estabelecer o que era, ja tive. Estas a desconversar.
Eles pedem dinheiro pela copia. Tu estas a descarregar uma copia que tem um preço conhecido. Usufruir daquela obra tem determinadas condições que podes conhecer antecipadamente. Não sabias? Mas olha que me parece que até tens falado muito nisso ultimamente.
"Tudo bem. Mas não é por uma descrição ser correcta que invalida a sua autoria. Ou lhe tira mérito"
Mas eu disse isso? Tu tens de pagar pela arte porque ela é pessoal e envolve escolhas de uma pessoa, não de algo que se prentende universal.
Estas definitivamente a desconversar. O merito não estava em causa.
João,
ResponderEliminar«Achas? So se não souberes o que é uma copia, mas esse trabalho para me certificar que podiamos estabelecer o que era, ja tive. Estas a desconversar.»
Eu dei-te o exemplo de exigir que me desses dinheiro por leres o que escrevi, explicando que só me deves dinheiro se mo prometeres. Não é por eu to exigir nem por ler o que escrevo que contrais uma dívida.
Mas tu alegaste primeiro que não me devias por não saber que eu tinha direitos, e expliquei-te que temos direitos de autor sobre tudo o que escrevemos automaticamente, basta leres a lei. Depois alegaste que era por não vir com o preço (apesar de eu ter escrito claramente que era 200€), e foi aí que eu mencionei que em geral os ficheiros que se descarrega também não têm preço.
Por isso volto ao início. Se eu escrevo algo, distribuo e depois peço dinheiro estou a fazer o memso que o tipo nos semáforos que te enche o pára brisas de sabonete, limpa e pede dinheiro. Estou a pedir dinheiro por algo que não me encomendaram e mesmo que o vidro fique limpo não me devem nada por isso.
«Eles pedem dinheiro pela copia.»
A questão não é se me pedem dinheiro mas sim se eu tenho alguma obrigação de o dar.
Supõe que eu quero ler o teu livro e me dizes que para ler o teu livro tenho de te dar 10€. Então eu vou ao meu irmão e peço emprestado o livro que ele te comprou. Isso deve ser ilegal? Devo-te 10€?
Agora vais dizer que não é ilegal porque não é cópia, mas se eu fotocopiar o livro já deve ser ilegal. E aí demonstras precisamente o que eu digo. Isto não tem nada que ver com a vontade do autor em controlar a sua obra ou o seu direito de decidir quem a lê ou de exigir que quem a leia lhe pague. Tem a ver apenas com o negócio do tipo que faz cópias de livros para vender. Mais nada.
Ludwig,
ResponderEliminar«Proponho que o autor seja pago pelo seu trabalho.»
Quanto a isso não há dúvidas.
«O compositor e o poeta não criam um produto como um saco de batatas. Prestam um serviço como faz um médico, professor, ou matemático.
Não me parece. Um médico ou um professor prestam um serviço que se esgota assim que está completo, quando o doente se cura e quando a aula acaba.
Um compositor, um poeta ou um matemático criam um produto, que não se esgota no tempo, permanece sempre igual durante muitos séculos. É por isso que lhe chamamos “obra”: a obra de Mozart, a obra de Pessoa ou até mesmo a obra de Pitágoras (e vou passar por cima da discussão descoberta vs invenção). Para se perceber melhor a coisa, pensemos na pintura e na escultura. Não podemos olhar para a Guernica de Picasso ou para o David de Miguel Ângelo e dizer que são um serviço prestado. Seria absurdo.
E equiparar a obra artística e intelectual à pintura de paredes ou à canalização não faz qualquer sentido. Esses sim, são prestadores de serviços, que estão obrigados a um padrão de qualidade na execução e mais nada. O que é que eles criam? Uma obra artística não tem nada a ver com isso e não responde a encomendas que se sujeitem ao gosto ou aos requisitos de quem paga. Aliás, como sabemos, quando faz isso deixa de ser arte, passa a ser produto comercial.
«Quem quer ser escritor, músico ou artista, terá também de passar uns tempos a trabalhar por sua conta até mostrar o que vale.»
Para publicar um livro ou um disco, é preciso investir capital. Os estúdios de gravação custam dinheiro e as tipografias também. Acha que podem ser os autores a fazer esse investimento? Como? Como é que um autor novo, no princípio de carreira, pode trabalhar por sua conta até mostrar o que vale? Fazendo edições de autor? Com que dinheiro?
Não sou especial fã de editores. Conheço alguns que fazem grandes choradinhos que não vendem mas depois têm carros caros estacionados à porta. Mas a verdade é que eles são empresários que, como todos os empresários, arriscam. Se editam um autor no qual apostaram e que depois não vende, são eles que arcam com o prejuízo. É justo que, se a obra vende bem, eles sejam compensados pelo que investiram e pelo risco que correram. Os autores não querem (nem podem) correr esse risco.
«se tiver fãs, então facilmente os convence a pagar para o próximo álbum ou o próximo livro. E a partir daí torna-se um profissional.»
«Se querem um novo álbum, um novo livro, etc, pagam para o autor fazer»
Não explicou como é que isto seria feito na prática, se se prescindisse dos editores. O autor anuncia no jornal que publicará mais um livro se lhe pagarem e divulga o seu número de conta bancária?
Só agora li a conversa entretanto ocorrida sobre os direitos de autoria na ciência e na arte.
ResponderEliminarE acho que é preciso distinguir claramente duas coisas: a descoberta em si e o acto de a descobrir.
Einstein descobriu a teoria da relatividade porque ela “estava lá”. Ele não criou a relatividade. Mas o trabalho, o esforço, a inteligência e tudo o mais que ele usou para a descobrir são propriedade dele (é o conceito de propriedade intelectual). Ele é, de facto, o sujeito do acto de a descobrir e, se vier alguém aí dizer que a teoria da relatividade foi invenção sua, deve ser levado a tribunal pelos descendentes de Einstein. Mas se alguém usar a teoria da relatividade, repetindo-a ou usando-a para fazer outras descobertas, é livre de o fazer.
Outra diferença entre ciência e arte é que, na primeira, existe poligénese e na segunda não. Todos vocês devem lembrar-se melhor do que eu de casos de cientistas que, trabalhando sem nenhum contacto entre si, chegam a descoberta iguais (não há uns quantos prémios Nobel com quem isso aconteceu?). Como é que é possível? Porque as verdades sobre a natureza a que eles chegam estavam lá e é inevitável chegar a elas se se começa a investigar. Se Einstein tivesse tido um seu contemporâneo físico, tão genial como ele, não era impossível que a descoberta fosse feita pelos dois. Na arte não há duas produções iguais. Primeiro porque são produtos individuais, singulares, dependentes de um sujeito nas suas idiossincrasias. E depois porque a arte se define justamente pela originalidade e o artista rejeita na sua criação qualquer coisa que seja demasiado semelhante a outra criação.
Ludwig:
ResponderEliminarQuando falei de ter copyright ou não queria referir-me ao facto de esse copyright implicar um pagamento da minha parte. O erro foi meu.
Escreveste uma frase que so enquanto se esta a ler se sabe o preço. Tipo rua sem saida com um sinal de sentido unico. Mas sabes que isso não faz sentido nem é legal. Pelo menos tanto quanto sei tens de ter os preços divulgados e o consumidor tem de saber no que se esta a meter antes. Ou então isso é so para clinicas veterinarias.
De facto se me disseres que tenho de pagar 200 euros para ler a proxima frase tua opto por não a ler. Não ha problema.
Tudo o que escreveste parte do pressuposto que desconheces que existe um contrato associado a uma copia. Ou de que podes passar por cima disso se não tiveres sido o primeiro a violar esse contrato. Mas a copia mantem-se a mesma, em relação à mesma obra, senão tu já não a querias.
Tu queres a copia porque ela é a obra, mas não queres pagar porque ela é uma copia.
Ou só rodelas de plastico. Ou só zeros e uns. Mas grava uns segundos de estatica e vê se é disso que estamos a falar. Não é.
E num momento a copia é só plastico e tu não tens nada a ver com o autor ou as condições legais em que ele publicou a primeira copia ora estas a escolher uma copia porque tem um significado para ti que não é igual ao que esta noutros zeros e uns quaisqueres.
É por isso que digo que estas a desconversar. Oscilas entre uma coisa e outra conforme o momento da discussão.
Se achas que estou enganado é contigo.
Outra coisa. Pressupoes que não tens nada a ver com o que o autor quer porque nao foste tu que quebraste o contrato.
mas se roubares um carro a um ladrão ao contrario do que o ditado diz, não tens razão na emsma. o carro continua a não ser teu.
Mas as regras não são para cumprir so quando gostamos delas. Ainda tens escolha. Não usufruas se não gostas das condições do autor. Porque ele não publicou noutras condições. E tambem podia telo feito.
Vicente,
ResponderEliminar«Um médico ou um professor prestam um serviço que se esgota assim que está completo, quando o doente se cura e quando a aula acaba.
Um compositor, um poeta ou um matemático criam um produto, que não se esgota no tempo, permanece sempre igual durante muitos séculos.»
Mas quando um músico dá um concerto faz algo análogo ao que o professor faz. E o matemático não tem copyright sobre o teorema que demonstra ou sequer sobre uma expressão matemática que invente, enquanto que o poeta tem.
«E equiparar a obra artística e intelectual à pintura de paredes ou à canalização não faz qualquer sentido.»
Porquê? Uma obra de arte pode ser uma sanita partida ou uma parede pintada toda da mesma cor. A arte é o que quisermos.
De qualquer forma, a comparação aqui não é com a arte desse tipo, aquela que produz objectos únicos. O relevante é o tal de copyright, uma imposição legal de uma escassez que não existe na realidade, ao proibir a cópia de algo que é trivial copiar.
«Para publicar um livro ou um disco, é preciso investir capital.»
Era. Bastante. Por isso inventaram esta lei. É precisamente daí que vem a diferença de tratamento do matemático e do poeta, ou do cantor de palco e do professor. Não porque o serviço que prestem ou a criatividade sejam fundamentalmente diferentes, mas porque nuns havia muito capital investido na distribuição e nos outros não.
Mas hoje em dia esse mecanismo de incentivo ao investimento tem um retorno muito menor -- todos podemos copiar CDs, não precisamos de uma discográfica para isso -- e um custo muito maior -- em vez de regular apenas algumas fábricas querem criminalizar centenas de milhões de pessoas. Por isso hoje em dia o melhor é dizer-lhes que obtenham esse financiamento como poderem num mercado livre e deixarmo-nos de lhes conceder esses monopólios.
«Como é que um autor novo, no princípio de carreira, pode trabalhar por sua conta até mostrar o que vale?»
Não pode. Mas isso é porque no "principio de carreira" não estás a contar com os anos de formação que seria de esperar em qualquer profissional qualificado.
Imagina que um tipo de 18 anos decide ser músico e outro médico. O segundo estamos à espera que trabalhe de borla durante meia dúzia de anos para mostrar o que vale. Não vejo porque não há o primeiro de ter também de fazer algum esforço nesse sentido, primeiro publicar poemas num blog, cantar no youtube ou algo assim até verem que o gajo tem queda para aquilo.
Há dez anos compreendia que não podia ser assim porque não tinha hipóteses de o fazer sem apoio de estúdios, editoras, etc. Mas hoje já pode.
«Não explicou como é que isto seria feito na prática, se se prescindisse dos editores. O autor anuncia no jornal que publicará mais um livro se lhe pagarem e divulga o seu número de conta bancária?»
Os novos "editores" podem funcionar sem copyright. Já há alguns assim. Por exemplo, o Artist Share. Os organizadores do site ficam com uma pequena percentagem das transacções e organizam tudo: fóruns, pagamentos, páginas dos artistas, etc. E o resto é entre os artistas e os fãs.
Com monopólios a dar a empresas grandes o controlo do que toca na rádio e essas maroscas é difícil ainda este modelo competir. E há muita inércia. Mas não precisamos do copyright para que os fãs comprem aos artistas a arte que querem. Hoje em dia o mercado resolve bem isso.
João,
ResponderEliminar«Tudo o que escreveste parte do pressuposto que desconheces que existe um contrato associado a uma copia.»
Não. Parte do pressuposto que só sou obrigado a cumprir um contracto se me comprometer a isso. A mera existência de um contracto não me obriga a nada.
«Tu queres a copia porque ela é a obra, mas não queres pagar porque ela é uma copia.»
Eu quero uma sequência de números porque é uma descrição simbólica adequada de algo que me interessa, sim. E não a quero pagar porque as sequências de números -- descrevam o que descreverem -- não são propriedade de ninguém.
«mas se roubares um carro a um ladrão ao contrario do que o ditado diz, não tens razão na emsma. o carro continua a não ser teu.»
Certo. Porque o carro, ao contrário das sequências de números, pode ser propriedade de alguém. Além disso, roubar é privar alguém de uma coisa que tinha. Copiar é bem diferente. Eu andar com calças iguais às tuas não é o mesmo que te tirar as calças.
Outra diferença fundamental é que se és dono de um carro és dono daquele carro específico. Não de todos os carros parecidos ou iguais àquele.
Mas o que querem fazer com os ficheiros é que a editora não só é dona de uma sequência de números -- algo já absurdo por si -- mas da categoria de todas as sequências que podem descrever certa obra. É como se fosses dono da categoria de todas as descrições possíveis do teu carro...
Vicente,
ResponderEliminar«Einstein descobriu a teoria da relatividade porque ela “estava lá”. Ele não criou a relatividade.»
A realidade e a teoria são coisas diferentes. A realidade é, tanto quanto sabemos, como Einstein a descreveu. Isso é verdade. Mas a teoria não estava lá. Ele não descobriu a teoria. Inventou-a. Inventou uma descrição correcta da realidade.
Antes de 1909, tanto quanto sabemos, não havia em lado nenhum uma descrição desses efeitos como a que Einstein escreveu. Havia os efeitos, mas não a descrição.
«Se Einstein tivesse tido um seu contemporâneo físico, tão genial como ele, não era impossível que a descoberta fosse feita pelos dois. Na arte não há duas produções iguais. Primeiro porque são produtos individuais, singulares, dependentes de um sujeito nas suas idiossincrasias. E depois porque a arte se define justamente pela originalidade e o artista rejeita na sua criação qualquer coisa que seja demasiado semelhante a outra criação.»
A julgar por muito do que se lê e ouve por aí, eu diria que a arte é muito menos original e criativa do que esta passagem sugere. Além disso, o copyright permite que duas pessoas tenham direitos sobre a mesma coisa se lá chegarem independentemente.
Mas isso não é muito relevante para a discussão. As receitas culinárias não são protegidas por direitos de autor. As ideias, processos e expressões matemáticas também não. Tudo isto pode ser produto de criatividade e idiossincrasias, e pode ser tão original como qualquer obra de arte. Mas, não tendo interesse económico para o distribuidor, não é protegido por copyright.
"as sequências de números -- descrevam o que descreverem -- não são propriedade de ninguém"
ResponderEliminar1 -Podem, como tu disseste antes, basta fazer uma lei a dizer isso. E não podes dizer que não conheces a lei ou não cumprir porque não estas de acordo, porque não aceitas-te contrato nenhum se a lei disser que não podes ouvir materia com copyright sem aceitar o acordo.
2 - Podes no entanto lutar para a mudar.
Eu apostava mais no segundo problema do que no primeiro. Mas mais uma vez é contigo. Mas no primeiro caso não tens caso. No segundo sim, tens um modelo do qual eu tenho muitas duvidas. Mas tens argumentos aí.
Acho que misturares as duas coisas te tras problemas porque queres a copia por uma razão que permite identifica-la como algo sobre o qual se podem criar regras. E estão criadas.
Não ha nenhuma lei divina a dizer que não se podem patentear padroes de zeros e uns. Podem. E foi feito. Não vas por ai.
No entanto se tiveres algum argumento novo serei todo ouvidos. A mim so me interessa a melhor maneira de fazer as coisas.
E depois, se quisesse ser perfecionista nesta discussão chamava a atenção que continuas a referir-te a sequencia de numeros como apenas sequencia de numeros num momento e ao significado dessa sequencia no outro. É esse o teu erro crasso. Estamos sempre a falar da obra. Que pode corresponder a sequencias de numeros diferentes conforme a codificação. Não é aí que resolves o teu problema nem que esta o copyright.
Repara que se podes definir o que é uma copia, e se podes definir o que é direito, podes definir direito de copia.
"Parte do pressuposto que só sou obrigado a cumprir um contracto se me comprometer a isso."
Não se a lei disser que so podes ouvir a musica se aceitares o contrato. Easy. Tambem não me podes matar se não me prometeste que não me matavas. Ou podes, tal como copiar ficheiros. Mas estas a infringir a lei. Tal como quando copias ficheiros. E para mais eu ia espernear que nem um cão.
Porque raio não comentaste o artigo que te falei? Ando a tentar discutir aquilo contigo ( e com outros) e não consigo.
«Mas quando um músico dá um concerto faz algo análogo ao que o professor faz.»
ResponderEliminarSim. Mas isso é uma coisa diferente, porque o que está a ser “vendido” é aquela performance única e irrepetível, que não precisa de ser sequer de peças do músico que executa. Aliás com os cd de música clássica acontece o mesmo, porque o que se paga não são os direitos de autor do criador da música (os quais já caducaram) e sim os direitos dos executantes daquela interpretação específica.
As artes performativas (teatro, execução musical, dança) têm especificidades. E uma delas é que não podem ser copiadas. Se gravares à socapa um espectáculo para o veres em casa, não o usufruis da mesma forma. Não é uma cópia, é uma versão editada e o autor dela és tu, que fizeste a filmagem ou a gravação.
«Porquê? Uma obra de arte pode ser uma sanita partida ou uma parede pintada toda da mesma cor. A arte é o que quisermos.»
A arte não é o que quisermos. O exemplo que deste é caricatural. É verdade que, no campo das artes plásticas, se classifica como arte muita coisa que daqui a um século já não o será. Mas independentemente disso, a ideia de pôr uma sanita partida numa exposição e convidar o público a olhá-la de forma diferente de como se olha para uma simples sanita partida é uma ideia e alguém a teve.
«De qualquer forma, a comparação aqui não é com a arte desse tipo, aquela que produz objectos únicos. »
Mas se não produzir objectos únicos não é arte!
«todos podemos copiar CDs, não precisamos de uma discográfica para isso»
Mas não podemos copiar quadros ou esculturas. Mesmo que lhes tiremos fotografias e olhemos para elas, não é a mesma coisa. Como nas artes performativas.
Na semana passada, a família Thyssen, que possui uma das maiores colecções de arte do mundo e que sempre a mostrou sem cobrar nada, decidiu a partir de agora passar a cobrar entrada a quem quiser ir ver os quadros. Como é dona dela, comprou-os, investindo nisso uma enorme quantidade de dinheiro, está no seu direito.
Segundo a tua perspectiva, de abolição dos intermediários, devíamos poder entrar no palácio da família e ver os quadros de qualquer maneira?
«Os organizadores do site ficam com uma pequena percentagem das transacções e organizam tudo: fóruns, pagamentos, páginas dos artistas, etc. »
Mas então há intermediários na mesma! A diferença é que se contentam com pouco.
Na verdade, o que uma editora faz é pagar ao autor pela sua obra. Pode fazê-lo de duas maneiras. Uma é comprar-lhe os direitos à cabeça. A partir daí sejam as vendas o que forem, todo o lucro ou prejuízo é do editor. Outra é pagar-lhe direitos de autor periodicamente, sob a forma de percentagem nas vendas. A última é mais justa para ambos, porque se correr mal o editor tem menos prejuízo (o autor não tem nenhum) e se correr bem, o autor ganha mais do que esperava. Parece-me um bom acordo.
E note-se que o “trabalho de borla” dos autores em princípio de carreira na net (youtube, blogues) só serve para música ou vídeo. Ninguém imprime da net um romance de 200 páginas e sai com ele para ler na praia ou no metro. O Kindle ainda está longe de ser funcional, acessível e barato.
«A realidade e a teoria são coisas diferentes. A realidade é, tanto quanto sabemos, como Einstein a descreveu. Isso é verdade. Mas a teoria não estava lá. Ele não descobriu a teoria. Inventou-a. Inventou uma descrição correcta da realidade.
ResponderEliminarAntes de 1909, tanto quanto sabemos, não havia em lado nenhum uma descrição desses efeitos como a que Einstein escreveu. Havia os efeitos, mas não a descrição.»
Estamos de acordo. Era isso mesmo que eu dizia, que uma coisa é a descoberta e outra o acto de a descobrir. Ou, por outras palavras, a relatividade e a teoria.
«As ideias, processos e expressões matemáticas também não».
Podemos não pagar para as copiar mas se as divulgarmos como se fossem nossas estamos a cometer um crime, plágio, e podemos ser acusados por isso. No entanto a tecnologia é patenteada, não é só a arte.
«As receitas culinárias não são protegidas por direitos de autor.»
Claro que estão, as que são de autor. Nenhum chef pode apresentar como sua uma receita que a comunidade dos gastrónomos sabe que foi criada por outro. Já executar a receita e comê-la é outra história.
Mas, já agora, expliquem-me porque não percebo desses meandros. Se um cantor grava um disco para uma determinada editora, que é quem possui essa gravação, como é que ela vai parar à net sem conhecimento ou contra vontade dos donos da coisa? Não tiveram de a disponibilizar primeiro?
ResponderEliminarVicente:
ResponderEliminarAlguem compra o disco copia e poe na net. Mas por vezes vai parar à net antes de estar à venda, por meios misteriosos.
Vicente,
ResponderEliminar«Mas, já agora, expliquem-me porque não percebo desses meandros. Se um cantor grava um disco para uma determinada editora, que é quem possui essa gravação, como é que ela vai parar à net sem conhecimento ou contra vontade dos donos da coisa? Não tiveram de a disponibilizar primeiro?»
A editora é uma entidade comercial. Mas lá dentro tem muitas pessoas que fazem o que fazem por razões pessoais. E muitas vezes há uma ou outra que acha baril, isto é mesmo engraçado, deve haver mais gente que queira ouvir, e pronto, manda isso para o amigo na scene, que mete num ftp seguro algures, de onde depois outros passam para redes p2p, etc.
Nem tudo o que fazemos é regido pelos princípios da maximização do lucro monetário, e a partilha de ficheiros é um exemplo de algo cuja motivação é mero gosto pessoal. Queremos ter acesso e partilhar com os outros aquilo de que gostamos, e quando isso se pode fazer de borla milhões de pessoas o fazem.
Reprimir isto em nome de um modelo de negócio para a distribuição é injusto, imprático, e de todo insensato.
Vicente,
ResponderEliminarPenso que estamos alinhados no fundamental. O professor, médico e cantor no palco prestam serviços essencialmente análogos. Algo cujo valor vem daquilo que estão a fazer no momento, seja o concerto seja a consulta.
E o matemático, o filósofo, o poeta e o escritor prestam um serviço cujo valor está naquelas ideias e formas de as exprimir que nos ficam depois.
O ponto que eu quero salientar é que o modelo económico mais correcto e justo para o médico, professor, e matemático é receberem ordenados ou venderem os seus serviços aos seus consumidores. Não é razoável conceder monopólios sobre o ensino de português ou as equações diferenciais para que estes profissionais possam viver de royalties em função da distribuição.
Passa-se exactamente o mesmo com os poetas, cantores e escritores. Estes devem vender o seu trabalho no mercado como qualquer outro profissional, ou recebendo com um contrato de trabalho ou sendo pagos pelos seus clientes.
O sistema de concessão de monopólios serviu apenas para permitir o investimento em fábricas de CD e cadeias de distribuição quando essa distribuição custava muito dinheiro e acarretava um grande risco ao investidor. Foi essa a diferença entre o professor e o cantor, entre o poeta e o matemático.
Mas esse problema tecnológico já foi ultrapassado. Hoje o autor pode distribuir a sua própria obra, todos nós podemos distribuir obras, e em vez de alargar este sistema de regulação comercial para proibir actos pessoais, devíamos abandona-lo por ser inutil.
Já agora, dois detalhes.
ResponderEliminarO Vicente tem razão. Não era uma retrete. Era um lavatório.
E também sou contra a distribuição de obras antes do autor as disponibilizar. Não por uma questão de propriedade ou direitos autorais, mas por respeito à sua privacidade. Se eu escrevo algo e guardo aqui devem respeitar a minha decisão de não o divulgar, ou de só o divulgar quando quiser.
É só a partir do momento que o autor voluntariamente disponibiliza a sua obra a terceiros que será legítimo partilhá-la. Mas a partir daí os direitos do autor sobre aquilo que os outros decidem ou não partilhar também serão muito limitados. O respeito pela autonomia na expressão e partilha de informação aplica-se a todos.
E o lavatório nem sequer era dos mais bonitos...
ResponderEliminarPor acaso lembro-me de este "crime" da senhora da limpeza ter vindo nos jornais.
Como eu dizia, há muita coisa hoje que alguns consideram arte e que o futuro apagará da respectiva história.
Como em tudo. Anda aí muita gente a fazer "música" que nem sabe o que a palavra significa. E romances então! ...
Vicente,
ResponderEliminarÉ verdade que há muita arte da treta. Mas, por outro lado, a arte, e a criatividade em geral, não são coisas que ninguém faça sozinho. Cada um contribui com um pouco sobre tudo o que recebeu dos outros -- palavras, convenções de representação, acordes, notas, temas, ritmos, etc.
E é difícil dizer, mesmo quando uma peça é uma grande treta, se não contribuirá eventualmente para uma daquelas inspirações que dá a próxima obra prima.
É uma das razões pelas quais penso que nunca se deve incentivar a criatividade à custa de restrições ao acesso. É uma contradição.