segunda-feira, maio 19, 2008

Piratarias.

Há uns dias descobri no Pirate Bay um torrent engraçado. Alguém foi ver à Wikipedia a lista das músicas que estiveram em primeiro lugar no top de vendas do Reino Unido entre 1952 e 2007 e juntou estas 1106 músicas numa colecção organizada por datas, artistas e títulos. Que agora partilha de graça (1).

Em muitos países isto é tão ilegal como vender DVDs contrafeitos, mas contradiz a imagem do pirata ganancioso lucrando à custa dos outros. Este tipo (é homem de certeza; as mulheres arranjam melhor que fazer) teve o trabalho de procurar e organizar mais de mil músicas só pelo gozo de as partilhar. E é uma colecção impossível de reunir legalmente. Mesmo que se conseguisse as 1106 licenças de distribuição, um pesadelo legal, ninguém ia pagar as centenas de euros por cópia que isto iria custar só em “direitos”.

Não faz sentido que a lei castigue uma coisa destas. Se por um lado o trabalho não é muito útil, por outro pode ter interesse para algumas pessoas e o seu impacto na criatividade artística pode ser positivo por dar a futuros artistas acesso a músicas que de outra forma não ouviriam. Mas não é razoável punir estes actos principalmente porque o custo moral e social do castigo é muito maior que qualquer efeito negativo que o acto tenha.

Esta campanha para castigar actos inofensivos é que é um mal social. O castigo desproporcional é mais típico dos piratas do que a partilha gratuita a que chamam pirataria. Um anuncio na MTV declara que quem descarrega músicas ilegalmente é «um ladrão vulgar»(2). No Primeiro Congresso sobre Propriedade Intelectual, Valadares Tavares, o presidente do congresso, afirmou ser preciso «estimular os alunos a respeitar a propriedade intelectual» porque «Se um aluno rouba um lápis a outro é condenável, mas se um aluno faz um download ilegal de uma música, por exemplo, então já não é tanto»(3). Estes disparates não convencem ninguém que partilhar música merece castigo mas banalizam o roubo e desvalorizam a lei.

Daqui a uns anos os meus filhos vão andar com leitores portáteis de música e vídeo com milhares de canções e filmes. Vão ligar os aparelhos aos dos amigos e partilhar ficheiros como nós trocávamos cromos ou emprestávamos lápis. Nunca os adolescentes verão isso como um acto criminoso. Mas vão chamar-lhes ladrões e dizer por todo o lado que é crime. Para proteger um negócio obsoleto ensinam a uma geração que a lei é arbitrária, sem sentido e não merece respeito.

1- Every UK Number One (1952 - 2007)
2- Miguel Caetano, 18-5-08, MTV insulta a sua audiência com anúncio antipirataria
3- Propriedade Intelectual: Congresso vai criar Observatório Permanente para acompanhar políticas nesta área, via Remixtures

9 comentários:

  1. Não será o partido anti-copyrigth mais necessário neste momento do que a associação ateísta?
    Não há energia para fazer tudo ao memso tempo...

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  2. On,

    Concordo que um movimento anti copyright era mais importante que um movimento ateísta. Mas não sei se um partido especifico para isto faz sentido, visto ser algo transversal às orientações básicas dos partidos.

    O mais importante parece-me ser a conscencializar os eleitores para que percebam que estão a ser prejudicados por lobbies e pressões internacionais de companhias com muito dinheiro.

    Qualquer partido político no poder vai favorecer quem tem mais dinheiro mas só até ao momento em que isso custe votos.

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  3. realmente é difícil engolir essa de identificar putos como os teus filhos com piratas ou criminosos.
    Se forem apanhados com droga no bolso, desde que seja para consumo próprio, está tudo bem, mas se forem apanhados com um mp3 no bolso com downloads ilegais (tal como a droga e só para consumo próprio)são duramente castigados?
    De facto, há qualquer coisa que não bate certo aquí.
    Bjs Karin

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  4. Karin,

    Essa é a direcção em que querem ir. Cá em Portugal não há casos assim, mas nos EUA a RIAA tem processado estudantes universitários às centenas por mês e levado o governo federal a ameaçar tirar reduzir o financiamento a universidades que não controlem a partilha de músicas entre os alunos. Há campanhas de "esclarecimento" em escolas para os putos não trocarem CDs, e na França já estão a implementar um sistema de cortar a Internet a quem partilha ficheiros.

    Por outro lado isto começa a dar estrilho e a levar as pessoas a reagir. Uma recomendação recente da UE critica essas medidas extremas como cortar o acesso, nos EUA a RIAA tem perdido alguns casos em tribunal ultimamente por começarem a aplicar critérios mais exigentes para determinar os culpados, e assim por diante.

    Mas, a médio prazo, penso que é mesmo necessário alterar a lei. Por cá a ASAE está a fazer um bom trabalho nesse sentido. Outro dia houve uma notícia de um tipo que foi agredido numa esquadra por um gang do qual tinha ido fazer queixa, porque na esquadra só estava um polícia e não podia fazer nada contra uma dezena de marmanjos. Depois vê-se imagens do raid da ASAE a uma feira onde umas dúzias de polícias encapuçados e com coletes à prova de bala apreendem DVDs pirata do Tom e Jerry. Acho que mais cedo ou mais tarde o pessoal vai perceber que as prioridades andam trocadas...

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  5. Para além de tudo o mais, há o perigo dos nossos miúdos passarem a achar que roubar é o mesmo que fazer downloads de músicas, já que lhes dizem que fazer downloads de músicas é o mesmo que roubar...

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  6. http://www.publico.clix.pt/videos/?v=20080520181047&z=1

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  7. Comentei este assunto no Nadir dos Tempos e vou comentar aqui, mas desta vez como um desabafo...

    Eu não compreendo qual a dificuldade em entender que ao comprar um CD/Livro/Software ripá-lo e colocar na net está-se a cometer um crime.

    A partilha é maravilhosa. Mas quando se partilha o que é seu. Como os Radiohead fizeram. Agora chamar partilha a ripar um album/livro/programa e colocá-lo na internet... caramba.

    O copyright existe para proteger quem cria e disponibiliza um produto. Ora se um musico ou escritor cria uma obra e a comercializa (directamente ou através de uma editora), é porque tem o intuito de ganhar algum. Se cede os seus direitos a terceiros, é porque achou que isso lhe traria mais vantagens. Penso que isto é obvio e nem tem de se trazer o liberalismo para aqui. A procura da prosperidade não é um conceito da direita, caramba. Seja como for, o produto materializou-se fruto do esforço de terceiros, por isso como é que do ponto de vista ético se pode justificar que outros que não tiveram rigorosamente nada a ver com o processo de criação passem a disponibilizar esses conteudos como se fossem seus ("seus" obviamente não é no sentido de plagio)?

    O único motivo porque esta polémica existe é porque estamos a falar de bens intelectuais. É fácil ripar um cd, digitalizar um livro, copiar um programa. É fácil disponibilizar esse conteúdo na internet de forma anónima. E ainda bem que assim é. Agora compete a cada um de nós respeitar o trabalho alheio seja ele de onde vier.

    Enfim, eu posso ser um ingénuo, mas há muito que percebi que as "revoluções" apenas substituem loucos por outros loucos. E que a melhor forma de combater as multinacionais (sejam de que área forem) é não adquirindo os produtos.

    Agora a filosofia do "ladrão que rouba ladrão" nada tem de justo ou ético.

    Mas enfim, tentar fazer compreender isto a quem gosta de ter os albuns todos das bandas preferidas antes de estes sairem para as lojas e a custo 0 é como tentar fazer ver ao tom cruise que ele acredita em disparates (eu tinha escrito a um cristão/muçulmano mas achei que podia perturbar a discussão :))

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  8. Caro Wyrm

    «Eu não compreendo qual a dificuldade em entender que ao comprar um CD/Livro/Software ripá-lo e colocar na net está-se a cometer um crime.»

    Várias razões. Porque crime é aquilo que se escreve na lei, o que à partida pode ser qualquer coisa. Porque não se põe nada na Net. Põe se no computador. Porque o mero acto de disponibilizar normalmente não infringe direitos legais. E porque mesmo que fosse claro que era crime não é claro que o deva ser. Não é nada evidente que quem copia um CD para o disco e põe os ficheiros em partilha mereça ir a julgamento e ser preso pelo que fez.

    «A partilha é maravilhosa. Mas quando se partilha o que é seu. Como os Radiohead fizeram.»

    Mas o que é que é deles? As notas não foram eles que inventaram. O som é de todos. Os instrumentos foram comprados. As letras foram escritas numa lingua que eles aprenderam, usando palavras copiadas de outros, estruturas gramaticais que não inventaram, etc. E a representação digital do som é uma sequência de números que eles nem sabem quais são porque foi gerada automaticamente. Admito que alguma coisa eles devem ter criado, mas no meio disto tudo não é razoável dizer que aquela sequência de 0s e 1s é deles. É tanto deles como as notas e palavras que eles usaram.

    «O único motivo porque esta polémica existe é porque estamos a falar de bens intelectuais.»

    Não. O único motivo porque esta polémica existe é porque o comércio destes bens tem assentado na concessão legal de monopólios, e os priveligiados não querem prescindir deles. Porque se queres falar de bens intelectuais tens que considerar a ética, toda a filosofia, a linguagem, a política, as leis, os ideais, os costumes, toda a ciência e a matemática e a lógica e quase toda a tecnologia, da roda ao html. Aquilo que o copyright cobre é uma parte infima e pouco relevante da produção intelectual humana.

    A polémica surge só porque lobbies com poder e dinheiro estão em risco de perder ambos. Mas isso não é nada de novo...

    Tenho muito a dizer sobre isto, mas já o disse antes, por isso se quiseres mais clica na tag "copyright" e serve-te à vontade que os bens aqui podem ser pouco intelectuais mas são para todos :)

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