Razões para crer. 1- Conhecimento.
Muitos crêem em deuses apenas por fé, o que é indiscutível. A fé é um sentimento privado e não dá um fundamento comum onde assentar argumentos. Uns gostam de baunilha, outros preferem chocolate e não há mais a dizer. Mas precisamente por isto a crença pela fé é pouco persuasiva e no diálogo com quem não partilha a sua fé a teologia cristã alega usar a razão. Ao contrário da fé, do querer crer, a razão é pública, universal e igual para todos. Com isto já se pode conversar. Infelizmente, a teologia parte da «convicção de que existe uma unidade profunda e indivisível entre o conhecimento da razão e o da fé»(1). Não é uma premissa aceitável. Existe um conhecimento que é indivisível e uno mas não tem nada a ver com fé.
É conhecimento uma crença verdadeira e justificada*. Tem que ser crença porque não posso saber que algo é verdade sem acreditar que seja. Isso seria contraditório. E tem que ser verdadeira porque uma crença falsa é engano. Estes dois requisitos são aceites por quase todos. O terceiro é mais polémico mas é consensual que é preciso uma justificação. Se alguém lança um dado e eu, ao calhas, me convenço que saiu 6, mesmo que seja verdade dizemos que acertei sem saber e não que eu sabia o número que saiu. Acertar por acaso não é conhecimento.
O problema é decidir o que justifica chamar conhecimento a uma crença verdadeira. Há muitas alternativas mas vou falar só da que eu prefiro. É conhecimento uma crença verdadeira obtida de forma fiável. Vou ilustrar com um exemplo famoso (2). O Jorge passa de carro por uma zona onde, sem ele saber, é costume construir fachadas de celeiro viradas para a estrada. O Jorge está convencido que são celeiros de verdade e passa por um celeiro encarnado, o único verdadeiro. O Jorge acredita que viu um celeiro encarnado e esta crença é verdadeira. No entanto a forma como obteve esta crença não é fiável naquelas circunstâncias e originou muitas crenças falsas acerca das fachadas que o Jorge acreditou serem celeiros. Por isso o Jorge não tem conhecimento de um celeiro encarnado. O Jorge foi enganado, só que acertou à sorte naquele caso.
Eu rejeito a fé como fonte de conhecimento porque não é fiável. A fé pode ser muita coisa; pode ser confiança, determinação, fidelidade, vontade de acreditar ou até a crença em si. Mas nada disso tende a formar crenças verdadeiras. É tão fácil ter fé numa falsidade como numa verdade. Saliento que não rejeito a fé como fonte de conhecimento por assumir que as crenças religiosas são falsas. Julgo que são, mas até pode haver por aí uma fé que conduza a uma crença verdadeira. Se calhar Shiva existe ou o John Frum era mesmo um deus (3). Mas mesmo assim o crente está como o Jorge. Foi enganado por uma ilusão e só acertou por acaso. Isso não é conhecimento.
Mas o objectivo deste post não é desancar a fé (este é só o primeiro da série, afinal). É apresentar esta noção de conhecimento como ponto de partida para a discussão. Um aspecto importante é que, apesar de só uma crença verdadeira poder ser conhecimento, na prática nunca sabemos definitivamente se algo é verdade. Por isso quando falo de conhecimento normalmente refiro uma crença que se justifica apresentar como verdadeira mas que não posso garantir que o seja. Ou seja, o conhecimento na prática é sempre putativo e provisório.
E um problema de justificar uma crença por um método fiável é que temos que justificar a crença na fiabilidade do método. E para isso precisamos de outro método que cremos fiável, e de justificar essa crença e assim por diante. Parece uma regressão infinita mas tem solução. Para fazer uma escavadora é preciso máquinas especializadas numa fábrica. Para construir a fábrica é preciso escavadoras e para fazer as máquinas é preciso peças feitas por outras máquinas. É um problema análogo que se resolve assentando cada estado num estado anterior menos sofisticado, menos fiável, mas menos exigente. A escavadora originou na pedra lascada ou até antes.
A ciência faz o mesmo. Pelo caminho ficaram os escombros de teorias que se supôs ser conhecimento e eram falsas, mas que serviram de andaimes a teorias mais sofisticadas e a métodos mais fiáveis. As de hoje podem ser falsas também, mas quando o descobrirmos teremos algo melhor. É um processo sem fim que dá trabalho mas que funciona. Funciona melhor que o tal “conhecimento da fé” que faz de conta que uma doutrina sem justificação é necessariamente verdade. Isso é um tiro no escuro. É quase impossível acertar e, mesmo que acerte, será por sorte.
* Isto para conhecer a verdade de proposições. Coisas como andar de bicicleta ou o gosto do café podem ser conhecidas mas não são crenças nem são verdadeiras ou falsas.
A quem gostar destas coisas recomendo os artigos The Analysis of Knowledge e Epistemology na Stanford Encyclopedia of Philosophy.
1- João Paulo II, Fides et Ratio
2- Goldman, Alvin. 1976. "Discrimination and Perceptual Knowledge." The Journal of Philosophy 73, pp. 771-791.
3- Wikipedia, John Frum
Ludwig,
ResponderEliminarse calhar, antes de falares em "fé", era bom familiarizares-te com o conceito Bìblico da fé. Não é bem aquilo que tens em mente, pelo que pude vêr no teu post.
Mas descança que não és o único. Há cristãos que também não sabem o que é a fé Bíblica.
Mats,
ResponderEliminarTanto quanto sei, não há um único conceito bíblico de fé. Segundo a Strong's Concordance of the Bible, temos o termo hebraico aman (traduzido por faithful na KJV) que é uma raiz significando dar apoio, criar (como um pai), confiar, ser certo ou verdadeiro, etc. Também emuwn, que denota confiança. E pistis, o termo grego para crença, convicção. Etc.
Se tu achas que há um único conceito de fé bem definido na Bíblia gostava que mo explicasses. E, já agora, que explicasses de onde te veio essa ideia...
Só uma achega, Ludi: dizes que "o conhecimento na prática é sempre putativo e provisório". Isto é falso e uma confusão. O que queres dizer é que a nossa crença de que sabemos algo é sempre putativa e provisória. O conhecimento em si não é putativo nem provisório. O conhecimento é factivo: se alguém sabe que P, P. Nada pode haver aqui de putativo nem de provisório. O que queres realmente dizer, mas confundiste as coisas, é que sempre que alguém acredita que sabe que P, pode estar enganado e não saber que P. Na prática, cada afirmação de conhecimento é de facto uma afirmação de crença de que se tem conhecimento, crença essa que é falível.
ResponderEliminarA "regressão" infinita...
ResponderEliminar«Para fazer uma escavadora é preciso máquinas especializadas numa fábrica. Para construir a fábrica é preciso escavadoras e para fazer as máquinas é preciso peças feitas por outras máquinas.»
... não é bem uma regressão. É apenas a perpetuação da escavadora. O processo racional, tal como ilustra o exemplo, "esgota-se" na sua própria coerência sem sequer chegar à hipótese de Deus, do monstro das bolachas ou das virgens nuas, o que me parece ser contrário ao que pretendes mostrar. Se me permites o uso de outra metáfora ao gosto do industrioso efeito da dedução, eu diria que concluir da (in)existência de Deus pelo uso da razão é como exortar lagartas a voar sem passar pelo casulo *. Não dá, Lud. Mais giro do que isso, nunca dará.
____________________
* lembro-me de ter dito isto há uns tempos, ainda a Palmira arrancava unhas aos Nazarenos com um alicate.
Desidério,
ResponderEliminar«O que queres dizer é que a nossa crença de que sabemos algo é sempre putativa e provisória.»
Sim, se usares o termo conhecimento no sentido estrito da filosofia. O que eu quis dizer é que, na prática, não é nesse sentido que usamos a palavra. Usamo-la no sentido mais fraco de referir algo que se justifica julgar verdadeiro. Senão teriamos que dizer que não sabemos se há qualquer conhecimento, o que faz sentido filosoficamente mas baralha...
Bruce,
ResponderEliminar«eu diria que concluir da (in)existência de Deus pelo uso da razão é como exortar lagartas a voar sem passar pelo casulo *. Não dá, Lud. Mais giro do que isso, nunca dará.»
Qualquer conclusão ou é pelo uso da razão ou então equivale a concluir que és uma sandes de presunto.
Eu propunha uma analogia diferente. É como exortar pedras a voar sem passar pelo casulo. Pode não funcionar mas não há alternativa porque mesmo que passem pelo casulo não adianta de nada :)
Logo, a questão de Deus é inconclusiva.
ResponderEliminarPimba! Um - Zero
Bruce,
ResponderEliminarPode ser, mas pode não ser. Afinal pela razão ja conseguimos pôr a voar 600 toneladas de aço a alumínio sem passar por casulos.
Eu diria que é uma questão em aberto mas que estás a jogar numa equipa que não faz nada... :)
Em filosofia não se usa o termo “conhecimento” de maneira especial — apenas não se faz a confusão do costume, em certos contextos. Bom, na verdade os maus filósofos fazem essa mesma confusão. O importante é que é falso que haja um significado corrente de “conhecimento” diferente do filosófico. Não há. O significado corrente de “conhecimento” é factivo porque é absurdo dizer coisas como “Sabemos que há extraterrestres, mas não há” ou “Sabíamos que a Terra estava parada, mas não está”. Estas duas afirmações são contraditórias porque o conhecimento é factivo, porque o termo “saber” ou “conhecer” é factivo. Contudo, em certos contextos, as pessoas baralham-se e não percebem que não estão já a falar de conhecimento, mas da crença de que temos conhecimento. Tudo o que se faz quando se é um filósofo cuidadoso é evitar essa confusão, e não usar o termo “conhecimento” com outro significado.
ResponderEliminarDesidério:
ResponderEliminarNão concordo consigo.
Se estiver num debate sério posso dizer que em última análise não sei nada a respeito do mundo exterior: não sei se a terra é redonda, se a terra existe, se mais alguém existe, etc...
No dia a dia, na lingagem comum, digo que sei onde é a minha casa, sei quanta população tem Portugal, sei qual a composição química da água.
Não se trata de acreditar que sei. Em última análise, eu acredito que não sei.
Trata-se da linguagem comum em que "sei" toma um novo significado não tão definitivo. Acho que o Ludwig tem toda a razão em fazer esta distinção, se bem que às vezes isto possa gerar algumas confusões.
Desidério,
ResponderEliminarNuma conversa normal, entre não filósofos, é razoável dizer que eu sei quem são os meus pais. Há uma data de proposições acerca do smeus pais que qualquer pessoa normal consideraria ser do meu conhecimento.
No sentido filosófico isto é apenas um conhecimento putativo. Supostamente, é conhecimento, mas se não for verdade então não é. Nesse sentido eu não posso dizer que tenho conhecimento de proposições acerca dos meus pais. São crenças justificadas mas podem não ser conhecimento.
Ou seja, aquilo que normalmente se chama conhecimento em linguagem corrente está sujeito a revisão e, filosoficamente, é apenas suposto conhecimento.
Daí a minha afirmação que «o conhecimento na prática é sempre putativo e provisório», onde "na prática" quer dizer "fora das aulas de filosofia" :)
Já agora, nota que pode ser perfeitamente legítimo dizer "sabemos que há extraterrestres" mesmo que não haja (pelo menos no esquema que eu prefiro, da justificação pela crença fiável). Basta que haja um método fiável que o indique.
ResponderEliminarNesse caso é legítimo dizer "sabemos" mas, filosoficamente, não é saber. Daí a distinção.
Por exemplo, era legítimo os físicos do século XVII dizerem que sabiam que o tempo era o mesmo independentemente do observador. Mas filosoficamente isso era erro e não conhecimento.
Reconheço que há outros critérios de justificação em que isto não é assim, mas esses parece-me menos razoáveis.
Olá, João e Ludi
ResponderEliminarNão concordo, desculpem. Acho que estão a fazer uma confusão do caraças.
Quando alguém diz alguma coisa está apenas a manifestar a sua crença, sempre. Não há maneira de manifestar o seu conhecimento porque o conhecimento não depende apenas de nós.
Quando alguém diz “A relva é verde”, sem nada dizer sobre crença ou conhecimento, está a exprimir o quê? A confusão é pensar que está a exprimir, pela sua mera vontade, conhecimento. Mas isso tem de ser falso, pois pela sua mera vontade Ptolomeu dizia “A Terra está parada”, mas isto é falso, sem que ele o soubesse. O que se passa é que sempre que dizemos algo o operador de crença está oculto; queremos sempre dizer “(eu acredito que) P” (excepto quando mentimos). Por isso, quando dizemos “Sei que P”, uma vez mais só estamos a dizer “(eu acredito que) sei que P”. Não há outra maneira coerente de compreender as coisas. Dizer que só nas aulas de filosofia isto é assim é tão tolo quanto dizer que só nas aulas de física a gravidade actua. E não vamos mudar o conceito de gravidade da física só porque as pessoas pensam naturalmente que os objectos mais pesados caem mais depressa, pois não?
Desidério,
ResponderEliminarEstás a dizer o mesmo que eu.
Quando eu digo "eu sei que P" estou a fazer uma afirmação que um filósofo traduziria por "acredito que sei que P".
O termo "sei" em linguagem corrente é o que em epistemologia se diria "acredito que sei".
Daí o meu aviso que quando eu digo conhecimento estou normalmente a referir-me a um suposto conhecimento. Ou seja, algo que se crê ser conhecimento.
A questão importante é como justificar essa crença porque, na prática, não temos maneira de distinguir entre uma crença justificada verdadeira e uma crença justificada falsa. Se as pudessemos distinguir uma delas não seria justificada.
Penso que estás a discordar de uma coisa da qual concordamos :)
Quanto a saberes quem são os teus pais, é incoerente dizer que sabes quem são e que ao mesmo tempo podes admitir que podes estar enganado. É por isso que no senso comum não há qualquer conceito estável de conhecimento, diferente do conceito filosófico; há apenas confusão. Se defendes que sabes realmente quem são os teus pais, tens de admitir que não podes estar enganado, o que é absurdo à luz do próprio senso comum. Logo, tens de dizer uma coisa simples: é racional acreditar que aquelas pessoas são os teus pais; tens justificação para essa crença; pode ser até que o saibas, mas se o sabes, então não podes estar enganado. O senso comum confunde muitas coisas, tanto relativamente à ciência, como à filosofia. Não faz sentido dizer que há uma noção de senso comum estável e outra noção científica ou filosófica. Isto é um disparate. A única razão pela qual nos demos ao trabalho de desenvolver noções mais sofisticadas em ciência e em filosofia é porque as noções do senso comum não funcionam. Quando funcionam, deixamo-las em paz e não lhes mexemos.
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminaracho que Mats refere-se a uma epístola de Paulo: «Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.» (Hebreus 11:1)
E depois apresenta exemplos, como esses:
«Pela fé entendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus; de modo que o visível não foi feito daquilo que se vê.»
«Pela fé Abraão, sendo provado, ofereceu Isaque; sim, ia oferecendo o seu unigênito aquele que recebera as promessas, e a quem se havia dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, julgando que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar; e daí também em figura o recobrou.»
E claro, a fixação da crença pela crença (anti-cepticismo):
«Ora, sem fé é impossível agradar a Deus; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam.»
Ludwig,
ResponderEliminarO conceito de fé bíblica não é "eu sei que Deus existe embora não haja razões para tal"
MAS
"Eu vou acreditar no que Deus me diz, baseado naquilo que eu conheço da Natureza de Deus".
Sabes que há pessoas que sabem que Deus existe mas não têm fé nEle.
O conceito Biblico está mais relacionado com o termo "confiança", que por acaso estava na definição que deste.
Os seres humanos têm excelentes razões para confiar em Deus, mas nem todos confiam (isto é, nem todos têm fé).
Outra coisa importante, e se calhar isto nem era preciso dizer:
- Não é o dicionário que me vai dar o sentido de uma frase num determinado contexto, mas o seu uso quotidiano. Por exemplo, no vernáculo anglo-saxónico a palavra "gay" no dicionário pode ter um sentido,mas no dia a dia ela ganhou outro significado. Na Bíblia traduzida sob o auspício do Rei James, a palavra gay aparece, mas a forma como era usada é totalmente diferente da forma como hoje é usada.
Desidério,
ResponderEliminarA tua posição é que é sempre incorrecto dizer "eu sei P". Pelo sentido estrito fisolófico de "sei" concordo, porque não temos garantia que P seja verdade, qualquer que seja P.
Mas discordo que não se possa usar o termo "sei" fora desse âmbito. Desde que se perceba que "eu sei P" quer dizer, em termos filosóficos, "eu acredito que P, a minha crença é justificada, e por isso acredito que sei P" não há razão para confusão e não se justifica deitar fora um termo muito conveniente.
Penso que esta tua afirmação demonstra como é pouco razoável exigir que mudemos toda a nossa forma de falar para estar de acordo com as definições técnicas da filosofia:
«Quanto a saberes quem são os teus pais, é incoerente dizer que sabes quem são e que ao mesmo tempo podes admitir que podes estar enganado.»
Eu posso estar enganado em qualquer coisa. Mesmo assim é legítimo dizer que sei coisas. Não no sentido estrito dos filósofos mas no sentido comum da palavra. E os filósofos que não gostem que se use a mesma palavra com dois sentidos que inventem outra, porque eu não vou mudar a minha.
Estás pior que o acordo ortográfico :)
Pedro,
ResponderEliminarEu acho que o Mats está a inventar :)
Mats,
«"Eu vou acreditar no que Deus me diz, baseado naquilo que eu conheço da Natureza de Deus".»
De onde é que vem isso?
Desidério:
ResponderEliminarMantenho a discirdância.
«Quanto a saberes quem são os teus pais, é incoerente dizer que sabes quem são e que ao mesmo tempo podes admitir que podes estar enganado»
Se me perguntarem "sabes quem são os teus pais?" eu vou responder "sim". Se respondesse "não, acredito que sei, mas não sei" estava a transmitir uma informação errada, pois iria transmitir a ideia de que tenho mais razões que outro qualquer para duvidar que X e Y são meus pais.
Não se trata de acreditar que sei quem são os meus pais (como no exemplo que deste de Platão), mas na verdade não saber.
Isto por uma simples razão: eu acredito que NÃO sei quem são os meus pais.
Repito: eu acredito que NÃO sei quem são os meus pais.
E isto não é algo de original: neste blogue estou sempre a dizer que em última análise não sei sequer que a terra é redonda.
O que se passa é que o valor lógico de uma proposição pode depender do contexto, neste caso do contexto linguístico.
Eu acredito que não sei quem são os meus pais. Neste contexto linguístico digo-te que não sei, e esta afirmação é correcta (creio).
Mas fora deste tipo de conversas filosóficas, se me perguntarem se sei quem são os meus pais, e eu disser "não", então estou a transmitir informação errada.
Isto apenas significa uma coisa: que a palavra "sei" é usada com singificados diferentes.
Dizemos que sabemos que a terra é redonda, mesmo que em última análise acreditemos que não sabemos isso. Isso quer dizer que dizemos algo que não acreditamos? Não. Quer dizer que a palavra "sabemos" tem significados diferentes em diferentes contextos.
Aqui não vejo como não dar 100% razão ao Ludwig.
A minha última mensagem foi confusa. Vou tentar explicar de outra forma.
ResponderEliminarSe perguntarem ao Desidério, num contexto normal: «sabe quem foi o 1º rei de Portugal?», duvido que o Desidério responda negativamente.
O Desidério diz que isso acontece porque o operador crença está oculto.
Mas isso não é verdade.
Porque se o operador crença estivesse presente o Desidério diria "acredito que sei". Mas o Desidério acredita que não sabe (apenas acredita que foi D. Afonso Henriques, mas não sabe).
Portanto, o que está aqui em jogo não é apenas um operador crença oculto.
É mesmo um significado diferente para a palavra "sei".
Se o Desidério respondesse "não sei." sem mais, estaria a equivocar a pessoa que lhe fez a pergunta e a transmitir informação errada.
Sei, na linguagem do dia-a-dia não tem esse significado, pois se tivesse usar a palavra dessa forma não iria inevitavelmente conduzir a males entendidos.
Este problema do uso de certas palavras em contextos diferentes não é novidade para os filósofos. Aqui vai uma citação do Russell, um dos meus favoritos, e que não era conhecido por ser desleixado.
ResponderEliminar«Here there comes a practical question which has often troubled me. Whenever I go into a foreign country or a prison or any similar place they always ask me what is my religion.
I never know whether I should say "Agnostic" or whether I should say "Atheist". It is a very difficult question and I daresay that some of you have been troubled by it. As a philosopher, if I were speaking to a purely philosophic audience I should say that I ought to describe myself as an Agnostic, because I do not think that there is a conclusive argument by which one prove that there is not a God.
On the other hand, if I am to convey the right impression to the ordinary man in the street I think I ought to say that I am an Atheist, because when I say that I cannot prove that there is not a God, I ought to add equally that I cannot prove that there are not the Homeric gods.
None of us would seriously consider the possibility that all the gods of homer really exist, and yet if you were to set to work to give a logical demonstration that Zeus, Hera, Poseidon, and the rest of them did not exist you would find it an awful job. You could not get such proof.
Therefore, in regard to the Olympic gods, speaking to a purely philosophical audience, I would say that I am an Agnostic. But speaking popularly, I think that all of us would say in regard to those gods that we were Atheists. In regard to the Christian God, I should, I think, take exactly the same line.
There is exactly the same degree of possibility and likelihood of the existence of the Christian God as there is of the existence of the Homeric God. I cannot prove that either the Christian God or the Homeric gods do not exist, but I do not think that their existence is an alternative that is sufficiently probable to be worth serious consideration. Therefore, I suppose that that on these documents that they submit to me on these occasions I ought to say "Atheist", although it has been a very difficult problem, and sometimes I have said one and sometimes the other without any clear principle by which to go.
When one admits that nothing is certain one must, I think, also admit that some things are much more nearly certain than others. It is much more nearly certain that we are assembled here tonight than it is that this or that political party is in the right. Certainly there are degrees of certainty, and one should be very careful to emphasize that fact, because otherwise one is landed in an utter skepticism, and complete skepticism would, of course, be totally barren and completely useless.»
Entendi perfeitamente o ponto de vista do post.
ResponderEliminarMas e agora, como continuar? É isso que vou querer ver.
A noção de conhecimento como verdade justificada e construida com base em métodos fiáveis parace-me ser simples de entender :)
mats
ResponderEliminar"Sabes que há pessoas que sabem que Deus existe mas não têm fé nEle."
Não entendí, parece-me um paradoxo.
Mas convenhamos que se eu "soubesse" que deus existia, eu não só não teria fé nele/nela como também muito, muito mêdo duma criatura tâo poderosa e tão mesquinha.
Bjs Karin
Ludwig,
ResponderEliminar«"Eu vou acreditar no que Deus me diz, baseado naquilo que eu conheço da Natureza de Deus".»
De onde é que vem isso?
De toda a Bíblia. Se fôres a lêr, por exemplo, o que aconteceu aos Israelitas durante a sua travessia do deserto, há cerca de 1500 anos, hás-de vÊr que a existência de Deus nunca foi uma questão, no entanto, houve alturas em que eles perderam a fé nEle. Ou seja, não acreditavam naquilo que Ele lhes dizia, embora eles já tivessem visto coisas assombrosas (a partição do Mar Vermelho, por exemplo, e as 10 Pragas).
Noé, por exemplo, não tinha evidência nenhuma de que um Dilúvio vinha a caminho, mas sabendo que Deus tinha dito que haveria de haver um, Noé confiou em Deus ( isto é, teve fé), e construiu a "barcaça".
Portanto, o teu conceito de "fé" não é bem aquilo que a Bíblia diz.
A fé Bíblica é "confiar naquilo que Deus nos diz".
Ludwig, João, Desidério,
ResponderEliminarEu penso que as objecções levantadas pelo Desidério têm a ver com algo mais profundo e radical : As análises em ciência, em filosofia, e em suma, o conhecimento são reféns da lógica binária na qual vale o principio da não contradição.
A necessidade que o Desidério tem de contextualizar com o "eu acredito que ..." deriva da impossibilidade de formar uma proposição verdadeira de outra forma.
Os conceitos do senso comum, muitas vezes, não são assim tão inoperativos e desprezáveis. "Conhecimento" no sentido que lhe dá o senso comum é um conceito probabilístico, perfeitamente consistente e útil se estivermos dispostos a abandonar o terreno confortável da lógica bipartida e aceitarmos que a realidade fica melhor descrita numa lógica que contemple a incerteza e a probabilidade.
A física quântica já deu os melhores motivos para que o nosso pensamento processe essa evolução lógica.
Se eu "soubesse" que deus existia, eu não só não teria fé nele/nela como também muito, muito medo duma criatura tão poderosa e tão mesquinha.
ResponderEliminarUi! Mas que falta de autoestima... ó rica prima! :)
Eu creio que já deixei aqui o conto do poço no deserto, ou será que não?!
Ora como o tema é sobre o conhecimento e nós adoramos as 1001 noites das Arábias... mai-los haréns das odaliscas sábias!... cá vai novamente. Espera, na verdade há duas histórias dos beduínos, ambas muito similares e profundas, para quem as souber sentir... as you do!
Assim, já que o tema é bíblico, dedico-te a da Eva... ó minha Deusa primeva! :)*
O Pecado Original
Eva passeava pelo Jardim do Éden, quando a serpente se aproximou.
"Come esta maçã", disse a serpente.
Eva, muito bem instruída por Deus, recusou.
"Come esta maçã", insistiu a serpente, "porque precisas de ficar mais sedutora para que Adão nunca deixe de te desejar."
"Não preciso", respondeu Eva "porque ele não tem outra mulher além de mim".
A serpente riu:
"Claro que tem".
E como Eva não acreditasse, levou-a até ao alto de uma colina, onde existia um poço.
"Ela está dentro desta caverna; Adão escondeu-a ali".
Eva debruçou-se e viu, reflectida na água do poço, uma mulher lindíssima. No mesmo instante, comeu a maçã que a serpente lhe oferecia.
Segundo esta tribo do deserto do Sahara, volta ao paraíso todo aquele que se reconhece no reflexo do poço, e já não se teme mais a si mesmo.
So... do enjoy your own company...
Rui leprechaun
(...for You Are that Divine Beauty! :))
PS: E aqui o teu Adão... também é um rico pão!!! :D
(Pois, e à conta dele é que estou gordo até mais não! ;))
A noção de conhecimento como verdade justificada e construída com base em métodos fiáveis parece-me ser simples de entender :)
ResponderEliminarEu não digo que o mundo está cheio de gente que sabe tudo... salvo este Gnomo orelhudo?! ;)
Bah! e eu a importar-me com isso. Faço como a gente pequenina e sorrio todo o dia... alma cheia de alegria! :)
Diz-se que William James, o célebre psicólogo americano do séc. XIX que se interessou pelo estudo das experiências místicas, era uma pessoa muito afável e bem disposta... meu parente, pela certa! ;)
Um dia, alguém lhe perguntou:
"O senhor é a única pessoa feliz que conheço: tem sempre um sorriso nos lábios, mesmo diante das maiores dificuldades".
Ao que William James respondeu:
"Eu não estou a sorrir por ser feliz. Eu sou feliz porque vivo sorrindo."
Incrível, ó educadora! Ele já conhecia o "segredo" de que as nossas atitudes moldam as conexões neuronais e refazem a mente, tornando-nos pois naquilo que somos!
Também a mim, esse riso intenso me alimenta...
Rui leprechaun
(...por maior que seja na minha vida a tormenta! :))
PS: So be happy too... an angel soul does love YOU! :)*
olá Gnomo,
ResponderEliminarpenso que poderás ter razão: se acreditarmos que sorrir nos faz felizes devemos sorrir sempre: é o caso das doenças psicossomáticas...mas olha que também há hipocondriacos que pensam que têm as doenças todas e quando se vai ver...nem sinais delas!;)
Mas com o sorriso devemos insistir, sempre.
kisses
Ó Mistico,
ResponderEliminarzangaste-te comigo ou só ja conversas com as meninas ?? :-)
Granada,
ResponderEliminar«Mas e agora, como continuar?»
Boa pergunta. O próximo já sei como vai ser, mas depois logo se vê onde a conversa nos leva. Mas amanhã ponho já o segundo episódio :)
- com -,
ResponderEliminar«Eu penso que as objecções levantadas pelo Desidério têm a ver com algo mais profundo e radical»
Sim, e eu concordo que temos que distinguir os dois conceitos: a crença verdadeira e justificada da crença justificada que, por isso, julgamos verdadeira. São duas coisas diferentes.
Mas discordo da exigência do Desidério que só se use a palavra "conhecimento" para designar a primeira, como fazem os filósofos, e se proíba milhões de pessoas de falar de conhecimento científico, de adquirir conhecimentos, de testar os conhecimentos dos alunos e todos os casos (que são todos, na prática) em que "conhecimento" se refere à crença que por ser justificada julgamos verdadeira mas que temos que admitir possa não ser.
Rui Leprechaun,
ResponderEliminar«Um dia, alguém lhe perguntou:
"O senhor é a única pessoa feliz que conheço: tem sempre um sorriso nos lábios, mesmo diante das maiores dificuldades".
Ao que William James respondeu:
"Eu não estou a sorrir por ser feliz. Eu sou feliz porque vivo sorrindo."»
Eu conheço uma parecida. À noite, estava um bêbado na rua a olhar para o chão ao pé de um candeeiro. Passa um vizinho e pergunta o que aconteceu. O bêbado diz que perdeu a chave de casa. Mas perdeu-a aqui? perguntou o vizinho. Não, mas aqui tenho mais luz para procurar.
Bom, acho que há aqui uma confusão do caraças.
ResponderEliminarPrimeiro, nada disto tem a ver com a “lógica binária”, isto é um disparate do tamanho de um comboio. Uma pessoa pode perfeitamente aceitar uma lógica trivalente ou intuicionista, mas continuará a ser absurdo dizer que sabemos que a neve é branca, mas a neve não é branca. Isto é uma tolice. Não podemos saber que a neve é preta porque a neve não é preta. Ponto.
Segundo, nada disto tem a ver com a reforma da linguagem de milhões de pessoas. Tal como quando os físicos falam de massa ou peso de uma maneira diferente das restantes pessoas não estão a tentar reformar a maneira como as restantes pessoas falam. Estão apenas a evitar confusões. Confusões que, no caso do conhecimento e da verdade, são constantes.
Terceiro, admitir que podemos sempre estar errados não implica que nunca sabemos! Isto é um disparate. Admitir que podemos sempre estar errados implica apenas que podemos sempre não saber quando pensamos que sabemos. Se a Terra se move, sabemos que a Terra se move porque além de isso ser verdade temos boas justificações para a crença de que a Terra se move. Qual é a dificuldade?
Só precisamos de ter cuidado quando falamos do que estamos ao mesmo tempo a admitir que pode ser falso; e tudo o que o conceito correcto de conhecimento implica é que não podemos conhecer algo se isso for falso. Nada mais. Daqui não se segue que os estudantes não sabem que Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal. Segue-se apenas que não podem saber tal coisa se por acaso o gajo não foi o primeiro rei de Portugal. Portanto, podemos perfeitamente testar os conhecimentos dos estudantes, falar dos conhecimentos de física, de geografia, etc. Mas como em tudo o que dizemos, podemos estar enganados, e em cada atribuição de conhecimento podemos estar enganados (a propósito: não podemos estar enganados em todos).
Mats,
ResponderEliminar"Eu vou acreditar no que Deus me diz, baseado naquilo que eu conheço da Natureza de Deus"
Esta é a sua definição de fé, então guarde-a para si.
O Ludwig não escreveu nada em relação à sua definição, então não sei porque tanto reclamas. Não muda em nada.
Ele já citou várias vezes o conceito dele de fé e, portanto, você tem que ler em cima disso e não de acordo com o que você quer.
Desidério,
ResponderEliminarUma vez que estou muito longe de ser uma autoridade na matéria, sugiro-lhe a leitura deste artigo sobre lógica-paraconsistente na Stanford Encyclopedia of Philosofy, da qual lhe apresento dois curtos excertos.
"The development of paraconsistent logic was initiated in order to challenge the logical principle that anything follows from contradictory premises, ex contradictione quodlibet (ECQ)."
"As a part of artificial intelligence research, belief revision is one of the areas that have been studied widely. Belief revision is the study of rationally revising bodies of belief in the light of new evidence. Notoriously, people have inconsistent beliefs. They may even be rational in doing so. … … … … … … Hence, principles of rational belief revision must work on inconsistent sets of beliefs. Standard accounts of belief revision, e.g., that of Gärdenfors et al., all fail to do this since they are based on classical logic. A more adequate account is based on a paraconsistent logic."
Penso que corrobora as afirmações que fiz lá atrás.
Nossa amei participar dessa pesquisa mas naum deu certo tudo que eu procurei eu naum encontrei.Vcs até parece que naum sabe o assunto da matéria escolhida mas tudo bem vou relevar nesse momento de dor e aflição !!!Vê se da proxima vez deixe pesquisas mais convinsetes>>>vlw pela compreenssão>>>
ResponderEliminardesculpa pela sinceridade.