sexta-feira, maio 23, 2008

Da mediocridade.

A leitora Granada chamou-me a atenção para a conotação pejorativa do “medíocre” com que caracterizei a maioria do que se escreve, lê, ouve e vê na comunicação social e na Web (1). Penso que não é culpa da palavra, pois designa mediano, nem bom nem mau. A culpa é talvez do uso politicamente correcto de “medíocre” para designar o que é mau ou das expectativas pouco realistas das pessoas, a maioria das quais se considera acima da média (2). Se alguém disser que metade dos Portugueses tem uma inteligência abaixo da mediana muitos verão ofensa no que é apenas a definição da palavra.

Não há mal em estar na média e é inevitável que a maioria dos actos esteja lá perto, com metade ligeiramente acima e metade ligeiramente abaixo. Não é uma classificação que eu aplique às pessoas em si. Não vejo critérios razoáveis para decidir quem é melhor, pior, ou calcular a qualidade média das pessoas enquanto pessoas. Mas aplica-se bem à maior parte do que fazemos. E a maior parte do que fazemos é medíocre, perto da média. O excepcional é raro por definição.

Como preferimos fazer o que fazemos melhor, os profissionais tendem a ser pessoas com capacidades inatas acima da média para desempenhar a sua profissão. Mas porque o excepcional é raro a diferença, em média, é pequena. Em média os taxistas não são condutores exímios, os professores não são extraordinariamente cultos e os contabilistas não são génios do cálculo. A diversidade dentro de cada grupo é maior que a diferença média aos outros grupos e, por isso, muitos “amadores” superam muitos profissionais. Até em profissões especializadas é fácil reconhecer que a diferença está principalmente na formação e que o dom pessoal é irrelevante, salvo raras excepções. A média é medíocre por definição.

Mas os meios de comunicação de massas apresentam músicos, jornalistas, escritores e realizadores como imunes a esta lei da probabilidade. Nestas profissões o excepcional é a norma e todos estão acima da média. Impossível, é certo, mas esta indústria vende fantasias e controlava quem dizia o quê e a quem. Foi-lhe fácil criar o mito do Autor. Este ser fantástico supostamente cria do nada coisas tão extraordinárias que merecem legislação especial para que a industria as possa vender enquanto contina com elas em sua posse.

E a ilusão era boa. Ninguém pagaria aulas de Francês se lhe proibissem de falar em público, mas a ideia que quem compra um CD com uma sequência de números está proibido de fazer contas com esses números e dar o resultado a outros não levantou protestos. A ausência de um manguito colectivo imediato testemunha a perfeição da ilusão. Muitos até acreditaram que era por serem bens intelectuais que estas coisas tinham que ser “protegidas”. Nem os anos de escola a aprender línguas e ciência nem a cultura que os rodeava fez duvidar que a produção intelectual humana carecesse de “protecção” jurídica.

Mas a ilusão era frágil. Só controlando a comunicação se podia esconder que autor é uma profissão como outra qualquer, com uma pitada de excepcional numa massa inevitavelmente medíocre. Não no sentido pejorativo mas no verdadeiro sentido da palavra. Faz volume sem ser bom nem mau*. Mas conforme o acesso se vai abrindo torna-se evidente que a maioria dos profissionais pagos para criar não são mais dotados que muitos amadores que criam porque lhes apetece.

A Web não tornou a cultura medíocre. A Web mostrou que sempre foi medíocre a maior parte da treta que nos vendiam como cultura.

Há também, como em todas as profissões, uma minoria verdadeiramente má. Mas chamar a essa medíocre é atentar contra a palavra.
1- O culto de comunicar
2- Wikipedia, Lake Wobegon Effect

33 comentários:

  1. Concordo com o racíocinio mas é preciso ver que o modelo segue para a web. Há muitos autores do mundo material que continuam a ter audiências sem grande esforço de qualidade (outros há que mantém a qualidade). Curiosamente, se esses mesmo autores se mantiverem anónimos ninguém lhes liga. O que não deixa de ser sintomático.

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  2. Granada,

    A publicidade e as modas são factores importantes que não vão desaparecer. Mas na web a produção de lixo artístico não controla o seu consumo, ao contrário do que acontece cá fora. Por exemplo, as dicográficas usaram sempre o mecanismo de limitar a oferta para fazer render mais os títulos que vendem. As editoras de livros editavam um livro de capa rija enorme e caríssimo e só depois de um ano é que vinha o paperback mais barato e mais jeitoso para a mão e prateleira. Essa mama acabou-se :)

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  3. Lixo não há só na web. Todos os media têm mais lixo do que propostas interessantes. O "Código de Da Vinci"p.ex. vendeu muito mais do que o "King Lear" nestes anos todos.O problema dos livros não é se são em paperback ou hard cover, é saber escolher. Para isso é preciso educação (não o eduquês do politicamente correcto).
    Mediocre tem também para mim uma conotação pejorativa: o "Código da Vinci" é mediocre, "King Lear" é bom.Eu posso ser mediocre, tal como a maioria, mas tenho direito ao prazer de consumir qualidade.
    Para usufruir desse direito eu tenho de saber escolher, e isso não cai do céu, é preciso aprender a comparar, a ser crítico, coisa que aparentemente está fora de moda.
    Bjs Karin

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  4. Ludwig:

    Creio que a inteligência segue aproximadamente uma distribuição gaussiana, pelo que a média e a mediana coincidem.
    Assim não existe falta de rigor se te referires à inteligência abaixo da média. É natural que metade dos portugueses tenha uma inteligência abaixo da média, e no entanto a ignorância estatística faz com que isso pareça uma calamidade ou um problema a resolver.

    É que se allguém disser que metade dos Portugueses tem uma inteligência abaixo da mediana, muitos não saberão o que queres dizer. Se calhar os mesmos que ficariam revoltados ao saber que metade dos portugueses teria uma inteligência abaixo da média.

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  5. Karin

    É precisamente aí que bate o ponto: é preciso diversidade e esforço. E há lugar para tudo: eu gosto de ler coisas que me estimulem intelectualmente , mas gosto de alternar com leiturinhas leves.

    Claro que (e agora vou estar como o crítico do Harry Potter que não o leu) não vou ler "O código de Da Vinci" quando sei de antemão que é má ficção num enredo mais cheio de buracos que as meias que coloquei no meu blogue (e sem as pernas lindíssimas, que o autor do dito código é assim um bocado mais para o farronca). Mas quando pessoas acham que ficaram a pensar e a questionar por ler uma obra com as características acima... ora bem, é uma hipótese! Mas para mim não: a ser enganada, prefiro ser enganada sem o saber.

    A questão que colocas da educação é mais que pertinente e tem que ver com a visão de medíocre do Ludwig: se puxamos a exigência para baixo, baixa-se o nível médio. Como se não fosse suficientemente mau, tanto a excelência como a mediocridade (no sentido corrente da palavra) baixam também. Infelizmente toda a gente parece saber isto menos quem trabalha no Ministério da Educação.

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  6. Ludwig

    Partes do princípio que as pessoas querem consumir qualidade e que ficaram espantadas com o facto de a web mostrar às pessoas que era treta o que nos vendiam como cultura. Quem foi educado para exigir mais sempre o soube e sempre o apontou.

    Mas a web também produz mediocridade e esta é consumida às colheradas. Com a diferença que agora se pode ver a real dimensão de quem só quer consumir mediocridade, porque não têm só meia dúzia de fontes a que a ir buscar.

    Portanto o problema é o que aponta a Karin: falta exigir qualidade, ter necessidade dela.

    A internet mimetiza ainda um fenómeno curioso: o ego. Enquanto num meio tradicional há meia dúzia de egos, na net há tantos quantos autores e comentadores. E aí houve uma democratização que irrita à meia dúzia. Pelos egos inflamados, é bem feito: se agora querem ser adulados, têm que fazer por isso porque há livro de reclamações. Por quem só quer saber do que produz e tem um filtro de qualidade interna, está-se bem na mesma.

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  7. Ludwig

    Há só uma falha preocupante na lógica de que a web veio mostrar a treta que era o que nos impingiam como cultura: deveria ter havido um movimento no sentido de aumentar a qualidade dos conteúdos dos meios tradicionais.

    Ora isso não aconteceu. Arrisco dizer que foi o oposto e dou um exemplo: ontem desaguei em frente à televisão às 22:00 e liguei o canal 1. Estava a dar um "tóqueshow" do Malato e eu estava vagamente a reconhecer a figuraça que ele estava a entrevistar: era o Fernando Pereira, recauchutado e com um ar... assim, sei lá. Com a mesma qualidade e genialidade que tinha quando éramos pequenitos: nenhuma! Mas quando eu era pequenina acreditava que aquilo de facto era bom. Depois cresci. Há quem não tenha crescido, por um motivo ou outro.

    Por isso, se a democratização da informação e capacidade de expressão vai dar resultado a nível de qualidade de conteúdos, acho bem que se despache, porque eu estou a começar a ficar nervosa.

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  8. Karin,

    O problema dos hardcovers é só o das editoras não darem a escolher. Durante o primeiro ano ou assim só há a versão hardcover para obrigar os interessados a pagar mais. É apenas um exemplo de como ganham dinheiro só por controlar a distribuição.

    Abobrinha,

    A questão não é o aumento ou diminuição da qualidade do que se produz ou da "qualidade dos gostos" de quem consome. A questão é que quem consome treta apercebe-se que aquilo não merece dinheiro. Às vezes apetece-me ir jantar ao restaurante, às vezes apetece-me pão com queijo. Mas independentemente do que me apetece eu não vou pagar por pão com queijo o mesmo que pago por jantar no restaurante.

    Penso que o factor principal é a percepção que muito do que era pago não vale dinheiro e há quem o faça de graça. Como ilustra esta citação dos D'zrt no site da Pro-Music portuguesa:

    «Roubar a música é matar a música. Sempre que sacas uma música estás a contribuir para que os nossos concertos acabem.»

    Para muita gente o fim dos concertos dos D'zrt não causa preocupação e quem se preocupa que lhes pague.

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  9. Ludwig

    Esta citação dos D'Zrt ainda por cima parece-me uma falsidade: sacar as músicas PODE aumentar o número de concertos dos D'ZRT, porque eu posso andar na rua a ouvir músicas dos D'ZRT sacando as mesmas (é igualmente provável eu achar boa ideia fazer um buraco na cabeça ou um piercing em algum sítio mais estranho), mas não posso sacar a experiência ao vivo. Para os ver ao vivo tocar as mesmas músicas que ouço no leitor de mp3 tenho mesmo que pagar e não há como dar a volta a isso.

    O meu problema não é com os D'ZRT mas com o resto. Dito isto, nem sei se tenho grande problema com o resto: a cultura é um mercado como os outros e é sujeita às mesmas regras de oferta e procura. Se as pessoas querem pagar, pagam. Se não pagam, fazem como as empresas sem viabilidade: fecham! A cultura é importante, mas não tem a importância extrema que os agentes de cultura berram. A Gulbenkian que é a Gulbenkian fechou o tasco a algumas coisas culturais em detrimento de... invenstimento em Ciência. Et voilá! Ciência é cultura? Ora aqui temos uma questão interessante.

    Podemos ter simplesmente um problema de excesso de produção cultural. E de excesso de necessidade de consumo: as pessoas que se contentavam com umas musiquinhas em vinil agora querem tudo no leitor de mp3. Agora imagina que pagavas ao preço de um CD ou disco de vinil todas as músicas que muito pessoal tem no leitor de mp3: uma fortuna. Uma fortuna que o pessoal não tem para gastar, porque por sua vez adquiriu outras necessidades. Há um limite para o que se pode comprar. E para o que se pode consumir.

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  10. "a cultura é um mercado como os outros e é sujeita às mesmas regras de oferta e procura".

    Abobrinha,
    aqui é que a porca torce o rabo. A cultura é um "mercado" altamente protegido e subsidiado, a começar pelos livros e a acabar no cinema. Está, portanto, bem longe, de ser submtida "às mesmas regras de oferta e procura". Se isso é bom ou mau, essa é outra conversa...
    Cristy

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  11. Cristy

    Nem toda a cultura é altamente protegida e subsidiada. Em termos de música e cinema dá por vezes a sensação de que só as obras que ninguém quer ver são subsidiadas, para que pouquíssimos vão ver, sem compreender (possivelmente porque não há nada para compreender) e dizer que é arte e cultura e que o povo é ignorante.

    A parte de ser bom ou mau que seja subsidiada... não tenho uma resposta. Aliás, nem sei sequer se o que escrevi acima é verdade. Se fosse, isso ajudava a resposta qualquer coisinha.

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  12. Abobrinha,
    não é bem assim. Os subsídios de que falo são mais do que somas de dinheiro que passam directamente para o bolso de um realizador indie. Estou a falar, por exemplo, da famigerada Feira do Livro de Lisboa, uma verdadeira bonança financeira para livreiros e editores paga ... pelo contribuinte através da CML. O mesmo contribuinte que vai enganado porque lhe dizem que lá pode comprar livros mais baratos. E que não vai deparar exclusivamente com alta literatura e ciência.
    Mas este é apenas um exemplo entre muitos. Se soubessea a quantidade de benesses fiscais e outras que têm os livreiros, editores, discográficas, cineastas, televisões, artistas etc. etc. porque alegadamente produzem "cultura", benesses pagas por nós, claro está ...
    Cristy

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  13. Abobrinha,

    «Nem toda a cultura é altamente protegida e subsidiada.»

    A cultura de verdade não. Essa é livre. Mas livros, músicas e filmes são todos subsidiados e protegidos. Pelo copyright. Não é um mercado livre; é um clube de monopólios.

    Isto foi uma consequência inevitável da revolução industrial. Ao contrário do que muitos pensam, não tem nada que ver com a natureza intelectual da criação mas com as necessidades de capital para a reprodução das cópias materiais. Foi isso que exigiu este sistema de monopólios.

    Que agora é obsoleto com a distribuição digital.

    Mas parece-me que se acabarmos com o copyright a produção cultural vai aumentar. Não só pelo aumento da concorrência mas pela possibilidade de reutilizar ideias sem ter que esperar 120 anos.

    Imagina o que aconteceria à investigação científica se as descobertas científicas fossem "protegidas" por lei. Com isso já tens uma ideia do que estamos a perder na criatividade artística.

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  14. Ludi,
    tens razão e já caí na asneira de comprar livros hard cover só por falta de paciência de esperar.Mas a culpa é munha. Não posso dizer que tinha uma necessidade absoluta de ler Terry Pratchett.:)
    Bjs Karin


    Abobrinha,
    eu lí o "Código DaVinci", é mesmo mauzinho.Para mim mesmo a leitura mais leve tem de ter alguma qualidade ou então é o mesmo que obrigarem-me a ver telenovelas.
    No que respeita ao ministério da educação:
    na Suiça, um português passa pelo Ministério da Marinha. Farta-se de rir e pergunta ao suiço por que raio é que um país sem mar tem um Ministério da Marinha. O suiço pergunta ao português: - qual é o problema? Vocês não têm um Ministério da Educação?
    Bjs Karin

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  15. O problema quanto a mim tem a ver com a dificuldade que, gente mediana, educada por gente mediana, tem de separar a qualidade das tretas. É que há tretas muito bem feitas!
    Concordo básicamente com o Ludwig, por alguma razão lembrei-me do João César Monteiro e o filme Branca de Neve: É uma treta do outro lado do espectro da TVI mas lapidarmente descrita nas palavras de João César Monteiro : " Eu quero que o público se foda"

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  16. -com-
    que foi precisamente o que o JCM fez lindamente ao rodar os filmes dele com o dinheiro do contribuinte.
    Cristy

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  17. - com -

    «O problema quanto a mim tem a ver com a dificuldade que, gente mediana, educada por gente mediana, tem de separar a qualidade das tretas.»

    É um problema se estão a ser enganados. Mas quando é uma questão de gosto não é o mesmo que aquilo a que me refiro.

    Bom, mau e medíocre são classificações que exigem um critério. Como não gosto de novelas no "eixo" do entretenimento ponho-as todas em mau. Mas do que gosto, como por exemplo banda desenhada da Marvel, distingo entre bom, mau e medíocre e esta última categoria tem 95% dos exemplos. Entretém, mas é medíocre.

    Para alguém que goste de novelas e não goste de BD da Marvel a situação vai ser inversa, mas à mesma vai haver muita mediocridade.

    Eu não estou a classificar estes critérios. Os critérios de quem gosta de novelas, Shakespeare ou BD não são comparáveis. Não há utilidade em procurar um meta-critério que permita dizer que este critério é bom e o outro medíocre.

    Eu refiro-me é à qualidade das coisas de acordo com todos estes critérios. Os gostos variam de pessoa para pessoa mas qualquer pessoa concorda que, de acordo com os seus critérios, o copyright protege maioritariamente a mediocridade, que não merece protecção. E o excepcional, que talvez a merecesse, não precisa de protecção nenhuma.

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  18. Cristy

    Não sei o que dizer em relação à feira do livro. Ou por outra, talvez tenha: na volta a treta não são os incentivos fiscais mas os impostos em si que são injustos para as restantes actividades.

    É defensável que se deva incentivar e proteger a cultura. Cultura não é só grandes obras de literatura mas também literatura light porque pode ser o ponto de partida para leituras mais profundas ou pelo menos alterações nos hábitos de leitura.

    Mas as coisas não se resumem a cultura: é preciso comer! E come-se de produção e exportação de bens e serviços. Por esta lógica não compreendo porque é que um incentivo à cultura é muito bom e mais não sei o quê (sendo que é para encher a mula aos editores, livreiros, realizadores e outros agentes culturais). Em contrapartida uma medida que visa aumentar a competitividade da indústria é um 31 porque é exploração do trabalhador, é engordar os patrões, os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos (o carnaval do costume).

    Como se se comesse cultura ou se morrer à fome (leia-se: ter um país endividado) mas culto seja de algum modo digno. Ou seja, eu não tenho um problema com dar dinheiro aos cultos: tenho é com o que se faz com o resto do dinheiro dos impostos.

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  19. - com - dá +

    Com mais ou menos vernáculo, o que muitos agentes culturais fazem é precisamente o que o César Monteiro fazia e dizia que fazia. Alguns completamente às claras.

    O que leva à questão: qual é o critério para incentivar esse tipo de produção cultural? Favores pessoais? Eu sei que a cultura é muito subjectiva, mas não deverá haver critérios mais objectivos? Afinal, é dinheiro que não cresce nas árvores e que seria possivelmente melhor canalizado para outros autores.

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  20. Ludwig

    50 cent é cultura? João Pedro Pais é cultura? Xutos e Pontapés é cultura? Mariza é cultura? D'ZRT é cultura? Um pianista virtuoso é cultura?

    Todos eles têm CDs editados, em várias editoras e actuam ao vivo. O pianista virtuoso é exepcional pelo talento que lhe vem de um esforço e dedicação diárias. E perpetua a herança de compositores virtuosos (com obras já do domínio público). Mas se não for subsidiada a sua formação e algumas das suas actuações, desconfio que vai ter que ir cavar batatas para sobreviver.

    Era esta a questão que eu queria esclarecer e para a qual não sei a resposta: se não se dá valor ao diabo do pianista, fará sentido que ele exista sequer? Não será da sua responsabilidade mostrar aos outros que ouvi-lo é bom e devem pagar bilhetes? Porque o João Pedro Pais vende bilhetes e não precisa de apoios... e é objectivamente uma porcaria!

    Já fui ver peças de teatro excepcionalmente interpretadas e com 3 ou 4 espectadores. Isso faz sentido? Quem falhou? Vale a pena manter esse teatro, matar essa cultura? Ou enforca-se o Rui Rio (por exemplo) porque "deu tudo aos privados" e "não quer saber da cultura" porque "é um economista"?

    Por isso quando dizes que o excepcional não precisa de apoio, não é bem assim! Mas eu também não sei qual é a resposta. TEnho as minhas achegas, mas não sei a resposta.

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  21. Karin

    Eu tenho fé que um dia o Ministério da Educação acorde. Assim tipo bela adormecida.

    E sim, eu também sou relativamente exigente em actividades light.

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  22. ludwig,
    há livros de todos os géneros e sei que de facto alguns têm capa mais dura. Curiosamente são quase sempre os clássicos....e que são mais caros.
    Mas a indústria não morreu: está cada vez mais forte e a investir cada vez mais (veja-se a Leya).
    Tenho notado, pelas minhas bandas, um esforço notável por parte dos livros infantis que atraiem o olhar das crianças com múltiplos aparatos que não são necessáriamente as letras. Há dias comprei uma coleção de ´mitos gregos para a minha filha e tinha um cd com as histárias ditas. Um balúrdio.Ela adorou. Assim, as crianças criam laços aos livros e o livro passa a ser um objectos de afecto diferente do que foi para mim na minha infância. Esse vínculo vai permanecer. Os pais, mesmo não tendo muito dinheiro compram livros aos filhos e estes começam a ver o livro com outros olhos. O mercado transform-se, note. E essa evolução irá trazer dividendos para as editoras. O lixo se for bem embrulhado vai continuar a vender-se.

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  23. Ludwig,

    " Não há utilidade em procurar um meta-critério que permita dizer que este critério é bom e o outro medíocre . Eu refiro-me é à qualidade das coisas de acordo com todos estes critérios. Os gostos variam de pessoa para pessoa mas qualquer pessoa concorda que, de acordo com os seus critérios, o copyright protege maioritariamente a mediocridade, que não merece protecção ... "

    Tenho algumas dúvidas relativamente a essas afirmações.

    Talvez não seja possível encontrar mas penso que um meta-critério seria extremamente útil.

    É certo que a qualidade é um conceito subjectivo - do ponto de vista do CONSUMIDOR, o produto ou serviço é mais ou menos valorado de acordo com os critérios/gostos pessoais.
    Já do ponto de vista do CRIADOR/PRODUTOR não existe essa subjectividade; para este "Qualidade" é simplesmente a identificação e incorporação no produto ou serviço das características que vão ao encontro dos requisitos do cliente, inclusive características para requisitos que não são conscientes no consumidor mas que este efectivamente aprecia.

    Não estou a inventar nada de novo! Limito-me a resumir aquilo que vem nos manuais de qualidade.

    Parece-me então que, se estivermos dispostos a aceitar aquilo que os Gurus da qualidade afirmam, fica muito difícil, senão impossível, definir a qualidade de qualquer coisa "localmente" ou seja tendo como base apenas o produto/serviço que é fornecido. Nesta perspectiva qualidade medíocre, mediana ou excelente define-se pela intersecção do conjunto dos critérios/requisitos do consumidor com o conjunto das características/funções que o produtor/criador implementou.

    Por outras palavras, classificar a qualidade de um produto/serviço não passa (tal como tinhas referido no teu comentário) por classificar os critérios dos consumidores de um segmento de mercado. Por muito que me desagrade "Qualidade" afinal é um conceito muito fraco e apenas exige que a relação "Requisitos do consumidor <-> Características do produto" seja satisfeita dentro do mercado a que se destina. Este é o meta-critério que existe, que é possível, e que tristemente levam-me a concluir que afinal os níveis de share da TVI justificam largamente que se diga: "As novelas da TVI têm uma qualidade excelente"

    Mas não era nada disto que eu queria concluir. Por favor expliquem-me onde é que eu errei !!! ;-)

    Será que o conceito que deveria ser discutido é mesmo a "Qualidade"?

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  24. Ludwig,
    Pelas razões que apresento no comentário acima sou também levado a concluir que, uma vez que o interesse do criador/produtor é vender, o copyright funciona no sentido de satisfazer o nº máximo de consumidores e, sendo assim, funciona no sentido da excelência.

    Estou mesmo a odiar-me ! :'-(

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  25. Abobrinha,
    pelo que eu já disse acima podes bem ver que "favores pessoais" é um critério tão bom como qualquer outro:-)
    Agora a sério, penso que a política do subsidio, na esmagadora maioria dos casos, não tem futuro. Penso que o subsidio à produção cultural faz o mesmo sentido que a publicidade e, tal como esta, os proventos dessa produção devem pagar largamente o subsidio.
    Por exemplo, se o estado quer apoiar o pianista clássico então deverá começar por promover o ensino a sério da música.

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  26. - com - dá +

    Agora estamos a chegar a algum lado!

    Os favores pessoais alimentam um número limitado de produtores culturais. O Mariano Gago foi mais longe e disse que também há favorecimento pessoal em grupos académicos... não fui eu que disse isso! No caso deu maioritariamente mau resultado, mas isto é porque há critérios objectivos: os frios números da produção científica e número de alunos e suas saídas profissionais... um drama!

    Ao contrário da Ciência, em cultura os subsídios têm futuro porque os favores pessoais alimentam outros favores pessoais em detrimento da qualidade e diversidade. Só deixarão de ter futuro se de todo em todo deixar de haver... dinheiro. E deixa de haver dinheiro se deixar de haver um excesso dele que vem de outras actividades produtivas. Não da cultura da mente mas da cultura da batata e outras.

    No caso do pianista virtuoso (ou outra coisa qualquer), o estado promove a cultura: dá em horário nobre a humilhação de um festival eurovisão da canção. Como todos os anos.

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  27. Granada,

    concordo que os livros têm futuro. Mas acho que se a sua filha adorou então, pelo menos para ela, não era lixo. Era excepcional.

    E para responder à Abobrinha, merece ser financiada a arte que as pessoas quiserem financiar. Para mim o único critério válido para ser artista profissional é produzir algo que as pessoas tenham gosto em financiar. Se tivermos que obrigar o pessoal a pagar não merece ser profissional da arte.

    O financiamento do estado é importante mas seria ao nível de escolas, professores, bolsas de estudo e afins.

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  28. - com -,

    Concordo que a qualidade é medida pela interacção do produto com o consumidor. Não é uma característica intrínseca ao produto (nem ao consumidor :)

    «Talvez não seja possível encontrar mas penso que um meta-critério seria extremamente útil.»

    Eu penso que só serviria para isto:

    -Olá. De acordo com o meu meta-critério o seu critério é muito mau.

    -É? Então o seu meta-critério que se f***.

    :-)

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  29. - com -,

    «Pelas razões que apresento no comentário acima sou também levado a concluir que, uma vez que o interesse do criador/produtor é vender, o copyright funciona no sentido de satisfazer o nº máximo de consumidores e, sendo assim, funciona no sentido da excelência.»

    Não te odeies. Estás só a fazer confusão.

    Primeiro, o objectivo do vendedor que quer só obter lucro é precisamente o lucro. Não é vender mais nem vender coisas melhor mas vender aquilo que custar menos por o máximo que conseguir.

    Com a concorrência livre isto vai pendendo para um compromisso entre os produtores e os consumidores.

    O copyright dá um monopólio aos distribuidores e estraga tudo. Esses agora têm o interesse e o poder de controlar o mercado de forma a vender aquilo que for mais rasca o mais caro que conseguirem. Nem que tenham que ameaçar com processos legais milhares de pessoas por mês.

    Isto é especialmente nefasto no caso da produção artística porque, ao contrário do distribuidor, o produtor e o consumidor de arte estão interessados em muito mais do que o lucro monetário. Um artista quer fazer arte mesmo que não lhe paguem, e um fã quer apoiar o seu artista preferido mesmo que não tenha que o fazer.

    Por isso podes voltar a odiar o copyright em vez de estragares a tua auto-estima :)

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  30. Ludwig

    Qual é a utilidade de financiar com escolas e bolsas estudantes de artes que não serão reconhecidas?

    O que a maioria das pessoas dá valor é ao João Pedro Pais (que nem de calças brancas fica bem) e ao festival eurovisão da canção (onde ser gorda é politicamente correcto). Ou seja, se apoiares só o que o povo quer, e recorrendo à tua analogia da refeição cara, vais comer só pão com queijo para o resto da tua vida (e bolorento!).

    Por outro lado, temos o Filipe La Féria que se queixa de nunca ter subsídios... porque tem lucro! Olha que carago, se ele tem lucro precisa dos subsídios para quê? E os artistas que têm teatros cheios de lugares vazios a dizer que o que ele faz não é arte.

    O que as pessoas dão valor deve ser apoiado... tem cuidado com o que pedes! A maioria das pessoas não dá valor à Ciência nem aos estudos. Estás aqui estás a emigrar ou a cavar batatas para sobreviver!

    Não quer dizer que eu não concorde contigo: aborrece-me que o pessoal ande a comer à conta de coisas a que ninguém dá valor. E algumas são objectivamente más ou mesmo péssimas e feitas com essa intenção, sob uma capa de arte. Mas tem que haver algures um meio termo. Só não sei como se encontra.

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  31. Ludwig e - com -:

    Para um fabricante "qualidade" é o grau de apelo que um produto tem no consumidor.
    Nessa medida o Big Brother pode ter uma grande "qualidade".

    O Ludwig diz que o objectivo do produtor é fazer o máximo lucro, pelo que lhe interessa ter qualidade a baixo custo. Isso ninguém põe em causa.

    O que se passa é que aquilo a que um fabricante chama "qualidade" não é aquilo que nós entendemos por qualidade. Como não são os fabricantes ou os gurus de marketing que fazem os dicionários e definem a língua (ainda?) "qualidade" só tem esse significado dentro desse contexto particular.

    Na linguagem comum é fácil indentificar que há produtos "populares" (no sentido de terem um elevado apelo para o consumidor) de baixa qualidade. Isto não é nenhuma contradição porque qualidade não se define pelo apelo que tem no consumidor.

    Mas não creio que exista um meta-critério para a qualidade, porque em muitos casos a qualidade depende do gosto, e o gosto depende sempre do grupo em questão. Quando a qualidade não depende do gosto, podem encontrar-se critérios concretos para o produto em questão, mas não serão válidos para outros produtos.

    Posso apenas adientar que quanto à definição deste conceito tortuoso, o dicionário não ajuda muito:

    «Superioridade, excelência em qualquer coisa»

    bah!

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  32. Abobrinha,

    «Qual é a utilidade de financiar com escolas e bolsas estudantes de artes que não serão reconhecidas?»

    Dar às pessoas uma formação artística. Penso que a educação é um direito de todos e que o propósito deve ser educar as pessoas e não fabricar trabalhadores. Dois ou três anos de música a sério no ensino secundário, dada por professores de jeito e com instrumentos, ensaios e assim, faria muito mais pela qualidade da música nacional que o copyright. Mesmo que muito poucos desses miudos se tornassem artistas famosos, todos beneficiariam de uma formação que lhes permitisse apreciar melhor a arte. E isso penso que é um direito.

    Por exemplo, se cada escola secundária tivesse um pequeno anfitiatro onde os alunos encenassem peças, dessem espectáculos de música ou organizassem exposições de pintura e assim contribuia-se bastante para o conhecimento, e o reconhecimento, da arte.

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  33. Ludwig

    Insisto: então se se pode ter festivais da canção, Toy e Tony Carreira sem copyright de jeito mas montes de espectáculos ao vivo, de que é que te serve que a malta toque Mozart, Haendel e outros tipos que já morreram há montes de tempo? É que essa porra não dá comer a ninguém! Há que racionalizar recursos.

    Traduzindo: porque é que dizes tu que a música clássica é arte? Que critério usas para distinguir isso de Tony Carreira? Não estás a fazer sentido: as pessoas não dão valor! Quem dá valor são muitas vezes paizinhos que querem que o filhinho seja mais cocó que o filho da vizinha e querem gabar-se de o seu rebento já saber tocar a sonata nº 53... ou 31... ou... o que quer que isso seja, não interessa, porque parece que é genial! Que valor há nisso?

    Admite: a cultura menos mainstream tem valor também pela manutenção de diversidade. Mas há que obrigar os artistas a ter público e não a queixar-se que o governo e que as autarquias e mais não sei quê! Quando estes têm fábricas a fechar e a deslocalizar e têm que preocupar-se com isso também (deviam, pelo menos).

    Em termos de outras artes, fui ver uma exposição a Serralves com os meus sobrinhos. O meu sobrinho nem quis saber (tem 4 anos, quer é destruir coisas); a minha sobrinha olhava para aquilo incrédula e chegou a perguntar o que é que aquilo tinha de arte. Há workshops de arte para putos em Serralves. Não fica propriamente à mão, mas não insisto com a minha irmã para me disponibilizar para ir com a minha sobrinha (não seria a primeira vez) porque... não reconheço valor no que tentam ensinar, que é arte moderna (ou contemporânea, o que quer que isso seja).

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