Espetar agulhas pode ter algum efeito e talvez haja uma maleita que se cure com isto. Mas ainda não se descobriu tal maleita. Se não tivesse ocorrido aos chineses espetar agulhas em ponto “especiais” (um para cada dia do ano) ninguém usava isto. Ninguém confiava na empresa farmacêutica que vendesse este tratamento alegando que «para além do corpo visível, dos órgãos e dos vários sistemas, existem canais subtis por onde circula a energia (o Chi) e que as perturbações na forma como o Chi circula são a causa primeira dos principais desequilíbrios a que chamamos doença.»(1). A popularidade da acupunctura deve-se ao fascínio prla superstição associada.
E esta associação é evidente entre os proponentes da acupunctura. A Associação Profissional de Acupunctura e Medicina Tradicional Chinesa (APAMTC) diz que «A Medicina Moderna Ocidental não consegue explicar como funciona a Acupunctura. A Acupunctura Tradicional baseia-se nas antigas teorias Chinesas acerca do fluxo de Qi (Energia) e Xue (Sangue), através de meridianos ou canais específicos que cobrem o corpo de forma semelhante aos nervos, veias e artérias.» (2). A Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-DA) explica que « Os pontos de Acupunctura são locais de poucos milímetros quadrados, ao longo dos meridianos, que através de determinada técnica de punctura podem influenciar o fluxo de energia no organismo, de acordo com o efeito terapêutico pretendido, resultado do diagnóstico energético.»(3).
E isto é uma grande treta. Hoje em dia sabemos mais acerca do funcionamento do corpo, sobre o que causa doenças e sobre a concepção e teste de terapias. E não há qualquer razão para julgar que «as perturbações patológicas são energéticas»(4). Alguns concordam em rejeitar o misticismo mas defendem que, mesmo assim, a acupunctura talvez funcione. “Talvez” não chega. Não se vai espetar agulhas num doente só porque “talvez” lhe cure a úlcera (5), e não há até agora demonstração da acupunctura como tratamento seguro e eficaz seja para o que for. Há indícios, suspeitas, resultados promissores ou afins, mas quando testados de forma controlada – da mesma forma que exigimos que se teste qualquer comprimido ou cirurgia – o efeito desaparece. Os defensores dizem que é por ser uma filosofia diferente, mas se é tratamento tem que tratar e passar nos mesmos testes por que passam os outros.
Um exemplo são estudos usando agulhas especiais que dão a ilusão de penetrar a pele (6). Em 2004, um teste à acupunctura como tratamento de náusea pós-operatória, uma das aplicações mais promissoras da acupunctura, revelou que não havia diferença entre o grupo que tinha recebido o tratamento real e o que recebera o tratamento com as agulhas falsas pela medida de eficácia preestabelecida, que combinava a incidência dos sintomas e o recurso a medicação para a náusea (7). Houve uma diferença significativa quando consideraram apenas os vómitos (p=0.03), mas para determinar com fiabilidade este efeito seria necessário outro estudo, pois o número de factores que se pode considerar a posteriori garante que se encontre diferenças significativas mesmo sem qualquer efeito.
No entanto, os defensores da acupunctura consideram-no um resultado a seu favor. Não são muito exigentes naquilo que consideram validar a banha da cobra que vendem. No site da APAMTC podemos ler que
«A Organização Mundial de Saúde estabeleceu que a Acupunctura é adequada para tratar as seguintes perturbações:
Ouvidos, Nariz a Garganta
Dores de dentes, dores pós extracções dentárias, dores de ouvidos, inflamações nos seios perinasais, inflamação ou secura nasal [...]»
Isto fundamenta-se num documento publicado pela OMS por ocasião de um seminário organizado em Pequim, em 1979, por praticantes de medicinas tradicionais. Deste encontro saiu uma lista provisória «based on clinical experience, and not necessarily on controlled clinical research: furthermore, the inclusion of specific diseases are not meant to indicate the extent of acupuncture's efficacy in treating them.»(8) Mas para vender, chega-lhes bem...
Para mais informação, incluindo alguns dos perigos de espetar agulhas pelo corpo, vejam este artigo do Stephen Barrett na QuackWatch:«Be Wary of Acupuncture, Qigong, and "Chinese Medicine"».
1- Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa Acupunctura e Moxabustão
2- APAMTC, Acupunctura
3- APA-DA, Acupunctura
4- APA-DA, Mecanismos de Acção da MTC
5- How to Use Acupuncture to Treat an Ulcer
6- Streitberger K, Kleinhenz J., Introducing a placebo needle into acupuncture research., Lancet. 1998 Sep 19;352(9132):992.
7- Streitberger K, Diefenbacher M, Bauer A, Conradi R, Bardenheuer H, Martin E, Schneider A, Unnebrink K.,Acupuncture compared to placebo-acupuncture for postoperative nausea and vomiting prophylaxis: a randomised placebo-controlled patient and observer blind trial.Anaesthesia. 2004 Jul;59(7):730; author reply 730-1.
8-The World Health Organization Viewpoint on Acupuncture