quinta-feira, dezembro 13, 2007

Afinal o que é fé?...

O exemplo que dei de fé suscitou protestos. O Manuel Rocha disse que o pai estrangular a filha porque ela não queria usar o véu não é um exemplo de fé « porque se reporta a um acto de pura demência. Da fé sincera tenho eu a ideia de procura de um conforto interior...»(1). Concordo que é um acto demente, mas discordo do pressuposto que a fé e a demência sejam mutuamente exclusivas.

Parece-me que o Manuel e a Abobrinha querem circunscrever a fé ao politicamente correcto. Penso que aceitarão como fé a esperança que Deus leve alguns para o paraíso. Mas provavelmente dirão que já não é fé se essa esperança incluir a condenação de todos os membros de certa etnia ou raça. Isso é racismo. É fé ensinar uma criança a amar Jesus e ir à missa aos domingos ouvir o senhor padre. Mas não é fé obrigar a filha a usar véu. Isso é abuso, ou demência. E assim por diante.

Mas estas distinções não têm a ver com o que a fé é. A fé é uma crença caracterizada por uma convicção firme e pelo seu valor para o crente. Pode ser a procura de um conforto interior, como diz o Manuel Rocha. Pode ser a única esperança perante a certeza da morte, como dizia Paulo nas suas epístolas. Pode ser a entrega inquestionável aos desígnios de Deus, como em Abraão e Jób. E pode ser ir de joelhos até Fátima, rebentar autocarros ou condenar pessoas à morte por blasfémia. Pode ser pura demência sem deixar de ser fé.

Normalmente subentende-se a fé como religiosa, mas pode não ser, e posso responder ao Manuel Rocha que sei o que é ter fé. Tenho a certeza que violar crianças é uma maldade e, além desta certeza, incomoda-me a possibilidade de mudar de opinião acerca disto. Acho que sem esta certeza eu seria uma pessoa pior do que sou agora. Por isso é uma fé. É uma convicção firme que eu não só tenho como me acho na obrigação de ter. Mas este tipo de fé dá valor a uma convicção acerca de valores e vez de factos. Condeno a violação de crianças porque condeno o desrespeito pelos seus valores. Se um tipo de 16 anos vai para a cama com a namorada de 18 não é violação. É sorte. Não condeno o acto pelo facto do sexo mas pelo valor deste para os envolvidos.

A fé religiosa muitas vezes dá valor a uma convicção acerca de factos. A ressurreição de Jesus, a inerrância da Bíblia, ou a exigência divina que o pai mate a sua filha que desrespeita o Corão. Esta é a maior diferença entre a fé boa e a fé má. A fé boa dá valor a convicções acerca de valores reconhecendo que os valores são subjectivos e cada um terá os seus. A fé má dá valor a convicções acerca de supostos factos que serão iguais para toda a gente. Isto dá asneira, mas é fé à mesma.

1-Ciência não é fé.

35 comentários:

  1. "Tenho a certeza que violar crianças é uma maldade e, além desta certeza, incomoda-me a possibilidade de mudar de opinião acerca disto. Acho que sem esta certeza eu seria uma pessoa pior do que sou agora. Por isso é uma fé."
    Não, não é. É o aceitar um dado conjunto de valores, no caso aceites pela (espero) esmagadora maioria das sociedades actuais.
    Violar uma criança já foi aceite, ou tolerada, no passado e no futuro não se sabe.

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  2. osvalodo lucas:

    Por essa ordem de ideias, o cristianismo também não é fé, visto ser partilhado por tanta gente.

    O Ludwig não especificou de onde vem a fé - pode vir da cultura envolvente, ou ser fruto de experiências pessoais específicas. Mas pela definição apresentada pelo Ludwig para fé, o exemplo dado encaixa-se perfeitamente.

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  3. Osvaldo,

    Não é simplesmente aceitar valores sociais. Eu aceito que um velório seja uma coisa sombria e deprimente, que é o aceite na sociedade em que vivo. Mas se o costume mudar e um velório passar a ser uma festa em homenagem ao falecido, como noutras sociedades, isso não me incomoda. Aceito um valor sem dar valor a essa aceitação.

    O que distingue a fé é que além de acreditar em algo também se dá valor à crença em si.

    E isso de não ser fé por ser algo que é aceite pela sociedade não me parece razoável. Se fosse por isso ninguém podia ter fé no deus cristão em Portugal porque tanta gente aceita que ele existe...

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  4. Ooops, o João Vasco foi mais rápido que eu (às vezes sinto que me estão a espiar quando escrevo posts ;)

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  5. Ludwig

    Uma coisa é a fé, outra é a demonstração da fé, o que se faz em nome desta. Esse último aspecto compreende coisas tão díspares como rebentar coisas, ir a Fátima a pé ou obrigar outros a usar um véu. Neste comentário falarei só em fé no sentido relogioso.

    Estes actos são legítimos pelo que revelam para o próprio, mas podem não fazer sentido. Desde que isso não afecte os outros, tudo bem!

    Ir a Fátima a pé faz sentido para quem demonstra a fé de forma tão extrema, mas só envolve o próprio. Não é propriamente violento ver alguém a dar cabo do corpo, embora possa parecer mais ou menos sensato (julgamento legítimo ou não de quem observa). Não interfere com a minha liberdade o acto em si nem mesmo se o peregrino disser que toda a gente deva fazer isso, senão vai para o inferno: é a opinião dele e não passa disso. É inócua mas não é fé: é uma opinião acerca da ideia de fé e suas consequências.

    Fazer explodir um autocarro ou obrigar outras a usar um véu já é diferente. É o que alguns fazem em nome da fé, mas limita a minha liberdade em muitas maneiras. Mas não é estritamente falando fé religiosa: não é crença em nada que não na própria certeza da sua superioridade moral. Isso cai no âmbito da liberdade de expressão e é muito complicado.

    Concordo na diferença que apontas entre costume e fé, mas há quem só aceite o Deus porque toda a gente aceita e não porque tenha fé nele. É uma forma de camuflagem social. Essas são as pessoas que não pensam, mas aceitam a realidade da maioria.

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  6. Ludwig

    O exemplo do Osvaldo da violação de uma criança (ou violação em geral, mas não interessa agora) é diferente do que dás do velório, porque o dele implica valores morais e o teu essencialmente costumes.

    Os valores religiosos (religião como construção humana e não como só fé no divino) cruzam-se e sobrepoem-se mais ou menos aos valores humanos puros e simples por motivos vários. Uma vez debatemos que ser religioso não era necessariamente ser boa pessoa por definição e que não ser religioso não tornava ninguém necessariamente má pessoa (resumindo foi isto).

    Se uma religião dissesse (não diz: é uma interpretação abusiva) que se devia matar uma mulher que não usa um véu, só por ser um valor religioso não o tornaria bom. Socialmente, maioritariamente, há a aceitação (fundamentada, ou seja, nem é questão de fé) que matar alguém por algo tão estranho é errado.

    O velório, como o casamento são rituais sociais de ocasiões diferentes (em princípio, mas há gente com hábitos de vida estranhos), mas em que uma coisa é comum: os sentimentos é que contam. Socialmente pode ser prática chorar de alegria ou tristeza, mas a pessoas de boa índole (com ou sem religião) interessa o que se sente e não o que se aparenta. Acho eu...

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  7. Abobrinha,

    «O exemplo do Osvaldo da violação de uma criança (ou violação em geral, mas não interessa agora) é diferente do que dás do velório, porque o dele implica valores morais e o teu essencialmente costumes.»

    É precisamente essa a diferença. Se eu fizer um filme com uma cena em que o pessoal faz uma grande festa num velório, é uma cena caricata contrária aos nossos costumes.

    Se eu fizer um filme em que Jesus é um bêbado que bate na mãe e abusa da criada é uma ofensa aos cristãos.

    A diferença não está em contrariar aquilo que aceitam como válido, verdadeiro ou tradicional. A diferença é que um é apenas o que é e o outro, além da crença, é tomado como um valor em si. É fé.

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  8. Abobrinha:

    "Ir a Fátima a pé faz sentido para quem demonstra a fé de forma tão extrema, mas só envolve o próprio."

    Tem a certeza que ir a Fátima a pé so envolve o próprio?

    Eu penso que não. Se admitirmos que todos pagamos a saúde de todos, o peregrino que vai a Fátima e com isso ficar doente, todos vamos pagar a assistência médica, dias de baixa, subsídio de de baixa, subsídio de funeral e, talvez outros...

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  9. Ludiwig,

    "A fé boa dá valor a convicções acerca de valores reconhecendo que os valores são subjectivos e cada um terá os seus."

    Infeliz afirmacão. Independente de qualquer fé religiosa condenas (assim como a esmagadora maioria das pessoas) aquele indivíduo que viole uma crianca.

    Se a "fé boa" é reconhecer que os valores são subjetivos para cada um, aceitar-se-ia que alguém viole uma crianca porque "assim são os seus valores". Mas não é o que fazemos.

    Não fazemos isso porque, saindo desse nível, comeca-se a falar em ética e nos valores "geralmente aceitos" por uma sociedade. Os outros comentários ao artigo apontam para este lado.

    Mas os valores aceitos por uma sociedade podem ser diversos, inclusive pode ser comum violar criancas (como o é em muitas sociedades).

    Respeitar valores simplesmente por serem valores é hipocrisia e, não limpa a sua cara se os valores da sociedade fossem contrários aos seus atuais.

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  10. Ludiwg,

    "Se eu fizer um filme com uma cena em que o pessoal faz uma grande festa num velório, é uma cena caricata contrária aos nossos costumes.

    Se eu fizer um filme em que Jesus é um bêbado que bate na mãe e abusa da criada é uma ofensa aos cristãos."

    Ludiwig confude as bolas.

    Se eu fizer um filme com alguém defecando nas ruas (não sei em Portugal, mas isso é ofensivo lá em casa). É contrário aos meus costumes e posso enxergar como algo caricato ou repugnante. Nada impede, inclusive, que eu mude de idéia morando numa sociedade onde isso é comum.

    Se eu fizer um filme mostrando o Ludwig violando uma criacinha e depois matando-a, acredito que ele se sentiria pessoalmente ofendido.

    São duas coisas totalmente distintas. A primeira tradicões sociais e, a segunda, a sua honra pessoal.

    Os cristãos tomam a honra pessoal de Jesus como sua própria. Tenho minhas dúvidas se deveriam ou não fazer isso. Muitas vezes só se estressam por besteira mas fato é que, mesmo que sua esposa pudesse achar o seu filme violando uma criacinha como caricato, o Ludiwig ficaria pessoalmente ofendido.

    Como sempre, o Ludiwig compara carneiros com renas e sai por isso mesmo. Carneiros não são renas!!!

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  11. «Se eu fizer um filme mostrando o Ludwig violando uma criacinha e depois matando-a, acredito que ele se sentiria pessoalmente ofendido.»

    Nem por isso, mas admitamos que Jesus ficava ofendido com o meu filme. Isso era razoável.

    Mas se milhões de Ludwiguiões ficassem ofendidos com o seu filme sobre o Ludwig eu diria que, nesse caso, era fé. Ou parvoíce. Ou ambos, porque não são mutuamente exclusivos.

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  12. O tiago luchini apanha cada ensaboadela do Ludwig... Até gosto ver :)

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  13. Ludwig

    Em relação aos filmes/obras de arte que mencionaste, qualquer um deles pode ser visto como uma manifestação artística. Boa ou má, de bom ou mau gosto. E só por qualidade da arte tínhamos pano para mangas, por isso vou ater-me às considerações de fé (versão bom senso).

    A questão aqui é a da liberdade de expressão, de ambos os lados. Eu tenho direito à minha, o que inclui o direito a sentir-me ofendida. Nesse caso é simples: posso manifestar-me ofendida e/ou não consumir aquela manifestação de arte. Não posso é atentar contra a integridade física de quem criou arte nem limitar-lhe a liberdade.

    A liberdade de expressão (como todas as liberdades) não é absoluta e tem limites. Limites como os da incitação a comportamentos seriamente desviantes (matar alguém, suicidar-se, mandar bombas para casas escolhidas aleatoriamente, ...) ou à imagem de outra pessoa.

    No caso, fazer um filme que atentasse contra a honra pessoal do Ludwig de forma gratuita seria motivo para impedir a sua divulgação. Mas atentar contra a honra de quem pode ser interpretado como uma personagem histórica por alguns mas como Deus na Terra por outros... os nossos valores não religiosos dizem que isso não é aceitável. Isso cerceia a liberdade artística e de opinião (ou coincidem, neste caso?). De certo modo equivaleria a obrigar a aceitação de que Jesus é divino. Mas tem mais implicações que isso!

    Se eu não gosto e acho desrespeitoso, posso manifestar essa opinião, tentar influenciar quem possa consumir essa manifestação de arte... muita coisa, mas não a liberdade de quem a criou. Mesmo porque falta de respeito é muito relativa. E pode começar-se a censurar um livro e acabar a obrigar a estrangular alguém por não usar um véu. Estes retrocessos civilizacionais são mais frequentes do que queremos admitir e temos que estar atentos e vigilantes para que não aconteça no nosso quintal. Má arte ou arte discutível são pequenos preços a pagar. Perfeitamente suportável, diga-se.

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  14. António

    "Tem a certeza que ir a Fátima a pé so envolve o próprio?

    Eu penso que não. Se admitirmos que todos pagamos a saúde de todos, o peregrino que vai a Fátima e com isso ficar doente, todos vamos pagar a assistência médica, dias de baixa, subsídio de de baixa, subsídio de funeral e, talvez outros..."

    Hiiiiiiiiiii, nem vá por aí! Isso legitimaria o mesmo tipo de pensamento para quem não tem estilos de vida saudáveis, quem não atravessa a passadeira com todos os cuidados por ser distraído, quem fuma, quem pratica desportos radicais, quem stressa demais... ... ...

    O que cada um faz é com cada qual. Nos exemplos que dei estavam em causa liberdades que vão da liberdade de sentir adrenalina, de sentir prazer numa droga permitida (mas sancionada para ser dissuasor), de trabalhar demais... o que é a liberdade religiosa nestes moldes no meio disto?

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  15. Abobrinha:

    Tem toda a razão. Mas, o fumador paga elevados impostos, as próprias companhias de seguros avaliam os riscos de vida, com índices como obsidade, estilos de vida, prática de desportos radicais... O dinheiro que cai nos cofres de Fátima são totalmente isentos de impostos.

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  16. LK:

    A sua argumentação teria solidez de muralha inexpugnável se não se desse o caso de misturar no mesmo saco de gatos fenómenos de natureza semelhante mas no entanto distintos.

    Explico-me:

    Desordens de personalidade várias são, sempre foram, campo fértil para os mais diversos tipos de comportamentos desviantes. Se a fé os pode potenciar, eu responderia com o beneficio da dúvida: é provavel. Mas correlação não é causalidade.

    A segunda nota é para a estrutura dos valores de "bem" e "mal". É provável que com mais uns anos de globalização e de "monocultura cultural" eles possam vir a ter o mesmo significado em todo o lado e para toda a gente. Para já ainda não chegamos lá, e teremos pois de considerar que há determinismos culturais que justificam mundividencias diversas. Goste-se ou não delas, há que as tentar compreeender no seu contexto antes de as submeter a uma avaliação segundo bitolas universalistas abstractas.

    Finalmente, a sua argumentação não me convence que já tenha estado do lado de lá da fé. Fala-me de valores. Fé, tenho-a por algo de natureza distinta. Como lhe disse não a compreendo, mas também não a reconheço no seu argumentário.

    Sendo homem sem fés, dou no entanto o beneficio da dúvida à existência de mais "vida" para além daquela que a razão instituida nos deixa perceber.

    Saudações.

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  17. Volto para uma nota.

    Parece que andamos aqui a funcionar com cenceitos dispares, e isso pode conduzir a alguma dificuldade de nos entendermos.

    Tenho para mim que a prática social se estrutura sobre usos, costumes e valores. Não são sinónimos, mas um gradiente crescente de elementos que determinam a importãncia relativa das nossas interacçães. Se a moda é um uso, não comer com as mãos é um costume, e o respeito pela coisa alheia um valor.

    Se um conjunto de usos e costumes bastam para caracterizar uma época numa sociedade, para caracterizar a concepção do mundo que formata a ideologia que a guia, são necessários valores.

    O cristianismo constitui nesse sentido uma concepçáo do mundo que se suporta em valores conhecidos. Mas para vivermos segundo os valores dominantes no mundo cristão, não precisamos da fé para nada. Basta-nos aderir ao corpo de valores subjacentes à doutrina, o que básicamente é não roubar, não matar, não...não...não..

    Não são os valores que dão origem à fé, mas a fé pode ser tida como valor. Mas posso ter uma conduta tão boa como o melhor cristão, partilhar com ele todos os valores, excepto esse - a fé.

    Ora isto faz alguma diferença, não ?

    Ciência não é fé ?

    Bem...eu partilho todos os valores da ciência, mas terei de ser honesto qb para dizer que acreditar no Big Bang é algo que para mim anda lá perto !

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  18. Manuel,

    A sua argumentação é muito mais difícil de atacar que a minha. Digo isto porque o Manuel não indica o critério para distinguir a fé do comportamento desviante, não define o que entende por fé, e não explica porque não reconhece o exemplo que dei como fé. Assim é mesmo um argumento irrefutável.

    Mas não vejo isso como uma virtude :)

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  19. Tinha deixado escapar esta...

    Tiago Luchini:

    «Se a "fé boa" é reconhecer que os valores são subjetivos para cada um, aceitar-se-ia que alguém viole uma crianca porque "assim são os seus valores". Mas não é o que fazemos.»

    Isso é errado. O subjectivismo ético não equivale ao relativismo. Basta considerar também os valores da criança.

    Eu não gosto que violem crianças, mas a minha opinião conta pouco.

    O violador gosta, e ele é um dos interessados.

    Mas a criança está a ser muito prejudicada por isto, e os valores dela estarão a ser atropelados se deixarmos o violador violá-la. E isso conta. É subjectivo, mas não é relativismo.

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  20. Ludiwig,

    Sua habilidade em desconversar é fantástica! Deverias tentar cargo em política.

    "Mas se milhões de Ludwiguiões ficassem ofendidos com o seu filme sobre o Ludwig eu diria que, nesse caso, era fé."

    Estamos falando de fé ou ofensa? Eu falava de ofensa pessoal (sua num caso e de jesus no outro).

    A tomada da ofensa pessoal a outro como sua é um processo natural que as pessoas realizam por respeito. Ofenda uma filha ou um pai e receba o desprezo do resto da família.

    Espero que seus filhos sintam-se ofendidos ao assistir o filme do Ludiwig violando criancinhas. E isso não tem nada a ver com fé. Nem que tentes esbravejar.

    Erras também aqui:

    "O subjectivismo ético não equivale ao relativismo. Basta considerar também os valores da criança."

    Acertou no "basta". Qualquer sociedade que não considere os valores da crianca, não se encaixa no seu argumento original. Por isso ele é furado.

    Repito: pelo seu argumento, sua única razão de não violar uma crianca é porque a sua ética pessoal e do seu grupo social definem que isso é ruim. Como diz respeitar diferentes conjuntos de valores, sistemas onde criancas possam ser violadas são possíveis.

    Não misture as coisas para safar sua cara Ludiwig. É feio.

    E anônimo, deixando-se levar pelos paralelismos muitas vezes incompletos do Ludiwig não é feio... é, no mínimo, ingênuo.

    Tiago

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  21. Tiago,

    Espero que isto para si não seja desconversar ou fazer coisas feias para salvar a cara, mas recomendo-lhe que leia na Stanford Encyclopedia of Philosophy a diferença entre o subjectivismo (com o qual eu concordo) e o relativismo (do qual o Tiago me acusa).

    Quanto à coisa da ofensa, veja o que aconteceu com os cartoons de Maomé. Alguém ficar aborrecido porque gozaram com um familiar é uma reacção normal. Milhões de pessoas ficarem exaltadas, muitas ao ponto de violência, porque fizeram desenhos de alguém que morreu há quinze séculos já é outra coisa.

    O Manuel Rocha dirá que serão milhões e milhões de exemplos simultâneos de comportamento desviante. Eu digo que é um exemplo de fé. O que não quer dizer que o Manuel não tenha razão...

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  22. Já agora, se o Tiago quiser aprofundar isto da ética, esclareço que sou subjectivista em relação aos valores individuais (àquilo que cada um usa para determinar o que é bom ou mau para si), mas não necessáriamente aos valores éticos (àquilo que serve de fundamento para determinar o que é bom ou mau para todos).

    Mas isto é só se o Tiago estiver interessado em debater o tema. Se for só para dizer que eu desconverso, então deixe estar...

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  23. Lembrei-me de outro exemplo.

    No Brasil é costume contar piadas de Portugueses. São piadas racistas e que extrapolam de uma visão que os Portugueses sejam ingênuos, estúpidos, burros ou beirando a idiotice.

    Mesmo que seja FATO que os Portugueses não sejam tudo isso (afinal, temos o KTreta para relembrar) as piadas são contadas e difundidas sendo muito populares. Quantidade também não altera fatos ou 180 milhões de pessoas acreditando na ignorância Portuguesa transformaria isso em fato.

    Também é fato que os Portugueses se ofendem com a situação. E deveriam: a grande maioria das piadas é ofensiva e afeta a forma como um povo inteiro se relaciona com outro.

    Agora, segundo Ludiwig, esse sentimento de ofensa é fé.

    Ou, em outras palavras, segundo Ludiwig, o Portugês que se sente ofendido quando uma ofensa lhe é transmitida pela sua etnia está demonstrando fé. Sinceramente? Falta lógica nessa afirmação.

    Alguém pode argumentar que o "ser Português" é diferente de o "ser Cristão" mas discordo.

    O Português é aquele nascido de famílias Portuguesas e/ou em solo Luso. Cristão é aquele renascido em Cristo.

    Agora, existem basicamente duas posturas para lidar com a ofensa "herdada" por outros vínculos (familiares, sociais, étnicos, regionais, religiosos e afim - lembrando - nada disso é fé).

    Uma postura é enfesar, fechar a cara e esbravejar.

    Outra postura é rir do ofensor e de si mesmo porque, pessoalmente, conhece-se os fatos.

    Infelizmente, quando ofendidos, Portugueses e Cristãos em geral se encaixam na primeira postura.

    Ahh.... e a fé nisso tudo? Na prática ficou lá longe.

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  24. Ludiwg,

    "[..]se o Tiago quiser aprofundar isto da ética, esclareço que sou subjectivista em relação aos valores individuais (àquilo que cada um usa para determinar o que é bom ou mau para si), mas não necessáriamente aos valores éticos (àquilo que serve de fundamento para determinar o que é bom ou mau para todos)."

    Podemos nos aprofundar por aí sim e seria muito interessante.

    A coisa vira desconversa quando traz exemplos desencontrados.

    "[...] porque fizeram desenhos de alguém que morreu há quinze séculos já é outra coisa."

    "Outra coisa" eu concordo. Só não que essa outra coisa seja chamada de fé (nem aquela fé na minha leitura semântica bem abrangente que já discutimos aqui).

    O tipo e o nível de reação à determinada ofensa é proporcional à uma série de variáveis e diria que a maior parte delas não tem nenhuma relação com a fé.

    Um exemplo é ofender um homem público, tome um homem público qualquer: George Bush por exemplo. Sua família ficará aborrecida e a legião de seguidores, apoiadores e patrocinadores também não vai gostar.

    Agora ofenda o Ludwig ou o Tiago. Se nossas famílias se aborrecerem é muito.

    Fato é que várias outras variáveis estão envolvidas. Muitas políticas, muitas pessoais e resumir isso como fé é sim desconversar.

    Se quisermos discutir sobre subjectivismo ou relativismo podemos até cair na questão que o contexto dos cartoons nem era compartilhado pelos dois lados (muito pelo contrário diga-se).

    O próprio link do SEP que passou nos relembra:

    "There are more complicated possibilities. Gilbert Harman, for example, would relativize the utterance to a context shared by both speaker and audience (Harman 1975; Harman and Thomson 1996).)"

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  25. Caro Ludwig:

    Pensei que já tivesse conseguido passar a ideia que se não defino fé, é porque não a compreendo.

    Não sou capaz de definir o que não entendo.

    Serei capaz da sensibilidade necessária para perceber o que não é, e por isso lhe disse que reduzir o conceito a um valor ou conjunto de valores ma parece "curto".

    Alguns autores que têm experienciado situações limite, como comas, descrevem depois uma existência que está longe de fazer parte do nosso quotidiano. Por analogia, a fé pode situar-se algures nesses dominios.

    Agora, lá está, acho que não fica mal debater estes temas com as cautelas devidas ao respeito que a diferença nos deve merecer. Dai a necessidade de algum critério na escolha dos exemplos.Isso é tolerância, e para mim é um valor muito mais importante que a fé.

    Situações de provocação gratuita de crentes, como a célebre caricatura de Maomé, não são nem sinal de independência, nem de liberdade de expressão, mas apenas uma expressão de má educação que a auto-limitação que deveria funcionar como filtro da nossa liberdade não reteve.

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  26. Uma nota solta:

    Por vezes tb me fica a ideia de que se fala de ética e moral como sinónimos.

    Tenho para mim, que é a moral quem separa o bem do mal.

    A ética fica-se pelo respeito pela diferença. Compreeender outros pontos de vista não quer dizer concordar ou sequer conviver pacificamente com eles. Quer dizer apenas não os apreciar segundo o nosso conceito moral de bem e mal ...

    Estarei errado ?

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  27. Manuel,

    Em ambos os casos, é um problema da palavra.

    A fé não a definimos. O que temos que definir é a palavra «fé», senão não nos entendemos. Eu propuz que se refira à crença convicta que dispensa evidências e que é vista pelo crente como algo de valor. Tem fê quem crê e quer crer.

    É legítimo que o Manuel defenda que esta categoria de coisas que eu refiro com a palavra «fé» é uma categoria mal escolhida. Mas para isso terá que dizer qual é o problema e propôr uma alteração à definição da palavra. Só assim poderemos ver se a sua definição da palavra captura melhor os fenómenos que queremos referir.

    Quanto à ética e moral, muitos autores usam-nas como sinónimos. Mas há quem faça a distinção entre moral como sendo o conjunto de regras pelos quais nos regemos, e a ética como sendo a análise do fundamento desses costumes. «Não se deve roubar» é uma afirmação moral. «Porque é que não se deve roubar?» é uma pergunta ética.

    Mas desde que fique claro no contexto, não há problema em usar as palavras noutro sentido. Estes são termos bastante flexiveis.

    Quanto ao critério na escolha dos exemplos, discordo de si. Esses crimes horriveis em nome de uma religião são um facto. Acontecem mesmo. Que se considere não mencionar um facto com esta relevância (até vem um episódio semelhante na bíblia...) porque os crentes se podem ofender só reforça o meu argumento: é pernicioso dar tanto valor a uma certeza acerca de factos.

    Já ouviu alguém dizer que não se deve mencionar o Pol Pot aos ateus porque eles se podem ofender? Ou que não se deve fazer caricaturas do David Hume com um crucifixo ou do Bertrand Russell a beijar uma estátua da Virgem Maria?

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  28. Tiago,

    Quanto às ofensas, se nem me ofendo que me chame «LudIwig» já pode ver que não me vou chatear com anedotas. Não me levo suficientemente a sério para me ofender com o que me dizem.

    Quanto à fé, sugiro que me diga então como define a palavra. E note que eu não considero o sentimento de ofensa como sendo a fé, mas como sendo uma consequência da fé.

    Alguém que tenha a certeza absoluta que Jesus morreu e ressuscitou e têm coisas boas para nos ensinar terá tanta razão para se ofender com uma caricatura de Jesus a apalpar a criada como alguém que tenha a certeza que Platão viveu e têm coisas boas para nos ensinar teria para se ofender com uma caricatura semelhante de Platão.

    Só se ofenderá quem além de ter pouco sentido de humor considerar que tal crença é, mais que uma certeza, um valor que lhe é precioso e que não tolera que ataquem ou questionem.

    Quando o Manuel e o Tiago sugerem que eu evite estes exemplos chocantes estão a reconhecer este aspecto da fé que vai além da mera certeza e entre no juízo de valor. Acerca da crença do próprio e, normalmente, dos direitos dos outros...

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  29. Não apenas isso Ludwig...

    A questão é que considero que os exemplos que refere, rementem também para inúmeras outras circunstãncias que podem explicar as reacções entre razões que, estou seguro, você não consegue isolar a fé, nem sequer demonstrar se ela foi determinante.

    No caso das caricaturas de Maomé, com os ânimos ao rubro num conflito entre civilizações, não acha que foi mais um pretexto para uma reacção que uma questão de fé?

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  30. Concordo que há vários factores. Mas há sempre vários factores. O que importa não é isolá-lo mas ver o papel que tem a causar certos efeitos e que atributos lhe estão associados.

    Nunca vamos encontrar alguém que só fumou a vida toda e que nunca fez mais nada. Por isso haverá sempre vários factores envolvidos com o cancro do pulmão. Isso não impede de detectar o tabaco como uma causa importante.

    A fé é uma das causas da intolerância. Há mais, e é possível ter fé sem ser intolerante (como fumar sem apanhar cancro). Mas a ideia que é um dever moral acreditar numa proposição acerca de factos objectivos é uma causa de efeitos nefastos.

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  31. Ludwig,

    Realmente o 'I' entrou no seu nome em falhas repetitivas. Desculpe.

    "Alguém que tenha a certeza absoluta que Jesus morreu e ressuscitou e têm coisas boas para nos ensinar terá tanta razão para se ofender com uma caricatura de Jesus a apalpar a criada como alguém que tenha a certeza que Platão viveu e têm coisas boas para nos ensinar teria para se ofender com uma caricatura semelhante de Platão."

    O cristão não tem apenas a certeza absoluta que Jesus morreu, ressuscitou e ensina coisas boas. Ele tem também a certeza que renasceu em cristo e que, através desse processo, se fez nova criatura por isso é chamado de cristão. Como o Português que nasce em solo luso é chamado de Português.

    Por isso é natural que se ofenda. Não que, para isso, devêssesmo sair a exterminar os "ofensores".

    Do mesmo modo que uma piada infame contra sua etnia não te abalam, qualquer ofensa há Jesus ou qualquer personagem bíblico (ou não) não me afetam também.

    Mas fato é que a maioria das pessoas não são Ludwigs e Tiagos. Um português-padrão se ofende com a piada (garanto, já tentei - mesmo que leve) assim como um crente-padrão ofende-se com um Jesus depreciado.

    "Quando o Manuel e o Tiago sugerem que eu evite estes exemplos chocantes[...]"

    De modo algum!! Exemplos chocantes são ótimos!! Se quiser exemplos chocantes das aberrações que se fazem em nome de Deus tenho uma gaveta cheia!

    Só não acho justo comparar coisas distintas (como deixou a entender na ofensa X fé).

    O principal fator que leva à um ato beirando à demência (como estrangular a filha por não usar véu) não é a fé. É um fator psicológico patológico. A pessoa tem deficiências graves de formação do caráter e preenche lacunas pessoais com pedaços incompletos de valores religiosos e rituais todos costurados.

    Tenho certeza que no corão não há nenhuma justificativa palpável para um ato inumano como este assim como não o há na bíblia cristã.

    Tiago

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  32. Tiago,

    Deuteronómio, 22:20-21 explica o que se deve fazer às raparigas que não são virgens quando casam:

    «se a rapariga na verdade já não era virgem, os juízes trarão a rapariga até à porta da casa do seu pai, onde os homens da cidade a apedrejarão até morrer. Ela manchou Israel com um crime flagrante, prostituindo-se enquanto vivia no lar de seus pais; um tamanho mal deverá ser varrido do vosso meio.»

    E se em países como os nossos há a desculpa de dizer que são costumes com 3000 anos, em vários países muçulmanos «crimes» como adultério e apostasia são ainda punidos com pena de morte (mas o adultério só se for a mulher a cometê-lo).

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  33. Tal pode ser ilustrado aqui.

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  34. Este comentário foi removido pelo autor.

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  35. "Como o Português que nasce em solo luso é chamado de Português."

    Impreciso. O "nosso" Deco, por exemplo.

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